RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Implementação da Prática Avançada de Enfermagem no enfrentamento do atraso vacinal: um relato de experiência

 

Ana Paula Ferreira Maciel1, Raquel Gusmão Soares1, Kênia Souto Moreira1, Claudia Mendes Campos Versiani1, Viviane Maia Santos1, Patrícia Pereira Alves Braz1, Ana Beatriz Mota Guedes1, Carla Silvana Oliveira e Silva1

 

1Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Descrever a implementação de práticas avançadas de enfermagem para abordar o atraso na imunização em crianças menores de dois anos de idade. Método: Trata-se de um relato de experiência que monitorou a situação vacinal de crianças menores de dois anos e descreveu práticas avançadas de enfermagem para melhorar a adesão à vacinação. Resultados: Foi monitorado o estado vacinal das crianças e realizadas ações e intervenções individuais e coletivas, como consultas individuais, buscas ativas, ligações telefônicas e mensagens via aplicativo de celular, educação continuada e produção de materiais educativos para conscientização entre a comunidade, pais/responsáveis e profissionais de saúde sobre a importância de manter o calendário vacinal atualizado, conforme proposto pelo Programa Nacional de Imunizações. Conclusão: As intervenções neste relatório demonstraram implicações importantes para a saúde pública e podem sugerir que as práticas avançadas de enfermagem têm um impacto positivo na melhoria da cobertura vacinal.

 

Descritores: Vacinas; Hesitação Vacinal; Estratégias de Saúde; Enfermagem.

 

INTRODUÇÃO

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é de responsabilidade do Ministério da Saúde, com ações compartilhadas com as secretarias estaduais e municipais de saúde. É reconhecida como uma importante intervenção de saúde pública devido aos resultados significativos que alcançou, particularmente em termos do seu impacto na redução de doenças evitáveis por vacinação(1,2).

No entanto, no mundo de hoje, as complexidades da adesão às vacinas e da cobertura vacinal adequada colocam numerosos desafios à manutenção dos resultados alcançados e ao alcance de novos patamares. Portanto, há uma necessidade urgente de reforçar a colaboração entre países e comunidades, a comunidade científica, os sectores público e privado, e organizações governamentais e não-governamentais para alcançar melhores resultados em termos de adesão às vacinas e para manter uma elevada cobertura vacinal(2,3).

No estado de Minas Gerais, a análise dos indicadores de cobertura vacinal em 2021 mostrou que a taxa de abandono entre crianças menores de dois anos foi de 80,9%, o que coloca o estado em risco alto e muito alto em termos de transmissibilidade de doenças imunopreveníveis. Nesse sentido, medidas que visem alcançar altas coberturas vacinais e reduzir a recusa vacinal contribuirão para melhores coberturas vacinais e possíveis efeitos de “imunidade de rebanho” em todo o estado, reduzindo assim o risco de reemergência de doenças imunopreveníveis que já foram controladas ou erradicadas(4,5).

A Atenção Primária à Saúde (APS), como eixo central da política pública de saúde, é um cenário que deve focar na promoção da saúde e na prevenção de doenças, o que oportuniza práticas que tenham como foco a vacinação(5,6). Paradoxalmente, os atrasos na vacinação constituem uma fragilidade no contexto das intervenções da APS e podem ser identificados durante as diversas atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde, como visitas domiciliárias, consultas de puericultura ou outras visitas às unidades de saúde, ou mesmo durante o acompanhamento mensal da vacinação situação de todas as crianças cadastradas e acompanhadas na área de saúde(7,8).

Nessa perspectiva, estratégias que visam melhorar a adesão vacinal e, consequentemente, a cobertura vacinal, estão surgindo e estão incluídas na prática avançada de enfermagem por terem implicações na saúde, ao mesmo tempo em que convergem para aspectos econômicos e sociais. Devido à complexidade dos motivos da hesitação vacinal, não existe uma estratégia de intervenção única que possa abranger todas as diferentes facetas relacionadas com este fenômeno(8-10).

Para este fim, o objetivo deste relatório foi descrever a implementação de práticas avançadas de enfermagem para abordar a hesitação vacinal em crianças menores de dois anos de idade.

