ORIGINAL

Conhecimento dos estudantes de enfermagem sobre biossegurança no contexto hospitalar na pandemia: abordagem qualitativa

Sthéfany Suzana Dantas da Silveira1, Raphaela Moreira Gomes da Silva1, Mariana Tavares da Silva1, Raquel Cardoso Teixeira1, Maithê de Carvalho e Lemos Goulart1, Fernanda Garcia Bezerra Góes1, Fernanda Maria Vieira Pereira Ávila1, Ana Paula da Fonseca da Costa Fernandes2

1Universidade Federal Fluminense, Rio das Ostras, RJ, Brasil

2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Objetivo: Descrever o conhecimento dos estudantes de enfermagem sobre as medidas de biossegurança no contexto hospitalar em tempos de pandemia. Método: Estudo descritivo, exploratório, qualitativo, com estudantes de enfermagem de uma universidade pública da baixada litorânea do Rio de Janeiro, Brasil, através de entrevista em ambiente virtual, entre julho e setembro de 2021. Utilizou-se o Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires para processamento do corpus textual e Análise de Conteúdo Temática para interpretação das falas. Resultados: Participaram 29 estudantes que reconhecem a biossegurança, mas não possuem segurança ao abordá-la. Para eles, trata-se de normas para proteção do trabalhador e pacientes, associando-as aos EPIs e ao uso durante a pandemia. Conclusão: A biossegurança não é reconhecida na sua totalidade entre estudantes de enfermagem que estarão no mercado de trabalho futuramente. É necessário um olhar ampliado em perspectiva transversal, especialmente nas disciplinas do ciclo profissionalizante da enfermagem.

Descritores: Estudantes de Enfermagem; Contenção de Riscos Biológicos; COVID-19.

INTRODUÇÃO

A biossegurança no contexto hospitalar tem sido foco de atenção em estudos anteriores à pandemia, contudo ganhou destaque com o surgimento, em dezembro de 2019, dos primeiros casos de infecção por um novo coronavírus, o severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2), causador da doença Coronavirus Disease (COVID-19), que ressaltou ainda mais a importância da adesão às medidas de biossegurança, além de fomentar a discussão sobre segurança profissional na assistência em saúde, em especial, no que tange aos profissionais da enfermagem, que somaram 63.414 casos de infecções e 872 mortes por COVID-19 até o dia 18 de maio de 2022(1,2).

Biossegurança é definida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) como conjunto de medidas que previnem ou controlam os agentes de risco com potenciais danos à saúde humana, dos animais e ao meio ambiente. Dentre estas, tem-se a contenção de riscos biológicos, foco desta pesquisa, por abordar a minimização da exposição a agentes de risco no contexto hospitalar(3,4).

Na área da saúde, a palavra “contenção” refere-se especificamente às ações de segurança utilizadas no manuseio de materiais infectados ou que representem risco biológico. Destacam-se como ações, no contexto hospitalar, higiene das mãos, uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), minimização da exposição ao risco biológico, gerenciamento de resíduos de serviços de saúde e, atendimento às disposições da Norma Regulamentadora no 32 (NR32) que estabelece diretrizes básicas para a implementação de medidas de proteção à segurança bem como à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde(3-5).

Os hospitais são instituições em que, dada a natureza laboral, não é passível extinguir o risco biológico, associando este aspecto à alta infectividade do novo coronavírus e ao aumento da demanda por leitos hospitalares, acentuando-se a sobrecarga de trabalho e, consequentemente, a exposição ao risco biológico. Além disso, a prática dos enfermeiros, antes mesmo da pandemia, já os expunha a riscos, devido ao contato direto com os pacientes, à grande quantidade de procedimentos e intervenções que utilizam instrumentos perfurocortantes e ao contato com fluidos corporais na realização dos cuidados(4,6,7).

