RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Práticas Avançadas de Enfermagem em cuidados paliativos na comunidade compassiva de favela: relato de experiência

 

Alexandre Ernesto Silva1, Antonia Rios Almeida2, Matheus Rodrigues Martins3, Thayná Moura de Oliveira4, Maria Gefé da Rosa Mesquita4, Liana Amorim Correâ Trotte4

 

1Universidade Federal de São João del-Rei, Divinópolis, MG, Brasil

2Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

3Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

4Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: descrever a prática avançada do enfermeiro em cuidados paliativos que atua com a equipe Interdisciplinar em um projeto de extensão universitária nas favelas da Rocinha e Vidigal no Rio de Janeiro, Brasil. Método: Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de experiência, sobre a aplicabilidade de práticas avançadas de enfermagem, no contexto de cuidados paliativos em comunidades vulneráveis, Rocinha e Vidigal, 2019 e 2020. Resultados: Enfermeiros líderes, por meio da micropolítica, buscam o alívio do sofrimento humano, mediante o controle de sinais e sintomas físicos, psicossociais e espirituais, através de raciocínio clínico, habilidade de resolução de problemas por intermédio da consulta de enfermagem e articulação junto a equipe interdisciplinar. Conclusão: A abordagem de cuidados paliativos sob a ótica do projeto de comunidade compassiva tem mostrado uma forte prática da autonomia do enfermeiro, assim como proporciona visibilidade para a vulnerabilidade social e fortalecimento da prática avançada do enfermeiro no Brasil. 

 

Descritores: Prática Avançada de Enfermagem; Modelos de Assistência à Saúde; Cuidados Paliativos; Vulnerabilidade Social; Áreas de Pobreza. 

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, estima-se que existam 28 milhões de enfermeiros, que representam 59% da força de trabalho de saúde no mundo e que 90% prestam serviços primários de saúde. Estudos comprovam que os enfermeiros são, em grande parte do mundo, os únicos profissionais que prestam assistência à saúde à população. Apesar disso, a enfermagem ainda é um recurso negligenciado em diversos países, mas pode ser utilizado para ampliar o acesso aos cuidados paliativos e criar programas que atendam às diversas demandas da população nessa área(1).

Para atender às necessidades de cuidados complexos de pessoas com doenças que ameaçam a vida, são necessárias novas abordagens e novos modelos de atendimento, como a assistência centrada no indivíduo e a prática baseada em evidências, o que é indispensável para a prática clínica dos enfermeiros de prática avançada (EPA)(2).

Diante das desigualdades sociais, as populações vulneráveis enfrentam não apenas uma maior vulnerabilidade aos riscos, mas também um acesso comprometido a direitos humanos fundamentais, como a saúde e a preservação de sua autonomia(3).

Além disso, é possível notar uma série de barreiras, em diversas partes do mundo, para o acesso à assistência de cuidados paliativos, que são atribuídas à escassez de programas com essa abordagem, à falta de políticas claras e de programas educacionais que orientem a filosofia(4). Esse cenário é particularmente relevante em países em desenvolvimento, onde há uma pequena produção de iniciativas governamentais para o fornecimento de cuidados paliativos à população(5)

As pessoas que sofrem de doenças graves e estão em fase final de vida tendem a preferir permanecer em suas próprias residências e comunidades. As atividades de assistência ao paciente fora do hospital concentram-se na oferta de cuidados paliativos por meio de sistemas pré-estabelecidos, tais como cuidados domiciliares e hospice, bem como parcerias colaborativas com agências de serviços e médicos individuais. O propósito é manter a qualidade de vida de uma pessoa em sua residência ou comunidade, aprimorando a qualidade de vida, otimizando a função e oferecendo cuidados que apoiem seus objetivos e preferências(6).

Neste contexto, a Prática Avançada de Enfermagem (EPA) desempenha um papel fulcral na promoção da implementação de cuidados paliativos inerentes ao percurso da doença. A EPA exige uma combinação de habilidades analíticas, habilidades de resolução de problemas, atitudes adaptáveis e ajustes rápidos às mudanças nos cenários clínicos(2).

