Implicações da Covid-19 na condição de trabalho de profissionais de enfermagem: estudo descritivo
Washington Júnio Oliveira1, Michele Salles da Silva1, Graciela da Silva Miguéis1, Suellen Rodrigues de Oliveira Maier1, Wanmar de Souza Oliveira1, Renata Aparecida Faria de Araújo1, Nivaldo Pereira Filho1
1 Universidade Federal de Rondonópolis, Rondonópolis, MT, Brasil
RESUMO
Objetivo: analisar as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem no contexto de pandemia da Covid-19 em um hospital do interior de Mato Grosso. Método: estudo descritivo, transversal, de abordagem quantitativa com coleta de dados realizada por meio de um questionário onde a escala de Likert foi atribuída. Os dados foram obtidos no período entre novembro de 2020 a janeiro de 2021 e tabulados por meio do Microsoft Excel®. Resultados: amostra composta por 50 profissionais de enfermagem. A maioria dos participantes 48 (96,00%) realizaram atendimento direto aos casos de COVID-19 e asseguram ter recebido equipamentos de paramentação individual para assistência. Em relação a capacitações, 41 (82,0%) afirmaram ter obtido no ambiente de trabalho e 42 (84,00%) profissionais perceberam alterações no labor decorrente da situação pandêmica. Conclusão: os participantes reconhecem que houve alterações na rotina laboral decorrente da pandemia da Covid-19, potencializando os desgastes físicos e mentais associados ao trabalho.
Descritores: Condições de Trabalho; Equipe de Enfermagem; COVID-19.
No final de 2019 foi identificado a circulação de um novo vírus, com elevado potencial de contágio e transmissão, pertencente à família do coronavírus em indivíduos que apresentaram histórico de contato com o mercado de frutos do mar, na cidade de Wuhan, na China, denominado de SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2). Esta condição é responsável pelo surgimento de sinais e sintomas como: espirros, rinorreia e odinofagia. Cerca da metade dos indivíduos infectados apresentam dispnéia, podendo evoluir para o quadro mais grave com a instalação de pneumonia grave e hipoxemia(1).
O número de casos confirmados pela infecção viral demonstrou um crescimento exponencial, em curto espaço de tempo, alcançando diversos países em todo o mundo. A situação foi declarada como de âmbito emergencial em saúde pública em 30 de janeiro de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e em 11 de março do mesmo ano, passa a ser compreendida como uma condição de caráter pandêmico(2).
Com o aumento das taxas de disseminação mundial e o elevado número de indivíduos acometidos, a realidade da pandemia chega ao Brasil. Assim, problemas que o sistema de saúde nacional já enfrentava, como pouco investimento em infraestrutura, condições de trabalhos irregulares e recursos humanos insuficientes, em meio ao crescente número de usuários nos serviços de saúde somam-se as implicações tanto assistenciais quanto a saúde destes colaboradores frente a condição gerada pela Covid-19(3).
Foi evidenciado em 28 de maio de 2020 pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e o Conselho Internacional de Enfermagem (ICN) que o Brasil é o país onde mais morrem profissionais de enfermagem. Segundo o Comitê Gestor de Crise do COFEN, os profissionais da área da saúde são atribuídos como o um grupo de alto risco para a contaminação com o vírus, por atuar na linha de frente em combate ao surto se colocando em maior vulnerabilidade para o contágio e o possível adoecimento(4).
Estes profissionais vivenciam um novo capítulo que traz consigo novos desafios em seus ambientes laborais decorrente dos efeitos da pandemia. A sobrecarga de trabalho, a exposição ao vírus e as incertezas são fatores responsáveis pelo desenvolvimento de efeitos psicológicos nestes funcionários. Os impactos gerados na saúde física e mental dos profissionais de enfermagem são oriundos das constantes situações de morte e estresse que estes colaboradores vivenciam e da tensão relacionada aos cuidados cautelosos tanto nos procedimentos técnicos quanto na paramentação e desparamentação rigorosa(4-5).
