ORIGINAL

 

Potencial de comunidades virtuais como espaço de comunicação de enfermeira(o)s sobre câncer infantil: estudo qualitativo

 

Camille Xavier de Mattos1, Ivone Evangelista Cabral1

 

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil             

 

RESUMO

Objetivo: analisar as potencialidades de comunidades virtuais de familiares de crianças com câncer como espaço de comunicação, na perspectiva de enfermeira(o)s. Método: pesquisa qualitativa desenvolvida com o Método Criativo Sensível e um diário de campo virtual. Participaram três a quatro pessoas, em cada grupo, totalizando nove enfermeira(o)s com especialização em pediatria e oncologia. Os dados foram tratados com a análise temática. Resultados: na ressignificação se reconhecem as comunidades virtuais como potentes espaços de diálogo com familiares de crianças com câncer, no compartilhamento de experiências pelas relações interpessoais de confiança e criação de vínculo. Essas comunidades são mais frequentadas por mulheres do que homens, que buscam informação, acolhimento, apoio e motivação para enfrentar o adoecimento da criança. Conclusão: as comunidades virtuais representam novos espaços de educação em saúde, onde  enfermeira(o)s educadora(e)s podem advogar em favor do melhor interesse de crianças, provendo a família com informações qualificadas e eticamente responsáveis.

 

Descritores: Mídias Sociais; Criança; Enfermeiras e Enfermeiros.

 

INTRODUÇÃO

Nas mídias sociais, 80% de pacientes com câncer se conectam com seus pares em busca de informações sobre saúde e muitos formam comunidades virtuais(1). Portanto, a internet passou a ser mais um lugar que oferece oportunidade de aprender e melhorar a comunicação em saúde(2).  

O acesso às informações confiáveis e qualificadas em saúde contribui com a tomada de decisão de pais de crianças com câncer. Por vezes, nem sempre as equipes de saúde fornecem informações sobre a condição e o tratamento dessas crianças, que atendam às necessidades dos pais. Muitos deles buscam respostas para suas inquietações nas comunidades virtuais, entre seus próprios pares. Nesse sentido, faz-se necessário identificar e responder rapidamente às necessidades de informação desses familiares, para minimizar os efeitos estressores negativos do câncer infantil(3). A informação de qualidade pode propiciar o desenvolvimento de habilidades que conferem maior poder de decisão ao indivíduo sobre sua saúde. Pessoas bem-informadas são empoderadas e têm maior controle sobre suas vidas, aspecto que facilita o autocuidado, aumentando a adesão a determinados tratamentos(4).

Os cuidadores (74%) de crianças com  câncer relataram acessar mídias sociais para saber mais, para fornecer,  receber apoio e informações sobre o diagnóstico ou tratamento da criança com câncer. A tomada de consciência pela(o)s enfermeira(o)s sobre como os familiares das crianças com câncer usam mídias sociais perpassa pela compreensão das necessidades emocionais e informacionais contínuas destes cuidadores. Nesse sentido, precisa-se investir na seleção de fontes confiáveis ​​de suporte de informações que são acessíveis através das mídias sociais(5).

A potência das comunidades virtuais, que se organizam na rede mundial de computadores, vem chamando a atenção de estudiosos sobre informação em saúde, ao mesmo tempo em que se constitui um território aberto à circulação de falsas esperanças, e de notícias falsas. A mídia social é um espaço de comunicação eletrônica onde os usuários passam a conviver em comunidades, abertas ou fechadas, para compartilhar informações, mensagens pessoais e conteúdos de interesse comuns àquele grupo(6).

O termo comunidade sugere algum senso de permanência ou contato repetido, alguma interação social sustentada e um senso de familiaridade entre os membros de uma comunidade. Portanto, isso leva ao reconhecimento das identidades dos indivíduos e ao senso subjetivo de pertencimento a este grupo específico. Um grupo de pessoas compartilha afetos e mantém laços sociais formando um “espaço” interacional comum(7).

Há evidências de que as mídias sociais melhoram a relação dos pacientes com os profissionais de saúde, mas o engajamento de enfermeira(o)s ainda é muito pequeno, quando comparado à potencialidade proporcionada pelas comunidades que se reúnem nessas mídias(2). É pouco frequente os enfermeiros ocuparem esses espaços de comunicação com familiares e usuários em geral para compartilharem informações, dentro de uma dimensão eticamente comprometida(8). Possivelmente, isso ocorre por desconhecimento das potencialidades desse novo espaço de interação e cuidado mediado por processos educativos em ambiente de comunidades virtuais.