Embora a PAE ainda não esteja regulamentada no Brasil, somos um dos países da América Latina com maior potencial para o desenvolvimento da PAE e capacitação de EPA, o que pode, dessa forma, contribuir para o progresso dos resultados positivos de saúde da população(7). Um exemplo dessa prática são as Comunidades Compassivas em favelas brasileiras, que surgiram das preocupações do enfermeiro e professor Alexandre Ernesto Silva, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Silva vivenciou desafios e potencialidades nessas áreas para o cuidado. Com o apoio voluntário dos residentes locais, uma rede compassiva se iniciou.

Até 2019, essas ações foram estruturadas com apoio de extensão universitária. Duas enfermeiras e professoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maria Gefé da Rosa Mesquita e Liana Amorim Corrêa Trotte, desenvolveram o projeto de extensão universitária nos moldes das Comunidade Compassiva, demonstrando a liderança da enfermagem nesta perspectiva.

É crucial notar que os cuidados de saúde deste projeto beneficiam de contribuições voluntárias de vários profissionais de saúde. Juntos, eles trazem os cuidados paliativos para este contexto, um forte exemplo de empreendedorismo social liderado pela enfermagem brasileira em cuidados paliativos. Neste local, os enfermeiros exercem autonomia com base em evidências científicas e raciocínio clínico.

Sendo assim, este estudo tem como objetivo descrever a prática avançada do enfermeiro em cuidados paliativos que atua com a equipe interdisciplinar em um projeto de extensão universitária nas favelas da Rocinha e Vidigal, no Rio de Janeiro-Brasil.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de experiência, sobre a aplicabilidade de práticas avançadas de enfermagem, no contexto de cuidados paliativos em comunidades vulneráveis, a partir das vivências de enfermeiros atuantes no projeto de extensão universitária intitulado “Comunidade Compassiva: uma proposta de engajamento social para o fortalecimento dos cuidados paliativos”, realizado em duas favelas do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

O presente relato de experiência profissional foi desenvolvido nos aglomerados urbanos subnormais - favelas - da Rocinha e Vidigal, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, RJ, entre 2019 e 2023. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(8), essas localizações são, no mínimo, 51 unidades habitacionais, incluindo barracos, casebres, casas e outras formas de moradia que, na maioria das vezes, apresentam deterioração na estrutura física.  

Além disso, geralmente esses espaços são construídos mediante a ocupação ilegal de terrenos da esfera pública ou privada, o que os levam a apresentar fragilidades na cobertura de serviços públicos essenciais, como saúde, educação, assistência social, saneamento básico, acessibilidade urbana, entre outros. Dessa forma, os sujeitos que apresentam condições ameaçadoras de vida, experienciam o sofrimento humano de forma acentuada(9), o que torna patente a necessidade de instituir ações para ampliação do acesso aos cuidados paliativos nesses territórios.

As ações de PAE no contexto dos cuidados paliativos em cenários de populações vulneráveis de favelas, serão relatadas mediante o mapeamento dos cuidados realizados, sendo eles: as premissas do desenvolvimento de comunidades compassivas lideradas por enfermeiros; a consulta de enfermagem em cuidados paliativos como instrumento norteador para a autonomia e tomada de decisão profissional; atividades de navegação; articulação da assistência desenvolvida junto à equipe de saúde do projeto e demais dispositivos das Redes de Atenção à Saúde (RAS) do município; ações de teleatendimento para a ampliação da assistência de cuidados paliativos em cenários de difícil acesso urbano; e práticas de educação em saúde realizadas junto aos moradores desses territórios, para o desenvolvimento de cuidados paliativos básicos no domicílio.

Esse estudo reflete as impressões dos autores sobre as experiências de aplicação da PAE em cuidados paliativos. Como não exigiu nenhuma forma de coleta de dados, não foi necessária a apreciação pelo comitê de ética em pesquisa.

