EDITORIAL

 

Projetos de continuidade: uma possibilidade para a implementação de soluções tecnológicas

 

Elizabeth Teixeira1, Marcia Helena Machado Nascimento2

1Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil

2Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

 

Um campo de estudo emergente, a Ciência da Implementação (CI), nos chama a atenção para a importância de, após delinear e avaliar as melhores evidências sobre um problema de pesquisa se requer avançar na direção de testar, aplicar e avaliar os achados, com vistas a verificar as repercussões do que foi gerado e com isto contribuir com a prática em saúde global(1).

Um dos desafios da CI diz respeito à existência de uma gama de informações que permanece estática nas bases de dados virtuais, o que não assegura implementações de sucesso por si só, sendo necessários projetos de continuidade para compilar, testar, avaliar e aplicar tais informações, “no intuito de reduzir o "know-do gap" (lacuna de conhecimento) observado entre a literatura e o mundo real”(1;7).

Considerando tais pontuações introdutórias, cabe tecer reflexões no sentido de pensar projetos de continuidade, particularmente no que diz respeito às pesquisas metodológicas (PMs), tendo em vista a crescente realização desses estudos no âmbito da enfermagem brasileira. Tais estudos apontam soluções tecnológicas, produzidas, validadas ou avaliadas, mas não necessariamente implementadas na prática.

Nas publicações de enfermagem, as PMs emergem em 2006 e vem crescendo de forma significativa a partir de 2015(2). A PM envolve a produção, validação, avaliação e aplicação de instrumentos e produtos para distintos fins, e não só meios e métodos para a própria ciência(3). É com esse entendimento que as PMs vêm sendo utilizadas para o desenvolvimento de soluções tecnológicas para problemas da prática.

É nesta conjuntura que emerge o projeto de continuidade como uma possibilidade para a implementação das soluções tecnológicas desenvolvidas, tendo em vista a característica “multifásica” da PM, ou seja, as soluções produzidas (primeira fase da PM), precisam ser validadas e avaliadas (segunda fase da PM) para serem aplicadas (terceira fase da PM), e assim favorecer a implementação na prática.

A característica “multifásica” da PM requer em cada fase rigor e qualidade, o que exige tempo e recursos, não sendo, na maioria das vezes, exequível a realização de todas as fases em um único projeto (seja de iniciação científica, de conclusão de curso de graduação ou residência ou pós-graduação). Justifica-se o incremento de projetos de continuidade pela complexidade de cada uma das fases, o que se destaca a seguir.

Os estudos de produção (primeira fase) podem ser baseados: em evidências da literatura, o que requer o desenvolvimento de revisões da literatura; em evidências da realidade, o que requer estudos primários, tanto para diagnóstico situacional ou desenvolvimento participativo(3). Os estudos de validação e avaliação (segunda fase) se voltam para múltiplos aspectos: conteúdo, aparência, semântica, usabilidade, aplicabilidade, ludicidade, interatividade, dentre outros atributos. Tais estudos fazem diferentes combinações entre as modalidades de validação e avaliação, o que vai exigir planejamento e desenvolvimento dessas fases tanto de forma concomitante como sequencial. Os estudos de aplicação (terceira fase) podem ser baseados em desenhos experimentais, quase experimentais e qualitativos, o que demanda, reforçamos mais uma vez, tempo e recursos(3). Em um único estudo, tendo como balizamento o cronograma e a exequibilidade da proposta, não se consegue realizar todas as fases necessárias para a implementação de uma solução tecnológica na prática.

Neste sentido, ao adotarmos projetos de continuidade, uma solução tecnológica produzida em um estudo será validada e/ou avaliada a partir de múltiplos atributos em estudos posteriores, e aplicada e/ou testada na prática em estudos subsequentes. Ou seja, mais de um estudo serão realizados, mais de um pesquisador poderão ser envolvidos para que a solução tecnológica alcance adequação satisfatória para ser registrada e disponibilizada para implementação na prática.

A adoção de projetos de continuidade no âmbito da PM requer a reflexão sobre novas possibilidades de pesquisar, como ocorre na ciência da implementação, que é sustentada na posição hierárquica de que os resultados das pesquisas (ensaios clínicos, randomizados ou não) são aplicados para um determinado público-alvo/população, cabendo adaptações, dependendo do contexto a que se aplicam. Acrescenta-se, que é necessário que o produto/inovação, alcance a fidelidade, efetividade e satisfação, do contrário não será útil(4;5).

Os projetos de continuidade no âmbito da PM, que temos desenvolvido no grupo de pesquisa Práticas Educativas em Saúde e Cuidado na Amazônia (PESCA-UEPA), iniciam com a produção de tecnologias/produtos (primeira versão ou protótipo) nos projetos de iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso, e na sequência, essas tecnologias/produtos são validados ou aplicados em outros estudos de conclusão de residência, especialização e mestrado, pelo autor inicial ou não.

