ORIGINAL

 

Experiências e perspectivas dos homens sobre sua participação na gestação: um estudo de abordagem qualitativa

 

Thalita Rocha Oliveira¹, Raquel Fernandes Costa de Araújo², Cristiane Vanessa da Silva¹, Valdecyr Herdy Alves³, Danielli Oliveira Ciuffo¹, Fernanda de Sá Coelho Pio Alcântara¹, Diego Pereira Rodrigues4, Paolla Amorim Malheiros Dulfe3

 

¹Instituto Nacional da Mulher, Criança e Adolescente, Fernandes Figueira, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

²Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

³Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

4Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Compreender a percepção masculina sobre sua própria participação durante a gestação. Método: Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa. As informações foram coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas com dez homens acompanhantes de puérperas em Alojamento Conjunto, e submetidas a análise temática. Resultados: De maneira geral, a participação do homem no pré-natal ocorreu no acompanhamento nas consultas, em exames e no suporte na realização das tarefas domésticas. Algumas limitações foram a rotina de trabalho e aspectos jurídicos relacionados a questões trabalhistas. Os entrevistados apontaram sugestões para maior incentivo na sua participação e na inclusão na vivência da gestação e do pré-natal. Conclusão: Os profissionais da área devem dar voz aos pais, e devem inseri-los como alvo das ações em saúde, tornando-o também protagonista neste momento, e assim reforçando as boas práticas assistenciais determinadas por políticas governamentais.

 

Descritores: Cuidado Pré-Natal; Pai; Saúde da Mulher.

 

INTRODUÇÃO

A gestação de um bebê é um período marcado por alterações significativas na vida do casal, que provocam diferentes sentimentos a partir de novos papéis. Para o homem, essas mudanças e transições proporcionam uma paternidade vinculada a sentimentos de satisfação, expressão de autoestima, felicidade, orgulho, que se relacionam ao crescimento pessoal e à maturidade(1).

Prestar assistência a mulheres e homens no período gestacional é reconhecer essas importantes transformações na vida do casal, e a necessidade de estímulo para maior participação e inclusão do pai durante a gestação e no momento do nascimento, a fim de construir um envolvimento consciente e ativo. Nesse sentido, o Ministério da Saúde (MS) vem elaborando propostas de políticas que fortalecem e ampliam essa prática.

Neste âmbito, resgatando o caminhar histórico, a Lei Federal No. 11.108, de 2005, garante à mulher o direito a um acompanhante de livre escolha durante o trabalho de parto, no momento do parto e no puerpério; a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) traz à reflexão o tema da paternidade e do cuidado, por meio do Pré-natal do Parceiro(2); o Programa Rede Cegonha, de 2011, define em suas diretrizes a melhoria da qualidade do pré-natal e a garantia de boas práticas, propondo um novo modelo com foco no cuidado humanizado no parto e no nascimento, valorizando a presença paterna; e recentemente, o Projeto Apice On propõe a qualificação dos campos de atenção ao parto em Hospitais de Ensino, a partir de práticas de cuidado baseadas em evidências, nos direitos e nos princípios da humanização(3). Trata-se de um conjunto de normativas que estabelecem ações profissionais e institucionais para um envolvimento ativo e consciente, de modo a contribuir com a inserção dos homens, favorecendo uma participação solidária durante a gestação, no momento do parto e no cuidado ao recém-nascido.

Internacionalmente, já se configura a importância da participação do acompanhante para a maternidade segura. Experiências positivas de nascimento com bons desfechos maternos – como aumento das taxas de parto vaginal espontâneo, redução de analgesia peridural e das taxas de cesariana – são viabilizadas pelo apoio físico, emocional e informacional proporcionados pelos acompanhantes(4).

Décadas de fortalecimento das políticas supracitadas garantiram maior participação dos acompanhantes no pré-natal, um período em que são prestadas orientações preparatórias para o parto que aumentam não só as chances da presença dos pais, mas também a possibilidade de oferta de apoio emocional e físico, mediante o recurso de técnicas para o alívio da dor em suas companheiras e o suporte no aleitamento materno(5-6). Na ótica de mulheres que são assistidas no contexto da Rede Cegonha, essa participação contribui para experiências exitosas(7).

