ARTIGO DE REVISÃO

 

Análise de diagnósticos, intervenções e atividades de enfermagem em pacientes submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19: estudo descritivo

 

Lais Batista de Lima1, Natália Ramos Costa Pessoa1, Ramon Silva de Sousa2, Rafaella Gomes Pinho Amorim3, Luana Carla de Andrade Palha4, Joana Carvalho de Andrade Lima1, Anthony Moreira Gomes5, Cecília Maria Farias Queiroz Frazão1

 

1Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

2Centro Universitário Maurício de Nassau, Campina Grande, PB, Brasil

3Centro Universitário da Vitória de Santo Antão, PE, Brasil

4Universidade Salgado de Oliveira, Recife, PE, Brasil

5Universidade Regional do Cariri, Crato, CE, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Analisar os diagnósticos, as intervenções e atividades de enfermagem em pacientes submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19. Método: Estudo descritivo, retrospectivo e de natureza quantitativa. A população do estudo foi representada pelos prontuários de pacientes submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19, totalizando cerca de 64 registros. Consultaram-se os dados do instrumento de coleta de dados, bem como dados sociodemográficos, clínicos e indicadores dos diagnósticos de enfermagem. Para análise, utilizou-se da estatística descritiva e inferencial. Resultados: Os principais diagnósticos de enfermagem encontrados foram: risco de infecção, risco de volume de líquidos desequilibrado, déficit no autocuidado para banho/higiene íntima e troca de gases prejudicada. As intervenções e atividades assinaladas foram correspondentes aos diagnósticos traçados. Conclusão: O estudo possibilitou identificar os principais diagnósticos, as intervenções e atividades de enfermagem em pacientes acometidos pela COVID-19 que desenvolveram lesão renal aguda.

 

Descritores: COVID-19; Injúria Renal Aguda; Processo de Enfermagem.

 

INTRODUÇÃO

O Coronavírus foi evidenciado pela primeira vez em Wuhan, província chinesa, causando novo tipo de infecção respiratória aguda(1), cujas manifestações clínicas variam de quadros assintomáticos até a presença de complicações respiratórias compatíveis com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)(2).

Além da infecção respiratória, algumas complicações extrapulmonares são comumente observadas ao longo do desenvolvimento da doença, a exemplo da Lesão Renal Aguda (LRA), apontada como uma das principais lesões a órgãos-alvo preditora de desfechos desfavoráveis(3). Segundo a Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury (KDIGO), a LRA caracteriza-se como diminuição brusca na Taxa Filtração Glomerular (TFG), manifestada pelo aumento na creatinina sérica ou oligúria dentro de 48 horas a 7 dias, com estágio da LRA determinado pela gravidade do aumento da creatinina sérica ou oligúria(4). Devido à descompensação metabólica gerada pela diminuição da função renal, com consequente acúmulo de escórias nitrogenadas e desequilíbrio hídrico, a hemodiálise (HD) é apresentada como a principal Terapia Renal Substitutiva (TRS) capaz de corrigir as anormalidades e reestabelecer a homeostase em pacientes acometidos pela disfunção(5).

Dessa forma, os profissionais de saúde que atuam com pacientes críticos, como os que se submeteram à hemodiálise devido à COVID-19, devem estar aptos a prestar  assistência qualificada e segura aos pacientes nas diferentes variações clínicas, bem como ser capaz de entender a doença, especificidades desta e repercussões à saúde. Com isso, destaca-se a importância do enfermeiro, tanto pela competência técnica e científica, quanto por ser o profissional que acompanha ininterruptamente o usuário na oferta de cuidados contínuos(2).

A fim de executar assistência segura e de qualidade, o enfermeiro deve lançar mão do raciocínio clínico e pensamento crítico, além de implementar o Processo de Enfermagem (PE), instrumento de trabalho metodológico. O PE divide-se em cinco etapas inter-relacionadas: histórico de enfermagem, diagnósticos de enfermagem, planejamento, implementação dos cuidados e avaliação dos resultados, sendo utilizado para traçar um plano de cuidados individualizado, garantindo assistência de enfermagem efetiva e de boa qualidade, visando compreender e considerar o ser humano em totalidade(6).