Igualmente, estudantes de enfermagem estão expostos aos riscos biológicos, pois no aprendizado teórico-prático são inseridos em contextos e condições próximas à prática profissional, podendo sofrer acidentes que pouco divergem em relação às causas dos acidentes ocorridos entre os profissionais. Ademais, a insegurança aumenta a exposição, especialmente no manejo de objetos perfurocortantes e contato com fluidos corpóreos. Entretanto, os estudantes que são apresentados às medidas de biossegurança em laboratórios de ensino apresentam fortalecimento do autocuidado, tornando-se menos vulneráveis aos acidentes de risco biológico(8,9).

Esta pesquisa se justifica pela escassez de estudos na literatura revelada através de revisão integrativa anterior, realizada em distintos recursos informacionais, que identificou três estudos da temática com estudantes de enfermagem, enfocando o conhecimento sobre a NR32, as condutas pós-exposição à acidentes com material biológico e o conhecimento acerca das práticas de risco. Considerando ainda o cenário pandêmico, em que muitos estudantes de enfermagem estarão se graduando e iniciando a sua atuação profissional, formulou-se a questão norteadora: “O que os estudantes de enfermagem sabem acerca da biossegurança no contexto hospitalar durante o período pandêmico?”(8,10,11).

Este estudo tem como objetivo descrever o conhecimento dos estudantes de enfermagem sobre as medidas de biossegurança no contexto hospitalar em tempos de pandemia.

MÉTODO

Estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, desenvolvido com estudantes de enfermagem de uma Universidade Pública Federal da baixada litorânea do Estado do Rio de Janeiro, que seguiu os tópicos preconizados nos Critérios Consolidados de Relato de Pesquisa Qualitativa. Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: estar regularmente matriculado no curso de graduação em enfermagem e ter cursado a disciplina de Semiologia e Semiotécnica em Enfermagem I, cujo conteúdo programático apresenta o tema biossegurança no contexto hospitalar. Os critérios de exclusão foram: ser estudante menor de 18 anos e não possuir acesso ao dispositivo que permita a participação com voz no momento da entrevista(12).

Os estudantes foram convidados para o estudo pelos integrantes da pesquisa (docente e estudante) através de um link compartilhado no WhatsApp em vários grupos e no número privado de alguns estudantes. Este link continha o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), disponível para download, e, após o aceite em participar, marcando a opção “Li e concordo”, o participante era direcionado ao formulário de pré-agendamento. Após o preenchimento, o participante era contactado em até 24h, agendando-se dia e horário para a entrevista. Constituíram a amostra aqueles que desejavam participar respeitando-se os critérios de inclusão, em amostragem por conveniência.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de julho e setembro de 2021, por meio de entrevista individual realizada virtualmente pela plataforma Google Meet. Tendo duração média de 15 minutos além da gravação em tempo real. As entrevistas foram conduzidas por uma estudante de enfermagem, sem relação de proximidade com os entrevistados. Destaca-se que a estudante foi treinada por uma pesquisadora especialista na técnica de entrevista e análise qualitativa, garantindo a isenção de julgamentos ou vieses nas respostas dos participantes.

A entrevista iniciava com a leitura do TCLE, em sequência, realizavam-se as perguntas filtro garantindo a adequação aos critérios de elegibilidade no estudo. Caso o participante não atendesse a um dos critérios, encerrava-se a entrevista explicando o porquê da sua exclusão. Houve três exclusões cujo motivo foi não ter cursado a disciplina de Semiologia e Semiotécnica em Enfermagem I e desistência antes da entrevista.

Utilizou-se um roteiro semiestruturado para caracterização do perfil sociodemográfico e estudantil com perguntas sobre os seguintes tópicos: idade; sexo; estado civil; se o participante trabalha e estuda; se sim à pergunta anterior: qual a sua ocupação/profissão; mudou para cidade após ingressar na faculdade; com quem você reside quando está em aula presencial na faculdade; período em curso; ano que cursou a disciplina de Semiologia e Semiotécnica em Enfermagem I; possui formação na área da saúde anterior à graduação, se sim, está atuando na linha de frente no combate à COVID-19. Além das questões que possibilitariam compreender qual o conhecimento dos estudantes frente ao tema, a saber: O que você entende por biossegurança? No ambiente hospitalar, como a biossegurança se relaciona com a enfermagem? Quais são as medidas de biossegurança que você considera adequadas?