 

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência que acompanhou a situação vacinal de crianças menores de 2 anos cadastradas em cinco Estratégias de Saúde da Família (ESF) em microrregiões de um município de médio porte localizado no norte de Minas Gerais, bem como descreveu a implementação de estratégias avançadas praticar a enfermagem como estratégias para melhorar a adesão vacinal e a cobertura vacinal local.

As ações ocorreram entre março e junho de 2023 e foram realizadas por professores e alunos do 9º período (Estágio Saúde da Família) do curso de graduação em enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), em parceria com alunos e professores bolsistas desta universidade, vinculado a Projeto Institucional aprovado pelo Ministério da Saúde (MS).

Para a vigilância vacinal, os alunos do 9º período receberam previamente instruções sobre como avaliar o calendário vacinal e orientações técnicas sobre vacinas. Eles foram orientados a utilizar o cartão espelho para registrar as doses das vacinas e acompanhar o calendário vacinal dos menores de dois anos, de acordo com o PNI. Também foi solicitada aos estagiários a realização de prática avançada de enfermagem na atenção primária à saúde como atividade curricular, o que incluiu a proposição de intervenções para aumentar a adesão e cobertura vacinal nos locais de estágio, cenários deste estudo.

Todas as atividades realizadas foram de conhecimento e aprovadas pela administração municipal como uma importante parceria entre o serviço e a academia para fortalecer as ações de imunização.

A utilização dos dados coletados limitou-se à discussão científica, sem qualquer tipo de divulgação que pudesse identificar os participantes. Todos os membros da equipe de pesquisa foram devidamente treinados nos aspectos éticos envolvidos e comprometidos com uma conduta responsável e respeitosa durante todo o processo. O compromisso com a ética norteou todas as etapas deste estudo, sempre pensando na integridade e no bem-estar dos participantes, e para contribuir para a produção de conhecimento relevante e responsável na área da saúde.

 

RESULTADOS

No início das atividades, foi necessária uma análise da situação para quantificar a população-alvo. Para tanto, em meados de março de 2023, acadêmicos de suas respectivas áreas realizaram um levantamento confiável com crianças menores de dois anos devidamente cadastradas nas unidades básicas de saúde (UBS). Nessa etapa, realizamos a tríplice verificação das crianças cadastradas, verificando seu cadastro nos sistemas e-SUS e VIVVER e consultando os agentes comunitários de saúde responsáveis pelo acompanhamento dessas crianças. Foram cadastradas e acompanhadas 210 crianças dessa faixa etária.

Foi utilizada uma abordagem abrangente à monitorização das vacinas, incluindo uma avaliação inicial do registo de vacinação da criança, registo das doses recebidas, identificação de doses atrasadas, procura ativa de actualizações do calendário de vacinação e implementação simultânea de práticas para melhorar a adesão à vacina.

Para acompanhar o estado de imunização, foi preenchido um cartão espelho para estas crianças. Nessa etapa, os dados foram recuperados por meio de registros dos agentes comunitários de saúde (ACS) e cruzados com o sistema e-SUS. As informações foram consolidadas por meio de planilhas dinâmicas do Microsoft Excel, o que facilitou a organização e o monitoramento da situação vacinal das crianças. Isto permitiu um monitoramento detalhado e uma gestão simplificada da informação. Entre março e junho também foi realizada uma revisão durante as consultas de enfermagem (atendimento pediátrico) das crianças elencadas pelos estudantes de enfermagem durante o Estágio de Saúde da Família. Essa fase revelou diversas inconsistências, como erros nos registros de imunização, discrepâncias entre os registros eletrônicos e os registros dos ACS, atrasos injustificados na imunização e desvios de cronograma das recomendações do PNI.

Para as crianças com horários atrasados, foi realizada busca comunitária ativa por meio de visitas domiciliares, telefonemas e consultas de enfermagem pediátrica. As crianças com carteira de vacinação com doses atrasadas foram encaminhadas à sala de imunização para atualização do cronograma. Além disso, foram implementadas intervenções para melhorar a adesão às vacinas, como o envio de mensagens aos responsáveis pelas crianças através de um aplicativo móvel. Estes lembretes foram enviados um dia antes da data agendada para a vacinação, para incentivar a adesão e educar os cuidadores sobre a importância da imunização.