Diante desse contexto, considerando a valorização da presença do homem e os benefícios decorrentes de sua participação durante a gestação, no momento do parto e no puerpério, com potencialidade para afirmação da paternidade e valorização de seu papel, o presente estudo teve como questão norteadora: como o homem se vê na participação no atendimento durante o período pré-natal?

É oportuno apreender suas necessidades, expectativas e demandas, com o propósito de auxiliar na elaboração de ações educativas e estratégias em nível institucional, em direção ao empoderamento, à humanização e ao cuidado qualificado. Sobretudo, visto que há uma necessidade de inserção do homem no cuidado pré-natal(5-8), esta investigação abre a possibilidade de retratar o exercício de boas práticas profissionais a partir de preceitos dados em políticas ministeriais. Isto posto, o objetivo deste estudo é compreender a percepção masculina sobre sua própria participação durante a gestação.

 

MÉTODO

Investigação qualitativa do tipo descritivo, que busca compreender e explicar a dinâmica das relações sociais por meio dos significados(9), realizada no setor Alojamento Conjunto, com 14 leitos individualizados, de um Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente no município do Rio de Janeiro/RJ. Trata-se de uma instituição de relevância no cenário nacional, como órgão auxiliar do Ministério da Saúde no desenvolvimento, na coordenação e na avaliação das ações integradas para este público alvo. Portanto, com o papel de produzir e difundir conhecimento para a implantação de políticas de saúde, em março de 2018 essa instituição passou a integrar o projeto Apice On(3).

Os participantes do estudo foram dez homens acompanhantes que preencheram os seguintes critérios de inclusão: homens maiores de 18 anos, alfabetizados, cujas companheiras tivessem realizado na instituição no mínimo seis consultas de pré-natal. Os critérios de exclusão foram: homens com alguma deficiência sensorial e homens cuja parceira sofreu perda fetal ou neonatal naquela gestação.  

A abordagem de aproximação e recrutamento dos participantes ocorreu por meio da identificação, pela equipe de enfermagem de plantão, dos acompanhantes de puérperas no Alojamento Conjunto que se enquadravam nos critérios do estudo, o que foi verificado nos registros de prontuário médico e no cartão de pré-natal.

Estabelecido o diálogo inicial, feita a apresentação da proposta da pesquisa e aceito o convite para participação, a pesquisadora direcionava o acompanhante para uma sala de atendimento na própria enfermaria, um local que oferecesse privacidade. Em seguida, era aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para formalização do aceite. Não houve recusa para participação do estudo.

A coleta de dados ocorreu nos meses de setembro a dezembro de 2020, considerando a saturação dos padrões narrativos. Foi guiada por um roteiro de entrevista semi-estruturada, com oito perguntas de identificação sociodemográfica e três questões, a saber: “Como foi sua participação na gestação de sua companheira?” “Como foi sua participação nas consultas de pré-natal?” “Você teve alguma dificuldade em participar das consultas de pré-natal ou de algum momento da gestação?”

Ressalta-se que as entrevistas foram conduzidas por uma das pesquisadoras sem relação prévia com os participantes, sob orientação da equipe de investigação, que possui experiência teórica na temática e em estudos qualitativos.

As entrevistas tiveram duração de aproximadamente 15 minutos, foram gravadas em recurso digital e transcritas na íntegra. Foi oferecido aos participantes o envio do conteúdo por e-mail para correções ou confirmação das informações, porém nenhum participante solicitou essa alternativa. As informações obtidas foram analisadas mediante o referencial teórico metodológico de análise temática de conteúdo(10), que é a descoberta de núcleos de sentidos, e estruturado em três etapas: 1) pré-análise das entrevistas; 2) exploração do material; 3) tratamento e interpretação dos resultados obtidos.

