ORIGINAL

 

Planejamento e estratégias na gestão do pré-natal de alto risco: estudo fenomenológico

 

Fabiana Fontana Medeiros1, Izabel Dayana de Lemos Santos1, Juliana Vicente de Oliveira Franchi1, Sebastião Caldeira2, Rosângela Aparecida Pimenta Ferrari1, Alexandrina Aparecida Maciel Cardelli1

 

1 Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil

2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Compreender o significado do planejamento das ações na gestão pré-natal de alto risco, assim como as estratégias esperadas no aprimoramento profissional. Método: Estudo qualitativo, realizado com 13 gestores da assistência indireta no pré-natal de alto risco, entre janeiro e março de 2020, por meio de entrevista face a face e análise à luz da fenomenologia social. Resultados: Emergiram quatro categorias concretas do vivido: Ações desenvolvidas no planejamento do cuidado; Imprescindibilidade do aprimoramento profissional; Desafios no gerenciamento à capacitação profissional; e Ações esperadas por meio dos órgãos e setores responsáveis. Conclusão: O planejamento de ações na gestão pré-natal de alto risco destinou-se à capacitação profissional da equipe da atenção primária à saúde. Dentre as estratégias para qualificação profissional, salienta-se a importância de investimento financeiro de instâncias superiores à qualificação do próprio gestor, assim como a expansão de ações em educação continuada na atenção primária e serviço especializado, almejando melhorias assistenciais.

 

Descritores: Gestação de Alto Risco; Gestão de Serviços de Saúde; Capacitação Profissional; Fenomenologia Social.

 

INTRODUÇÃO

A gestação é definida como fenômeno fisiológico, entretanto, esta fase pode representar situação crítica, causada por alterações que ocorrem na vida da mulher, sendo estas físicas, mentais e mudanças sociais, bem como alterações fetais, resultando em risco à saúde materna ou fetal, caracterizando a gestação de Alto Risco (AR)(1). O acompanhamento Pré-Natal (PN) tem como função essencial o planejamento da assistência para prevenir, diagnosticar e tratar eventos indesejáveis e, assim, evitar complicações futuras para a mulher e o concepto(2).

A assistência PN no Brasil constitui proposta da Rede Cegonha, a qual sustenta a organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS) maternoinfantil, definindo como norteadores do cuidado o início precoce do PN, estratificação de risco e atendimento em Serviço Especializado (SE)(3). Neste sentido, o gerenciamento de tais ações é competência dos gestores da assistência Pré-Natal de Alto Risco (PNAR), os quais planejam e implementam as ações assistenciais.

Apesar dos avanços alcançados na assistência PN, ao longo dos anos, estudos nacionais e internacionais evidenciam fragilidades assistenciais(4-5). Ao considerar o planejamento das ações como instrumento de gestão, o qual permite a tomada de decisão sobre prioridades que podem interferir diretamente na organização da rede de serviços públicos de saúde, pondera-se a gestão do serviço de saúde como elemento fundamental na resolução e efetivação das políticas públicas de saúde(6).

Nesse sentido, ações direcionadas aos recursos humanos na saúde, à gestão, à educação e às políticas concretizam-se em melhorias na qualidade assistencial do PN, contribuindo na redução da mortalidade materna(7).

Apesar da importância do gestor na qualidade assistencial, é inédito na literatura estudo que investigue gestores da assistência indireta do PNAR, sendo esta uma lacuna do conhecimento. Compreender a realidade vivenciada por gestores no planejamento da assistência PNAR, poderá fornecer evidências para o desenvolvimento e a implantação de políticas eficazes, almejando aperfeiçoamento assistencial.

Nessa perspectiva, o presente estudo indagou: como gestores vivenciam o planejamento da assistência indireta no PNAR? Quais estratégias poderiam ser implementadas no aperfeiçoamento assistencial?

Assim, objetivou-se compreender o significado do planejamento das ações na gestão pré-natal de alto risco, assim como as estratégias esperadas no aprimoramento profissional.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo qualitativo, ancorado na Fenomenologia Social de Alfred Schütz, a qual compreende a experiência subjetiva no cotidiano das pessoas, permeada pelas relações que constituem o mundo social. O homem manifesta sua vivência de acordo com a experiência no passado e presente (motivos porque) e planeja alcançar seus objetivos (motivos para), a partir da intersubjetividade, ensejando a interação em um contexto social, definido por meio do ambiente físico e sociocultural, vivenciando as situações cotidianas(8).