O Diagnóstico de Enfermagem (DE), segunda etapa do PE, baseia-se nos dados coletados na etapa do histórico de enfermagem, por meio de observações e dados subjetivos fornecidos pelo paciente. O DE precisa ser claro no título e na definição, bem como nos indicadores diagnósticos (características definidoras, fatores relacionados e/ou fatores de risco), elementos essenciais para diferenciar de outros diagnósticos(7).

A partir dos DE pautados pelas características definidoras, fatores relacionados ou de risco, norteiam-se as etapas seguintes: planejamento (resultados desejáveis) e implementação de intervenções independentes e/ou interdisciplinares para o alcance dos resultados planejados. Essas etapas podem ser norteadas com classificações próprias, como a Classificação dos Resultados de Enfermagem (NOC) e a Classificação das Intervenções de Enfermagem (NIC) para as atividades prescritas. Por fim, realiza-se a avaliação, última etapa do PE, a qual consiste na comparação dos dados anteriores com os atuais para avaliar os resultados alcançados e (re)direcionar a intervenção de enfermagem(8,9).

Outrossim, a implementação do PE é essencial para uniformização do trabalho da equipe de enfermagem, permitindo comunicação clara e objetiva, com foco na assistência qualificada e segura. Assim, este estudo objetivou analisar os diagnósticos, as intervenções e atividades de enfermagem em pacientes submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19, possibilitando a compreensão da forma da assistência de enfermagem prestada. Espera-se que o conhecimento produzido neste estudo suscite análise crítica para avaliar a necessidade de mudanças ou adaptações no método de trabalho do enfermeiro a esta clientela.

 

MÉTODO

 

Desenho do estudo

Trata-se de estudo descritivo, retrospectivo e de natureza quantitativa, realizado a partir da análise de dados presentes em prontuários acerca da implementação do PE em pacientes submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19, especialmente no que se refere aos diagnósticos e às intervenções e atividades de enfermagem.

 

Local da pesquisa

A pesquisa aconteceu no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), situado em Recife – PE, Brasil, o qual é administrado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), atualmente, conta com diversas especialidades. No início da pandemia da COVID-19, o centro dialítico passou por adaptações estruturais e implantação de protocolos de admissão e condução de pacientes sintomáticos com necessidade de terapia hemodialítica. Atualmente, conta com 14 dialisadores por turno de atendimento, dos quais dois estão reservados em sala exclusiva para pacientes submetidos às medidas de precaução específicas.

 

Participantes

A população do estudo foi representada pelos prontuários dos pacientes internados nas enfermarias e unidades de terapia intensiva destinadas ao atendimento de COVID-19 no HC - UFPE e que foram submetidos à hemodiálise, totalizando cerca de 64 registros contabilizados até maio de 2021. A amostra foi censitária, ou seja, a mesma quantidade da população do estudo.

Adotaram-se critérios de inclusão como: prontuários de pacientes acima de 18 anos submetidos à hemodiálise, secundária à COVID-19 no HC - UFPE. Em contrapartida, excluíram-se prontuários que não descrevessem pelo menos os diagnósticos e as atividades de enfermagem e aqueles em que os pacientes possuíam algum tipo de comprometimento renal anterior à infecção por COVID-19. O comprometimento renal anterior foi evidenciado por meio do diagnóstico médico registrado no prontuário.

Após aplicação dos critérios de elegibilidade, excluíram-se da amostra os seguintes prontuários: pacientes com DRC previamente diagnosticada (28 prontuários), pacientes transplantados (2 prontuários), paciente com teste para COVID-19 negativo (1 prontuário), paciente sem teste COVID-19 confirmatório (1 prontuário), LRA por sepse (6 prontuários) e LRA por vasculite (1 prontuário). Após essa triagem, restaram 25 prontuários elegíveis para análise.

 

Coleta de dados

A coleta de dados ocorreu de maio a agosto de 2021, por meio da consulta aos prontuários do Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME) que disponibilizou 10 prontuários ao dia para consulta. Consultaram-se os dados sociodemográficos para caracterização da população (sexo, idade, raça e estado civil) e os dados clínicos que descreveram o perfil nefrológico (tipo de diálise, quantidade de diálises, acesso para diálise, tempo de internamento e desfecho clínico).