Após a leitura integral das transcrições e a exploração do material, bem como sua codificação em recurso computadorizado simples, foi elaborado o corpus de análise, por colorimetria, em documento Microsoft Word 2016. Este material foi organizado em 85 temas levantados a partir das narrativas, e esses temas foram agrupados segundo suas similaridades e aproximações, resultando em quatro unidades temáticas, a saber:    Participação e Facilitadores, as duas unidades temáticas que compuseram a primeira categoria a ser discutida, ou seja, “Percepção do homem sobre sua participação no pré-natal; Complicadores e Sugestões, as duas unidades temáticas que constituíram a categoria “Fatores que desagregam a participação do homem durante o pré-natal”. A discussão dos dados foi baseada na literatura científica da temática.

Tendo em vista o cenário de pandemia, foram observadas todas as recomendações do Ministério da Saúde e da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da Instituição para prevenção da transmissão COVID-19. Foram observadas também as recomendações éticas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), mediante aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), Parecer No. 4.426.203 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 32430620.9.0000.5269. Para garantir o sigilo e o anonimato, os depoentes foram identificados por meio de código alfanumérico P (Participante), seguido do numeral conforme a ordem de realização das entrevistas (P1 a P10).

 

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta o perfil dos homens que participaram desta pesquisa.

 

Table 1 – Dados do perfil dos participantes (n=10). Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2022

Participante

Idade

Ocupação

Escolaridade

Estado civil

Gravidez planejada

E1

51

Não declarado

Ensino médio incompleto

União estável

Sim

E2

24

Fiscal de loja

Ensino médio completo

Solteiro

Não

 

E3

31

Técnico telecomunicações

Superior incompleto

Solteiro

Não

E4

22

Mecânico

Ensino médio incompleto

Solteiro

Não

 

E5

39

Farmacêutico

Superior completo

União estável

Não

E6

34

Porteiro

Ensino médio incompleto

União estável

Sim

E7

26

Supervisor de obras

Superior completo

União estável

Não

E8

42

Metalúrgico

Ensino fundamental incompleto

Casado

Não

E9

31

Eletricista

Ensino médio completo

Solteiro

Não

 

E10

23

Comerciante

Ensino médio completo

Solteiro

Não

 

Dos entrevistados, sete tinham idade entre 18 e 35 anos; três haviam finalizado o Ensino Médio; nove encontravam-se ocupacionalmente ativos, e cinco, apesar de se declararem solteiros, alegaram manter um relacionamento estável com sua parceira. Ademais, neste estudo identificou-se que, embora apenas em dois casos as gestações tenham sido planejadas, todos informaram que foi um acontecimento positivo e bem aceito pelo casal.

 

A percepção do homem sobre sua participação no pré-natal

Ao serem questionados sobre sua participação no pré-natal, os depoentes ficaram livres para relatar suas experiências, de acordo com o entendimento do significado de “participar”. Os temas identificados nas narrativas foram agrupados nas unidades temáticas “Participação” e “Facilitadores”.

 

“A gestação dela foi nove meses pra mim, nove meses pra ela. Parto igual, claro, diferentemente nos outros aspectos, mas participei de tudo [...]. Tudo!” (P1)

 

“Em todo momento eu participei. Todos os projetos, desde que a gente descobriu. Tudo foi em conjunto.” (P5)

 

Ao descrever o que seria “Participar em tudo”, os homens pesquisados deixaram transparecer em seus discursos que, em sua concepção, essa participação integral está voltada para o papel de acompanhamento, vinculado a questões relacionadas ao pré-natal, como consultas e exames.

 

“Sempre, em todas as consultas, sem faltar uma. Qualquer consulta, pré-natal, ultrassom.” (P1)

 

“Ah, procurei sempre estar presente. Todas as consultas dela [...] sempre dei meu jeitinho pra trazer ela. [...]” (P4)

 

“Ah, bem ativa! Sou eu que venho direto com ela. Todas as vezes fui eu que vim.” (P10)

 

Alguns depoentes sinalizaram em suas falas que sua presença naquele momento envolvia “dar apoio ou suporte” na rotina e nos afazeres domésticos, evidenciando novos valores para a participação e o papel do homem.