Além disso, há poucos estudos que abordam o comportamento de enfermeira(o)s como um dos profissionais de saúde que atuam em comunidades e mídias sociais, ou diretrizes orientadoras de participação em comunidades virtuais(9-11). Portanto, essas comunidades se constituem em espaços de oportunidades para usuários leigos e enfermeira(o)s compartilharem dúvidas e informações. Diante do exposto se definiu como objetivo analisar as potencialidades de comunidades virtuais de familiares de crianças com câncer como espaço de comunicação, na perspectiva de enfermeira(o)s.

 

MÉTODO

Pesquisa qualitativa implementada com o Método Criativo e Sensível (MCS) de pesquisa baseada em arte, que tem como eixo estruturante as dinâmicas de criatividade e de sensibilidade (DCS) no desenvolvimento do trabalho grupal para resgatar situações existenciais concretas, tecidas nas histórias socioculturais de participantes de pesquisa, acessando-se  a experiência humana na abordagem de tópicos sensíveis, de maneira ética e responsável(12).  

Entre esses tópicos se destaca o câncer infantil, abordado com as DCS Mapa Falante e Corpo Saber para, respectivamente, mapear a experiência humana como um tópico sensível no tempo e no espaço e o reflexo dessa experiência sobre o corpo biológico e social, buscando-se responder questões geradoras de debate (QGD) e gerar produções artísticas(12).

Quanto aos participantes da pesquisa, delimitou-se como critérios de inclusão, enfermeira(o)s que: atuassem em pediatria e ou oncologia, fossem especialistas em enfermagem pediátrica ou oncológica; prestassem cuidados diretos a crianças hospitalizadas há mais de um ano; desenvolvessem pesquisas em saúde da criança ou oncologia pediátrica e publicassem artigos na área, participassem de eventos e atualizações em oncologia pediátrica; possuíssem  habilidades com ferramentas de inclusão digital. Como critérios de exclusão foram estabelecidos:   enfermeiro recém-graduados; participando de programa de residência uni ou multiprofissional; aposentados que não atuavam mais na prática clínica, acadêmica ou de pesquisa e não possuíssem  equipamento pessoal de acesso à internet.

Os participantes foram recrutados em cafés científicos ou World Café, realizados com intervalo médio de três meses, ao longo de um ano. Trata-se de uma iniciativa de ciência pública que promove o engajamento de pessoas em discussões sobre questões de saúde relevantes, no formato de um evento científico, ampliando-se a participação de pessoas com potencial para ser recrutado como participante de pesquisa(13).   

Enfermeira(o)s participantes do Café Científico que atuaram como pessoas-índices na cadeia de referência da técnica bola de neve, localizando informantes-chaves, de sua rede de relações pessoais consoantes com o perfil da pesquisa(14).  

A amostragem final envolveu 50 (cinquenta) pessoas; sendo que nove se voluntariaram para integrar o grupo participante das DCS distribuindo-se em três subgrupos formados por três a quatro pessoas. Sete em nove elaboraram um diário de campo virtual (DCV), que subsidiou o trabalho desenvolvido nas DCS mapa falante e corpo saber.

Adotou-se o cenário híbrido de produção de dados, combinando-se o espaço de comunidade virtual, localizada em páginas do Facebook, com a presencial nos encontros grupais. Uma lista de 16 (dezesseis) páginas de comunidades de Facebook, com perfil institucional, e um blog privado de comunidades abertas, mantidas por organizações governamentais, não governamentais. Nessas páginas, a(o)s enfermeira(o)s foram orientadas, pela primeira autora, a extrair durante uma semana, no mínimo, cinco postagens que refletissem dúvidas, questionamentos e comentários de familiares, para compor o diário de campo virtual. Esse material foi enviado à pesquisadora de campo, por meio eletrônico, e serviu para a preparação das DCS.