Durante o monitoramento foram identificados alguns desafios relacionados aos atrasos nas carteiras de vacinação das crianças atendidas pelas equipes. Estes desafios devem-se principalmente à hesitação em vacinar, exacerbada pela “infodemia” durante a pandemia de Covid-19 e pela disseminação generalizada de desinformação sobre as vacinas. Outras situações também foram identificadas como causas do atraso vacinal, incluindo a falta de vontade dos pais em levar as crianças à ESF e às salas de vacinação, adoecimento de crianças, falta de estoque de vacinas (algumas vacinas não estavam disponíveis na rede durante o período do estudo), prematuridade e condições de saúde específicas, incluindo alergias.

As crianças com atraso vacinal foram tratadas individualmente, onde os pais foram entrevistados sobre possíveis motivos de atraso e/ou hesitação vacinal e foram realizadas intervenções educativas para desmistificar notícias falsas e falsas contraindicações para vacinas, além de orientações assertivas sobre a importância de vacinar as crianças.

É importante ressaltar que as crianças com calendários vacinais em dia foram acompanhadas mensalmente para atualização das imunizações de acordo com o PNI. Durante as consultas de acompanhamento de rotina (puericultura) ou necessidades de saúde, seus cuidadores foram parabenizados pelo seu comportamento, e foi reforçada a importância de manter as vacinas em dia.

Paralelamente, foram realizadas atividades de educação em saúde ao longo do período de monitoramento como parte de outras práticas de cuidados avançados para apoiar a implementação de ações para fortalecer a cobertura vacinal e promover a saúde deste grupo de acordo com as necessidades de cada área específica. Essas atividades foram direcionadas aos ACS, aos técnicos de enfermagem, aos técnicos de sala de vacina, aos demais profissionais das unidades básicas de saúde e à população (principalmente os responsáveis pelas crianças) para promover informações confiáveis e atualizadas sobre a vacinação, favorecendo assim o aumento da cobertura vacinal.

Também foram produzidos materiais gráficos informativos sobre vacinas, bem como um certificado simbólico para as crianças que atualizaram o cartão de vacinação, como medida motivacional para manter o calendário vacinal atualizado; informações sobre vacinas foram divulgadas no perfil oficial nas redes sociais de uma UBS; e foram realizadas intervenções na sala de vacinação para criar um ambiente mais humanizado e acolhedor.

Estas estratégias integradas levaram a uma melhor cobertura vacinal e, como resultado, a uma melhor cobertura vacinal local, que protege a saúde das crianças e a saúde das comunidades em que vivem.

Finalmente, o sucesso das equipas no aumento do cumprimento da vacinação tem sido notável, resultando numa redução do número de crianças menores de dois anos de idade com vacinações em atraso. O trabalho conjunto das equipes (profissionais de saúde, estudantes e docentes de enfermagem) e a sensibilização dos pais/responsáveis foram fatores fundamentais para o alcance de resultados positivos, com benefícios significativos para a saúde pública.

No entanto, trata-se de um relato de experiência realizado num curto espaço de tempo, e as descrições aqui apresentadas devem ser interpretadas com cautela e à luz das diversas especificidades de cada território, bem como da complexidade dos desafios no enfrentamento do atraso e da hesitação vacinal , o que sugere a necessidade de mais pesquisas utilizando diferentes metodologias para avaliar o real impacto das ações realizadas neste relatório.

 

CONCLUSÃO

As intervenções neste relatório demonstraram implicações importantes para a saúde pública e sugerem a necessidade de esforços contínuos para promover e reforçar intervenções para incentivar a imunização de crianças nesta faixa etária.

Este relatório destaca a importância da enfermagem, especialmente dos enfermeiros, na monitorização dos calendários de vacinação das crianças, bem como nas intervenções estratégicas e práticas avançadas para abordar a hesitação vacinal.