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Surgimento/implementação da comunidade compassiva por enfermeiros

A iniciativa do desenvolvimento das Comunidades Compassivas de favelas no Brasil baseia-se no fortalecimento de laços comunitários com a participação de moradores da própria comunidade e profissionais de saúde de diversas áreas de especialidades. Dessa forma, os enfermeiros líderes do projeto, através da micropolítica do trabalho vivo em saúde, buscam o alívio do sofrimento humano, controlando sinais e sintomas que podem estar relacionados a problemas físicos, psicológicos, sociais e espirituais, usando raciocínio clínico, capacidade de resolver problemas e articulação com profissionais de diferentes áreas da equipe de saúde, além dos dispositivos da RAS. 

No projeto, o enfermeiro tem funções estratégicas de coordenação e desenvolvimento, pois se destaca como protagonista no planejamento e execução dessa ação. Ademais, distingue-se como um dos profissionais que estão mais próximos à pessoa em cuidados paliativos, seus familiares/cuidadores, do agente compassivo (como é chamado o morador e voluntário local) e das redes de apoio estabelecidas nessas comunidades. Assim, por meio de suas atividades de gestão do cuidado, o enfermeiro exerce a descentralização e a capilarização de ações de manejo de sinais e sintomas provenientes de diferentes condições ameaçadoras de vida, além de ações de prevenção e promoção à saúde.

Esse modelo de cuidado idealizado por enfermeiros, para pessoas elegíveis a cuidados paliativos, reúne o controle social, a extensão universitária, o voluntariado e a sociedade civil, buscando integração ao SUS local, ou seja, às unidades de atenção à saúde do território. Outrossim, como estratégia para a entrega desse tipo de cuidado, o enfermeiro utiliza de suas habilidades enquanto educador em saúde, para moldar e fortalecer os diversos tipos de saberes encontrados nesses territórios, atrelando-os à prática baseada em evidências. Como exemplo, têm-se as atividades de formação em saúde realizadas com os voluntários locais, a fim de instrumentalizá-los a desenvolverem abordagens básicas de cuidados paliativos no cotidiano enquanto agentes compassivos. O que torna essa iniciativa única é o envolvimento dos moradores. É gratificante vê-los adquirirem conhecimento, empoderamento, confiança e usarem esses recursos para cuidar uns dos outros.

Nesse ínterim, a equipe realizou visitas domiciliares às pessoas indicadas pelos agentes compassivos, selecionando as primeiras pessoas com condições ameaçadoras da vida para acompanhamento no projeto. Em seguida, através do networking, profissionais de saúde de diversas áreas foram convidados a participar do projeto pelo voluntariado e se somaram à equipe inicial, o que permitiu ampliar os atendimentos. Além disso, considerando a integralidade das necessidades de saúde observadas, surgiram demandas sociais a serem trabalhadas, o que tem sido possível graças a uma rede de apoiadores. 

Finalmente, é reconhecido que as pessoas atendidas fazem parte de um sistema único de saúde, que segue a universalidade, integralidade e equidade como princípios doutrinários, e que, por isso, elas estão inseridas em um amplo contexto de rede de atenção à saúde, que pode não estar funcionando adequadamente devido a diversas razões. No entanto, como enfermeiros do SUS, acreditamos e atuamos neste sistema e, consequentemente, trabalhamos para o seu êxito. Por isso, deixa-se claro que a comunidade compassiva é uma proposta de modelo assistencial em cuidados paliativos de suporte ao SUS, em vista da ausência de uma política pública vigente que ordene a assistência paliativa no país.

 

Prática clínica do enfermeiro em domicílio

Com o planejamento estratégico estabelecido, a dimensão operacional do projeto foi desenhada a partir de: realização de visita domiciliar mensal de uma equipe de saúde; visita periódica do agente compassivo estabelecendo vínculo e corresponsabilização; tele monitoramento para manejo de sinais e sintomas; orientações e tomadas de decisão entre os atendimentos mensais; contato com a equipe de atenção primária à saúde responsável pela pessoa com condição ameaçadora da vida para informar da visita e alinhamento de conduta; acionamento de algum ponto de atenção à saúde na rede de atenção secundária ou terciária onde a pessoa esteja sendo atendida ao nível de especialidade, em uma atuação de “navegação” pela linha de cuidado onde o mesmo esteja inserido a fim de diminuir barreiras e otimizar o acesso; e mobilização da rede de apoiadores em caso da identificação de necessidade de suporte social que colabore para a saúde da pessoa/família em atendimento no projeto. 

