ORIGINAL
Efeito da consulta de enfermagem na promoção de práticas seguras em insulinoterapia: estudo retrospectivo
Danielle Ethel Sousa Silva1, Tatiana Rebouças Moreira1, Francisca Diana da Silva Negreiros1, Samila Torquato Araújo1, Lucilane Maria Sales da Silva2, Thereza Maria Magalhães Moreira2
1Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
2Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
RESUMO
Objetivo: Analisar a correlação entre a consulta de enfermagem e o cumprimento de ações de autocuidado e práticas seguras em insulinoterapia por pessoas com diabetes. Método: Estudo observacional, retrospectivo e analítico. Analisaram-se características sociodemográficas e clínicas e acertos em questionário com 16 itens sobre práticas seguras em insulinoterapia, aplicado na primeira e segunda consulta de enfermagem. Resultados: Constatou-se aumento significativo de acertos no questionário nos aspectos relacionados à insulinoterapia na segunda consulta (14,22±1,59), em comparação com a primeira (9,24±3,13) (p<0,001), sugerindo melhoria do autocuidado e da adesão às práticas seguras em insulinoterapia. Conclusão: Houve melhora do cumprimento de ações de autocuidado e práticas seguras em insulinoterapia, após as consultas de enfermagem, mostrando que essa intervenção é eficaz para promoção do tratamento insulínico adequado.
Descritores: Diabetes Mellitus; Promoção da Saúde; Serviços de Enfermagem; Autocuidado.
INTRODUÇÃO
O Diabetes Mellitus (DM) é um grupo de desordens endócrino metabólicas, caracterizado pela hiperglicemia que, quando não controlada, pode culminar em inúmeras complicações micro e macrovasculares(1). A doença é considerada relevante problema de saúde pública do século XXI, devido à alta incidência e prevalência em nível global, acometendo 436 milhões de adultos, mundialmente. No Brasil, o DM acomete 16,8 milhões de pessoas(2).
Para o autocuidado efetivo em diabetes, são necessárias estratégias de educação para maior participação da pessoa com diabetes nos serviços de saúde, fundamentadas em abordagem terapêutica que vise prevenir ou retardar o desencadeamento de complicações crônicas, auxiliando na promoção da saúde para o bom controle da doença(3). Nesta perspectiva, a insulinoterapia é altamente relevante no tratamento do diabetes. Práticas inadequadas e inseguras de autoaplicação de insulina podem interferir diretamente no controle metabólico, causando danos à saúde do indivíduo(1). Portanto, no tocante à educação diabetológica, destaca-se a atuação dos enfermeiros, profissionais que mais realizam treinamentos sobre práticas seguras em insulinoterapia e desenvolvem intervenções para melhoria do conhecimento dos pacientes, familiares e cuidadores sobre a doença e para o autocuidado(4).
A insulina é considerada Medicamento Potencialmente Perigoso (MPP). Medicamentos dessa categoria apresentam risco aumentado de danos significativos em decorrência de falhas de utilização(5). Desta forma, o enfermeiro deve estar capacitado e atualizado sobre o manejo desse medicamento, estando, assim, hábil para educar o paciente a respeito da insulinoterapia. Este pré-requisito é essencial para uma assistência de qualidade e segura. Investigações nessa área possibilitam elucidar o potencial da consulta de enfermagem sobre a promoção das práticas seguras em insulinoterapia, bem como redirecionar as práticas assistenciais e educativas de enfermagem à pessoa com diabetes. O presente estudo objetivou analisar a correlação entre a consulta de enfermagem e o cumprimento de ações de autocuidado e práticas seguras em insulinoterapia por pessoas com diabetes.
MÉTODO
Desenho, local e período do estudo
Estudo observacional, retrospectivo e analítico, de dados secundários de 87 pessoas com diagnóstico de DM, assistidas em serviço de endocrinologia e diabetes considerado referência terciária para atendimento de pessoas com DM, na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. O serviço é composto por equipe multiprofissional formada por endocrinologistas, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos. O delineamento do estudo foi fundamentado na iniciativa Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).
A consulta de enfermagem à pessoa com DM é realizada na instituição selecionada para o estudo por cinco enfermeiros especialistas em diabetes e oito enfermeiros residentes, com duração média de 50 minutos, abordagem educativa e foco nas práticas seguras para o preparo e a aplicação de insulina e monitorização glicêmica. A consulta de enfermagem é guiada por checklist contido no protocolo de atendimento da instituição e baseado nas recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes(1). A periodicidade da consulta é de três a seis meses.