Um dos principais problemas enfrentados durante a pandemia é o índice elevado de trabalhadores dos serviços essenciais infectados ou mortos pelo novo coronavírus, sobretudo aqueles que trabalham no setor da saúde, fator decisivo para o êxito do enfrentamento da pandemia. Neste sentido, a justificativa do presente estudo reside no fato dos profissionais de enfermagem estarem expostos a agravos à saúde física e mental decorrente do processo de trabalho.
Assim, considera-se relevante o desenvolvimento da pesquisa orientada sob a seguinte questão norteadora: Quais as implicações nas condições de trabalho dos profissionais de enfermagem da linha de frente no contexto da pandemia do Covid-19?
Considerando as evidências científicas, partiu-se da hipótese que estes trabalhadores enfrentam implicações na rotina de trabalho referente ao número elevado de internações, redução dos recursos humanos e materiais, o que pode ter influência direta na sua saúde física, mental e consequentemente no desempenho do trabalho. Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem no contexto de pandemia em um hospital do interior de Mato Grosso.
Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, transversal. Foi desenvolvido em um hospital filantrópico do interior de Mato Grosso que se tornou referência para atendimento de pacientes acometidos pelo Covid-19.
A população foi composta pelos profissionais de enfermagem do hospital e a amostra por todos os profissionais que estavam atuando na linha de frente ao atendimento de pacientes com Covid-19 das três unidades de internação, a saber: Unidade de Terapia Intensiva Geral, Unidade de Terapia Intensiva Covid-19 e Ala Covid-19.
Os critérios de inclusão do estudo consistem nos profissionais de enfermagem, sendo eles enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem; que possuem vínculo empregatício com a instituição hospitalar; atuantes nos setores destinados ao atendimento dos casos de Covid-19 na unidade hospitalar.
Já os critérios de exclusão, determinou-se: aqueles profissionais que durante o período de coleta de dados estiverem de férias ou que não conseguirem participar da entrevista após três tentativas consecutivas.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de novembro de 2020 e janeiro de 2021, através de uma abordagem individualizada, em local reservado, dentro da própria instituição e no horário de trabalho, desde que não comprometesse a atividade laboral dos participantes. Entretanto, durante esta etapa foi necessária uma readequação do método, conforme as normas de biossegurança para o enfrentamento à pandemia. Devido a restrição de acesso aos setores de atendimento/internação de pacientes acometidos pela Covid-19, os questionários passaram a ser disponibilizados aos participantes para que respondessem sozinhos, com suporte para esclarecimento de dúvidas, via contato telefônico com o pesquisador.
O questionário de coleta de dados, composto por 30 questões fechadas, foi submetido a um teste piloto com profissionais da equipe de enfermagem de outros setores e residentes multiprofissionais da instituição, visando identificar possíveis incoerências onde não houvesse necessidade de alteração. O questionário possuía indagações a respeito dos seguintes aspectos: disponibilidade dos equipamentos de paramentação individual (EPIs) para prestar a assistência de enfermagem, se utilizam o tempo de uso e validade de cada EPI conforme recomendações do fabricante; sobre a oferta de treinamentos específicos no ambiente de trabalho, acerca do sentimento de segurança para realizar suas funções laborais; questões referentes às adequações do ambiente de trabalho, mudanças na disponibilidade de recursos materiais (RM), e recursos humanos (RH), e se diante do trabalho no contexto pandêmico o mesmo percebeu novos sentimentos ou sensações. Além disso, foi possível traçar o perfil dos entrevistados e sua percepção diante das condições de trabalho.
A estruturação das respostas do questionário foi feita a partir da escala de Likert de cinco pontos. Assim as respostas foram solicitadas em grau de frequência em que os entrevistados concordam ou não com as questões, selecionando uma opção, assim especificada: Concordo Totalmente (1), Concordo (2), Não concordo nem discordo (3), Discordo (4), Discordo totalmente (5). Possibilitando a representação quantitativa das variáveis em estudo(6).
Os dados obtidos foram organizados numericamente através de frequências absoluta (n) e relativa (%), e, tabulados através de planilha eletrônica do programa Microsoft Excel®. Para assegurar o sigilo dos participantes, estes foram codificados por uma sequência numérica: “1, 2, 3...”. para a sistematização das respostas apresentadas.