 

“Tentei ajudar o máximo possível, [...] em casa, nas tarefas, pra dar uma reduzida. [...] Eu comecei a fazer tudo pra poder deixar ela descansar.” (P2)

 

“Participei de tudo, até dos afazeres em casa. Eu trabalho fora, né? Mas em casa também gosto de ajudar nas tarefas.  Não sei cozinhar, mas o resto participo de tudo.” (P8)

 

Os relatos a seguir apontam fatores que, sob o olhar desses homens, foram importantes facilitadores para sua participação no pré-natal. Entre as condições que estimularam sua participação mereceram destaque a estrutura da instituição, o bom atendimento, o acolhimento, o acesso às consultas e a capacitação da equipe.

 

“[...] hospital preparado [...] porque aqui tem uma equipe muito capacitada, muito boa.” (P3)

 

“Eu achei aqui muito bom, nesse hospital [...]. Porque tem hospital aí que você nem entra [...]. E aqui eu acompanhei tudo, eu participei, olhei.” (P6)

 

Fatores que desestimulam a participação do homem durante o pré-natal

Esta segunda categoria do estudo traz discursos mencionando fatores considerados entraves que dificultam a participação masculina, mas inclui também críticas e sugestões para que os serviços de saúde estimulem essa participação no pré-natal. Os temas identificados nas narrativas foram agrupados nas unidades temáticas “Complicadores” e “Sugestões”.

Tiveram destaque as questões relacionadas ao trabalho, uma vez que a maioria dos participantes mencionou que seu vínculo laborativo naquele momento prejudicou sua participação e o envolvimento no pré-natal de suas companheiras.

 

“Olha, pra quem tem vínculo trabalhista, pelo menos uma Declaração. Porque assim liberava dentro daquele horário, pelo menos, pra poder vir participar da consulta de pré-natal.” (P5)

 

“A minha profissão infelizmente exige muito tempo meu também [...], e isso é até uma coisa que me desgastava um pouco, porque às vezes eu queria estar presente e não conseguia.” (P7)

 

Em contraponto, aqueles entrevistados que se encontravam em férias, que eram autônomos ou que dispunham de segurança financeira tiveram sua participação facilitada, na medida em que conseguiram organizar seu tempo de trabalho e sua disponibilidade em estar com sua companheira.

 

“[...] é porque eu estou de férias, né, e no momento que ela precisou eu estava sempre perto dando um suporte para ela, isso eu acho que foi ideal para mim também.” (P6)

 

“Foi, porque, como eu trabalho por conta própria, [...], aí eu pude dar mais atenção; às vezes, quando ela tava passando mal, eu ia fechar a loja [...].” (P10)

 

Ao serem questionados sobre ações que poderiam agregar melhorias para a Instituição, os participantes apresentaram algumas sugestões, como melhor engajamento dos profissionais de saúde para conscientização, orientações e divulgação de assuntos relacionados à vivência, ao empoderamento e ao vínculo do homem durante a gestação do bebê e no momento do nascimento.  

 

“A mulher, desde quando engravida, ela já é mãe. O pai, na maioria das vezes, quando nasce é que ele se sente pai. [...] Então eu acredito que, durante a gravidez, trazer o pai pra perto dessa realidade que a mãe sente [...]. Preparar o pai, assim como prepara a mãe para o nascimento do bebê.” (P2)

 

“Mas se tivesse [...] essa forma de um grupo, alguma coisa assim que o pai pudesse absorver, estar mais presente. [...] Se o pai entendesse um pouco da importância dele desde as primeiras consultas, o primeiro processo [...], acho que ajuda bastante.” (P7)

 

“Ah, não sei... acho que divulgando mais [...]. De repente, uma palestra, coisas do tipo assim, para incentivar. Então, sei lá, eu acho que campanhas, talvez.” (P8)

 

DISCUSSÃO

Os homens envolvidos neste estudo demonstram considerar que foram participativos durante a gravidez de suas companheiras, assim como na construção de planos e projetos nesse momento de vida compartilhado pelo casal. Um relato característico dos participantes sobre seus relacionamentos aponta que a estabilidade relacional pode enriquecer uma participação efetiva, viabilizando a vivência da gestação de forma saudável e com um sentido único para ambos. Assim sendo, essa participação contribui para mudanças no relacionamento com o auxílio de uma comunicação mais equitativa, uma responsabilização conjunta e tomada de decisões pelo casal para a saúde materna-fetal, recursos que melhoram a assistência pré-natal e favorecem a igualdade de gênero na saúde reprodutiva ao incentivar novas normas de paternidade(11-12).