Inicialmente, intentou-se coletar dados de amostra maior e aleatória, o que foi inviabilizado em decorrência da pandemia da COVID-19. Assim, adotou-se a amostragem não probabilística por conveniência e restringiu-se a coleta aos prontuários que continham registros de consultas de enfermagem realizadas nos últimos dois anos (2019 e 2020). A coleta dos dados ocorreu de outubro a novembro de 2020, sendo realizada pelos enfermeiros e residentes do serviço, após teste piloto, para avaliar a aplicabilidade do instrumento de coleta. O teste piloto não resultou em mudanças na forma ou estrutura do instrumento.
Critérios de inclusão e exclusão
Estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos; diagnóstico clínico de DM; estar em terapia insulínica; e possuir, no mínimo, duas consultas de enfermagem registradas em prontuário. Excluíram-se os prontuários que continham dados incompletos quanto ao registro das atividades técnicas realizadas, rastreamento de complicações, exames e aspectos abordados na consulta, bem como prontuários desatualizados.
Protocolo do estudo
A coleta dos dados ocorreu por meio de dois instrumentos: 1) Instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica e 2) Instrumento com itens sobre insulinoterapia, aplicado na primeira consulta de enfermagem (antes da realização de qualquer intervenção educativa) e na segunda (após as atividades técnicas, o rastreamento de complicações e o registro de exames). Os dois instrumentos foram elaborados por uma das autoras do presente estudo.
O segundo instrumento considerou a insulinoterapia fundamentada nas diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes(1) e tem formato de checklist, com duas opções de resposta: “certo” e “errado”. O referido instrumento contém 15 itens que abrangem os seguintes aspectos: armazenamento, transporte, higiene dos frascos, ordem de aspiração, higiene das mãos, validade, realização da prega cutânea, angulação da agulha, comprovação de fluxo, graduação da dose, rodízio dos locais, presença de lipodistrofia, reutilização das seringas, preservação do lubrificante da agulha e descarte adequado. A soma dos acertos no checklist é obtida mediante a avaliação das práticas seguras no preparo e na administração da insulina pelos examinados, com pontuação máxima de 15 pontos. O referido instrumento é aplicado rotineiramente na instituição na qual o estudo foi conduzido e passou por validação de conteúdo por enfermeiros atuantes no setor.
Para complementar a avaliação, episódios de hiper e hipoglicemia foram identificados, por meio dos registros nos diários de automonitorização glicêmica, realizados pelos pacientes, em ambiente domiciliar, nos intervalos entre as consultas, as quais ocorreram na periodicidade de três a seis meses.
Por se tratar de estudo observacional e não ter sido estabelecido o objetivo de identificar relação causa-efeito, não se definiram as variáveis de exposição ou variáveis independentes. O desfecho observado foi a melhora nas ações de autocuidado referentes às práticas de insulinoterapia, da primeira para segunda consulta de enfermagem.
Para minimizar o viés de informação, os dados foram coletados de forma padronizada e por apenas um avaliador.
Análise estatística
Para as análises estatísticas, utilizou-se do software SPSS, versão 22. Verificou-se a normalidade dos dados, por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Na análise inferencial, aplicaram-se os testes T de Student e McNemar. Os dados foram coletados, organizados e tabulados usando a plataforma Research Electronic Data Capture (REDCap).
Aspectos éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário no qual foi desenvolvido, com parecer no 2.613.740/2018 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética no 83521518.0.0000.5045.
RESULTADOS
Analisaram-se dados de 87 pacientes com DM. A média da idade foi 57 anos (±14) e a da escolaridade, de oito anos (±5). Houve predomínio do sexo feminino, com 55 mulheres (63,2%) e 35 (40,2%) participantes possuíam situação vacinal completa. Em relação ao tipo de diabetes, 67 (77,0%) tinham DM tipo 2; nove (10,3%), DM tipo 1; quatro (4,6%), Maturity Onset Diabetes of The Young (MODY); dois (2,3%), Latent Autoimmune Diabetes in Adults (LADA); e cinco (5,7%), DM pós-transplante. O intervalo médio entre a primeira e a segunda consulta foi de 4 (±2) meses.