As visitas domiciliares realizadas pelo projeto ocorrem na dinâmica de mutirão, ou seja, acontecem de forma presencial uma vez ao mês, sendo realizadas por sete equipes interdisciplinares compostas por, no mínimo, quatro pessoas, incluindo o morador voluntário. Em cada visita é realizada uma abordagem da queixa principal do indivíduo, já discutida em reunião prévia. O enfermeiro como parte da equipe utiliza-se da consulta de enfermagem como roteiro para identificar as respostas humanas e desta forma poder elencar os principais problemas e priorizá-los para sistematizar as condutas essenciais do plano de cuidados síncrono com a equipe interdisciplinar.

 

Consulta de enfermagem

Para avaliação do estado clínico do indivíduo durante a consulta de enfermagem o profissional utiliza-se de três instrumentos: a Escala de Performance Paliativa (PPS) que avalia atividade funcional do paciente e varia de 0 à 100%, ou seja, faz menção a uma alta funcionalidade e 0% evidenciando sinais de terminalidade; e a Edmonton Symptom Assessment Scale (ESAS-br) que mensura 9 sinais e sintomas (dor, cansaço, sonolência, náusea, falta de apetite, falta de ar, depressão, ansiedade e bem-estar) que vai de 0 a 10, onde 0 é ausência dos sintomas e 10 é o pior possível; e a escala visual analógica da dor, com a finalidade de aferir a intensidade de dor, sendo seu score de 0 a 10, onde 0 é ausência do sintoma e 10 é mesmo o pior possível. Os instrumentos mencionados auxiliam o enfermeiro na identificação dos sinais e sintomas de deterioração clínica nesse processo de fim de vida do indivíduo que está em condição ameaçadora de vida, assim como também contribui para a tomada de decisão do enfermeiro. 

Durante a consulta de enfermagem, o enfermeiro indaga e observa todo contexto no qual o indivíduo está inserido, realizando os diagnósticos de enfermagem e efetuando a prescrição de intervenções pertinentes à realidade e rotina diária do indivíduo e rede de apoio/família. Como, por exemplo, na maioria das vezes a pessoa que necessita de controle de dor, faz uso de opioide de 4/4 horas, porém se o indivíduo não tem rede de apoio/família e depende dos cuidados do agente compassivo local e vizinhos, no qual não podem oferecer o medicamento de 4/4h. Nesse caso é articulado com o médico prescritor o aumento de dose para o aprazamento ser de 6/6h, conseguindo-se assim, atingir um nível de analgesia eficaz mesmo com uma simples mudança no espaçamento de tempo do uso da medicação.

A autonomia do enfermeiro nesse contexto de otimizar o aprazamento da prescrição médica, oferece agilidade no atendimento e o principal, controle da dor, que muitas vezes quando esta não tem manejo, pode desencadear outros tipos de dores (emocional, social) e ainda piora de sintomas como dispneia, fadiga, náusea e etc.

Outrossim, como atuação do enfermeiro líder no projeto da comunidade compassiva tem-se a comunicação de más notícias utilizando técnica SPIKEs, se trata de um modelo de comunicação de más notícias composto por um mnemônico de seis passos para organizar o momento da comunicação, ajudando profissionais e pacientes a manter uma comunicação clara e aberta. 

A assistência é realizada de forma contínua, uma vez ao mês presencial e acompanhamento por teleatendimento entre as visitas presenciais. Na grande maioria das vezes, o enfermeiro é o líder do grupo interdisciplinar, o qual é responsável por direcionar os encaminhamentos.

 

Telecuidado

O contato remoto acontece para monitorar os casos clínicos em domicílio, com o intuito de solucionar problemas identificados na visita presencial e o acompanhamento ao longo do mês. O Telecuidado permite um vínculo maior com o agente voluntário, paciente e rede de apoio/família nesse processo de adoecimento, principalmente por se tratar de áreas de difícil acesso urbano, que por vezes reverberam como limitações de mobilidade e acessibilidade aos dispositivos de saúde

Utiliza-se também de videoconferências familiares em casos em que a rede de apoio não pode estar presente no dia da visita, ou para mediação de conflito ao ter problemas no cuidado direto com o paciente.