No cenário presencial, aconteceram três encontros das DCS, em uma sala privativa, que favoreceu a livre expressão dos participantes. Na DCS Mapa Falante, durante 65 (sessenta e cinco) minutos, o primeiro grupo (três pessoas) respondeu a QGD - “Partindo do Facebook, quais lugares, pessoas e tecnologias podem ser ligados às necessidades de saúde de crianças com leucemia?” – na forma de uma produção artística coletiva. Quatro meses depois aconteceu a segunda DCS corpo-saber, em dois encontros, para responder a QGD - Como abordar necessidades de saúde, relacionadas ao acesso à tecnologia, vínculo, boas condições de vida e autonomia na rede virtual para atender às demandas de cuidados de crianças com leucemia?  O primeiro encontro durou 88 (oitenta e oito) minutos e contou com a participação de uma pessoa da DCS Mapa Falante e três novos participantes. No segundo encontro (dois meses depois), participaram três pessoas novas no grupo, com um tempo de duração de 104 (cento e quatro) minutos. Todos os encontros foram gravados em ambiente digital e transcritos na íntegra.  

Elegeu-se a análise temática para o tratamento do material empírico, uma técnica de análise de dados qualitativos usada para elicitar nuances das narrativas das experiências humanas, buscando-se identificar, analisar, organizar, descrever e relatar temas encontrados em um conjunto de dados(15). A análise temática é realizada em cinco fases: familiarização com o material empírico; geração dos códigos, pesquisa e revisão de temas, nomeação de temas e subtemas congruentes e produção do relatório(15).

Para a familiarização com o material empírico, os enunciados foram transferidos para um quadro analítico (QA), exaustivamente lido para apreender termos e expressões-chave representativas do assunto principal do enunciado. Na geração dos códigos iniciais, adotaram-se quatro procedimentos: a) elaboração de glossário de termos; b) formulação de perguntas analíticas, contendo palavras do glossário e termos/expressões-chave; c) respostas às perguntas sob a forma de unidade de análise; d) constituição de código por aproximação de significados das respostas das unidades em novo quadro analítico. A pesquisa de temas resultou da aproximação de códigos comuns associados às características definidoras, em separado dos códigos singulares. Em seguida, os temas foram incluídos em um novo quadro analítico, com as características definidoras dos códigos para, novamente, por convergência de significados formar temas e subtemas relacionados ao conhecimento emergente da análise.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com o Parecer nº 4.447.916 e foi implementada segundo as diretrizes éticas previstas na Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a não identificação dos participantes garantida por meio de código para cada DCS (mapa falante [MF] e corpo saber [CS]), acompanhado do número correspondente ao encontro (1ºCS e 2º CS).

 

RESULTADOS

As oito enfermeiras e um enfermeiro apresentavam idades entre 28 e 57 anos, oito de raça/etnia branca e uma parda, tempo de formação profissional variando de dois a 32 (trinta e dois) anos. A experiência profissional na área da infância variou de dois a 23 (vinte e três) anos de atuação em serviço público e privado da rede de saúde da cidade do Rio de Janeiro. Além de especialistas, três haviam concluído o mestrado e estavam cursando o doutorado; três concluíram o mestrado e três estavam com o curso em andamento.

Um total de 198 interações (postagens e comentários) e 11 (onze) imagens recoletadas no diário de campo virtual no Facebook Institucional (Figura 1) foram utilizadas como referência para a produção do mapa falante produzido coletivamente. Na nuvem de palavras, a força da comunidade é revelada na centralidade da imagem expressa pelas palavras rede, social, criança, informação, medula, profissionais e instituição.

 

C:\Users\Camille\Desktop\Doutorado 2021\Defesa Final Camille 2021\Capítulo Tese 08.12\nuvem de palavras correta.png

Figura 1 - Nuvem de palavras e termos comuns às DCS mapa falante e corpo saber. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2022

 

As postagens do Facebook abordavam a capacidade de comunicação e de participação de usuários em comunidade virtual, revelando-a como um espaço potencial para a(o) enfermeira(o) interagir com familiares de crianças com câncer infantil na abordagem de desinformações. Nesse sentido, emergiu da análise das narrativas a potência das comunidades virtuais do Facebook como lugar de compartilhamento de experiências de familiares.

 

Capacidade de comunicação em comunidade virtual

A tecnologia de informação e comunicação virtual em saúde se integrou à vida das pessoas que acessam páginas e perfis das comunidades virtuais, desejando conhecê-las e serem acolhidas, independentemente da região geográfica na qual vivem. Elas formam grupos culturais heterogêneos e dinâmicos se houver relações de confiança e senso de pertencimento. Desse modo, a comunidade virtual tem o poder de receber, conter ou acomodar diversas demandas, a partir de diferentes procedências.