O presente estudo faz parte do projeto matricial “Eventos associados a pandemia do coronavírus em um hospital público no município de Rondonópolis/MT na perspectiva da equipe de enfermagem”, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) com Seres Humanos, com Certificação de Apresentação e Apreciação Ética (CAAE) nº 33496120.1.0000.8088, atendendo a Resolução Nacional de Saúde n. 466/2012 e as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Para realização da coleta de dados, apresentou-se os objetivos da pesquisa aos participantes, realizado a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e, após concordar em participar da pesquisa, era solicitada a assinatura desse termo em 2 vias, deixando uma via com o pesquisado e outra com o pesquisador.
RESULTADOS
A amostra do estudo foi composta por 50 profissionais, destes, 43 (86,0%) técnicos em enfermagem e 7 (14,0%) enfermeiros, sendo predominante o sexo feminino (88,0%), com idade entre 34 e 39 anos (34,0%). Os locais de atuação dos profissionais foram: UTI Adulto, UTI COVID e Enfermaria Covid. Nota-se que dos participantes deste estudo 48 (96,00%) declararam que realizaram atendimento direto aos casos suspeitos ou confirmados de Covid-19.
Quando questionados acerca da disponibilidade dos EPIs para realização da assistência de enfermagem diante dos pacientes acometidos pela Covid-19, 48 (96,0%) dos profissionais certificaram ter recebido o material para paramentação (Tabela 1). O avental de tecido 39 (81,25%) foi o EPI mais citado, em seguida a máscara cirúrgica 38 (79,17%), luva de procedimento 38 (79,17%) e óculos de proteção 38 (79,17%). A máscara face shield, máscara N95 e peça semifacial filtrante (PFF), foram mencionadas por 35 (72,93%), 34 (70,83%), 31 (64,58%) entrevistados, respectivamente. O EPI menos utilizado foi o avental impermeável, com 30 (62,50%) de citações de uso durante o trabalho.
De maneira intimamente relacionada ao uso dos EPI’s, 42 (84,0%) participantes do estudo declararam que respeitam o tempo necessário de uso de cada EP I (Tabela 1). Entretanto, a maioria (73,81%) asseguram que atendem às determinações do tempo de uso estabelecido pela instituição que atuam, onde somente 8 (19,05%) profissionais atendem a validade determinada pelos fabricantes dos produtos (Figura 1).
Tabela 1 – Frequência de respostas acerca da disponibilidade de equipamentos de proteção individual para os profissionais de enfermagem. Rondonópolis, MT, Brasil, 2020-2021 (n=50)
Questões |
Sim |
Não |
Não responderam |
|||
N |
(%) |
N |
(%) |
N |
(%) |
|
Você recebeu EPI para assistência? |
48 |
96,00 |
2 |
4.00 |
- |
- |
Tem respeitado o tempo necessário de uso de cada EPI? |
42 |
84,00 |
7 |
14,00 |
1 |
2,00 |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Figura 1 – Frequência de respostas referente a determinação do tempo de uso dos equipamentos de proteção individual para os profissionais de enfermagem. Rondonópolis, MT, Brasil, 2020-2021
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Em relação ao processo de capacitação profissional, 41 (82,0%) afirmaram ter recebido treinamento no ambiente de trabalho, onde a temática compreendia a paramentação e desparamentação dos EPI diante da COVID-19. Entre os participantes da pesquisa, 18 (43,90%) expressaram que o treinamento foi realizado antes e logo após a primeira admissão de pacientes acometidos e 11 (26,83%) destacaram que o processo de capacitação só ocorreu quando já estavam prestando assistência a esses pacientes.
Nessa diretiva, quando indagados sobre seus sentimentos de segurança no trabalho, considerando o contexto pandêmico e os treinamentos ofertados no ambiente laboral, conforme a Tabela 2, 22 (53,66%) dos profissionais entrevistados pontuam que concordam plenamente e 12 (29,27%) concordaram parcialmente, confirmando que a maioria se sente seguro para realizar a assistência direta ao paciente.