A sociologia compreensiva é percebida a partir da análise de interpretação frente ao fenômeno, na perspectiva de valorização da dimensão social, por meio de vivências cotidianas, com a possibilidade de compreensão, a partir das experiências dos profissionais de saúde, buscando razões para justificar cada ação desempenhada(9).

Nesse sentido, a perspectiva fenomenológica contribui para o olhar efetivo sobre as experiências no processo saúde-doença dos seres humanos, assim como aquelas vividas em diferentes cenários assistenciais e de atenção à saúde, buscando a compreensão das pessoas dentro do mundo social na gestão PNAR(10).

O estudo teve a fenomenologia social para compreensão do significado do planejamento das ações e estratégias utilizadas por gestores no pré-natal de alto risco. Por meio do referencial teórico e metodológico utilizado, buscaram-se os motivos da ação humana que ocorre no mundo da vida, frente aos limites gerenciais, relacionados à bagagem de conhecimento insuficiente e falha na tipificação do aprimoramento profissional(10).

Atenderam-se aos preceitos éticos que regem as pesquisas com seres humanos, assim como a assinatura dos participantes no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, conforme parecer: 3.660.461/UEL, em 24 de outubro de 2019, CAAE 21597619.5.0000.5231.

O estudo foi realizado no ambiente de trabalho dos participantes, sendo estes a Autarquia Municipal de Saúde de Londrina, PR, Brasil, que administra e coordena os serviços na Atenção Primária à Saúde (APS) do município; a Secretaria Estadual de Saúde da 17ª Regional de Saúde de Londrina, PR, Brasil, a qual realiza a gestão estadual da RAS; o Ambulatório de Especialidades da Universidade Estadual de Londrina, PR, Brasil, referência para o acompanhamento ambulatorial à gestação de AR e vinculado ao Hospital Universitário; e o Consórcio Intermunicipal de Saúde Paranapanema de Londrina, PR, Brasil, referência para atenção ambulatorial às gestantes de risco intermediário e AR gestacional, atuando como ferramenta de gestão e articulação em 21 municípios do estado do Paraná.

A seleção dos participantes ocorreu de forma intencional, sendo incluídos no estudo profissionais com tempo mínimo no cargo de gestão de 60 dias. A busca pelos participantes foi realizada por meio de contato prévio com a equipe administrativa para identificação do participante, posteriormente, agendava-se entrevista com o gestor em horário de melhor conveniência ao entrevistado.

Antes do início das entrevistas, a pesquisadora apresentou-se para o entrevistado, assim como esclareceu o objetivo da pesquisa e informou a trajetória científica na temática estudada.

Não se definiu a priori o número de participantes, ponderaram-se os critérios de inclusão para composição da amostra, assim como a garantia da participação dos gestores de todas as instituições pesquisadas. Quatro participantes não atenderam aos critérios de inclusão e dois não aceitaram participar, sendo excluídos, portanto, seis participantes, resultando na participação de 13 gestores.

A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora principal que estava em processo de doutoramento e aprofundou-se no método científico e referencial teórico-metodológico.

As entrevistas foram realizadas entre janeiro e março de 2020, norteadas pelas seguintes questões: quais ações você desenvolve no seguimento PNAR? Como você percebe sua formação para a prática profissional vivenciada no cuidado à gestante de AR? O que você espera dos órgãos/setores responsáveis nesse segmento para continuidade das suas ações de cuidado no PNAR?

As entrevistas foram realizadas na sala do gestor, no próprio local de trabalho, utilizando-se de gravador de voz após a permissão do participante. As entrevistas tiveram duração média de 50 minutos. Ao considerar a riqueza da vivência dos gestores participantes, as 13 entrevistas foram incluídas no estudo, não havendo perdas amostrais.

A coleta de dados se encerrou quando se obteve o significado das falas, não surgimento de novos temas, alcance do objetivo proposto e respostas às perguntas de pesquisa(11).

Os dados transcritos foram devolvidos aos respectivos participantes para ciência e possível comentário dos depoimentos, não houve solicitação de correção.

Para garantia do anonimato dos participantes, as entrevistas foram codificadas pela letra G, inicial da palavra “Gestor”, seguida de numeração arábica, conforme a ordem das entrevistas (G1 a G13).