O enfermeiro implementa comunicação por meio de orientações por telefone, via WhatsApp, por escrito, por áudio e vídeo chamada. Com isso, muitas vezes, é possível a realização de procedimentos por familiares previamente treinados, como: realização de curativo, passagem de cateter vesical de alívio, aspiração de traqueostomia, administração de medicamentos por via nasoentérica ou gastrostomia para que se tenha uma padronização dos procedimentos quando indicados. Além do que, contribui para melhor comunicação, educação e treinamento do agente compassivo nos casos em que se tenha a necessidade da execução de algum procedimento por eles acima mencionado.

Os voluntários, profissionais da equipe interdisciplinar, bem como os enfermeiros são responsáveis pelo aparato de treinamento e capacitação desses voluntários. Além disso, realizam o monitoramento dos cuidados realizados por eles.

 

DISCUSSÃO

No relato desta experiência é possível perceber que as ações desenvolvidas partem do prisma de uma enfermagem de vanguarda, que atua no cenário educacional e consegue inspirar novos atores a aprimorarem suas práticas até mesmo em cenários de difíceis manejos. Desta forma, a enfermagem lidera um movimento que está promovendo mudanças perceptíveis na vida e na morte de pessoas vulneráveis. Ela conseguiu juntar diversas frentes, com intuito de desenvolver um empreendimento social que demonstra para além da obtenção de melhores resultados em saúde, o verdadeiro envolvimento da universidade com as diversas camadas da sociedade.

O empreendedorismo social tem se mostrado cada vez mais relevante em diversas áreas do conhecimento, e é definido como um processo auto-organizado que estimula novas atitudes, procedimentos e serviços, permitindo a reconstrução de conhecimentos e práticas profissionais e a melhoria das condições de vida de indivíduos e comunidades. Os enfermeiros têm a chance de empreender, seja de forma material ou imaterial, e assim possibilitar a expansão da sua visão pessoal e paixão para aprimorar os resultados da saúde por meio de abordagens inovadoras e transformadoras(10).

A Consulta de Enfermagem (CE) é caracterizada como uma ação privativa do enfermeiro. Constitui-se de ações sistematizadas e inter-relacionadas realizadas em diversos contextos, como domicílios, escolas, associações comunitárias, entre outros. E, devido ao seu caráter flexível de organização, pode ocorrer de forma individual ou coletiva(11).

Seu principal objetivo consiste em subsidiar uma assistência de qualidade ao usuário a partir de uma análise clínica pautada nos conhecimentos humano, científico e empírico. Por meio da CE, o profissional enfermeiro tem a capacidade de planejar ações de promoção à saúde, identificar, de forma prematura, possíveis mudanças na saúde do indivíduo e, após o diagnóstico, acompanhá-lo no processo saúde-doença(12)

Os enfermeiros especializados em cuidados paliativos podem oferecer consultas especializadas em ambiente domiciliar. Inclui alguns dos papéis complexos da coordenação de cuidados, gerenciamento de sintomas e cuidados de fim de vida. Exemplos de casos em que os cuidados paliativos domiciliares podem ser aplicados são: casos em que as visitas ao consultório apresentam dificuldades significativas, demandam por visitas longas, intensivas ou mais frequentes, ou para pacientes em áreas onde não há um serviço de cuidados paliativos disponível(6)

Nesse contexto o enfermeiro utiliza-se de algumas ferramentas e/ou escalas de avaliação como a ESAS-br e PPS durante a consulta de enfermagem, estes são instrumentos recomendados para identificar e avaliar o estado clínico do indivíduo que está em condição ameaçadora de vida, e permite direcionar a tomada de decisão para o controle de sinais e sintomas(13)

Com relação à deterioração clínica do indivíduo em cuidados de fim de vida, os sintomas clássicos desta fase são dor, fadiga, náusea, falta de apetite, dispneia, entre outros. A dor é vista como principal sintoma a ser tratado, pois a estimativa de dor em doentes com câncer avançado, por exemplo, é de 75% a 100%, ela é considerada um sintoma subjetivo que engloba vários aspectos emocionais, físicos, sociais e espirituais relacionado com a fase do cuidado de fim de vida. Sabe-se que ela também é responsável por desencadear outros sintomas como fadiga, depressão, medo de morrer, falta de ar, sofrimento, podendo tornar-se uma dor total(13,14).  