Ao serem questionados se conheciam algum colega de trabalho que tivesse apresentado sinais e sintomas relacionados aos quadros clínicos da condição, 43 (86,00%) profissionais expressaram afirmativamente esclarecendo que todos os colegas contaminados foram afastados mediante manifestações suspeitas de Covid-19.
Diante de possíveis mudanças no quadro de funcionários nos setores de atuação, 34 (68,00%) afirmaram redução, 11 (22,00%) pontuaram aumento e 5 (10,00%) profissionais disseram que a equipe se manteve igual a antes do surto pandêmico. Dentre os entrevistados, 10 (29,41%) acreditam que a redução ocorreu devido ao afastamento dos membros da equipe, 5 (14,71%) devido aos remanejamentos para outros setores do hospital e 5 (14,71%) relacionados aos óbitos. Quanto ao aumento, 9 (81,82%) citou a ocorrência de novas contratações.
Referente aos recursos materiais (RM) disponibilizados pelo serviço, 26 (52,00%) colaboradores afirmaram aumento na disponibilidade dos insumos utilizados na assistência ao paciente e 16 (32,00%) mencionaram uma restrição na disponibilidade de tais recursos. Quanto aos equipamentos, 26 (52,00%) profissionais referiram acréscimo na oferta. Acerca da estrutura da instituição, 25 (50,00%) descreveram mudanças estruturais após o início da pandemia.
Quando questionados sobre as condições de trabalho, a maioria dos pesquisados asseguram que as condições de trabalho atuais estão adequadas (Tabela 2). Destaca-se que, a maior parte dos participantes do estudo, 42 (84,00%) percebeu alguma alteração no ambiente de trabalho decorrente das implicações da situação pandêmica. Foi proferido por 35 (83,33%) o aumento do número de admissões de indivíduos confirmados ou suspeitos nos setores destinados aos pacientes acometidos pelo vírus.
No que se refere a jornada de trabalho, 9 (21,43%) profissionais afirmaram elevação da jornada e 2 (4,76%) alegaram uma rotina turbulenta com perda de colegas de trabalho (óbitos). Quanto ao horário protegido para descanso da equipe de enfermagem durante os plantões de 12 horas, 16 (38,10%) profissionais relatam alteração no horário, destes, 13 (81,25%) expõe uma redução no tempo destinado ao descanso. É possível observar que mais da metade dos entrevistados aponta um maior desgaste no trabalho, em que 27 (54,00%) concordaram plenamente diante da assertiva, conforme a Tabela 2.
Diante do contexto pandêmico é possível identificar que a maioria dos entrevistados, 45 (90,0%), referem apresentar novos sentimentos e sensações na perspectiva do trabalho. Os mesmos citam alterações psíquicas 49 (98,0%), 42 (84,0%) preocupações, 33 (66,00%) medo, 32 (64,0%) ansiedade, 26 (52,0%) medo de se contaminar, 24 (48,0%) tristeza e 22 (44,0%) insegurança.
Ainda, é possível observar que a maioria dos colaboradores concordaram que estão mais atentos ao uso dos EPI. Reconhecendo que estão potencialmente mais expostos ao risco de contaminação e desenvolvimento de algum agravo à saúde diante das influências do cenário pandêmico.
