Qualidade de vida dos residentes de enfermagem em meio à pandemia COVID-19: estudo descritivo
Natalia de Souza Lopes1, Kamille Janira de Souza Fernandes2, Marina Venancio de Souza3, Camila Pureza Guimarães da Silva4, Tais Veronica Cardoso Vernaglia3, Priscilla Alfradique de Souza4
1Prefeitura do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2Prefeitura de Niterói, Niterói, RJ, Brasil
3Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO
Objetivo: Avaliar a qualidade de vida do residente de enfermagem em meio à pandemia da COVID-19. Método: Estudo transversal, descritivo, de abordagem quantitativa com 57 residentes de enfermagem no município do Rio de Janeiro, por meio de questionário contendo dados socioeconômicos e o World Health Organization Quality of Life, versão abreviada (WHOQOL-bref). Resultados: Participantes consideram possuir uma Qualidade de Vida satisfatória (58,11), dado ratificado através da interpretação dos Domínios que apresentou um Score Geral de 53,46, onde o Domínio Físico foi o mais satisfatório (58,33) e o Meio Ambiente (48,63) o menos satisfatório. Conclusão: Os residentes apresentaram uma Qualidade de Vida Satisfatória, contudo percebeu-se que alterações nos padrões de sono/repouso podem estar ligados diretamente à diminuição da qualidade de vida dos residentes durante a pandemia.
Descritores: Infecções por Coronavírus; Qualidade de Vida; Enfermagem.
INTRODUÇÃO
Desde que identificado o coronavírus (COVID-19), a sua caracterização e o seu potencial de disseminação em larga escala promoveram um estado de atenção de autoridades nos diversos sistemas de saúde mundial. Seguindo de forma semelhante ao contexto global, no Brasil, após o primeiro caso confirmado no final de janeiro de 2020, os demais se elevaram em ritmo crescente e acelerado(1).
Diante deste contexto, entre as diferentes medidas preventivas, na tentativa sanitária de conter a transmissão, as autoridades instituíram medidas de proteção e diminuição de contágio, sendo elas: isolamento social, distanciamento social e quarentena. Estas podem estar contribuindo com o sofrimento psíquico, em especial os profissionais da área da saúde, dentre eles residentes, que estão na linha de frente no combate da COVID-19(1-3).
O medo de se contaminar e infectar seus familiares, o distanciamento de seus entes queridos, as incertezas relacionadas à falta do pleno conhecimento da doença, o sentimento de impotência, a sobrecarga de trabalho, a falta de equipamento de proteção individual (EPI), o constante contato com pacientes contaminados e seu estado clínico, o elevado número de mortes, entre outros fatores, aumentam o risco dos profissionais da área da saúde apresentarem quadros clínicos que se manifestam na forma de sinais e sintomas, relativos à ansiedade, depressão, distúrbios de sono e estresse(1,3-5).
Estudos realizados em diversos países enfatizam a presença de comprometimento psíquico dos profissionais de saúde durante este período de pandemia. Uma pesquisa realizada na China com 1563 profissionais da saúde apresentou um resultado de 50,7% de indivíduos com sintomas depressivos, 44,7% com ansiedade e 36,1% com insônia(1).
Estudo similar também realizado em território Chinês, com 1.257 participantes entre profissionais de enfermagem (61%) e médicos (39%) evidenciou um total de 72% dos pesquisados com sintomas de angústia, 50% com sintomas de depressão, 45% ansiedade e 34% com insônia(6). Vale ressaltar que tais comprometimentos afetam a qualidade de vida destes profissionais.
A Organização Mundial da Saúde define qualidade de vida (QV) como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, o que abrange a saúde física, psicológica, o nível de independência, a autonomia, as crenças, as relações sociais e relação com o meio ambiente(7-8).
Muitos são os profissionais de saúde escalados em equipes para serem linha de frente, e, dentre estes, os enfermeiros. Nesse contexto, a enfermagem, somada a outros profissionais da saúde, tem estado no centro de atuação dos sistemas de saúde em escala global(4).
Nesse âmbito, encontram-se os residentes em saúde, que são profissionais graduados, inseridos em diferentes serviços em busca de qualificação profissional. Desde o início do programa de residência esses profissionais vivenciam mudanças em seu cotidiano que interferem diretamente em sua saúde mental e na sua qualidade de vida, em função de diversos estressores inerentes ao curso de especialização(9-10).