A média do tempo de diagnóstico foi de 14 (±9) anos, variando de um a 47 anos. No que se refere às complicações, 44 (50,6%) pacientes apresentaram retinopatia diabética, 21 (24,7%) tinham doença renal do diabetes (21, 24,7%) e 42 (49,4%) tinham neuropatia diabética. Sobre os dados clínicos, as comorbidades detectadas foram hipertensão (74, 85,1%), dislipidemia (52, 59,8%), hipotireoidismo (9, 10,3%), obesidade (9, 10,3%), cardiopatia (16, 8,4%), hipercolesterolemia (3, 3,4%), catarata (3, 3,4%), depressão (3, 3,4%), ansiedade (3, 3,4%), doença vascular periférica (5, 5,7%), doenças osteoarticulares (4, 4,6%) e sete (8%) não possuíam outras doenças.
Em relação ao controle glicêmico, 36 (41,9%) pacientes relataram episódios de hipoglicemia e 66 (76,7%) de hiperglicemias constantes no Automonitoramento Glicêmico (AMG), por meio da aferição da glicemia capilar. Total de 49 (56,3%) pacientes realizavam AMG domiciliar, 75 (90,4%) possuíam glicosímetro e 26 (30,6%) esqueciam de levar as anotações do AMG para as consultas. A média da glicemia no dia das consultas foi de 221,16 (±103,71), variando entre 72 mg/dL e 536 mg/dL. A média das glicemias constatada pelo AMG foi de 143,52 mg/dL (±79,82). A média da hemoglobina glicada (HbA1c) foi de 8,45% (±2,76) e variou entre 5,2% e 16,6%.
Sobre os antidiabéticos orais utilizados, 69 (90,8%) pacientes informaram fazer uso de biguanidas, 11 (14,5%) de inibidores dos cotransportadores de sódio e glicose 2, nove (11,8%) de gliptinas ou inibidores da dipeptidil peptidase 4 e sete (9,2%) de sulfonilureias. Em relação a outras medicações, as mais prevalentes foram anti-hipertensivos (61, 87,1%), antilipêmicos (39, 55,7%), antiagregantes plaquetários (26, 37,1%), psicotrópicos ansiolíticos ou antidepressivos (11, 15,8%) e imunossupressores (4, 5,7%).
No que se refere à terapia insulínica, todos faziam uso de insulinas, com média de uso 9,25 anos (±9,57), máximo de 54 e mínimo de um ano. Sobre a aplicação, 76 (87,4%) pacientes realizavam autoaplicação, enquanto 11 (12,6%) tinham a aplicação realizada por familiares ou cuidadores. Em relação ao tipo de insulina, 64 (74,4%) utilizavam a insulina Neutral Protamine Hagedorn (NPH); 56 (65,1%) a regular; 21 (24,4%) os análogos longos; e 18 (20,9%) os análogos rápidos.
No tocante aos hábitos, 21 (24,1%) seguiam orientações dietéticas e 12 (24,1%) afirmaram realizar exercícios físicos. Na antropometria, a média do Índice de Massa Corporal (IMC) foi de 27,74 kg/m² (±4,02), variando de 18 a 40 kg/m². A média da circunferência abdominal foi 90,4 cm (±11,84), com mínimo de 70 cm e máximo de 129 cm.
Durante as consultas registradas, as principais queixas foram poliúria (31, 35,6%), polidipsia (21, 24,1%), polifagia (20, 23,0%) e perda ponderal (7, 8,0%), sintomas clássicos do DM descompensado. Também, referiram-se dores em membros inferiores (MMII) (33, 37,9%), parestesias em MMII (33, 37,9%), cãibras (29, 33,3%), alteração da visão (14, 16,1%), cansaço (27, 31,0%), ganho de peso (6, 6,9%) e parestesias em membros superiores (MMSS) (5, 5,7%).
A análise dos dados mostrou aumento significativo de ações de autocuidado referentes às práticas seguras em insulinoterapia na segunda consulta em relação à primeira, sendo obtidos os seguintes resultados: primeira consulta: 9,24 (±3,13) versus segunda consulta: 14,22 (±1,59, p<0,001). Na avaliação item a item, observou-se aumento significativo de acertos em todas as práticas de autocuidado, exceto no quesito reutilização de agulhas/seringas (Tabela 1).