As falas dos participantes foram constantemente revisadas, identificando as reincidências do conteúdo das falas, assegurando a saturação teórica dos dados. A coleta de dados foi interrompida quando houve a repetição de respostas sem o acréscimo de novas informações relevantes que alterassem o sentido do conhecimento dos estudantes sobre biossegurança no contexto hospitalar em tempos de pandemia(13).

Os dados referentes à caracterização dos participantes foram analisados por estatística básica pelo software Statistical Package for the Social Sciences for Windows (IBM®SPSS), versão 20.0, com medidas de tendência central (média, mínimo e máximo) e de dispersão (desvio padrão). Utilizou-se o software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires (IRAMUTEQ) para processar o corpus textual oriundo das falas dos estudantes(14).

Para composição do corpus textual, o conteúdo das entrevistas foi transcrito, retirando-se os vícios de linguagem e onomatopeias. Nas chaves de análise, manteve-se o padrão do programa, exceto na forma ativa dos substantivos, substantivos suplementares, adjetivos e verbos; forma suplementar dos advérbios e verbos suplementares; e exclusão das conjunções das análises. Em todo o processamento de dados pelo IRAMUTEQ utilizou-se a lematização para reduzir a palavra à sua forma base agrupando diferentes formas da mesma palavra(14).

Os métodos de processamento de dados no IRAMUTEQ, foram: Análise de Similitude para identificar a conexão entre as palavras do corpus textual, através da coocorrência dos vocábulos e a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) agrupando os vocábulos e segmentos de texto visando correlacioná-los obtendo-se um esquema hierárquico de classes de palavras semelhantes entre si. Na CHD, realiza-se o teste qui-quadrado (χ2) para revelar a força associativa entre as palavras e suas respectivas classes, um χ2 igual ou superior a 3,84 e p<0,05 denota associação do vocábulo na classe, com destaque para as palavras com p<0,0001 que representa fortíssima associação, demonstrando que esta palavra não poderia estar em outra classe dada a relevância que esta possui na classe em questão(14).

Após o processamento de dados, a imagem gerada pela análise de similitude e as classes geradas pela CHD foram analisadas seguindo os pressupostos da Análise Temática na busca por padrões de significados e questões de possível interesse para a pesquisa. A análise de similitude foi interpretada através da busca de sentidos nas falas destacando os vocábulos no centro da estrutura e dos ramos relacionados. Para análise da CHD, realizou-se a leitura minuciosa dos segmentos de textos, buscando dar sentido a cada classe observando a homogeneidade e padrões coerentes. Sendo possível agrupá-las a partir dos temas que emergiram em dois eixos principais, nomeados de acordo com o sentido em comum das classes analisadas. Os eixos sumarizam aspectos-chave dos dados, e descrevem, de forma densa e detalhada, os dados analisados(14,15).

O presente estudo seguiu a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e as orientações para procedimentos de pesquisas com etapas em ambiente virtual. Destaca-se que o estudo iniciou após a aprovação ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Humanas da Universidade Federal, sob o Protocolo nº 4.806.719 e CAAE nº 47681321.3.0000.8160. Após o preenchimento do formulário de pré-agendamento, os nomes dos participantes foram codificados garantindo o sigilo e anonimato durante todo o processo de pesquisa.

RESULTADOS

Participaram 29 (100,0%) estudantes de enfermagem, 24 (82,8%) do sexo feminino, 5 (17,2%) do sexo masculino, 17 (58,6%) cursavam do quarto ao sexto período de enfermagem e 12 (41,4%) cursavam do sétimo ao décimo período, com média de idade de 23 anos (DP ± 1,6, Min 21, Máx 28), 25 (86,2%) eram solteiros e 4 (13,8%) casados. Após ingressar na faculdade, 20 (69,0%) participantes se mudaram de cidade, e durante as aulas presenciais 10 (34,5%) residiam com os pais e/ou parentes, 8 (27,6%) residiam sozinhos, 7 (24,1%) em república de estudantes e 4 (13,8%) com os companheiros(as). Do total de participantes, 9 (31,0%) trabalhavam e estudavam, contudo somente 1 (3,5%) atuava na área da saúde como cuidador de idosos.