Ao identificar os desafios enfrentados e as estratégias de intervenção implementadas, foi possível confirmar que a experiência contribuiu significativamente para a clínica e para o ensino, com estudantes e professores de enfermagem vivenciando e aprendendo a praticar de forma crítica, ativa e reflexiva. Além disso, este relatório poderá incentivar a necessidade de mais estudos e também apoiar o desenvolvimento de políticas públicas em favor da imunização.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

1. Nóvoa T d'Avila, Cordovil VR, Pantoja GM, Ribeiro MES, Cunha AC dos S, Benjamin AIM, Silva CDC de C, Silva TN da, Santos FA. Cobertura vacinal do programa nacional de imunizações (PNI)/Cobertura vacinal do programa nacional de imunizações (PNI). Braz J Hea Rev. 2020;3(4):7863-7. https://doi.org/10.34119/bjhrv3n4-053

 

2. Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica. 2020;36. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919   

 

3. Sato APS. What is the importance of vaccine hesitancy in the drop of vaccination coverage in Brazil?. Rev Saúde Pública. 2018;52:96. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052001199

 

4. Silva TPR da, Vimieiro AM, Gusmão JD, Souza JFA, Lachtim SAF, Vieira EWR, et al. Classificação de risco para transmissão de doenças imunopreveníveis em Minas Gerais, Brasil: dois anos desde o início da pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Coletiva. 2023;28(3):699–710. https://doi.org/10.1590/1413-81232023283.11192022

 

5. Ministério da Saúde (BR). Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [citado 2023 ago 11]. 520 p. Disponível em: https://svs.aids.gov.br/daent/centrais-de-conteudos/publicacoes/saude-brasil/saude-brasil-2019-analise-situacao-saude-enfoque-doencas-imunopreveniveis-imunizacao.pdf

 

6. Teixeira MG, Costa M da CN, Paixão ES da, Carmo EH, Barreto FR, Penna GO. Conquistas do SUS no enfrentamento das doenças transmissíveis. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):1819–28. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.08402018  

 

7. Monteiro DL, Anjos AC dos S, Xavier R de O, Cartaxo R de O. Training on vaccine for community health agents: report on the experience of residents in collective health. RSD.  2021;10(12). https://doi.org/10.33448/rsd-v10i12.19963

 

8. Lemos P de L, Oliveira Júnior GJ de, Souza NFC de, Silva IM da, Paula IPG de, Silva KC, et al. Factors associated with the incomplete opportune vaccination schedule up to 12 months of age, Rondonópolis, Mato Grosso. Rev Paul Pediatr. 2022;40. https://doi.org/10.1590/1984-0462/2022/40/2020300

 

9. Dong A, Meaney C, Sandhu G, De Oliveira N, Singh S, Morson N, Forte M. Routine childhood vaccination rates in an academic family health team before and during the first wave of the COVID-19 pandemic: a pre-post analysis of a retrospective chart review. CMAJ Open. 2022;10(1):43-9. https://doi.org/10.9778/cmajo.20210084

 

10. Jaca A, Mathebula L, Iweze A, Pienaar E, Wiysonge CS. A systematic review of strategies for reducing missed opportunities for vaccination. Vaccine. 2018;36(21):2921-7. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2018.04.028

 

Submissão: 27/08/2023

Aprovado: 04/12/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Maciel APF, Soares RG, Moreira KS, Versiani CMC, Silva CSO e

Obtenção de dados: Maciel APF, Moreira KS

Análise e interpretação dos dados: Maciel APF, Soares RG, Moreira KS, Versiani CMC, Santos VM, Braz PPA, Guedes ABM, Silva CSO e

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Maciel APF, Soares RG, Versiani CMC, Santos VM, Braz PPA, Guedes ABM, Silva CSO e

Aprovação final do texto a ser publicada: Maciel APF, Soares RG, Versiani CMC, Santos VM, Braz PPA, Guedes ABM, Silva CSO e

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Maciel APF, Soares RG, Versiani CMC, Santos VM, Braz PPA, Guedes ABM, Silva CSO e

 

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