Tabela 1 – Análise de autocuidado em insulinoterapia por pacientes com diabetes em acompanhamento ambulatorial de enfermagem. Fortaleza, CE, Brasil, 2020 (n=87)
Itens |
Consulta 1 |
Consulta 2 |
p* |
n (%) |
n (%) |
||
Acondiciona em local apropriado |
48 (55,2) |
79 (90,8) |
<0,001 |
Transporta corretamente |
65 (74,7) |
80 (91,9) |
0,001 |
Aspira as insulinas em ordem correta |
38 (43,6) |
56 (64,3) |
<0,001 |
Higieniza as mãos antes de administrar |
60 (68,9) |
84 (96,5) |
<0,001 |
Conhece a validade após aberta |
29 (33,3) |
71 (81,6) |
<0,001 |
Realiza prega cutânea (se agulha >8mm) |
43 (49,4) |
78 (89,6) |
<0,001 |
Comprova o fluxo |
9 (10,3) |
21 (24,1) |
<0,001 |
Gradua a dose conforme a prescrição |
56 (64,3) |
79 (90,8) |
<0,001 |
Angula conforme o recomendado |
51 (58,6) |
82 (94,2) |
<0,001 |
Reconhece os locais de aplicação |
56 (64,3) |
84(96,5) |
<0,001 |
Realiza rodízio dos locais de aplicação |
36 (41,3) |
68 (78,1) |
<0,001 |
Apresenta lipodistrofia |
22 (25,3) |
10 (11,5) |
0,019 |
Reutiliza agulha/seringa |
84 (96,5) |
85 (97,7) |
<0,655 |
Preserva o lubrificante da agulha |
64 (73,56) |
84 (96,5) |
<0,001 |
Descarta os materiais em local adequado |
42 (48,3) |
74 (85,0) |
<0,001 |
*Teste T de McNemar;
Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.
DISCUSSÃO
A análise dos aspectos relacionados à terapia insulínica em pessoas com DM demonstrou aumento significativo da adesão às práticas de autocuidado em insulinoterapia na segunda consulta, em comparação com a primeira. O autocuidado é um dos aspectos imprescindíveis no tratamento do diabetes e abrange, dentre outros componentes, o uso contínuo dos medicamentos prescritos, a monitorização glicêmica, os cuidados com os pés e a realização periódica de consultas e exames(6). Dos componentes listados, o presente estudo se ateve aos aspectos relacionados às práticas de insulinoterapia e monitoração glicêmica.
A consulta de enfermagem ocupa posição importante no que concerne à adesão ao autocuidado, fornecendo apoio, orientações e identificando precocemente problemas na adesão ao tratamento correto. Essa adesão representa melhoras clínicas e de enfrentamento do diabetes e resulta em melhor qualidade de vida(4).
A terapia com insulinas continua sendo uma das principais estratégias para o manejo do diabetes. Os cuidados vão desde o transporte à aplicação, usando técnica adequada e descarte correto. Por conseguinte, para que a consulta de enfermagem atinja a finalidade proposta, é necessário considerar os motivos que resultam na baixa adesão às práticas adequadas de insulinoterapia, os quais variam de pessoa para pessoa(4).
Inadequações nas práticas de insulinoterapia executadas pelo paciente com diabetes podem causar consequências sociais e econômicas. Os motivos que influenciam a adesão a tais práticas são de ordem pessoal, econômica, educacional e de autopercepção. Para otimizar o tratamento insulínico, destaca-se a relevância do enfermeiro no processo de educação em saúde. Esse processo deve ser iniciado imediatamente após o diagnóstico da doença e sustentado de forma sistemática, pois a adoção de medidas terapêuticas adequadas previne complicações(7). Estudo transversal na Nova Zelândia apontou que enfermeiros atuantes na educação em diabetes obtiveram bons resultados quanto às práticas de gerenciamento do controle glicêmico(8).
O perfil sociodemográfico e clínico encontrado no presente estudo foi similar ao de outras investigações(9-10). Identificou-se uso combinado de insulina e outras medicações. Estudo na Alemanha evidenciou que terapias combinadas de insulina basal com fármacos anti-hiperglicêmicos não insulínicos podem resultar em efeitos complementares, incluindo redução do peso corporal, prevenção da hipoglicemia, diminuição da dose de insulina necessária e obtenção de níveis adequados de HbA1c. A escolha da terapia combinada deve ser individualizada com base nas características do paciente e na consideração das vantagens e desvantagens dos agentes anti-hiperglicêmicos. Ajustes de dose e aumento da frequência de monitoramento da glicose podem ser necessários ao coadministrar agentes anti-hiperglicemiantes com insulina basal(11).
A presente investigação apontou melhora significativa no acondicionamento e transporte das insulinas, por meio das consultas de enfermagem. É recomendado que os frascos para injetáveis ou cartuchos de insulina não abertos sejam conservados em temperatura de 2ºC a 8ºC, já que temperaturas extremas afetam a potência e ação desse hormônio(1,12).