Destaca-se que 3 (10,3%) estudantes possuíam formação anterior à graduação de enfermagem, sendo o curso técnico em enfermagem e, destes, nenhum atuava no combate à COVID-19. A maior parte, 12 (41,4%) dos entrevistados cursaram a disciplina de Semiologia e Semiotécnica em Enfermagem I no ano de 2019, 9 (31,0%) no ano de 2018, 7 (24,1%) em 2017 e 1 (3,5%) em 2016.

O processamento dos dados oriundos do corpus textual, por meio da Estatística Textual Clássica, constituiu-se por 29 textos, com 8.246 ocorrências de palavras, 1.277 formas distintas, e 664 (51,76%) vocábulos com somente uma ocorrência.

Na análise de similitude, inferiu-se a relação das palavras proferidas pelos estudantes para descrever seus conhecimentos acerca da biossegurança no contexto hospitalar em tempos de pandemia, considerando a recorrência de, no mínimo, 10 vezes (Figura 1).

Figura 1 - Análise de Similitude com a conexidade entre os vocábulos e as ligações relacionadas ao conhecimento de biossegurança no contexto hospitalar em tempos de pandemia, descritas pelos estudantes de enfermagem. Rio das Ostras, RJ, Brasil, 2022

Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

Através da análise de similitude, identificou-se o elemento central, o verbo achar, e as estruturas periféricas que o circundam. A figura indica os termos relevantes e suas conexões, cuja análise das falas leva ao entendimento da concepção que os estudantes tinham sobre a biossegurança nesse contexto. As seis palavras que mais se destacaram (achar, biossegurança, gente, paciente, EPI e estar) se dividiram em seis grupos dos quais emergiram outras diferentes ramificações.

As falas dos estudantes demonstraram que eles possuíam referências sobre parte do processo de biossegurança, porém a concepção de que a biossegurança está associada à minimização dos riscos biológicos principalmente por meio do uso do EPI, estão acompanhadas de incertezas, conforme os segmentos de texto a seguir:

Mas na enfermagem acho que a biossegurança está ligada à infecção e em minimizar todos os riscos que a gente lida, o químico, físico e principalmente o biológico para prevenir a gente, mas também o paciente e população. Acho que é isso. (E 10)

EPI; saber fazer as práticas corretamente e acho que a formação contribui muito; a vigilância também sanitária, essas coisas. Acho que é isso, eu sinceramente não sei muita coisa. (E17)

A partir da matriz textual foi aplicado o método da CHD com classificação simples sobre ST, tamanho de RST1 “10”, tamanho de RST2 “12” e nº de classes terminais na frase 1 “8”, que dividiu o texto em 233 segmentos, e destas 196 (aproveitamento de 84,12%) foram equiparadas por meio da CHD, obtendo cinco classes estáveis.

A Figura 2 permitiu ilustrar a relação interclasses, gerada pela CHD, sendo possível notar que houve a divisão em dois subcorpus textuais, sendo o primeiro composto pelas classes 2 em amarelo e 3 em verde e o segundo composto pela classe 5 em roxo e por uma segunda subdivisão incluindo as classes 1 em vermelho e 4 em azul (Figura 2).

Figura 2 - Dendrograma na Classificação Hierárquica Descendente dos segmentos de texto relacionados ao conhecimento de biossegurança no contexto hospitalar em tempos de pandemia, descritas pelos estudantes de enfermagem. Rio das Ostras, RJ, Brasil, 2022

Fonte: Elaborada pelos autores, 2022.

Após a análise das classes e das palavras mais significativas, compreendeu-se os sentidos e agrupou-se a partir dos temas emergentes em dois eixos: Conceito de biossegurança e sua importância para a proteção e minimização de riscos e Medidas de biossegurança com destaque para os EPIs no contexto hospitalar em tempos de pandemia.