A autorização de autoria para continuidade do projeto pode ser realizada via e-mail e o projeto primário será claramente citado no projeto seguinte e assim sucessivamente. Tanto no registro como nas publicações futuras far-se-á a garantia de autoria de todos os envolvidos.

Um grande desafio nos programas de mestrado e doutorado profissional é atender a demanda de mestrandos ou doutorandos que trazem projetos de pesquisa elaborados a partir da realidade prática em que estão inseridos, o que requer soluções tecnológicas específicas, e, ao mesmo tempo, dar continuidade ao processo de desenvolvimento das tecnologias/produtos que outros mestrandos ou doutorandos produziram.

Essa articulação poderá ser feita no grupo de pesquisa em que serão inseridos, pois a partir da discussão do projeto elaborado e apresentação das produções já elaboradas, será possível vislumbrar a viabilidade de um projeto de continuidade. Outra possibilidade de projeto de continuidade surge quando o mestrando conclui uma fase ou duas e segue no doutorado com a proposta de realizar as fases seguintes necessárias para que a solução tecnológica seja implementada.

É preciso lembrar que essa discussão, na enfermagem, não é nova. É possível encontrar referências nos anos 90(6;7), que já refletiam sobre a importância da aplicação na prática dos resultados de pesquisa.

Retomando questões suscitadas pela CI, recomenda-se, nesse âmbito, a realização de pesquisas híbridas, em que ao mesmo tempo se testa um resultado de pesquisa ou sua efetividade, como se levantam informações sobre a entrega do resultado ao público-alvo e a efetividade do resultado(5). Tais recomendações tem convergência com a terceira fase da PM, e poderão ser utilizadas na aplicação das soluções tecnológicas.

No âmbito da CI, aponta-se o modelo teórico REAIM, em que o R significa reache, alcance, o E effectiveness, traduzido para efetividade ou eficácia, o A adoption, traduzido para adoção e adaptação, o I implementation, traduzido para implementação, o M maintenance, traduzido para manutenção da implementação(5). Há outros modelos, mas o importante é adotá-los, qualquer modelo, com vistas à realização de PMs (terceira fase) articuladas aos referenciais da CI.

Por fim, consideramos que urge mais pesquisas de aplicação (terceira fase da PM), o que pode requerer projetos de continuidade, tendo em vista a complexidade das fases anteriores, que requerem “tempo” e “investimento” por parte do pesquisador. Nem sempre num cronograma de um ano (tempo de uma iniciação científica ou de um trabalho de conclusão de graduação) ou de dois anos (tempo de conclusão de residência e mestrado), caberão todas as fases necessárias para se alcançar a implementação da solução tecnológica.

É nesta perspectiva que reforçamos a importância dos projetos de continuidade, para que as soluções tecnológicas alcancem os distintos cenários em que se realiza o processo de trabalho dos profissionais de enfermagem e atinjam, assim, o público-alvo a quem se destinam.

 

REFERÊNCIAS

1. Zepeda KGM, Silva MM, Silva ÍR, Redko C, Gimbel S. Fundamentos da Ciência da Implementação: um curso intensivo sobre um campo de pesquisa emergente. Esc Ana Nery. 2018;22(2): e20170323. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0323

 

2. Mantovani MF, Sarquis LMM, Kalinke LP, Kuznier TP, Pizzolato AC, Mattei AT. Pesquisa metodológica: da teoria a prática. In: Lacerda MR, Ribeiro RP, Costenaro RGS. Metodologia da pesquisa para enfermagem e saúde. Porto Alegre: Moriá; 2018.

 

3. Teixeira E. Nascimento MHM. Pesquisa Metodológica. In: Teixeira E, organizador. Desenvolvimento de tecnologias cuidativo-educacionais. Porto Alegre: Moriá; 2020.

 

4. Fixsen DL, Blase KA, Van Dyke MK. Implementation practice & science. Chapel Hill (NC): Active Implementation Research Network; 2019.

 

5. Bomfim RA. O que é Ciência de Implementação? In: Bomfim RA, organizador. Introdução à ciência de implementação para profissionais da saúde. Campo Grande: UFMS; 2021.

 

6. Lopes CM. Aplicação de resultados de pesquisas na prática de enfermagem. São Paulo: Sarvier; 1993.

 

7. Cassiani SHB. Aplicação de resultados de pesquisa na prática de enfermagem. São Paulo: Sarvier, 1993 [resenha de livro]. Rev Latino-Am Enferm. 1994 Jul;2:(2). http://doi.org/10.1590/S0104-11691994000200010

 

 

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