Tabela 2 – Frequência de respostas acerca da condição de trabalho dos profissionais de enfermagem. Rondonópolis, MT, Brasil, 2020-2021 (n=50)
Questões |
Concordo plenamente |
Concordo parcialmente |
Não concordo nem discordo |
Discordo parcialmente |
Discordo plenamente |
Não soube responder |
||||||
N |
(%) |
N |
(%) |
N |
(%) |
N |
(%) |
N |
(%) |
N |
(%) |
|
Com o treinamento você se sente mais seguro? |
22 |
53,6 |
12 |
29,2 |
5 |
12,2 |
2 |
4,8 |
0 |
0,0 |
0 |
0,0 |
Você acredita que as condições de trabalho atual estão adequadas? |
25 |
50,0 |
20 |
40,0 |
5 |
10,0 |
0 |
0,0 |
0 |
0,0 |
0 |
0,0 |
Relacional: considera desgastante? |
27 |
54,0 |
20 |
40,0 |
2 |
4,0 |
0 |
0,0 |
0 |
0,0 |
1 |
2,0 |
Considera novos sentimentos e sensações? |
45 |
90,0 |
4 |
8,0 |
0 |
0,0% |
0 |
0,0 |
0 |
0,0 |
1 |
2,00 |
Está mais atento quanto ao uso dos EPI? |
39 |
78,0 |
7 |
14,0 |
2 |
4,0% |
1 |
2,0 |
1 |
2,0 |
0 |
0,0 |
Acredita ser capaz de adoecer no serviço? |
45 |
90,0 |
2 |
4,0 |
2 |
4,0 |
0 |
0,0 |
1 |
2,0 |
0 |
0,0 |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Observou-se no presente estudo que os profissionais que realizaram atendimento direto aos casos suspeitos ou confirmados de COVID-19 eram em sua maioria mulheres com faixa etária entre 34 a 39 anos. Resultado similar ao estudo(7), que buscou traçar o perfil dos profissionais de enfermagem que atuam na linha de frente da Covid-19 identificando 110 (86%) mulheres, com idade entre 30 e 39 anos 45 (35,16%). A predominância do sexo feminino se justifica pelo contexto histórico, por se tratar de uma profissão hegemonicamente feminina, o que fortaleceu a ideia de feminilização da saúde(7).
É evidente que o setor da saúde enfrenta diversos desafios que estão associados a problemas já recorrentes no sistema de saúde e ainda se soma às consequências da atual pandemia(8). A literatura reforça que a situação de escassez e reutilização dos EPI’s é um disparador de angústia entre os trabalhadores da saúde, acarretando um elevado número de profissionais infectados(9-10). Destacando que a disponibilização destes equipamentos para o labor fortalece o desempenho da equipe, reduzindo os possíveis riscos de agravos físicos e psicológicos(10).
Percebe-se que diante dos achados no presente estudo, a escassez de EPI para assistência não foi realidade no contexto de trabalho destes profissionais. Os resultados demonstram que a maioria dos participantes possuíam acesso aos equipamentos de proteção básicos, fator este determinante para assegurar a segurança e amenizar o risco de desenvolvimento de agravos a saúde física e mental entre estes trabalhadores, que em sua maioria atendem as recomendações da instituição para realização da troca ou descarte destes materiais.
A principal recomendação para assegurar a prevenção de infecção da Covid-19 consiste no uso adequado dos EPI’s. Neste cenário, a reutilização dos respiradores, N95 ou equivalentes, é considerada diante do estado de preservação e acondicionamento da máscara. Assim, as instituições de saúde são responsáveis por determinar protocolos acerca da troca ou reutilização destes equipamentos, além de definir e disponibilizar locais apropriados para o acondicionamento dos mesmos(11).
O uso adequado das máscaras é relevante para a proteção da população em geral, seja em qualquer contexto em que esteja inserido. A escolha do material adequado, a forma de utilização e reutilização são fatores essenciais quando se pensa no risco de contágio da condição. Dentre os tipos de máscaras disponibilizadas pela instituição, percebe-se que o uso da máscara cirúrgica é mais recorrente quando comparado ao uso da máscara N95 ou similares, esta última recomendada aos procedimentos geradores de aerossóis(11).
É possível observar nos resultados do estudo que estes profissionais se mostram mais atentos ao uso adequado dos EPI durante o trabalho na perspectiva do contexto pandêmico. Uma pesquisa realizada no interior do estado do Ceará(12) evidenciou que 972 (87,9%) profissionais asseguraram que utilizam os EPI’s sempre que vão prestar assistência a pacientes confirmados ou suspeitos pela Covid-19. Entretanto, há casos onde os profissionais de saúde não utilizam os EPI’s de maneira adequada, seja na perspectiva da paramentação ou da desparamentação, ignorando as orientações e os protocolos de biossegurança(12).