Conceito de biossegurança e sua importância para a proteção e minimização de riscos

Este eixo abordou o conceito e a importância da biossegurança, sendo composto pelas classes 1, 4 e 5 representando, respectivamente, 17,9%, 25,5% e 14,8% do corpus textual. A classe 1 versa sobre a biossegurança e sua importância na visão dos estudantes de enfermagem. As palavras mais significativas, aquelas com p<0,0001, são: relacionar, segurança, paciente, contaminado e profissional.

Biossegurança é tudo aquilo relacionado à nossa própria segurança, eu entendo que é o EPI, na verdade nossa segurança e do paciente no ambiente hospitalar, basicamente utilizando EPI para prevenir infecções, transmissão de bactérias do paciente para gente e vice-versa. (E28)

Acho com certeza, em questão de ser contaminado pelo paciente. Eu acho que existem doenças que o próprio contato pode ser prejudicial, o contato, por exemplo o enfermeiro que está sem a luva, ele chega e toca numa ferida do paciente, ou numa região que está infeccionada, ele pode se contaminar. (E09)

Apesar da grande recorrência do verbo “achar”, evidenciando incerteza no tocante ao tema, os estudantes em sua maioria conceituaram o termo biossegurança de forma adequada com ênfase aos principais riscos em relação à futura profissão, sendo capazes inclusive de apresentar exemplos. Entretanto, tais exemplos são voltados, principalmente, para o uso de EPI. Os participantes consideraram como parte da definição do termo biossegurança a segurança do paciente em relação ao risco de contaminação.

A classe 4, possui forte relação com a classe 1, trata da relação da biossegurança com a proteção do paciente e profissional. A palavra mais importante (p<0,0001) foi: contaminar.

Acho que como a enfermagem está diretamente ligada ao paciente e a gente não sabe o que eles têm, quais agentes biológicos eles podem estar expondo a gente, a biossegurança é responsável por não deixar a gente se contaminar. (E05)

Biossegurança, eu acho, que são todas as medidas que a gente tem para proteger nós mesmos como profissionais, o paciente e o ambiente, não só eu como profissional e o paciente, mas o hospital, infecção hospitalar, coisas do tipo. (E20)

Essa classe reforçou a análise de que, para os estudantes, a biossegurança é um conjunto de medidas que visam à proteção da saúde do trabalhador e pacientes, sobretudo a prevenção de infecções relacionadas aos cuidados de saúde.

Na classe 5, relacionada às classes 1 e 4, as falas evocavam o potencial do cumprimento das medidas de biossegurança no tocante à minimização de riscos. As palavras mais relevantes (p<0,0001) foram: conjunto, minimizar, prevenir, risco, saúde, prevenção, trabalhador, ação, regra, visar e instituição.

[...] então são ações que vão prevenir ou minimizar um risco de algo acontecer à saúde, acho que principalmente pelo que eu já falei, a questão de evitar acidentes comuns, a questão de minimizar o risco ou muitas vezes até tentar eliminar, porque a enfermagem lida muito com isso. (E26)

Biossegurança são normas que visam preservar a saúde humana do trabalhador, elas visam minimizar riscos, riscos que possam colocar a vida da pessoa em risco [...] (E12)

Seria é um conjunto de normas e protocolos, mundiais e da instituição, no caso aqui hospital, para reduzir risco de acidente de trabalho. (E13)

A biossegurança é entendida, portanto, como medida eficaz e capaz de prevenir os riscos à saúde do profissional e do paciente. Entretanto, apenas três estudantes destacaram o papel da instituição no apoio às medidas de biossegurança. Apesar das entrevistas terem sido realizadas em período pandêmico, os estudantes não relacionaram o conceito da biossegurança com a COVID-19.