Os residentes de enfermagem por fazerem parte da categoria profissional que se encontra 24 horas cuidando do paciente vivenciam diariamente fatores como longas jornadas e sobrecarga de trabalho, condições precárias no ambiente de serviço, baixos salários, desvalorização da categoria, entre outros fatores, os quais podem comprometer a saúde física e/ou mental, refletindo diretamente na sua qualidade de vida(10).
Nesse sentido, estudos revelam a importância de ações relacionadas à saúde mental e fatores estressores dos profissionais de saúde devido à rotina e dinâmica existente nestes cenários, tais como: manuais de saúde mental no continente asiático,orientações de associações e conselhos de psicologia, como no Brasil, na Espanha, nos Estados Unidos, bem como recomendações para cuidados em saúde mental pela Organização Mundial da Saúde.Destaca-se, no Brasil, a ação estratégica “O Brasil Conta Comigo – Profissionais da Saúde”, sobre a capacitação e o cadastramento de profissionais da saúde para o enfrentamento à COVID-19(1,3-5).
Desta forma, faz-se necessária a realização de trabalhos direcionados aos impactos da pandemia pela Covid-19 no cotidiano das pessoas, bem como seu grau de QV.
Diante a intensa atuação do enfermeiro residente frente à pandemia da COVID-19, questionou-se: como o residente de enfermagem percebe sua qualidade de vida atuando na linha de frente da COVID-19?
Assim, esta pesquisa teve por objetivo avaliar a qualidade de vida do residente de enfermagem em meio à pandemia da COVID-19.
MÉTODO
Trata-se de um estudo do tipo descritivo com a abordagem quantitativa, de corte transversal. A pesquisa foi realizada com 57 residentes de enfermagem de uma Instituição Federal de Ensino Superior, lotados em hospitais Federais, Militares e Institutos e Municipais, no Rio de Janeiro. Foram utilizados como critérios de inclusão: ser residente de enfermagem da Instituição de Ensino Superior, cenário do estudo, prestar assistência diretamente voltada ao paciente com COVID-19 e aceitar participar voluntariamente da pesquisa. Os critérios de exclusão foram: estar cursando o primeiro ano do curso de residência em enfermagem, residentes em período de férias ou afastados por qualquer motivo durante o período de coleta de dados.
Os dados foram coletados de agosto a dezembro de 2020, através da aplicação de dois questionários disponibilizados em formulários eletrônicos da ferramenta Google Forms via e-mail, no qual foram inseridos em seu corpo textual o convite e o link de acesso direto as perguntas e concordância com a participação por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O instrumento de coleta de dados contemplou dados sobre a atuação direta na assistência ao paciente com COVID-19 e perfil socioeconômico dos participantes, bem como, a qualidade de vida por meio da versão em português do World Health Organization Quality of Life abreviado (WHOQOL-bref), validada por Fleck e colaboradores em 2000(10).
O WHOQOL-bref é um instrumento de avaliação de qualidade de vida desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que constitui a versão abreviada do WHOQOL-100. Consiste em um questionário composto por 26 perguntas, sendo duas voltadas aos aspectos gerais da qualidade de vida: a primeira sobre a percepção do indivíduo a respeito da sua QV e a segunda sobre sua satisfação com a própria saúde; e outras 24 questões, divididas em 4 domínios. Estes domínios são divididos em 24 facetas, sendo eles: Domínio I-Físico; Domínio II-Psicológico; Domínio III-Relações Sociais e Domínio IV-Meio Ambiente. As questões são graduadas em uma escala de Likert, podendo o participante escolher como resposta uma alternativa que varia de 1, menor grau de satisfação, a 5 pontos, o maior grau de satisfação, com exceção das questões 3, 4, e 26, as quais foram necessárias recodificar o valor, onde 1 é o maior grau de satisfação e 5 o menor grau de satisfação(10-12).