O entendimento dessa participação também esteve fortemente ligado ao acompanhamento nas consultas de pré-natal, nos exames laboratoriais e de imagem, rotina comum de cuidados obstétricos. No entendimento dos pais, sua presença nesses momentos representam fonte de apoio para suas companheiras, bem como garantem maior conhecimento e envolvimento sobre o curso da gestação(13-14), auxiliando na construção da sua imagem, tornando a gravidez uma experiência mais concreta(15).

Assim sendo, os homens entendem que sua presença nessa etapa é uma oportunidade de viver uma experiência de parceria, um momento para esclarecer dúvidas e compartilhar sentimentos, apoiando uma gravidez saudável e criando vínculos com o bebê em desenvolvimento(16). E esse entendimento de fato foi demonstrado pelo estudo, que analisou o apoio masculino na participação do pré-natal, especialmente graças ao incentivo de equipes capacitadas, estruturadas em projetos institucionais, como o Apice On.

Outra possibilidade de participação do homem revelada neste estudo foi o envolvimento nas atividades domésticas como forma de suporte às companheiras. Um novo cenário decorrente de mudanças nas relações de gênero tem sido reformulado e incide sobre a tradicional divisão sexual das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos, com maior dedicação dos pais nos cuidados diários e doação de afeto(17).

Nesse sentido, a participação ativa do homem no pré-natal e no momento do nascimento traz a possibilidade de ressignificação da masculinidade e do ato de ser pai, experiência que se relaciona a vivências que exploram a paternidade como uma questão de saúde, em face dos papéis de gênero contemporâneos – ou seja, a masculinidade hegemônica, vinculada a força e virilidade, passa a ser desconstruída a partir da percepção de que ser pai não se restringe ao fato biológico da fecundação(18).Portanto, é necessário ampliar a compreensão das novas possibilidades de participação do homem contemporâneo neste âmbito.

Isto posto, pode-se inferir que o fato de estar presente, dar apoio, poupar a parceira da rotina pesada, ou até mesmo acompanhá-la nas consultas de pré-natal são maneiras pelas quais o homem deixa registrado seu envolvimento na gestação, permitindo a ressignificação das possibilidades acerca do cuidado e do envolvimento mais ativo.

Nesta pesquisa, os pais reconhecem a importância de ações profissionais qualificadas. As instituições de saúde que promovem o acolhimento, o estímulo e a participação dos pais durante o pré-natal dão um passo em favor da inclusão pelos direitos e pelos princípios da humanização. As políticas públicas têm fortalecido este movimento, e vem elaborando estratégias e lançando iniciativas no intuito de dar ampla divulgação dos comprovados benefícios viabilizados pela presença, pelo apoio e pelo suporte do companheiro para a saúde do trinômio mãe-filho-pai, aproximando e rompendo barreiras de acesso masculino aos serviços públicos de saúde.

Para as instituições participantes do Projeto Apice On, acredita-se que a incorporação de um modelo de cuidado centrado nas necessidades e nos direitos das mulheres, de seus bebês e de seus familiares, apoiado nas melhores práticas disponíveis, pode produzir efeitos significativos na qualidade do cuidado ofertado no SUS. Esse aprimoramento seria viabilizado pela participação de um acompanhante de livre escolha no trabalho de parto e no momento do parto, além da disponibilidade de um alojamento conjunto(3).  

Sob essa perspectiva, no cenário desta proposta política que favorece a integração, vêm sendo estruturadas ações institucionais a fim de impulsionar a presença masculina, com a participação paterna em atividades de grupos educativos com equipe multidisciplinar no ambulatório de pré-natal. Visitas à instituição, em especial à Sala de Parto e ao Alojamento Conjunto são estratégias que abrem espaço para que a enfermeira obstétrica, aproveite a oportunidade para dialogar com os casais sobre as possibilidades de vivências positivas sobre o nascimento, com destaque para a inclusão do parceiro no cuidado do binômio.