Diante da recomendação da adoção da precaução padrão de contato e de gotículas no contexto da pandemia, todos os profissionais devem utilizar, além da roupa privativa, aventais cirúrgicos impermeável, luvas, toucas, máscaras cirúrgicas e proteção facial (óculos de proteção, face shield)(11-12). No presente estudo, os participantes informaram estarem mais atentos ao uso de todos os EPI’s, todavia, foi observado que o avental cirúrgico impermeável está entre o EPI menos citado, o que pode elevar os riscos de contaminação no ambiente de trabalho.
Os profissionais de saúde que atuam em setores de alto risco, como UTI e setores de urgência e emergência, estão mais expostos ao desenvolvimento de desgaste físico, emocional e estresse. Os mesmos estão expostos a pressão mental, pressão física, pressão temporal e frustrações, fatores que estão associados ao desenvolvimento de diversos distúrbios, como o do sono, a ansiedade e a depressão, influenciando diretamente no desempenho profissional(10,13).
Diante destes riscos ocupacionais, a prática de capacitações no ambiente de trabalho voltado para a promoção da biossegurança se faz ainda mais necessária. Além das orientações acerca do uso dos EPI apropriados, é essencial que todos os profissionais sejam orientados sobre a remoção e o descarte adequado desses equipamentos contaminados(11). A literatura destaca que os profissionais que atuam diante da pandemia se mostram despreparados para assegurar a precaução padrão, sendo apontado como mais um fator que predispõe ao aumento dos riscos de serem infectados durante o trabalho(7, 9-10).
Logo que instaurada a pandemia, o hospital de estudo realizou ações educativas acerca da paramentação e desparamentação de EPI no contexto da Covid-19 para a equipe de enfermagem. Diante do questionamento acerca das influências dos treinamentos realizados pela instituição na percepção da segurança no trabalho, a maioria apresentou respostas positivas. Entretanto, a insegurança é citada pelos participantes quando questionados sobre possíveis alterações no ambiente de trabalho e acerca do surgimento de novos sentimentos e sensações.
Outro estudo que buscou determinar o conhecimento e as atitudes de prevenção e controle da infecção da Covid-19 em 286 profissionais que atuam na linha de frente em diferentes níveis de atenção na África do Sul, evidenciou que a maioria dos entrevistados receberam treinamento sobre prevenção e controle de infecção, segurança e saúde ocupacional e treinamento sobre o uso correto de EPI. Porém, somente a metade dos profissionais capacitados referiram se sentir preparados para atuarem na assistência aos pacientes com Covid-19(14).
Assim como no estudo (15) que traçou a prevalência e os fatores relacionados à ansiedade entre residentes multiprofissionais em saúde (22,40% enfermeiros) durante a pandemia, evidenciou que 77,60% dos participantes receberam treinamento específico para realizar o cuidado direto aos pacientes acometidos pela Covid-19. Porém, a maior proporção (59,70) não assegurou sentir-se seguro de modo técnico e científico para prestar tal assistência(15).
A insegurança para realizar a assistência pode influenciar no desempenho destes trabalhadores. O número de profissionais da saúde infectados pelo vírus é alarmante, pois estão mais vulneráveis a Covid-19 por considerar o cuidado integral que estes são responsáveis(9). Estudos apontam como fatores que contribuíram para a ocorrência da infecção do vírus: a ausência de protocolos, de treinamentos institucionais e a escassez de EPI(9-10).
Os achados do presente estudo expõem um número elevado de participantes que referiram conhecer colegas de trabalho infectados pela Covid-19, onde em todos os casos de infecção foi necessário realizar o isolamento e afastamento desses trabalhadores. Trata-se de uma conduta já orientada pelos MS, que recomenda o afastamento de qualquer trabalhador que apresente sintomas sugestivos de Covid-19(11). Desta forma os trabalhadores da equipe de enfermagem se tornam sobrecarregados de serviço devido o número reduzido de recursos humanos e a demanda elevada.
O observatório de enfermagem do COFEN, no dia 23 do mês de junho de 2022, registrou um número de 5.321 profissionais infectados com a Covid-19 na região centro-oeste. O estado de Mato Grosso apresentou o maior número de óbitos de trabalhadores da enfermagem na região centro-oeste, com 51 óbitos registrados. Trata-se do quinto estado com maior número de óbitos registrados no país(16).