Para evidência dos diagnósticos, intervenções e atividades de enfermagem presentes nos prontuários analisados, utilizou-se do suporte do formulário construído pela Rede de Pesquisa em Processo de Enfermagem (RePPE) que contém um subconjunto terminológico com diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem relevantes para a clínica do enfermeiro no cenário de cuidados críticos associados à Covid-19. O instrumento é composto por 20 DE distribuídos nos seguintes domínios: Nutrição, Eliminação e troca, Atividade/repouso, Papéis e relacionamentos e Segurança/proteção. Destaca-se que a lista de resultados, intervenções e atividades de enfermagem presentes no formulário são direcionadas aos diagnósticos de enfermagem e tiverem como base as terminologias da NANDA Internacional, Nursing Outcomes Classification (NOC) e Nursing Interventions Classification (NIC).

A fim de buscar, nos prontuários analisados, os diagnósticos, as intervenções e atividades de enfermagem, verificaram-se todos os registros do enfermeiro. Para os diagnósticos e as atividades de enfermagem, observaram-se aquelas registradas pelo enfermeiro e verificou-se o diagnóstico ou a atividade equivalente no instrumento de coleta de dados descrito. As intervenções de enfermagem foram definidas pelas autoras, a partir do conjunto de atividades prescritas nos registros do enfermeiro, uma vez que estas intervenções não constavam nos prontuários.

 

Análise de dados

Para análise desses dados, aplicou-se a estatística descritiva a partir do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0 para Windows, após tabulação dos dados no Excel. Adotou-se a estatística descritiva com o cálculo das frequências relativas e absolutas, bem como médias, mediana, desvio padrão, máximo e mínimo. Em adição, empregou-se o teste de normalidade, Shapiro-Wilk para verificar a normalidade dos dados contínuos (idade, quantidade de sessões de hemodiálise e dias de internamento) e adotando p valor de 0,05.

 

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), conforme Parecer nº 43916121.0.0000.8807. O termo de confidencialidade foi assinado pelos autores, a fim de garantir o sigilo das informações coletadas.

 

RESULTADOS

Analisaram-se na pesquisa 25 prontuários de pacientes diagnosticados com COVID-19 que desenvolveram LRA secundária à infecção. Como apresentado na Tabela 1, 56% do público era feminino, com média de idade 56,92 (+/-10,36), mediana de 58 anos, que variou de 40 a 81 anos, e p valor de 0,697 para o teste de Shapiro-Wilk. Ressalta-se que 76% eram de etnia parda e 56% casados, procedentes da Região Metropolitana do Recife (RMR) (84%).

 

Tabela 1 - Características sociodemográficas de pacientes (n=25) submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19. Recife, PE, Brasil, 2021

VARIÁVEIS

FREQUÊNCIA ABSOLUTA

(n)

FREQUÊNCIA RELATIVA

(%)

Sexo

 

 

Feminino

14

56

Masculino

11

44

Grupo étnico

 

 

Pardo (a)

19

76

Branco (a)

5

20

Preto (a)

1

4

Indígena

0

0

Estado civil

 

 

Casado (a)

14

56

Solteiro (a)

7

28

Divorciado (a)

2

8

Viúvo (a)

1

4

União estável

1

4

Procedência

 

 

Recife- PE

10

40

Jaboatão dos Guararapes-PE

3

12

Paudalho-PE

3

12

Cabo de Santo Agostinho-PE

2

8

Paulista-PE

2

8

Camaragibe-PE

1

4

Escada-PE

1

4

Gravatá-PE

1

4

Petrolândia-PE

1

4

Manaus-AM

1

4

Fonte: Elaborada pelos autores, 2021.

 

Quanto às características clínicas (Tabela 2), as principais morbidades encontradas foram: Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Mellitus (DM) e obesidade, com frequência relativa de 56%, quer sejam associadas ou isoladas. Doenças cardiopulmonares como Insuficiência Cardíaca (IC) e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) foram encontradas, bem como aquelas com acometimento hematológico (leucemia - 4%). Em relação aos dias de internamento, a média foi de 23,92 (+/-20,81), mediana de 17 dias, sendo o mínimo de 2 dias e máximo de 78 dias e p valor < 0,001 para o teste de Shapiro-Wilk. No que diz respeito à quantidade de sessões de hemodiálise, a média foi de 6,48 (+/- 5,76), mediana de 4 diálises, sendo a mínima 1 e a máxima 24 sessões e p valor de 0,06 para o teste de Shapiro-Wilk. Os principais acessos utilizados para viabilização da terapia dialítica intermitente, encontrada em 96% dos casos, foram os cateteres de curta permanência (Cateter Duplo/Triplo Lúmen- CDL/CTL). E, como desfecho clínico, 36% dos pacientes receberam alta hospitalar e 64% evoluíram para o óbito.