Medidas de biossegurança com destaque para os EPIs no contexto hospitalar em tempos de pandemia

Este eixo abordou as medidas de biossegurança no contexto hospitalar e foi composto pelas classes 2 e 3, representando respectivamente 24% e 17,8% do corpus textual. A classe 2 representou as medidas de biossegurança que os estudantes consideravam como adequadas para a proteção da sua saúde no contexto hospitalar. Embora as perguntas realizadas na entrevista não citassem a pandemia da COVID-19, muitos estudantes referiram o cenário pandêmico em suas falas. As palavras mais significativas (p<0,0001) foram: forma, adequado, entrar e descarpack.

[...]usar EPI para preparar as coisas, descartar o material onde é para ser descartado, no descarpack ou no lixo contaminado, estas são as medidas que eu considero como adequadas. (E06)

Acho que é isso, uso de EPI, descarte correto de resíduos, ai meu Deus não lembro mais, higiene das mãos, no caso da COVID-19 você vê que como a contaminação dos profissionais foi rápida, acho que pelo não cumprimento ou fazer errado dessas medidas de biossegurança [...] (E14)

Cuidado mesmo geral de limpeza, chegar em casa e não retirar os sapatos, não entrar com sapato de rua em casa. (E15)

As medidas de biossegurança mais citadas entre os estudantes foram o uso do EPI, o descarte correto de resíduos de serviços de saúde e a higiene das mãos, além da maior preocupação no cumprimento destas medidas, especialmente em tempos de pandemia. Apenas um participante citou o não reencape de agulhas como medida de biossegurança.

A classe 3 abordou especificamente os EPI que, na visão dos estudantes, são importantes para a biossegurança no contexto hospitalar. As palavras mais significativas (p<0,0001) desta classe foram: máscara, óculos de proteção, capote, luva, depender, touca, jaleco, situação, cirúrgico e pandemia.

[...] então acho que essas, uso de jaleco, máscara, touca, óculos de proteção, luva principalmente, acredito principalmente depois desse pós pandemia [...] (E07)

Atualmente, nesse tempo de COVID-19 seria o EPI completo, acho que nossas práticas nunca serão as mesmas, que a gente chega no hospital só de jaleco, a gente vai estar sempre toda de capote, touca, enfim, EPI completo, a questão do descarte de resíduos. (E08)

Através da leitura dos segmentos de texto desta classe foi possível perceber o destaque dado pelos estudantes em relação aos diversos tipos de EPIs, destacando-se a associação entre a necessidade de uso dos EPIs e o período pandêmico.

DISCUSSÃO

Os achados desta pesquisa revelam que a maioria dos estudantes de enfermagem consideram as medidas de biossegurança, em especial o uso do EPI, a higiene das mãos e o descarte de resíduos, como importantes para a proteção da saúde do profissional, do paciente, do ambiente e da população em geral. Contudo, a fala desses estudantes está imbuída de incertezas em relação a toda temática, podendo estar associadas ao processo de aprendizagem e à falta de experiência profissional, conforme demonstrou um estudo realizado com graduandos de enfermagem em prática laboratorial de ensino, sendo demonstradas as mesmas incertezas e dúvidas relacionadas às medidas de biossegurança(16).

Foi referido, entre os participantes, o conhecimento prático e teórico como uma medida de biossegurança essencial e sua deficiência foi associada aos altos números de profissionais infectados pela COVID-19. Tais achados estão em consonância com os dados de uma pesquisa, em que os estudantes em estágio supervisionado identificaram a necessidade de se aprofundar no tema, ademais, ressalta-se a importância da implantação de medidas de segurança voltada à escassez de pessoal por motivos de adoecimento e o incentivo à constante capacitação dos profissionais para minimizar as suas chances de contaminação(17,18).

Infere-se ainda que, os estudantes de enfermagem associam os EPIs à pandemia de COVID-19, como sendo medidas indispensáveis a uma prática segura, apesar dessas medidas serem essenciais mesmo antes do contexto pandêmico, previstas em leis, normas e protocolos. De acordo com eles, a pandemia fez com que os profissionais de saúde buscassem conhecimentos sobre os EPI para se proteger, aspecto também descrito por três estudantes de enfermagem, em um relato de experiência, durante o estágio no contexto da pandemia(19).