No que tange à organização, categorização e análise dos depoimentos, consideraram-se os princípios teóricos e metodológicos da Fenomenologia Social de Alfred Schütz, por meio da leitura acurada de cada depoimento, alcançando as unidades de sentido da experiência vivida; agrupamento dos aspectos significativos à composição das categorias; análise das categorias, elencando os “Motivos porque”, representando as ações vivenciadas e expressas; e os “Motivos para”, constituindo as ações futuras, resultando na categorização dos dados e a compreensão do fenômeno à luz da Fenomenologia Social de Alfred Schütz(12). Realizou-se correção na transcrição das falas dos participantes quanto à norma culta da língua portuguesa, não modificando o sentido das falas.

 

RESULTADOS

O estudo foi composto por onze gestores do sexo feminino e dois masculinos, com idades entre 36 e 62 anos. O tempo médio de formação foi de 22 anos, sendo que nove gestores apresentaram formação em enfermagem, dois em medicina, um em farmácia e um em línguas estrangeiras. Quanto ao nível educacional, nove apresentaram pós-graduação lato sensu e quatro stricto sensu, no que tange ao vínculo empregatício, dez gestores eram servidores públicos e três cargos comissionados.

À luz da Fenomenologia Social de Alfred Schütz, identificaram-se quatro categorias concretas do vivido, três relacionadas aos “Motivos porque” do planejamento das ações na gestão PNAR: Ações desenvolvidas no planejamento do cuidado; Imprescindibilidade do aprimoramento profissional; e Desafios no gerenciamento à capacitação profissional, compondo o passado e o presente vivido. E uma categoria referente aos “Motivos para”, abrangendo a expectativa dos gestores sobre a qualificação deste segmento: Ações esperadas por meio dos órgãos e setores responsáveis.

 

Ações desenvolvidas no planejamento do cuidado

Mostrou-se típica, nas ações desenvolvidas no cargo de gestor, a realização de capacitação da equipe multiprofissional da APS, a partir dos indicadores de mortalidade maternoinfantil, por meio das oficinas de matriciamento, discussão de caso, suporte profissional às dúvidas e atualizações de diretrizes.

 

Temos trabalhado muito no foco das oficinas de matriciamento, com temas específicos, de acordo com os indicadores do comitê de mortalidade maternoinfantil, desde o médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, o agente comunitário de saúde, o administrativo, a equipe de odontologia, a equipe NASF. Temos incentivado também a discussão de caso dentro da unidade, com o objetivo de melhorar o acolhimento (G2).

 

Temos um profissional para tirar dúvida e orientar os profissionais que estão na ponta, para fornecer este apoio (G3).

 

Temos a supervisão clínica, onde os profissionais do ambulatório de especialidade fazem um trabalho de escuta com o profissional da atenção básica, isso faz com que o profissional que está acompanhando o mesmo caso compartilhado conosco, que ele também tenha uma direção do cuidado e que ele possa trazer suas angústias e suas necessidades (G7).

 

Quando tem novos protocolos, novas estratégias, novas portarias, divulgamos aos municípios, por meio das capacitações e treinamentos e também atendemos algumas dúvidas dos municípios, que eles mesmos entram em contato conosco para esclarecimento (G9).

 

Imprescindibilidade do aprimoramento profissional

Evidenciou o curso de graduação como uma base ao cargo exercido na gestão, com necessidade de aprimoramento profissional contínuo, por meio de busca própria por atualizações em diretrizes, capacitações, pós-graduação lato sensu e stricto sensu e participação em grupo de pesquisa científica. A atuação na assistência direta à gestante de AR, também, possibilitou a bagagem de conhecimento para o cargo exercido na gestão.

 

Minha especialização em saúde coletiva e depois auditoria foram fundamentais, me deram toda essa bagagem para poder estar na gestão (G6).

 

Eu participo de um grupo de pesquisa do doutorado e isso tem me fortalecido em relação às minhas necessidades da função, isso tem me ajudado bastante a fazer as minhas próprias reflexões (G7).

 

A formação dá realmente a base, precisamos sempre nos atualizar. Eu acho que a minha prática de trabalhar na ponta, faz muita diferença quando você está na parte de gestão e coordenação, porque você sabe exatamente como é na ponta para entender a realidade do profissional (G9).