 

Tabela 2 - Características clínicas de pacientes (n=25) submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19. Recife, PE, Brasil, 2021

VARIÁVEIS

FREQUÊNCIA ABSOLUTA

(n)

FREQUÊNCIA RELATIVA

(%)

Tipo de diálise

 

 

Intermitente

25

100

Contínua

0

0

Acesso para diálise

 

 

Cateter Duplo Lúmen

16

64

Cateter Triplo Lúmen

8

32

Permcath

1

4

Fístula Arteriovenosa

0

0

Desfecho clínico

 

 

Óbito

16

64

Alta

9

36

Transferência

0

8

Comorbidades

 

 

Hipertensão Arterial Sistêmica

14

56

Diabetes Mellitus

14

56

Obesidade

14

56

Sem comorbidades

3

12

Insuficiência Cardíaca

1

4

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

2

8

Asma

2

8

Leucemia

1

4

Fonte: Elaborada pelos autores, 2021.

 

Na Tabela 3, encontram-se os diagnósticos assinalados pelos enfermeiros durante a elaboração do plano de cuidados e as respectivas frequências. Aqueles presentes no instrumento e que não estão listados, não foram identificados nos prontuários analisados, sendo eles: ventilação espontânea prejudicada, desobstrução ineficaz das vias aéreas, risco de aspiração, risco de choque, risco de pressão arterial instável, risco de glicemia instável, risco de lesão por pressão, risco de lesão de córnea, déficit no autocuidado para vestir-se e processos familiares interrompidos.

 

Tabela 3 - Diagnósticos de Enfermagem presentes em pacientes (n=25) submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19. Recife, PE, Brasil, 2021

DIAGNÓSTICOS DE ENFERMAGEM

FREQUÊNCIA ABSOLUTA

(n)

FREQUÊNCIA RELATIVA

(%)

Risco de infecção

25

100

Risco de volume de líquidos desequilibrado

25

100

Déficit no autocuidado para banho

24

96

Déficit no autocuidado para higiene íntima

24

96

Troca de gases prejudicada

20

80

Integridade tissular prejudicada

19

76

Perfusão tissular periférica ineficaz

17

68

Integridade da pele prejudicada

11

44

Resposta disfuncional ao desmame ventilatório

4

16

Déficit no autocuidado para alimentação

3

12

Fonte: Elaborada pelos autores, 2021.

 

As 24 intervenções de enfermagem listadas na Tabela 4 foram assinaladas nas prescrições de enfermagem dos pacientes da seguinte forma.

 

Tabela 4 – Distribuição das Intervenções de Enfermagem (NIC) de pacientes (n=25) submetidos à hemodiálise secundária à COVID-19 de acordo com os DE levantados. Recife, PE, Brasil, 2021

DIAGNÓSTICOS DE

ENFERMAGEM

INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM (NIC)

FREQUÊNCIA ABSOLUTA

(n)

FREQUÊNCIA RELATIVA (%)

Risco de infecção

Proteção contra infecção

25

100

Déficit no autocuidado para banho, higiene íntima

Assistência no autocuidado

 

25

100

Troca de gases prejudicada

Controle de vias aéreas

22

88

Posicionamento

17

68

Integridade tissular/da pele prejudicada

Prevenção de lesão por pressão

11

44

Cuidados com lesões

7

28

Supervisão da pele

6

24

Resposta disfuncional ao desmame ventilatório

Desmame da ventilação mecânica

3

12

Risco de volume de líquidos desequilibrado

Controle hidroeletrolítico

25

100

Regulação hemodinâmica

2

8

Terapia por hemodiálise

25

100

Fonte: Elaborada pelos autores, 2021.

 

Quanto às prescrições de enfermagem descritas no instrumento de coleta, pertencentes às intervenções de enfermagem dispostas na NIC, das 44 presentes, as 23 listadas na Tabela 5 foram as indicadas para os pacientes e desenvolvidas pela equipe. Essas ações tinham como objetivo trazer resultados positivos, quer sejam por assistência direta ao paciente, como os cuidados relacionados a manutenção de vias aéreas e os cuidados com a higiene corporal, ou indireta, como a manutenção do isolamento de contato e aerossóis que envolve a proteção da família e comunidade.