A maioria das medidas de biossegurança citadas pelos estudantes compreenderam os EPIs sendo os mais frequentes a máscara, capote, luva e touca. Poucos citaram os óculos de proteção e o protetor facial não foi mencionado, o que evidencia uma lacuna no conhecimento acerca da biossegurança, uma vez que ambos são imprescindíveis para a proteção do profissional, principalmente no contexto de pandemia. Um estudo realizado com estudantes de enfermagem de uma instituição especializada em ensino de saúde apresentou resultados similares em relação aos EPIs mais utilizados, dos quais foram destacados principalmente jaleco, máscara, touca e luva(20).

Os estudantes também enfatizaram o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde e seu adequado descarte, além da higiene das mãos, como sendo medidas primordiais no que concerne à proteção individual e coletiva, ratificando as próprias falas de que a biossegurança se relaciona com a prevenção de riscos biológicos não só para os profissionais, mas também para toda população. Embora haja diversas medidas de biossegurança, tais achados convergem com os resultados de um estudo realizado com enfermeiros pós-graduados em que se constatou que apesar de possuírem amplo conhecimento sobre higiene das mãos e gerenciamento de resíduos, os mesmos detinham um conhecimento superficial quando se tratava das outras medidas de biossegurança(16).

Diante do exposto, verifica-se que, as medidas de biossegurança no contexto hospitalar ainda representam um desafio, sendo necessário expandir, aprofundar e aprimorar o conhecimento já existente para além do descarte de resíduos, higiene das mãos e uso de EPI. Dessa forma, é essencial que a graduação em enfermagem enfatize as medidas de biossegurança pouco ou não abordadas, tais como: paramentação e desparamentação correta; todos os aspectos inerentes à NR-32, como por exemplo, imunização da equipe de enfermagem e uso dos Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC).

Os achados desta pesquisa revelaram um panorama do conhecimento, evidenciando fragilidades, uma vez que a biossegurança é reconhecida em parte, mas não na sua totalidade entre os estudantes de enfermagem que irão se inserir no mercado de trabalho e, antes disso, irão realizar atividades práticas nos campos durante e após a pandemia. Cabe reforçar que é necessário um olhar ampliado sobre a biossegurança no contexto hospitalar, não apenas focado em uma única disciplina, mas sim abordada em uma perspectiva transversal, especialmente nas disciplinas do ciclo profissionalizante. Ademais, todas as questões que envolvem a biossegurança devem estar presentes ao longo da formação acadêmica, não somente para estudantes de enfermagem do cenário pesquisado, mas também em outros cursos da área da saúde.

Considerou-se como limitação o viés de memória, pois os estudantes entrevistados haviam cursado a disciplina que aborda a temática há pelo menos dois anos. O que reforça ainda mais a necessidade da abordagem transversal da biossegurança em toda a formação, além de novos estudos que busquem descrever o conhecimento dos estudantes de enfermagem em diferentes momentos e contextos de prática.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados, evidenciou-se que o termo biossegurança é reconhecido pelos estudantes de enfermagem como um conjunto de normas que visam à proteção da saúde do trabalhador e dos pacientes, com estreita relação à prática de enfermagem. No entanto, em relação à descrição destas medidas, as falas foram centradas, em sua maioria, nos tipos de EPI, higiene das mãos e gerenciamento de resíduos, demonstrando conhecimento superficial.

Foram identificadas prováveis lacunas na formação da enfermagem, podendo servir como subsídios e direcionamentos para consolidar o ensino da biossegurança, tema que permeia toda a vida profissional. Assim, tais conceitos e aplicações precisam estar muito bem fundamentados, cientificamente, para que não haja dúvidas na escolha das condutas de enfermagem durante a assistência.

Ademais, vale reforçar o papel fundamental que as universidades desempenham na formação de futuros profissionais de saúde, capacitados em desenvolver a assistência de forma segura para si, para os pacientes sob seus cuidados e para a população de um modo geral, estimulando novos olhares e fomentando as discussões acerca do tema, reforçando as medidas de biossegurança para além dos EPI.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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Submissão: 14/06/2022

Aprovado: 28/09/2022