 

Na prática, acabamos vendo casos diferentes da assistência pré-natal e você acaba buscando na literatura, você acaba lendo protocolo e tive também algumas capacitações para trabalhar com o Comitê de Mortalidade, mas eu acho que a grande parte é busca própria e diária (G10).

 

A formação do gestor em medicina mostrou-se intermediadora na comunicação com outros profissionais médicos, apesar da enfermagem ser enaltecida em competência para a gestão.

 

Enquanto médica, eles têm maior respeito quando é um médico que está falando. Às vezes, vai uma enfermeira, minha assessora fala a mesma coisa, se não for eu que estou falando entre os médicos, não vai, mas na minha prática de gestão, não fui como médica, fui como enfermeira. As enfermeiras entendem muito mais de gestão, médico não é formado para gestão, nem de supervisão, nós não somos formados para isso (G8).

 

Desafios no gerenciamento à capacitação profissional

Evidenciou-se como barreiras para o gerenciamento do aprimoramento profissional a ausência de fóruns direcionados a resultados de pesquisas científicas, a rotatividade da equipe da APS, as mudanças em diretrizes e a escassez na realização de ações de capacitação profissional, fragilizando a produção do conhecimento e continuidade das ações implementadas.

 

Não temos fóruns de escuta para compreender os resultados de pesquisas, que são realizados nas diversas universidades que executam e elaboram pesquisas na área do pré-natal, não conheço nenhum fórum que possa integrar universidades junto com serviços e que discutam esse tema da assistência pré-natal de forma sistematizada (G7).

 

Troca muito os profissionais nos municípios, na atenção básica, então, às vezes, você faz todo um trabalho de capacitação e parte dos profissionais não ficam na prática, ou aquilo que você capacitou não pode ser mais realizado, vem alguma outra coisa que tira tudo aquilo que você fez, tudo que você já tinha feito, já não é mais daquele jeito (G9).

 

Temos poucas capacitações locais, regionais e estaduais e muitas coisas ficam atravancadas no conhecimento, sempre têm coisas novas, por exemplo, o serviço traz algo novo, mas eu nunca vi isso na minha vida, ou eles trazem dúvidas que você nunca pensou ou leu, ou uma nova diretriz (G11).

 

Diante das fragilidades para o aprimoramento profissional, desvelou-se a importância de os gestores serem capacitados no gerenciamento do processo saúde doença, não deixando que interesses políticos influenciem as ações efetivas de saúde.

 

Tem município que em dois anos trocou de secretário de saúde cinco vezes, isso é difícil porque você não consegue contar daquele assunto com aquela pessoa, porque ela está pensando na parte política, como, por exemplo: toda UBS tem que fazer a classificação de risco, outro já coloca que não, que o atendimento será por ordem de chegada, porque a população vai se revoltar se a gente fizer assim, entendeu? Esse gestor não está pensando na saúde, está pensando se vai ter voto ou não (G9).

 

Precisamos ter pessoas com capacidade de gestão, às vezes, a gerência política não está preparada, o gestor deve ter conhecimento do processo saúde e doença (G10).

 

Ações esperadas por meio dos órgãos e setores responsáveis

Os gestores esperam da instância superior investimento financeiro direcionado à capacitação para gestão, sendo esta fundamental ao cargo, assim como ampliação das capacitações dos profissionais da APS e SE com encontros sistematizados.

 

Precisamos do investimento para a capacitação profissional, se acessarmos o UNA-SUS, nós temos uma série de cursos, mas não são todos os profissionais que tem esse hábito de acessar, de buscar por essa informação, então, às vezes, poderia vir algumas coisas mais direcionadas para o gestor aplicar com os seus profissionais (G2).

 

Precisamos de pessoas com visão em gerente de gestão, se tiver um bom planejamento de gestão, você consegue avançar, então, o poder público deve capacitar as pessoas que estão à frente (G10).

 

Eu acho que a capacitação seria uma estratégia fundamental para nosso serviço, como para as pessoas que vão atender a estas gestantes em serviços específicos, então, é o conhecimento mesmo, eu acho que as capacitações deveriam ocorrer com mais frequência (G11).

 

DISCUSSÃO

No contexto de significado dos “Motivos porque”, os gestores desenvolveram ações relacionadas ao gerenciamento do aprimoramento profissional à equipe multiprofissional da APS, a qual deve ser capacitada para o atendimento diferenciado no PNAR, requerendo a aquisição de bagagem de conhecimento por parte dos profissionais, quer na gestão, quer nas ações diretas de cuidado.