 

Tabela 5 - Atividades de Enfermagem de pacientes (n=25) submetidos à hemodiálise secundário à COVID-19. Recife, PE, 2021

INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM (NIC)

ATIVIDADES DE ENFERMAGEM

FREQUÊNCIA ABSOLUTA

(n)

FREQUÊNCIA RELATIVA (%)

Proteção para infecção

Mater medidas de precaução específicas de contato e aerossóis;

17

68

Realizar troca de fixação dos dispositivos vasculares, conforme protocolo institucional;

22

88

Limitar número de visitantes conforme protocolo institucional.

1

4

Controle de vias aéreas

Manter decúbito elevado a 30o;

22

88

Realizar aspiração da cânula orotraqueal com sistema fechado e registrar quantidade e aspecto das secreções;

19

76

Registrar parâmetros ventilatórios (modo ventilatório, volume corrente, pressão inspiratória, Pressão de Suporte, PEEP, FiO2, frequência respiratória do ventilador e total (ventilador + paciente);

1

4

Observar, anotar e comunicar: taquipneia, cianose e

saturação de oxigênio menor que 90%;

7

28

Realizar troca de fixação da cânula orotraqueal 1 x ao dia ou conforme protocolo institucional;

14

56

Realizar higiene oral conforme protocolo institucional 3 x ao dia

3

12

Observar, anotar e comunicar resultados da gasometria;

21

84

Observar, anotar e comunicar PaO2 < 60 mmHg, PaCO2 > 50 mmHg, uso de musculatura acessória para respiração, fadigada musculatura respiratória.

3

12

Controle hidroeletrolítico/Terapia por hemodiálise

Registrar Sinais Vitais conforme gravidade clínica;

2

8

Controlar débito urinário e balanço hídrico conforme gravidade clínica;

24

96

Determinar o estado de perfusão (temperatura de extremidades, coloração da pele);

1

4

Registrar velocidade de infusão de fármacos em bomba de infusão 2/2 horas;

17

68

Administrar líquidos conforme protocolo institucional;

17

68

Realizar mudança de posicionamento corporal se estabilidade hemodinâmica/oxigenação.

21

84

Prevenção de lesão por pressão

Manter descompressão em proeminências ósseas;

11

44

Administrar cuidados na úlcera de pele, se necessário;

8

32

Realizar higienização corporal se estabilidade hemodinâmica e de oxigenação.

25

100

Assistência no autocuidado

Realizar higiene íntima, quando necessário;

25

100

Infundir dieta por SNE, conforme protocolo institucional.

4

16

Fonte: Elaborada pelos autores, 2021.

 

DISCUSSÃO

Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), estudos realizados na China no início da pandemia COVID-19, traziam baixa incidência de LRA em pacientes infectados pelo SARS-CoV-2. Contudo, ao longo do ano de 2020, observou-se aumento nesses números. Pesquisa realizada na província de Hubei, China, constatou incidência de 18,1% de LRA entre os pacientes internados com COVID-19, 52,4% desses pacientes eram considerados críticos, enquanto apenas 27,4% daqueles que não desenvolveram LRA eram classificados dessa forma(10,11).

A LRA, secundária à COVID-19, pode ser classificada como inicial ou tardia. A inicial (até 72 horas após a admissão) foi descrita como decorrente das mudanças celulares diretas ocasionadas pelos vírus e mecanismos imunológicos induzidos. Já a LRA tardia aparece combinada com quadros de sepse, falência orgânica e uso de fármacos nefrotóxicos, o que corrobora o aumento nos índices de mortalidade associados à patologia(11). Outro estudo realizado em Wuhan, China, concluiu que 29% dos pacientes acometidos pela COVID-19 desenvolveram LRA(12), e os índices de mortalidade foram três vezes mais altos nos pacientes que desenvolveram a lesão do que naqueles que não foram acometidos por ela(13).