Experiência similar apresentada por hospital participante do Apice On apontou que a implantação do projeto resultou em boas práticas para o estímulo da participação paterna(19). Assim, pondera-se que estes resultados confirmam o sucesso das práticas assistenciais regidas por diretrizes governamentais, e demonstram a importância da atuação da enfermagem para efetivar mudanças no modelo de atenção, especialmente em relação à presença de acompanhantes, que inicialmente algumas unidades não garantiam(20).

Nesse sentido, estes avanços demandam coparticipação envolvendo as unidades hospitalares e de atenção primária em saúde e garantir o envolvimento efetivo do homem no período da gestação. Por sua posição estratégica na rede de atenção, e como centros de formação profissional, as unidades de saúde integrantes do projeto têm a responsabilidade de atuar como referência para condutas profissionais de excelência nos campos obstétrico e neonatal(3).

Embora tenham expressado sua compreensão das ações que favorecem sua participação, os homens relataram entraves que impossibilitaram uma presença mais frequente, relacionados a questões trabalhistas, que envolvem características da atividade laboral, inexistência de vínculo formal de emprego ou desconhecimento dos direitos previstos na legislação.

Pesquisas(16-21) abordam aspectos semelhantes. Em alguns casos, o estudo e o tipo de trabalho foram fatores que contribuíram para eleger as consultas mais significativas para estar presentes.

A Lei Federal No. 13.257, de 2016, garante respaldo legal para a inclusão do parceiro no pré-natal, assegurando o direito do pai a ausentar-se do trabalho para acompanhar sua companheira nas consultas médicas de pré-natal e exames complementares em até dois dias consecutivos, sem prejuízo salarial. Outro instrumento que garante a inclusão do homem é a licença paternidade, de cinco dias consecutivos a partir do nascimento do bebê, sendo esse número de dias variável em determinados estados, nos casos de cargos públicos e caso a empresa seja participante do Programa Empresa Cidadã, que permite a ampliação deste período de cinco para 20 dias.

Contudo, é interessante considerar que, se comparado à licença maternidade de 120 dias, o período garantido aos pais é inexpressivo, demonstrando uma compreensão deficiente da efetiva participação paterna nos cuidados, no relacionamento familiar e no reforço das questões de gênero. Infelizmente, trata-se de avanços modestos na promoção de responsabilidades familiares igualitárias, reforçando o conceito de que o cuidado com os filhos é uma habilidade feminina, comprometendo uma paternidade mais responsável e participativa(17).

Ademais, a ausência dos homens em consultas realizadas em horários coincidentes com o horário de trabalho merece reflexão sobre dois aspectos: primeiro, a dificuldade de liberação por parte das empresas nesta frágil relação empregado/empregador; segundo, a falta de compreensão da importância da participação do homem neste contexto, ampliando a possibilidade de cuidados com sua própria saúde, considerando as condições envolvidas no pré-natal do parceiro(2-15). Portanto, é urgente reconfigurar os serviços de saúde, a fim de favorecer a inclusão do pai nas consultas de pré-natal, bem como seu próprio acesso à saúde.

Outra vivência relatada pelos pais durante o pré-natal é que, embora reconheçam que a instituição conta com profissionais qualificados, capazes de garantir assistência em alto nível, sentem necessidade de maior acolhimento, apoio e informações para cumprir seu papel – um aspecto semelhante revelado em estudo(22) com homens acompanhantes que desejavam maiores informações sobre gravidez, parto e puerpério. Essa experiência paterna revela uma certa exclusão por parte dos profissionais de saúde, e transmite aos homens um sentimento de coadjuvante na atenção a que têm direito(14).

Infelizmente, alguns motivos para esse distanciamento podem ser explicados pela ausência de capacitação e aptidão dos funcionários em relação a este público(16). Contudo, compreende-se a relevância no resgate de ações em saúde que ampliem o entendimento de gestação, parto e puerpério como um fenômeno que envolve o casal(6). Nesse sentido, merece destaque o período pré-natal como espaço de ações coletivas para a valorização da presença masculina. Por meio da educação sobre temas como alterações físicas e emocionais na gravidez, gestação saudável, experiências a serem vividas no trabalho de parto e cuidado paterno com o bebê, é possível privilegiar o envolvimento dos homens(21-23), como elucidado nesta investigação.