Para análise dos dados socioeconômicos foi elaborado um banco de dados no Excel com o registro de todas as respostas coletadas e posteriormente foi formulado um quadro contendo o N - quantitativo e porcentagem de cada variável. A análise dos dados referentes à qualidade de vida foi realizada através de uma ferramenta, construída e testada no software Microsoft Excel, versão 2007, que segue a sintaxe proposta pelo grupo WHOQOL e que realiza automaticamente o cálculo dos escores da estatística descritiva do instrumento e elabora gráficos a partir dos resultados(8). Esta ferramenta calcula a média aritmética simples dos escores das 26 questões do WHOQOL-bref, com base nos seus domínios e converte o resultado em uma escala de 0 a 100. No presente estudo foram utilizadas a variante média, desvio padrão, máximo e mínimo.
Para interpretação dos dados da qualidade de vida, utilizou-se a seguinte classificação dos escores: Até 25 = Melhorar a qualidade de vida; Até 50 = Qualidade de vida Intermediária; Até 75 = Qualidade de vida Satisfatória; Acima de 75 = Qualidade de vida Muito satisfatória(12). Desta forma, entende-se que quanto mais próximo de 100, maior a QV.
Essa pesquisa respeitou os preceitos éticos envolvendo pesquisas com seres humanos, de acordo com a Resolução 466/2012, aprovada em 27 de julho de 2020 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente (CAAE 35020720.7.0000.5285; Parecer: 4.174.788).
RESULTADOS
Do total de participantes, a maior proporção é de mulheres, adultos jovens, solteiras e de etnia branca. Em sua maioria não residem sozinhos e possuem uma renda média de 1 a 5 salários mínimos, sendo a bolsa da residência sua principal fonte de sustento (Tabela 1).
Tabela 1 - Perfil sociodemográfico dos residentes. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020
Variáveis |
N |
% |
Sexo |
|
|
F |
48 |
84,2 |
M |
9 |
15,8 |
Idade (anos) |
|
|
≤24 |
6 |
10,5 |
≥25 |
51 |
89,5 |
Etnia Autodeclarada |
|
|
Branco |
25 |
43,9 |
Preto |
13 |
22,8 |
Pardo |
19 |
33,3 |
Estado Civil |
|
|
Solteiro |
42 |
73,7 |
Casado |
15 |
26,3 |
Com quantas pessoas mora |
|
|
Mora sozinho |
5 |
8,8 |
Uma a três |
39 |
68,4 |
Quatro ou mais |
13 |
22.8 |
Quem mora com você |
|
|
Mora sozinho |
5 |
8,8 |
Mãe e/ou Pai |
20 |
35,1 |
Cônjuge |
15 |
26,3 |
Outros |
17 |
29,8 |
Renda Familiar mensal |
|
|
1 a 5 salários mínimos |
39 |
68,4 |
5 ou mais salários mínimos |
18 |
31,6 |
Qual cidade reside |
|
|
Rio de Janeiro |
39 |
68,4 |
Niterói |
6 |
10,5 |
Duque de Caxias |
3 |
5,2 |
São Gonçalo |
3 |
5,2 |
Outros Municípios |
6 |
10,7 |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.
Por meio da avaliação do perfil socioeconômico dos residentes de enfermagem, observa-se uma predominância do sexo feminino, com idade entre 25 e 35 anos, que se autodeclaram de cor branca, solteiras, que residem com uma a três pessoas, em sua maioria mãe e/ou pai, possuindo uma renda familiar mensal de 3 a 5 salários mínimos e que vivem predominantemente na cidade do Rio de Janeiro.
A Tabela 2 demonstra que o Domínio Físico obteve uma avaliação mais positiva, com uma média de 13,33. Distingue-se dos demais por exibir um baixo desvio padrão (1,74), tendo com valor mínimo 8,57 e um valor máximo de 16,57.
Tabela 2 - Domínios do WHOQOOL-bref e suas variantes estatísticas. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020
DOMÍNIO |
MÉDIA |
DESVIO PADRÃO |
VALOR MÍNIMO |
VALOR MÁXIMO |
Físico |
13,33 |
1,74 |
8,57 |
16,57 |
Psicológico |
12,23 |
2,10 |
7,33 |
15,33 |
Relações Sociais |
12,94 |
4,19 |
4,00 |
20,00 |
Meio Ambiente |
11,78 |
3,23 |
5,00 |
18,00 |
Autovaliação da QV |
13,30 |
3,22 |
6,00 |
20,00 |
TOTAL |
12,55 |
2,15 |
7,54 |
16,31 |
Fonte: Elaborado pelos autores,2020.