 

Elas (pessoas) se conhecem ali. Uma pessoa vive em um estado, outra em outro estado, cria vínculo virtual pela página do Facebook. É um espaço grupal, virtual, heterogêneo, dinâmico. É essa possibilidade virtual de convivência com outras pessoas, a criança e a família. Hoje, todo mundo tem uma rede social...  Se conectam em qualquer hora, podem voltar em qualquer dia, compartilhar e consumir informação. (Encontro MF).

 

A rede social possibilita que o público leigo acesse informação rápida e disponível ao toque da mão. (1º encontro CS).

 

A gente vê na rede social que existia o apoio de pessoas desconhecidas, que nem conheciam a criança. (Encontro MF e 1º encontro CS).

 

O público cria espaços de convivência e um senso de pertencimento nessas comunidades, porque quando conectados à internet, este público compartilha, consome, acompanha o fluxo de postagens com informações de interesse que podem ser apropriados pela(o)s enfermeira(o)s no esclarecimento público. Portanto, o potencial tecnológico da comunidade virtual se amplia porque há acolhimento, facilidade de acesso às informações com respostas rápidas às dúvidas.

 

Hoje, a tecnologia está entranhada em todo mundo, faz parte da vida da gente. (Encontro MF).

 

Na rede social, as famílias se sentem acolhidas, tem respostas rápidas, acesso à informação... em relação à doença, tem mais resolução. (2º encontro CS).

 

As relações interpessoais com profissionais de saúde são ampliadas nesta rede, ao levar os seus usuários a transformarem os papéis desses cuidadores profissionais em amigos, tio, tia, expressões relacionadas ao vínculo familiar.

 

(Para os usuários da comunidade) médicos, profissionais de enfermagem viraram amigos cuidadores. São chamados de tio e tia. Eu vi esse vínculo estabelecido com o médico expresso na rede virtual... Cria vínculo nessa rede virtual com pessoas desconhecidas, através das páginas daquela instituição. (1º encontro CS).

 

O vínculo foi relacionado às pessoas, pessoas desconhecidas... (Encontro MF).

 

As relações de confiança fortalecem o vínculo, que se amplia entre as pessoas desconhecidas, ao envolver diferentes familiares de criança que adoeceram com câncer. Na comunidade, eles encontram forças, apoio, motivação, agradecem a instituição e os profissionais que cuidaram de suas crianças. Desse modo, o câncer como uma “doença maldita” vai sendo enfrentado, cotidianamente, evoluindo seja para a cura ou para o óbito.

 

O vínculo às pessoas desconhecidas estava ali com a equipe aproveitando o momento. Vínculo de colher informação e de confiança. Querem vínculo com a pessoa que comentou: ‘É isso ai!’ ...  Dá força: ‘Você e sua criança vão conseguir superar!’ Motiva: ‘é isso mesmo’.  Agradecem a instituição e os profissionais que cuidaram das crianças. Elas expressam como se sentem; que a criança evoluiu para a cura; que o... ‘irmão morreu! Doença maldita!’ (Encontro MF).

 

As comunidades virtuais são frequentadas por pessoas diferentes, que postam anonimamente comentários, fotografias, relatos de experiências como doadores de medula óssea.

 

No Facebook estão profissionais da área, pacientes... Ali não dá para saber se é familiar, criança, paciente... ou acadêmicos de algum curso, quem tem interesse na temática... Eu vi um relato de um doador de medula óssea. Mas, nas páginas institucionais, há pessoas que estão ali e você entende que é um familiar. (...). Podem ser os próprios profissionais, integrantes da equipe. (Encontro MF).

 

O vínculo pode ocorrer entre uma pessoa e outra, conhecida ou não, envolvendo familiares da criança ou adolescente, que estão vivenciando o adoecimento pela leucemia. Nessa rede, navegam pessoas interessadas na temática, profissionais e acadêmicos de algum curso na área de saúde. Portanto, um lugar de relações sociais. Esse lugar plural exige atenção, cautela e sabedoria, pois não se sabe quem é a pessoa com quem está interagindo.