Este momento oportuno de compartilhamento de saberes contribui não somente para a participação ativa e consciente dos pais, mas configura-se também como uma assistência de qualidade e estruturante para a humanização dos serviços. Uma vez que os homens também demandam acolhimento e cuidados específicos a serem valorizados, é fundamental considerar suas necessidades, suas emoções e seus desejos em relação às experiências de participação.

A pesquisa apresenta limitações por ser desenvolvida em uma instituição de nível terciário, com pequeno volume de atendimentos ambulatoriais, que representa um pequeno recorte do cenário nacional. Para mais, foi conduzido em meio às restrições impostas pela pandemia da COVID-19, que levaram à reformulação de processos e atividades oferecidos no ambulatório de pré-natal, afetando a participação dos acompanhantes.

 

CONCLUSÃO

A participação do homem durante a gestação ganha evidência à medida que aumenta seu envolvimento em momentos do pré-natal, principalmente em consultas e exames. Entretanto, ressalta-se também o entendimento de seu papel como fonte de apoio nas atividades domésticas junto a sua parceira, remetendo ao fato de que, a partir de mudanças socioculturais, os homens vêm-se envolvendo progressivamente nos cuidados de âmbito familiar.

Um dos entraves para sua maior participação evidenciados na pesquisa está relacionado a dificuldades em estar presente devido a assuntos trabalhistas. Apesar da existência de alguns dispositivos legais que garantem sua presença e sua participação em momentos importantes, como o parto e os primeiros dias de vida do bebê, ainda é necessário refletir sobre as possibilidades de expansão dessas garantias e desses direitos.

Cabe ressaltar que os resultados revelados nesta pesquisa se devem a políticas já praticadas com base nos princípios da Rede Cegonha, e aprimoradas pelo projeto Apice On, uma vez que em outras unidades do município do Rio de Janeiro o pré-natal do homem já vem sendo estimulado. No entanto, confirmam para outros municípios o aspecto positivo de um melhor acompanhamento gestacional que não se limite ao atendimento exclusivo da mulher, considerando a inclusão da figura masculina por meio do aprimoramento de processos de trabalho.

Assim, sob esta perspectiva aponta-se que a assistência de enfermagem representa um elemento fundamental para a informação e a promoção da saúde, estratégias que possibilitam implementar práticas inclusivas e abordagens ampliadas de cuidado a partir das oportunidades potenciais advindas da presença paterna. Ações que consolidam boas condutas assistenciais simbolizadas pelo acolhimento, envolvimento consciente e ativo do pai e que se materializam em princípios de humanização. Desse modo, novos estudos devem ser incentivados para esclarecer a percepção de profissionais, de gestores e de mulheres, para traçar metas e propostas com abordagens mais sistêmicas e multisetoriais que reflitam em mudanças nos diferentes níveis de atenção e em diretrizes políticas que de fato contemplem as expectativas da participação do homem durante a gestação.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Submissão: 29/09/2021

Aprovado: 01/09/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Oliveira TR, Araújo RFC de, Silva CV da, Alves VH, Ciuffo DO, Alcântara F de SCP, Rodrigues DP, Dulfe PAM

Obtenção de dados: Oliveira TR, Araújo RFC de, Alves VH

Análise e interpretação dos dados: Oliveira TR, Araújo RFC de, Alves VH

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Oliveira TR, Araújo RFC de, Silva CV da, Alves VH, Ciuffo DO, Alcântara F de SCP, Rodrigues DP, Dulfe PAM

Aprovação final do texto a ser publicada: Oliveira TR, Araújo RFC de, Silva CV da, Alves VH, Ciuffo DO, Alcântara F de SCP, Rodrigues DP, Dulfe PAM

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Oliveira TR, Araújo RFC de, Silva CV da, Alves VH, Ciuffo DO, Alcântara F de SCP, Rodrigues DP, Dulfe PAM

 

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