Percebe-se a amplitude desse domínio visto que ele abrange a faceta com o maior grau de insatisfação geral dos participantes no que se refere a “quão satisfeito (a) você está com o seu sono?” Por outro lado, em relação a “quanto você precisa de algum tratamento médico para levar sua vida diária?”, obteve-se a faceta com a maior avaliação, ou seja, com maior grau de satisfação.
Em contrapartida o Domínio Psicológico, destaca-se como o segundo menor domínio em ordem crescente, apresentando uma média de 12,23. Exibindo também o segundo menor desvio padrão com 2,10, o valor mínimo de 7,33 e o valor máximo de 15,33.
Quanto ao Domínio de Relações Sociais, evidencia-se uma média de 12,94 e o desvio padrão de 4,19, sendo este o mais alto valor encontrado em todos os domínios. Apresenta uma alta variação dos dados com um valor mínimo de 4,00 e o valor máximo de 20,00.
É possível também observar que o Domínio do Meio Ambiente exibe a menor média de todos os domínios com 11,78, apresentando um desvio padrão de 3,23, um valor mínimo de 5,00 e um valor máximo de 18,00.
Tratando-se da vertente Autovaliação, que se refere à concepção que cada participante da pesquisa possui com relação a sua própria QV, obteve uma média de 13,30 com um desvio padrão de 2,15, variando com um valor mínimo de 7,54 e um valor máximo de 16,31.
Na Figura 1, no que se refere ao domínio físico, as facetas são apresentadas de acordo com a ordem crescente de satisfação: Sono e repouso (36,84); Atividade da Vida Cotidiana (47,37); Capacidade de Trabalho (51,32); Energia e Fadiga (56,58); Dor e Desconforto (69,74); Mobilidade (72,81) e Dependência de Medicação ou de Tratamentos (73,68).
Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.
Figura 1–Autopercepção da qualidade de vida de residentes, segundo domínios e facetas do WHOQOOL-bref. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020
O Domínio Psicológico (51,46) representou o segundo grupo com o maior grau de insatisfação. Compreende as facetas em ordem crescente: Espiritualidade/religião/crenças pessoais (48,25); Autoestima (50,88); Pensar, aprender, memória e concentração (51,75); Sentimentos negativos (51,75); Imagem corporal (52,63) e Sentimentos positivos (53,51).
O Domínio Relações Sociais (55,85) representou o segundo grupo com maior grau de satisfação entre os participantes, abrangendo as facetas: Atividade sexual (49,56); Relações Pessoais (54,39) e Suporte (Apoio)social (63,60).
Com relação ao Domínio Meio Ambiente, este obteve como média o escore de 48,63, destacando-se o com avaliação mais negativa. Este domínio leva em consideração oito facetas: Segurança Física e Proteção (50,88), Ambiente do Lar (57,02), Recursos Financeiros (64,91), Cuidados de Saúde e Social (40,79), Novas Informações e Habilidades (40,79), Recreação e Lazer (47,81), Ambiente Físico (47,81) e Transporte (39,04).A faceta que apresentou maior grau de satisfação foi a relacionada à suficiência de recursos financeiros para a satisfação das necessidades. Em contrapartida, a faceta que avalia satisfação com o meio de transporte utilizado foi a que apresentou o menor grau de satisfação.
A média da Autovaliação da QV leva em consideração a satisfação do participante da pesquisa com relação a sua saúde e seu julgamento a respeito de sua própria qualidade de vida, tendo apresentado um escore de 53,46. Sendo assim, observa-se que em sua maioria os participantes consideram possuir uma QV satisfatória.
DISCUSSÃO
A enfermagem é historicamente constituída por profissionais do sexo feminino. Este perfil vem se modificando principalmente a partir da década de 90 com o aumento do ingresso de indivíduos do sexo masculino na categoria. Desta forma, nossos resultados se coadunam com outros estudos que identificam a força de trabalho na enfermagem como sendo majoritariamente composta por mulheres(13-14).Todavia, o perfil de sujeitos jovens que compuseram a nossa amostra,diferencia-se do encontrado entre os profissionais de enfermagem no Brasil, que é composto em sua maioria pela faixa etária de 36 a 50 anos(14). Este fato se justifica por serem profissionais recém-formados que ingressaram na residência em busca de aperfeiçoamento técnico e científico, evento este que explica o dado encontrado no estudo(13-14).