 

O Facebook está quem tem interesse, profissionais da área, pacientes... Ali não dá para saber se é familiar, se é outro... A família, a criança, paciente... ou acadêmicos de algum curso na área, quem tem interesse na temática. Na mídia social, nenhuma paciente ou criança usa o Facebook institucional. Mas poderia ter um adolescente usando-a como ferramenta, porque elas entendem a importância dessa tecnologia... (Encontro MF).

 

As comunidades virtuais são formadas por diferentes pessoas (profissionais de saúde, responsáveis e familiares das crianças com leucemia) que acessam e postam comentários, fotografias, relatos de experiências como doadores de medula óssea, por exemplo. Portanto, com diferentes necessidades e demandas.

 

Eu vi só um relato de um doador de medula óssea. Mas eu vi nas páginas institucionais, pessoas que estão ali e você entende que é um familiar. (...). Podem ser os próprios profissionais, os próprios integrantes da equipe. Então, eu fiquei na dúvida quem seriam (as pessoas responsáveis por essas postagens), os familiares concordando com aquilo. (...) (Encontro MF).

 

No ambiente cultural da comunidade virtual do Facebook, as mulheres têm necessidade de frequentar e interagir mais do que os homens. Nesse contexto da cultura feminina há um esvaziamento do poder masculino. A participação do homem pai se restringe a entrar, visualizar a postagem, sem tecer comentários.   

 

A maioria das postagens é de mães ou mulheres em geral que, já vivenciaram o câncer em seus familiares ou acompanharam, foram cuidadoras ou mães preocupadas com algum sintoma relacionado ao câncer. Elas buscam apoio na rede, em sites e espaços de outras mães. Percebe-se essa questão cultural feminina (...). A gente não vê o pai no espaço social e nem virtual. (...) a maioria das postagens são de mulheres e de membros da família. Você não vê o pai tirando dúvida... (1º encontro CS).

 

.... Entram por entrar ou só para visualizar o que é postado, nenhuma postagem (a mais). Elas não fazem ou têm poucos comentários, não interagem, é pouco movimentado... (Encontro MF).

 

A potência da comunidade virtual está na capacidade de comunicação e de participação dos mais variados usuários interessados em algum tema, que os motive a interagir, como é o caso do câncer infantil, independentemente das pessoas serem conhecidas ou não e do local onde vivem.

 

DISCUSSÃO

A capacidade da comunidade virtual a torna uma potente ferramenta interacional, mas existem desafios e limites ao seu uso, uma vez que a capacidade de comunicação se deve ao fato delas serem heterogêneas e dinâmicas. São espaços de convivência, que favorecem o sentido de pertencimento. O Facebook, como uma das mídias sociais, favorece a aproximação e a criação de vínculo entre pessoas que residem geograficamente em regiões mais próximas ou distantes, ampliando as relações interpessoais para além do lugar onde os usuários vivem.

A despeito da distância geográfica, as comunidades virtuais se aproximam em rede de internet e criam vínculos, a partir de diferentes lugares. O público cria espaços de convivência, de confiança e um senso de pertença nas mídias sociais, porque as pessoas, quando conectadas, compartilham, consomem, acompanham o fluxo de postagens com informações de interesse sobre a condição da criança e ou adolescente com câncer. Elas criam vínculos entre aqueles que residem próximo ou distantes, ampliando relações interpessoais para além do lugar onde vivem. As pessoas participam dessas comunidades como parte de sua experiência social regular e contínua, buscando serem acolhidas, receberem aconselhamento e apoio em sua rede de amigos.

Na contemporaneidade, os mundos sociais estão se tornando cada dia mais digitais, com atividades sociais e de interações na internet e outros meios de comunicação mediados por tecnologias, o que requer a mediação de informações científicas fidedignas(16).

As comunidades virtuais, por sua heterogeneidade e dinâmica, democratizam a disseminação de informações, como ser doador de medula, permitindo que pacientes e cuidadores se conectem diretamente entre si buscando e compartilhando informações, que não são mediadas ou filtradas por profissionais de saúde ou especialistas.  

Resultados semelhantes, em relação ao acesso à informação por essas comunidades, foi identificado em estudo realizado no Irã,  ao analisar a necessidade de interação da equipe de saúde, médicos e enfermeira(o)s na comunicação de informações que atendam às expectativas de familiares de crianças com câncer(3).

Com o aumento do uso da Internet para busca de informação em saúde, as mídias sociais se tornaram uma plataforma proeminente para comunicação e troca de informações sobre o câncer(17). Nestas mídias, as pesquisas sobre o câncer têm examinado o tipo e a natureza da comunicação relacionada à saúde, através de análises de conteúdo de postagens de mídia social, links, curtidas e comentários.