A ordem de aspiração das insulinas foi considerada uma das principais fragilidades encontradas. A associação de dois tipos de insulina na mesma seringa requer que a insulina de ação rápida (regular) seja aspirada primeiramente e, posteriormente, a insulina de ação intermediaria (NPH)(1).
Encontrou-se aumento da adesão à lavagem das mãos, similarmente aos achados de outro estudo(9), no qual a maioria dos participantes fazia a higiene das mãos antes da administração da insulina. Houve, também, aumento importante do conhecimento sobre a validade das insulinas. Após a abertura do frasco, a insulina não deve ser usada por mais de 28 dias, sendo 42 dias o prazo limite para uso da insulina detemir(12). Deve-se anotar a data inicial de uso da insulina, a fim de acompanhar a validade. As insulinas lacradas têm validade de dois a três anos, a partir da data de fabricação, não sendo recomendado o uso de insulinas fora do prazo de validade(1).
Os resultados mostraram, ainda, inadequação da técnica de administração, fator que interfere na variabilidade dos níveis de glicose(11). É necessário realizar a prega subcutânea, quando a distância entre a pele e o musculo é menor ou igual ao comprimento da agulha para impedir injeções intramusculares e minimizar o risco de hipoglicemia(1). Ademais, para evitar vazamento de insulina e garantir que a dose completa tenha sido aplicada, os pacientes devem contar lentamente até 5 ou 10 e, em seguida, retirar a agulha da pele(11).
Houve melhora na adesão à prática da comprovação do fluxo de insulina na agulha, na graduação da dose prescrita e angulação da agulha para administração. Essas práticas corroboram o aumento da segurança do paciente, a redução do risco de erros e eventos adversos, a maior precisão da dose administrada e o controle glicêmico, minimizando a variabilidade glicêmica(13).
Em relação ao reconhecimento e à realização do rodízio dos locais de aplicação, houve melhora significativa da primeira para segunda consulta. A rotação do local de injeção para prevenção da lipohipertrofia é recomendada internacionalmente, visto que esta complicação afeta a distribuição da dose total pretendida(11). Neste sentido, a diminuição dos casos de lipodistrofia no presente estudo pode estar associada à melhora da adesão dos rodízios e ao reconhecimento dos locais de aplicação.
A reutilização das agulhas e seringas foi uma prática comum, embora contraindicada(1). No presente estudo, a maioria dos participantes relataram que utilizam a agulha mais de uma vez, por notar que ocorre preservação do lubrificante da agulha, porém a prática de reutilização deste insumo está associada à perda da lubrificação.
A adesão às práticas seguras de descarte aumentou da primeira para a segunda consulta de enfermagem. Após a injeção, o descarte da agulha e de todos os perfurocortantes deve ser realizado em recipiente de descarte biomédico aprovado(12). Outro estudo(9) identificou que parte considerável dos pacientes não descartavam corretamente seringas e frascos, ocasionando contaminação do lixo doméstico.
A identificação de fragilidades e inconsistências nas práticas que envolvem a insulinoterapia pode contribuir para o estabelecimento de estratégias de educação em diabetes, prevenindo, assim, possíveis complicações(14-15). Reforça-se a importância das ações de educação em diabetes sistemáticas e continuadas para promoção do autocuidado das pessoas com DM, objetivando alcançar maior eficácia do tratamento insulínico.
As descobertas deste estudo têm implicações concernentes ao empoderamento do paciente para a execução do autocuidado, o controle do diabetes e a prevenção das complicações relacionadas a essa condição crônica. O número reduzido da amostra, em consequência da pandemia da COVID-19, durante o período da pesquisa, foi uma limitação do estudo, assim como o uso de dados secundários objetivos, os quais não captam a subjetividade de algumas informações.
CONCLUSÃO
Verificou-se, por meio dos achados do estudo, melhora significativa dos aspectos relacionados à terapia insulínica e incremento na adesão às práticas de autocuidado em diabetes, no que se refere aos aspectos de acondicionamento, transporte, ordem de aspiração, higienização das mãos, validade das insulinas, realização da prega cutânea, comprovação do fluxo, graduação da dose, angulação da seringa, reconhecimento e rodízio dos locais de aplicação, redução da lipodistrofia, preservação da lubrificação da agulha e descarte adequado dos materiais. Reforça-se a relevância das ações de educação em diabetes sistemáticas e continuadas, possibilitando maior eficácia do tratamento insulínico.
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
REFERÊNCIAS
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Submissão: 09/01/2022
Aprovado: 28/09/2022
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