Neste estudo, a mediana de internamento foi de 17 dias, sendo o mínimo de dois dias e máximo de 78 dias. Para os pacientes com poucos dias de internamento, observou-se maior gravidade evidenciada pela não responsividade às intervenções aplicadas, ainda que intensivas. Esse aspecto também pode ser reforçado pela alta da taxa de mortalidade dos participantes (64%).

Quanto aos acessos vasculares, 96% dos pacientes utilizaram cateteres de curta permanência (CDL/CTL) que são os dispositivos predominantes em pacientes agudos. Relato de experiência realizado durante a pandemia COVID-19 trouxe a preponderância desse tipo de acesso nos pacientes, localizados preferencialmente em veias jugulares e femorais. Alguns cateteres não possuíam fluxo sanguíneo efetivo, o que era considerado fator dificultador da terapia(14).

Quanto às comorbidades apresentadas, a HAS, DM e obesidade estavam presentes em 56% da população, quer sejam associadas ou isoladas. Estudo realizado a partir do banco de dados do Ministério da Saúde quanto à prevalência de comorbidades nos casos de SRAG por COVID-19 a nível nacional, regional e estadual (Pernambuco), contabilizou como principais doenças vinculadas, as cardiopatias (51%) e o DM (40%). A taxa de letalidade média nos três níveis encontrada para os pacientes com essa última foi de 47,6%(15).

Quanto aos DE, assinalaram-se majoritariamente nos registros de enfermagem dos instrumentos institucionais: risco de infecção (100%), risco de volume de líquidos desequilibrado (100%), déficit no autocuidado para banho/higiene íntima (96%), troca de gases prejudicada (80%) e integridade tissular prejudicada (76%). O primeiro listado é o mais encontrado no plano de cuidados dos enfermeiros no ambiente hospitalar, especialmente pela exposição do cliente a procedimentos invasivos e pelo status imunológico que o vulnerabiliza à infecção(16).

Para a população estudada, já havia, no mínimo, um tipo de infecção instaurada, o contágio pelo SARS-CoV-2, o que não corresponde à descrição do diagnóstico de risco. Contudo, devido à presença de dispositivos invasivos, a aquisição de novas infecções pode ser considerada, justificando a necessidade da realização das atividades atribuídas a esse diagnóstico(16).

O diagnóstico Risco de volume de líquidos desequilibrado, encontra-se em situação similar ao citado anteriormente, uma vez que a população possuía o diagnóstico médico de LRA, que afeta diretamente a regulação hídrica, o que não caracteriza o quadro como de risco. O DE mais adequado para este caso seria o Volume de líquidos excessivo, tendo em vista que o quadro de desequilíbrio já está instalado. Contudo, este diagnóstico não estava presente no instrumento de coleta de dados, o que trouxe restrições ao estudo. O DE Troca de gases prejudicada, presente em 20 prontuários analisados, é um diagnóstico comum nos casos de afecções do trato respiratório, principal sistema acometido pelo COVID-19, que resulta principalmente em dificuldade respiratória, que pode evoluir com necessidade de oxigenoterapia ou ventilação mecânica nos casos de agravamento(17). Nesses casos, em que a troca de gases prejudicada necessita de método invasivo para manutenção do parâmetro respiratório, seria oportuna a aplicação do diagnóstico Ventilação espontânea prejudicada, definido como a incapacidade de iniciar e/ou manter um padrão respiratório que seja capaz de sustentar a vida(7).

A descrição das intervenções de enfermagem (Tabela 4) ocorreu de acordo com a catalogação da NIC. Os domínios encontrados em 100% dos prontuários foram: Proteção contra infecção, Controle hidroeletrolítico e Assistência ao autocuidado. Controle de vias aéreas foi assinalado em 22 prontuários, que equivalem a 88% da amostra. Essa alta prevalência se deve principalmente aos altos índices no uso da ventilação mecânica invasiva nos ambientes de cuidados intensivos, local no qual a maioria dos pacientes do estudo internaram.

As atividades desenvolvidas para as intervenções foram: manutenção do isolamento de contato e para aerossóis, realização da troca da fixação dos dispositivos vasculares conforme protocolo institucional e controle do número de visitantes. Essas medidas se relacionam com a intervenção “Proteção contra infecção”, associada ao diagnóstico “Risco de infecção”. Diferentemente do diagnóstico de risco aplicado de maneira controversa, como discutido anteriormente, as atividades prescritas são cabíveis, tendo em vista a necessidade de controlar a disseminação do patógeno dentro do ambiente hospitalar entre profissionais e pacientes, bem como entre familiares que se expõem ao risco de visitar os parentes nos locais de internamento.