As pessoas usam as mídias sociais em busca de apoio social e para compartilharem experiências com a doença, procurarem conselhos, opiniões ou respostas para suas perguntas. Os familiares cuidadores, durante a implementação do protocolo de tratamento da criança com câncer, têm muitas dúvidas sobre a quantidade e intervalo de visitas regulares à clínica, riscos e recorrências de hospitalização, para compatibilizar com outras demandas de trabalho e de vida em família. Quando se afastam de amigos e familiares para se dedicar ao acompanhamento desta criança em tratamento, as principais redes de apoio social, as plataformas on-line se tornam uma ferramenta potencial para familiares ocupados buscarem informações e apoio(17).  

No ambiente cultural da comunidade virtual do Facebook, as mulheres frequentam e interagem mais do que os homens, compartilhando os mesmos valores, mantendo uma escuta ativa e atenta. Com outras usuárias formam uma unidade de pensamento e de apoio mútuo de experiências e de amizades, constituindo uma cultura feminina. Elas compartilham experiências e estabelecem relações de amizades virtuais, buscando apoio entre elas para constituírem uma cultura feminina de participação feminina na comunicação em comunidade virtual. O empoderamento se manifesta pelo engajamento ativo de mulheres, que compartilham os mesmos valores, mantendo uma escuta ativa e atenta de seus próprios sentidos, ao mesmo tempo em que expressam respeito e reverência com outras usuárias, formando uma unidade de pensamento. Nesse movimento ocorre o engajamento ativo com outras pessoas, que compartilham os mesmos valores fundados na solidariedade real com e entre aqueles que buscam a intenção, o processo e o resultado da interação. Portanto, empoderamento requer ouvir seus próprios sentidos, estar atenta e ativa aos sentidos dos outros, de forma consciente e somando força(1).

As mídias sociais ajudam as mulheres usuárias a resolverem problemas e desafios, levantarem suas vozes, transmitirem percepções e compartilharem experiências. As mídias sociais oferecem às mulheres novas maneiras de se comunicarem e interagirem através do aprimoramento de conhecimentos e de habilidades. O empoderamento feminino inclui pontos de vista das mulheres, opiniões sobre várias questões sociais e culturais, que ajudaram a elevar seu status atual ou social. Por meio destes canais, as mulheres se expressaram livremente, independentemente do contexto global(18). Dados do Censo TIC [Tecnologia de Informação e Comunicação] Domicílio 2020 revelam que as mulheres (57%) acessam mais à Internet em busca de informações sobre saúde do que os homens (49%)(19).    

A interação, em comunidades virtuais, com o mesmo senso de pertencimento e identidade grupal pode proporcionar uma comunicação mais igualitária entre o familiar da criança e o profissional de saúde. Com acesso às  informações qualificadas, os familiares de crianças com câncer podem aumentar seu conhecimento sobre a doença. Consequentemente, eles são mais capazes de se comunicarem com o profissional de saúde, pois podem entender melhor o que está acontecendo e se sentem mais confiantes em seu relacionamento com o profissional de saúde. Portanto, isso leva ao reconhecimento das identidades dos indivíduos e ao senso subjetivo de pertencimento a um grupo específico(7).

Quando a(o) enfermeira(o) usa a mídia social com sabedoria e prudência, este profissional passa a se constituir em uma ferramenta de promoção da saúde pública, no desenvolvimento pessoal e profissional e pode contribuir para uma melhor interação profissional-paciente.  No entanto, quando utilizada sem cautela e sem conhecimento, os perigos destas tecnologias para os profissionais de saúde e pacientes são enormes. Esses profissionais, mesmo tendo conhecimentos para usar mídias sociais, interagir em ambientes virtuais, precisam visualizar essas mídias como ferramentas capazes de serem aplicadas positivamente no cuidado em saúde(20). É relevante que esses profissionais  ocupem esse espaço, fundamentando-se em diretrizes éticas, evidências científicas e melhores práticas, e que interajam em comunidades on-line ou virtuais vinculadas às mídias sociais de instituições de saúde. Além disso, estar em uma comunidade requer atenção, colaboração e solidariedade na construção de identidades culturais que aproximam as pessoas.