Também, no que se refere a nossa amostra ser de cor branca, sabe-se que, levando-se em consideração o contexto histórico-social, o acesso ao sistema educacional de nível superior no Brasil (graduação e pós-graduação) é restrito e está longe do ideal(13-15).Sobre isso, ainda que o sistema de cotas tenha sido instituído para democratizar este acesso, o perfil dos estudantes de nível superior no Brasil continua sendo majoritariamente composto por uma população branca(13,15).
O Domínio Físico, que está relacionado ao sono/repouso, capacidade de locomoção, uso de medicamentos e capacidade de desenvolver suas atividades diárias e de trabalho, alcançou-se o melhor resultado escore entre os domínios. Outros estudos com profissionais de saúde e estudantes de enfermagem demonstram que estes escores mais altos deste domínio contribuem positivamente para a qualidade de vida(7,12).
Por outro lado, um estudo descritivo, transversal, com abordagem quantitativa realizado com 128 residentes de um hospital universitário em São Paulo,de diferentes áreas da saúde, evidenciou que tal domínio obteve o mais baixo escore, estando diretamente ligado aos padrões deficientes da faceta voltada ao sono/conforto(11).
Destaca-se que houve o menor índice de satisfação da faceta sono e repouso,indicando que uma parte dos residentes não consegue supri-las. Estudos apontam que a privação dessas necessidades pode acarretar piora nas condições de saúde e bem estar, estando diretamente ligados ao desânimo, sintomas depressivos, diminuição do dinamismo profissional, sonolência, o que pode ocasionar acidentes durante a assistência(6,10,12).
Os resultados apontam que os residentes possuem baixa dependência do uso de medicações ou tratamentos para gerir a sua vida diária. Em contrapartida, uma revisão de literatura realizada sobre o uso crônico de medicações e seus efeitos adversos aponta que profissionais de enfermagem e da saúde, principalmente mulheres jovens, praticam automedicação como forma de autocuidado, utilizando em sua maioria antiinflamatórios e analgésicos. Este dado é preocupante, tendo em vista que o uso indiscriminado de anti-inflamatórios em longo prazo pode comprometer alguns sistemas do nosso organismo como: sistema gastrointestinal, renal e cardiovascular(16).
A Mobilidade, a qual está relacionada com a capacidade de se movimentar, representou a segunda maior avaliação entre as facetas da presente pesquisa. As práticas de distanciamento físico e social, principalmente o lockdown, quando parte da população ficou isolada em suas residências(1-3) representou alterações de mobilidade interurbana com a diminuição da circulação da população, o que contribuiu positivamente para um escore bem avaliado(17).
O domínio Psicológico correlaciona aspectos de capacidade de concentração, frequência de pensamentos positivos e negativos, satisfação com a autoestima e satisfação mental. O cenário de pandemia, quando vinculado à saúde mental, demanda do trabalhador de saúde uma atenção especial. A exaustão e o esforço emocional no cuidado ao paciente com COVID-19 podem conduzir a efeitos de sentimentos negativos e desestabilizar o bem-estar geral(6-7, 11-10,18).
A faceta Sentimentos Negativos, que pode estar relacionada ao ambiente de trabalho e desempenho deste, indicou que os participantes (51,75) apresentaram sentimentos como ansiedade, mau humor, desespero e depressão em ao menos alguma vez. Os resultados demonstram que o residente de enfermagem possui dificuldade de resistir ao desgaste físico e psicológico no ambiente de trabalho. Países como China, Alemanha e Estados Unidos têm divulgado estudos relacionados à saúde mental dos profissionais de saúde associados a estes sentimentos(1-4,18), o que converge com os resultados desta pesquisa. Ao que concerne a pandemia, há uma ascendência de casos de Transtornos Mentais Comuns (TMC), uma vez que o aparecimento de mau humor ou tristeza pode ser sinal de risco indicativo para o desenvolvimento deste agravo(1-4,18-19).