Manutenção de decúbito a 30º, aspiração de secreção traqueal e coleta/análise de gasometria arterial foram as principais atividades desenvolvidas para a intervenção Controle de vias aéreas. Por se tratar de ações relacionadas a um sistema vital ao organismo (trato respiratório), essas se tornam prioritárias para manutenção sistêmica, mostrando forte relevância entre as práticas aplicadas(18).

Controle de débito urinário, balanço hídrico, registro da velocidade de infusão de fármacos e administração de líquidos, conforme protocolo institucional, foram as principais atividades desenvolvidas durante a assistência ao paciente diagnosticado com Risco de volume de líquidos desequilibrado, nos quais, como discutido, não há mais o risco pela instalação da LRA, mas o Volume de líquidos excessivo já instaurado. Contudo, ao analisar as atividades de enfermagem a serem realizadas nos dois diagnósticos, percebem-se muitas similaridades, o que não caracteriza as aplicações como totalmente inadequadas.

No atendimento ao paciente com COVID-19, destaca-se a importância do uso de taxonomias padronizadas, uma vez que elas podem gerar dados que permitam a análise do impacto dos cuidados de enfermagem na pandemia, além de auxiliar na criação de novos conhecimentos para melhora dos resultados em pacientes com COVID-19(8).

Neste estudo, os diagnósticos, as atividades e intervenções de enfermagem registrados nos prontuários foram evidenciados com o auxílio de instrumento validado, que formulou um subconjunto terminológico, com diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem relevantes para a clínica do enfermeiro no cenário de cuidados críticos associados à COVID-19 e utilizou as taxonomias da NANDA-I, NOC e NIC como suportes para formulação dos resultados e das intervenções de enfermagem.

Neste estudo, a análise dos resultados e da avaliação de enfermagem, foram impossibilitadas pela indisponibilidade dos registros no instrumento institucional, fato que pode comprometer a aplicação do Processo de Enfermagem individualizado, de acordo com as reais necessidades do paciente.

 

CONCLUSÃO

Identificaram-se os principais diagnósticos de enfermagem, as intervenções e atividades de enfermagem aplicados em pacientes acometidos pelo SARS-CoV-2 que desenvolveram LRA, atendidos em Hospital Universitário de Pernambuco. Como limitação do estudo para análise completa do PE nesta clientela, os resultados esperados e a avaliação, etapas importantes do PE, não foram registradas nos prontuários analisados.

Apesar de ser temática muito discutida e vivenciada nos últimos dois anos, ainda não há muitos estudos que tratem sobre o assunto, tampouco robustos, devido à novidade da doença. As sequelas, a longo prazo, ainda são desconhecidas e a eficácia das intervenções incertas. Faz-se necessária a realização de pesquisas na área para produção de mais conhecimento científico que embase a aplicação das terapêuticas propostas.

Enfatiza-se, portanto, a importância da aptidão profissional para lidar com este problema de saúde pública. Destaca-se o papel do enfermeiro como especialista capaz de identificar as principais alterações documentadas, apontando intervenções aplicáveis a cada caso, durante a elaboração do plano de cuidados, como precaução de contato e aerossóis, a fim de conter a disseminação do vírus, assistência direta nos cuidados de higiene pessoal, devido à incapacidade momentânea do paciente, manutenção da perviedade das vias aéreas, realização do balanço hídrico e viabilização da terapia hemodialítica nos casos necessários e outras ações cabíveis, por meio do de modo a proporcionar a melhor qualidade assistencial possível.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

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Submissão: 04/05/2022

Aprovado: 04/02/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Lima LB, Frazão CMFQ.

Obtenção de dados: Lima LB, Palha LCA, Lima JCA, Gomes AM, Frazão CMFQ.

Análise e interpretação dos dados: Lima LB, Sousa RS, Amorim RGP, Gomes AM, Frazão CMFQ.

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Lima LB, Pessoa NRC, Sousa RS, Amorim RGP, Frazão CMFQ.

Aprovação final do texto a ser publicada: Lima LB, Pessoa NRC, Frazão CMFQ.

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Lima LB, Frazão CMFQ.

 

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