Dessa forma, os enfermeiros podem educar os pais sobre como avaliar as informações obtidas por meio do Facebook usando diretrizes baseadas em evidências. Os provedores podem incentivar os cuidadores a usarem o Facebook como uma ferramenta de comunicação, informação e apoio aos familiares de crianças com câncer (10).

Como limitações do estudo se destaca o acesso às comunidades virtuais de uma única mídia social, para a extração de postagens na composição do diário de campo virtual. Portanto, não é possível generalizar que a(o)s enfermeira(o)s não participam e nem interagem em comunidades. Destaca-se a limitação de gênero, com predomínio de mulheres e participação de um homem como participante da pesquisa.  As dinâmicas não foram realizadas com os familiares das crianças com câncer, que frequentam comunidades virtuais do Facebook.  Mais pesquisas são necessárias para ampliação do conhecimento sobre as potencialidades das comunidades virtuais como espaço de comunicação de informação sobre o câncer infantil.

 

CONCLUSÃO

Na perspectiva de enfermeira e enfermeiro, as comunidades virtuais se revelaram como espaço de comunicação entre familiares de crianças com câncer, frequentadas mais por mulheres do que homens. Essas mulheres se comunicam com pessoas desconhecidas, amigos e profissionais de saúde, compartilhando informações, experiências, sanando dúvidas para lidar com dificuldades de enfrentamento da doença. Desse modo, se empoderam e se fortalecem. Nas comunidades há um senso de pertencimento que favorece o vínculo pelo acolhimento e a capacidade de encontrar soluções para os problemas.

O uso do Facebook se mostrou viável, eficaz, de baixo custo, rápido na obtenção de respostas. Os usuários das comunidades virtuais apresentam elevada capacidade de comunicação entre si e com profissionais de saúde que precisam ser mais bem aproveitados para disseminar informações sobre o câncer infantil.

Contudo, é preciso estar atento para que esse espaço não seja visto como um substituto do encontro terapêutico do processo de educar e cuidar em saúde. As pessoas que convivem nessas comunidades podem se beneficiar mutuamente com a experiência, ao mesmo tempo em que se criam oportunidades de interação entre familiares de crianças com câncer e profissionais de saúde, em particular enfermeira(o)s.

Como implicação se destaca o reconhecimento do potencial tecnológico das comunidades virtuais dessa mídia social e a apropriação desse espaço como ferramenta de interação virtual. Além disso, pode-se promover a advocacia em favor do melhor interesse de crianças ao compartilharem evidências científicas e boas práticas de cuidado em saúde com familiares de crianças com câncer, de forma ética e responsável. Portanto, há um potencial tecnológico da comunidade virtual e de capacidade de comunicação que precisa ser mais bem aproveitada para disseminar informações sobre saúde e doença. A educação permanente, no uso de mídias sociais, para fins profissionais de comunicação com usuários do sistema de saúde contribui para ampliar a qualificação de enfermeira(o)s.

 

*Artigo extraído da tese de doutorado “Ressignificação de enfermeira(o)s sobre diálogos virtuais de familiar de criança com câncer na elaboração de diretrizes de comunicação online”, apresentada à Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Prof. Dr. Franco Angelo Carnevale, Profª Drª Ana Cláudia Garcia Vieira e Profª Drª Marléa Crescêncio Chagas pela  colaboração na construção da tese de doutorado “Ressignificação de enfermeira(o)s sobre diálogos virtuais de familiar de criança com câncer na elaboração de diretrizes de comunicação online”.

 

FINANCIAMENTO

O presente trabalho foi realizado com apoio em parte da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES). Código de Financiamento 001. Bolsa de Doutorado em Enfermagem, concedida a Camille Xavier de Mattos. Bolsa de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico (CNPq), e financiamento pelo Edital Universal CNPQ/2018, ambos concedidos a Ivone Evangelista Cabral. Processos nº 303149/2019-1 e 430213/2018-2, respectivamente.

 

REFERÊNCIAS

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Submissão: 03/05/2022

Aprovado: 21/07/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Mattos CX, Cabral IE

Obtenção de dados: Mattos CX, Cabral IE

Análise e interpretação dos dados: Mattos CX, Cabral IE

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Mattos CX, Cabral IE

Aprovação final do texto a ser publicada: Mattos CX, Cabral IE

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Mattos CX, Cabral IE

 

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