As facetas Pensamentos Positivos, Autoestima, Imagem Corporal, Estilo de Vida, Pensar, Aprender, Memória e Concentração apresentaram um grau satisfatório de QV.Um estudo que aborda as intervenções/ações de cuidado em saúde mental destaca que países como a China, Estados Unidos e alguns europeus vêm investindo em ações de suporte a estes profissionais da linha de frente da pandemia(3). Por outro lado, traz a dificuldade do Brasil de aderir a estes investimentos que estão relacionados ao uso de tecnologia. Outro estudo que abordou qualidade de vida em profissionais de enfermagem em unidade de pronto atendimento no estado de Minas Gerais aponta que quando há ou não suporte psicológico e físico, os profissionais tendem a providenciar ações que reduzem os impactos negativos e elevem os positivos(3,19).
Ao se deparar com a faceta Espiritualidade/Religiosidade/Crenças Pessoais, elementos constituintes da subjetividade dos indivíduos, verificou-se satisfação intermediária. A estratégia de enfrentamento relativa à espiritualidade é habitual entre os enfermeiros. Há necessidade de compreensão e reconhecimento por parte daqueles que prestam o cuidado à saúde e lidam com o sofrimento humano. O profissional necessita priorizar a reflexão da espiritualidade quanto à dimensão desta para a promoção da saúde própria e aprimoramento na forma de cuidar (19-20).
O Domínio de Relações Sociais abrange Relacionamento Interpessoal, Sexual e Apoio Social. As facetas abordadas neste domínio beneficiam a QV quanto à participação em atividades sociais, atividades de lazer e diálogos entre familiares e amigos. Este domínio obteve um dos maiores escores, ainda que existam medidas de distanciamento social, a interação social ampliou-se por novas estratégias, como a comunicação através da internet. Os escores de Relações Sociais e Apoio Social parecem ter sido favorecidas por essa ferramenta, pois se mantiveram acima da média. A faceta Relação Sexual obteve o menor escore deste domínio, com possível interferência deste período pandêmico(18-19).
O domínio que obteve menor escore no estudo foi o Meio Ambiente, classificando-se com um grau Intermediário de QV. Este domínio avalia questões relacionadas com Segurança Física e Proteção, o Ambiente do Lar, os Recursos Financeiros, os Cuidados de Saúde e Social, as Novas informações e Habilidades, a Recreação e Lazer, o Ambiente Físico e o Transporte. Um estudo transversal similar realizado com 224 profissionais de enfermagem de seis unidades de terapia intensiva das regiões metropolitanas de Sorocaba e Campinas, no estado de São Paulo obteve resultado semelhante com grau Intermediário de QV, corroborando com o resultado desta pesquisa, apesar do déficit de publicações com a temática(12).
Entre as facetas que se destacam no domínio Meio Ambiente enfatizamos o Transporte, que representa o menor escore do domínio e a segunda menor dentre todas as facetas do estudo, e a faceta Recursos Financeiros, que apresenta o maior escore do domínio.
Em relação à faceta Recursos Financeiros, nos chama bastante atenção devido o seu elevado escore que pode ser explicado pelo fato da grande maioria dos participantes da pesquisa, embora possuir uma renda familiar superior a três salários mínimos, a dividem com um grupamento familiar de até 3 pessoas. Já a faceta que representou o menor escore do domínio Meio Ambiente classificando-se como um grau indeterminado de QV, pode ser explicada pela precariedade do serviço de Transporte Público na cidade cenário deste estudo. Sabe-se que o transporte público das grandes cidades influencia diretamente na qualidade de vida dos indivíduos, uma vez que a locomoção da grande maioria da população, tanto para suas atividades laborais quanto para seu lazer, ocorre por meio destes. Associado a isso, a baixa qualidade e quantidade de ônibus ofertado aumentam o número de veículos particulares nas ruas, causando engarrafamento na cidade e, consequentemente, elevando o tempo de deslocamento casa-trabalho, razão da insatisfação da população com o serviço oferecido(17).
É importante ressaltar que embora neste período de pandemia o isolamento social e o lockdown tenham reduzido o número de pessoas circulando e utilizando o transporte público, as dificuldades encontradas para o deslocamento na cidade não deixaram de existir, uma vez que a oferta de ônibus foi reduzida neste período.