Rondonópolis registrou 982 casos de óbitos, até a mesma data, segundo o painel epidemiológico N° 538 Covid-19, elaborado pela secretaria de estado de saúde de Mato Grosso. Os técnicos ou auxiliar em enfermagem do sexo feminino são os profissionais de saúde mais acometido pela condição no município, correspondendo a 32,40% dos registros de óbitos. Os enfermeiros ocupam o segundo lugar neste ranking de registros de óbitos com 16,63%(17).
Mesmo diante da sobrecarga apresentada pela rede de atenção à saúde, quando os entrevistados foram indagados sobre as percepções acerca das atuais condições de trabalho, a maioria concordou plenamente que as condições de trabalho estão adequadas. Entretanto, os mesmos pontuaram algumas alterações no ambiente de trabalho decorrente das implicações da situação pandêmica. Como alterações no quadro de funcionários, aumento da jornada de trabalho decorrente das admissões, rotina turbulenta, perda de colegas de trabalho, insegurança e redução do tempo destinado ao repouso.
A maioria dos entrevistados concordam que houve o surgimento de novos sentimentos e sensações decorrentes do trabalho no cenário pandêmico. Onde a preocupação, o medo, a ansiedade, a tristeza e a insegurança, foram os sentimentos mais citados. Os resultados observados vão ao encontro dos achados de outro estudo(18), onde os sentimentos mais citados foram: medo, ansiedade, obrigação, tristeza e insegurança.
A ansiedade decorrente do labor é citada em sua maioria pelos profissionais técnicos em enfermagem que atuam nos setores classificados como críticos. Em Wuhan, uma pesquisa que teve como objetivo identificar os fatores associados ao comprometimento da saúde mental de 1.257 profissionais que atuam na linha de frente ao Covid-19. Evidenciou um grau severo de ansiedade nos profissionais que atuavam em unidades hospitalares, destacando uma elevada proporção, 964 (76,7%), de profissionais do sexo feminino que relataram sintomas de depressão 634 (50,4%), ansiedade 560 (44,6%), insônia 427 (34,0%) e angústia 899 (71,5%)(19). Sintomas estes associados ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout.
Ao buscar compreender(20) o processo de enfrentamento da pandemia de Covid-19 na perspectiva de profissionais da enfermagem e de gestores municipais de saúde diante das características do trabalho. Verificou-se que os desafios enfrentados no trabalho associado a aspectos psicológicos como o desgaste emocional e o sentimento de desvalorização, torna o sofrimento no labor mais intenso. Estes fatos coadunam para que seja levado em conta não apenas a capacitação e o treinamento para atuar frente à Covid-19, mas também o emocional destes profissionais que estão atuando na linha de frente(7).
A limitação do presente estudo está no fato da pesquisa ocorrer em uma única instituição hospitalar, evidenciando as implicações de uma realidade específica que pode ser distinta de outros cenários. Ainda, é importante olhar para a carga horária de trabalho destes profissionais com a perspectiva de prevenir o esgotamento físico e mental.
CONCLUSÃO
O objetivo de analisar as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem no contexto de pandemia foi alcançado na presente pesquisa. É possível observar que com a pandemia os profissionais de enfermagem apresentam um maior desgaste emocional decorrente da sobrecarga de trabalho. Percebe-se que a saúde mental destes trabalhadores se encontra comprometida, pois a insegurança, o medo, a ansiedade e a tristeza foram os sentimentos e sensações mais citados no estudo. Confirmando a hipótese do presente estudo que houve alterações na rotina assistencial decorrente da pandemia da Covid-19, o que potencializou o desgaste associado ao trabalho nestes profissionais.
Por fim, os resultados aqui obtidos podem contribuir para a continuidade dos estudos científicos direcionados a esta temática, possibilitando a construção de novos saberes e de estratégias voltadas para a formulação de políticas que promovam a segurança e tornem real a valorização destes profissionais. Nesta diretiva, como sugestão, para amenizar a incidência de agravos à saúde do trabalhador no ambiente laboral é necessário a adoção de estratégias que proporcione proteção e preservação da saúde física e mental desses profissionais.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
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