Considera-se imprescindível a educação permanente para o aperfeiçoamento profissional das ações em saúde, apontada como estratégia para reorganização do funcionamento dos serviços e processo de trabalho. No Brasil, instituiu-se, no ano de 2004, a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), entretanto, esta estratégia apresenta dificuldades na operacionalização, relacionadas aos recursos financeiros insuficientes, falta de vontade política ou de pessoal, ou até mesmo de capacitação das instâncias superiores para criar arranjos interinstitucionais ou setoriais à implementação desta(6).

Os relatos mostraram, a partir dos indicadores de mortalidade materno-infantil, o estabelecimento de temas específicos para capacitação profissional, por meio das estratégias de oficinas de matriciamento e discussão de caso. Estudo que investigou a planificação da Atenção à Saúde de condições crônicas de saúde descreveu a importância do matriciamento na capacitação profissional da equipe da APS, identificou, também, a realização do matriciamento por meio dos profissionais do SE, ocorrendo de forma presencial ou a distância, periodicamente semanal, aplicado no formato de discussão de caso, com foco na problematização, no planejamento, na programação e execução de ações colaborativas entre o SE e APS. Destaca-se a riqueza do matriciamento como suporte profissional à equipe da APS, assim como para melhorias na RAS(13).

Nesse contexto, ressalta-se a importância do comitê de mortalidade materna e infantil como norteador dos temas a serem trabalhados nas oficinas de matriciamento. Esse comitê exerce função substancial como norteador das fragilidades assistenciais, proporcionando direcionamento às ações PNAR. Neste sentido, a busca pela redução dos indicadores de mortalidade materna é uma preocupação mundial, várias iniciativas estão em andamento no enfrentamento do desafio da mortalidade materna. Nos Estados Unidos, incluiu-se a Lei de Prevenção de Mortes Maternas de 21 de dezembro de 2018, a qual autoriza o financiamento federal no apoio aos comitês multidisciplinares estaduais e municipais, com enfoque em avaliações abrangentes das mortes maternas, assim como o apoio por meio de informações de atividades de prevenção(14).

Para maior atuação do comitê de mortalidade materna e infantil, fazem-se necessários maiores investimentos destinados à ampliação das informações e do acesso às discussões realizadas junto aos comitês, para divulgação das informações ao maior número de profissionais. Destaca-se a importância da atuação e conscientização dos próprios membros formadores dos comitês, quanto à importância à capacitação profissional.

Os achados evidenciaram, ainda, a necessidade do suporte profissional destinados às dúvidas e atualização de diretrizes, assim como capacitações e especializações como estratégias contínuas ao cargo de gestão, buscando aprimoramento profissional e, consequentemente, atualização do próprio gestor para divulgação aos profissionais que atuam diretamente no PNAR.

Há necessidade do fortalecimento do trabalho em saúde, com atuação dos cuidados primários e essenciais, neste sentido, a utilização dos indicadores da assistência em saúde representam estratégia para qualificação da APS e fortalecimento do processo de trabalho da equipe. Aponta-se a importância de profissionais da saúde com formação qualificada e educação e supervisão permanente, específica à demanda dos cuidados primários, ensejando a qualificação com intenções recíprocas para continuidade do cuidado, acesso aos serviços e cuidado integral(15).

As ações estratégicas supracitadas para capacitação e apoio profissional podem contribuir com a qualidade assistencial, por meio do aperfeiçoamento, das adequações e formulações de protocolos que devem ser seguidos no PNAR, além da integração e participação da equipe no planejamento do cuidado gestacional, assim como a reciprocidade de intenções agregadas por meio da bagagem de conhecimentos adquirida que permeia a situação biográfica dos profissionais envolvidos.

A formação em enfermagem demonstrou-se favorável ao cargo de gestão, o qual possui conhecimento em formação sobre gerenciamento de equipe e ações para o planejamento gestacional. Neste sentido, quando, concomitantemente, o profissional possui a formação direcionada e a prática profissional, estas contribuem em aspecto importante para o olhar reflexivo no gerenciamento do planejamento assistencial à gestante de AR.

A formação de enfermagem representa preparação à atuação profissional generalista, sendo necessárias especializações e capacitações contínuas para o desenvolvimento e aprimoramento profissional(16). A experiência profissional agrega segurança à prática obstétrica, permitindo ao profissional correlacionar os conhecimentos adquiridos na teoria, aprimorar habilidades, adquirir destreza e capacidade reflexiva sobre as experiências vivenciadas(17).