O escore da Autoavaliação da QV encontrado no estudo (58,11) indica que os participantes da pesquisa a classificaram como satisfatória. Um estudo semelhante, realizado no estado de São Paulo com profissionais de enfermagem de unidades de terapia intensiva resultou na mesma classificação, porém apresentando um escore geral mais elevado (73,33)(12).
O escore geral deste estudo também classificou a QV dos residentes como Satisfatório (53,46),o resultado encontra-se muito próximo da linha limite entre o grau de QV Intermediário (até 50 escores) e muito distante do grau Muito satisfatório (acima de 75 escores). Não obstante, mesmo que a pandemia apresente impacto pessoal nos residentes de enfermagem, de uma forma geral não dirime a qualidade de vida.
Limitações do estudo
Dentre as limitações do estudo, destaca-se a escassez de pesquisas disponíveis em que o questionário WHOQOL-bref foi aplicado à população de residentes de enfermagem e a impossibilidade de comparação com o período anterior à pandemia. Diante disso foi necessário utilizar estudos com populações semelhantes para discorrer sobre o assunto, visto que o estudo aborda uma temática atual voltada ao residente de enfermagem inserido nesse contexto adverso. Outra limitação encontrada diz respeito ao instrumento WHOQOL-bref e a incapacidade de avaliar mais profundamente suas facetas. Por fim, a amostra de forma reduzida, a qual não permite generalizar os resultados.
Implicações para a prática
Este estudo traz a perspectiva de ampliação do campo de estudo sobre qualidade de vida, principalmente relacionado aos profissionais de saúde em programas de graduação lato sensu contribuindo no contexto da formação da residência em enfermagem, e também, trazendo considerações importantes para que mais trabalhos sejam desenvolvidos. Para a assistência pode estimular os preceptores a desenvolverem estratégias que contribuam para melhoria da QV dos residentes, uma vez que uma baixa QV interfere diretamente na assistência realizada.
CONCLUSÃO
Através do presente estudo foi possível avaliar a qualidade de vida do residente de enfermagem em meio à pandemia de COVID-19. Para tal conclusão foi necessário analisar aspectos que englobam diferentes campos ligados à percepção dos residentes de enfermagem, como: psicológico, ambiental, físico e de relações sociais.
Em média, os residentes apresentaram uma Qualidade de Vida Satisfatória. Como fatores positivos, pode-se destacar o inabitual uso de medicação ou tratamentos médicos, satisfação na capacidade de locomoção e no apoio social.
Em contrapartida, alguns fatores relacionados aos padrões de sono/repouso apresentaram-se ligados diretamente à diminuição da QV dos residentes. É importante enfatizar que embora o escore geral deste estudo tenha classificado a percepção do residente de sua QV como satisfatória no contexto de sua atuação na linha de frente da COVID-19, torna-se necessário desenvolver medidas para melhorar o grau de QV dos residentes de enfermagem, em virtude das proximidades com o grau de QV Intermediário e distanciamento com grau Muito satisfatório.
Além disso, estes achados são relevantes, pois podem nortear ações que visem ao desenvolvimento de estratégias para promover a melhora da qualidade de vida em contextos de pandemia, proporcionando aprimoramento ao ambiente de trabalho e suporte psicológico ao residente, preparando-o para lidar com o estresse durante a residência em diferentes cenários e situações.
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
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Submissão: 02/05/2022
Aprovado: 17/01/2023
Concepção do projeto: Lopes NS, Fernandes KJS, Souza MV, Silva CPG, Vernaglia TVC Obtenção de dados: Lopes NS, Fernandes KJS, Souza MV Análise e interpretação dos dados: Lopes NS, Fernandes KJS, Souza MV, Silva CPG, Vernaglia TVC Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Lopes NS, Fernandes KJS, Souza MV, Silva CPG, Vernaglia TVC, Souza PA Aprovação final do texto a ser publicada: Lopes NS, Fernandes KJS, Souza MV, Silva CPG, Vernaglia TVC, Souza PA Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Lopes NS, Fernandes KJS, Souza MV, Silva CPG, Vernaglia TVC, Souza PA |