Um controle excelente da dor pode ser algo extremamente complexo e desafiador para os profissionais da equipe interdisciplinar que trabalham com os cuidados paliativos, por ser uma experiência particular, subjetiva e genuinamente pessoal. Isso resulta em que a percepção do sintoma de dor pelo indivíduo, que vai além da sensação física no corpo, transcorre por suas experiências afetivas e emocionais, na qual necessita de ser compreendida nos âmbitos social, emocional, psíquico e espiritual, conforme conceito da dor total(15).

No que tange a assistência paliativa, a comunicação de uma má notícia, é vista como uma ação complexa e delicada em que o profissional de enfermagem desempenha um papel fundamental em conjunto com a equipe multiprofissional. Com base na dedicação do enfermeiro sobre o processo de cuidar, estudos apontam que o mesmo é capaz de reconhecer as necessidades e elaborar estratégias capazes de minimizar o sofrimento e a inquietude dos receptores da má notícia(16). Além disso, o tom de voz do enfermeiro e a adoção de uma linguagem que não remeta ao abandono fazem total diferença para a manutenção do bem-estar dos indivíduos(17).

Outro ponto que merece destaque, é o tempo que o enfermeiro dispõe para que o paciente e seus familiares certifiquem seu entendimento sobre o que foi mencionado(18). O enfermeiro permanece ao lado do paciente após a comunicação da má notícia, com intuito de esclarecer dúvidas sobre os termos utilizados ou apenas para fornecer apoio e conforto(19).

O enfermeiro conta com o Tele cuidado para prestar assistência contínua fora do in loco no domicílio, embora existam poucas evidências sobre seu uso. Entretanto, estudos indicam que este recurso é uma ferramenta que amplia e aprimora o acesso aos profissionais de saúde em cuidados paliativos, contribuindo para o aumento da sensação de segurança e proteção e estabelecendo uma conexão estreita com pacientes e familiares(20).

A tele enfermagem é um atributo que pode auxiliar os enfermeiros na implementação de uma assistência eficaz e de qualidade com impacto positivo nos serviços de saúde(21).

Além do que, a informática no contexto de cuidados paliativos baseados em telessaúde com o uso de tecnologias de telecomunicação e videoconferência permite que o cuidado seja oferecido e direcionado pelo profissional de qualquer lugar e que se comunique com o indivíduo no seu domicílio(20).

Um estudo de prática avançada de enfermagem com a abordagem das interações enfermeiro-pacientes corrobora com a práxis clínica do enfermeiro praticada no Brasil. Nesse cenário de vulnerabilidade, mesmo que por hora não regulamentada, trouxe os componentes centrais da filosofia de cuidados paliativos, como comunicação, abordagem multiprofissional com intuito de oferecer conforto físico, psicológicas, sociais e espirituais, existem diversos desafios para tomada de decisão e coordenação de cuidados como parte essencial da assistência em comunidade(22)

Nos modelos comunitários, os enfermeiros têm a capacidade de desempenhar um papel crucial na coordenação, prestação e supervisão dos cuidados em casa e na comunidade, colaborando de forma indireta com profissionais de saúde comunitários leigos(6).

A literatura sugere que enfermeiras com experiência em prática avançada podem contribuir para a inovação do modelo atual de acesso aos cuidados paliativos. Um estudo avaliou, um novo papel da EPA em um serviço multidisciplinar de cuidados paliativos. Neste estudo, os pacientes sob a responsabilidade da EPA tiveram uma redução nas internações em serviços de emergência em comparação com o restante do serviço (17,0% vs. 27,2%). Além disso, não houve nenhuma internação emergencial para pacientes em cuidados terminais e os pacientes puderam escolher o local preferido para o óbito (87,2% vs. 72,2%). Somando-se a isso, a equipe multidisciplinar revelou, em sua maioria (93,3%) que o papel da EPA teve um impacto benéfico no atendimento ao paciente, uma vez que foi abrangente, seguro e atendeu às necessidades do paciente(23).