Apesar da formação em enfermagem demonstrar-se favorável para o cargo de gestão, ressaltou-se a dificuldade na comunicação entre o profissional gestor enfermeiro e o médico que atua na prática, evidenciando obstáculos na comunicação interpessoal, desafios enfrentados na atuação do enfermeiro-gestor.

Estudo realizado na Malásia identificou atitude autoritária do profissional médico com o enfermeiro, demonstrando barreiras na comunicação profissional. Neste sentido, há visão social e profissional de que o enfermeiro apresenta-se em nível abaixo do médico, entretanto, as duas categorias profissionais devem atuar na busca do aperfeiçoamento assistencial. Salienta-se que as duas profissões são exclusivas e não apresentam resolutividade sem comunicação eficaz e colaborativa(16).

A discussão sobre comunicação do enfermeiro-gestor versus comunicação com profissional médico é uma lacuna científica, com necessidade de rompimento de paradigmas e maior aprofundamento.

Como favorecimento do aprimoramento profissional, também se enfatizou a atuação do gestor em grupo de pesquisa científica, possibilitando a reflexão do próprio gestor quanto às necessidades do serviço. Evidencia-se a importância de o gestor aprofundar-se nos resultados de pesquisas, almejando aprofundamento científico e, consequentemente, o fortalecimento da prática de gestão, estratégia imprescindível no aprimoramento da aquisição da bagagem de conhecimento.

Nesse sentido, o presente estudo emergiu como desafio para implementação de fóruns de escuta para os gestores sobre resultados de pesquisas. Salienta-se a importância das próprias universidades criarem espaços para compartilhamento dos resultados de pesquisas aos gestores dos serviços, sendo este levantamento essencial à proposta de melhorias assistenciais, além de ser oportunidade para o aperfeiçoamento do próprio gestor.

Também, considerou-se como limite à continuidade e ao aperfeiçoamento da bagagem de conhecimento a rotatividade de trabalhadores na APS. Neste contexto, destaca-se a importância do vínculo do servidor público para continuidade das ações de educação em saúde, para aprimoramento da bagagem de conhecimento profissional, sendo esta adquirida ao longo da vida por antecessores, alcançando, desta forma, a reciprocidade de intenções, quer seja no contexto do cuidar e do cuidado, considerando, assim, o significado do cuidado à gestante de alto risco, por meio da tipificação do aprimoramento profissional. Outro estudo evidenciou a relação do vínculo empregatício com a instabilidade e insegurança profissional, sendo estes responsáveis pela alta rotatividade de profissionais(18).

Entende-se que a necessidade de promoção de concurso público é uma lacuna a ser preenchida para o suprimento da precarização de trabalho, assim como a remuneração adequada, buscando o vínculo do profissional com o serviço público, assim como a continuidade das ações de capacitação profissional.

Os achados evidenciaram, também, as expectativas dos gestores (Motivos para), aguardadas por meio de instâncias superiores, para o desenvolvimento de ações direcionadas  ao aprimoramento profissional, manifestando a necessidade de investimento financeiro, destinado à capacitação dos gestores, sendo esta necessidade para qualificação profissional, assim como para os cargos ocupados por gestores políticos, identificando a essencialidade do poder público em proporcionar capacitação ao novo cargo assumido, tencionando a compreensão do gestor à continuidade dos processos, tomada de decisão e implantação de novas políticas no suprimento das necessidades.

A educação permanente representa estratégia que pode reorientar a formação profissional, capacitando a reelaboração da bagagem de conhecimento frente às especificidades da prática, com impacto na mudança de conduta profissional, promovendo, assim, o desenvolvimento da equipe e a reorganização dos serviços de saúde(19).

Assim, uma das estratégias que poderiam ser implementadas mundialmente para qualificação profissional no cuidado PNAR seria a educação continuada, baseada no Programa de Recursos Humanos para Saúde de Ruanda, lançado em 2012. O país adotou treinamento profissional liderado pelo governo, o qual fornece treinamento profissional de saúde, por meio de parceria com instituições acadêmicas no país, minimizando a escassez de força de trabalho em saúde qualificada e fortalecendo a capacidade das escolas de pós-graduação em saúde. Entretanto, há necessidade de investimento significativo no recrutamento e desenvolvimento de carreira do corpo docente local, recursos adequados destinados à gestão e administração, além de infraestrutura e equipamentos, flexibilidade de financiamento a longo prazo e compromisso dos envolvidos(20).

Um dos elementos imprescindíveis para implantação de políticas direcionadas à capacitação permanente profissional é o reconhecimento dessa necessidade por parte dos formuladores de políticas públicas e de instâncias superiores quanto à efetivação da implantação nas instituições de saúde. Este é um dos caminhos para o aprimoramento profissional e a qualificação do serviço prestado, consequentemente, para a redução dos indicadores de mortalidade materno e infantil.

A esse respeito, a educação continuada a distância, também conhecida como e-learning, reconhecida mundialmente, pode ser estratégia no aperfeiçoamento profissional de gestores e profissionais da assistência direta, tendo como ferramenta a internet, oferecendo aos profissionais em atividade manter o próprio horário de trabalho e envolver-se em ambiente de aprendizagem da melhor maneira e horário conveniente(21).

Ademais dos investimentos em educação continuada, recomendam-se investimentos em melhorias relacionadas à infraestrutura, coordenação dos serviços de saúde, condição de trabalho dos profissionais e tecnologias para educação a distância. Salienta-se, ainda, a necessidade de intensificação de interação entre o sistema de saúde com as instituições de ensino e incentivo à colaboração interprofissional. Destaca-se que todas estas ações devem ser direcionadas para um cenário de estabilidade político-administrativa, proporcionando motivação e confiança aos profissionais de saúde(21).

 

Limitação do estudo

Como limite do presente estudo, aponta-se a realização em uma única região do Brasil que avaliou amostra específica de gestores. Entretanto, os resultados são significativos e podem servir como norteadores aos gestores e formuladores de políticas, no que tange às estratégias de aperfeiçoamento da gestão pré-natal de alto risco.

 

CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo revelaram-se em ações necessárias à implantação e implementação da capacitação profissional no PNAR, compreendida por meio da capacitação profissional à equipe da APS, tendo como estratégias de ensino as oficinas de matriciamento, discussão de caso, suporte profissional, conforme necessidade, dúvidas e atualização.

A formação do gestor foi considerada base para o cargo exercido, com necessidade do aprimoramento profissional contínuo para melhorias da bagagem de conhecimento, por meio de busca própria, capacitação, atuação na assistência direta, imersão do gestor em pós-graduação lato sensu e stricto sensu e participação em grupo de pesquisa científica. Dentre os desafios no gerenciamento à capacitação profissional, revelou-se a inexistência de espaços direcionados ao gestor quanto à divulgação de resultados de pesquisas, rotatividade de profissionais da APS, mudanças de diretrizes, cargos assumidos por gestor político sem conhecimento do processo saúde-doença e poucas ações direcionadas à capacitação profissional.

Quanto às estratégias esperadas dos órgãos superiores, revelou-se a necessidade de investimento financeiro destinado à qualificação do gestor, assim como a expansão de ações em educação continuada para equipes da APS e SE, com vistas a melhorias assistenciais.

Sugerem-se novos estudos que investiguem a temática em questão, direcionado aos órgãos superiores da gestão PNAR de outras regiões do país, buscando aprofundamento e intervenções efetivas à qualidade assistencial.

 

*Artigo extraído da tese de doutorado Avaliação da assistência, acesso e planejamento do serviço pré-natal de alto risco na atenção primária à saúde e ambulatorial especializada: estudo misto”, apresentada à Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Submissão: 15/10/2021

Aprovado: 27/07/2022

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Medeiros FF, Santos IDL, Franchi JVO, Caldeira S, Ferrari RAP, Cardelli AAM

Obtenção de dados: Medeiros FF

Análise e interpretação dos dados: Medeiros FF, Santos IDL, Franchi JVO, Caldeira S, Ferrari RAP, Cardelli AAM

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Medeiros FF, Santos IDL, Franchi JVO, Caldeira S, Ferrari RAP, Cardelli AAM

Aprovação final do texto a ser publicada: Medeiros FF, Santos IDL, Franchi JVO, Caldeira S, Ferrari RAP, Cardelli AAM

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Medeiros FF, Santos IDL, Franchi JVO, Caldeira S, Ferrari RAP, Cardelli AAM

 

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