Além disso, em recente revisão de escopo, realizada na Austrália(24), foi identificado que existem diversas funções de enfermagem bem definidas na prestação de cuidados paliativos em ambientes de saúde primários. Com treinamento e suporte adequados, os enfermeiros de clínica geral são capazes de iniciar e facilitar conversas sobre planejamento de cuidados avançados com os pacientes. Em situações em que o acesso a especialistas é inviável, os EPA oferecem cuidados especializados. Além de que, os cuidados paliativos coordenados por enfermeiros parecem proporcionar cuidados mais integrados, o que aumenta o potencial para cuidados primários colaborativos e pode ser eficaz na redução de internações. 

 

Limitação 

A dificuldade em descrever este estudo esteve relacionada à falta de clarificação e regulamentação da prática avançada de enfermagem no Brasil, uma vez que ainda há uma grande confusão na diferenciação das nomenclaturas e competências do enfermeiro de prática avançada. Apesar do progresso nas discussões sobre este relevante tema para o desenvolvimento da enfermagem como disciplina, ciência e pesquisa, ainda é necessária a normatização.

 

CONCLUSÃO

No âmbito da prática avançada de enfermagem no Brasil, percebe-se um movimento crescente, com diversas áreas especializadas da enfermagem se destacando por suas atividades e pesquisas científicas. Apesar da ausência de regulamentação formal no país, este panorama tem contribuído na implementação de práticas avançadas de enfermagem em toda a América Latina.

A atuação do enfermeiro na atenção primária com abordagem de cuidados paliativos sob a ótica do projeto de comunidade compassiva tem se mostrado uma forte prática da autonomia e articulação de ações com a equipe interdisciplinar para prestação do cuidado ao indivíduo em processo de adoecimento na sua fase de fim de vida. 

Vale ressaltar que a atuação do enfermeiro na Prática Avançada, não está voltada para a transformação do enfermeiro em médico, tendo em vista as responsabilidades profissionais distintas que cada função acarreta. No entanto, os estes possuem bases de conhecimento especializadas, habilidades complexas de tomada de decisão e competências clínicas ampliadas, capacitando-os a oferecer soluções mais abrangentes em sua prática. Por meio de regulamentação e legislação apropriadas, a Prática Avançada de Enfermagem poderia aumentar o escopo nas tomadas de decisão, facilitando o encaminhamento a outros profissionais de saúde, como médicos especializados, e prescrevendo medicamentos pré-estabelecidos, aderindo a protocolos rigorosos. Isto poderia acelerar a prestação de cuidados de saúde num país marcado por vastas dimensões e distribuição desigual de serviços e profissionais de saúde.

O cenário em evolução da prática avançada de enfermagem no Brasil mostra a potência das funções especializadas da enfermagem e seu impacto na saúde. O envolvimento da enfermeira nos cuidados paliativos através do projeto Comunidade Compassiva enfatiza a autonomia e a capacidade colaborativa. A Prática Avançada de Enfermagem, quando adequadamente regulamentada, tem o potencial de aprimorar a capacidade de tomada de decisão dos enfermeiros, abrindo caminho para intervenções de saúde mais eficientes e melhorando o panorama geral da saúde.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

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Submissão: 31/08/2023

Aprovado: 04/12/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Silva AE, Mesquita MG da R, Trotte LAC

Obtenção de dados: Silva AE, Almeida AR, Martins MR, Oliveira TM de, Mesquita MG da R, Trotte LAC

Análise e interpretação dos dados: Silva AE, Almeida AR, Martins MR, Oliveira TM de, Mesquita MG da R, Trotte LAC

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Silva AE, Almeida AR, Martins MR, Oliveira TM de, Mesquita MG da R, Trotte LAC

Aprovação final do texto a ser publicada: Silva AE, Trotte LAC

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Silva AE, Trotte LAC

 

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