ORIGINAL

 

Compreensão do consentimento informado em pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus: estudo transversal

 

Valquíria Fernandes Marques Vieira1, Sumaya Giarola Cecilio2, Renata Saldanha Silva2, Clarice Magalhães Rodrigues dos Reis2, Raquel Cáfaro Marinho2, Maria Flávia Gazzinelli Bethony1

 

1 Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

2 Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, MG, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: avaliar a compreensão das informações do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes de uma pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus. Método: estudo transversal com amostra por conveniência e participação de 101 voluntários de uma pesquisa clínica em Belo Horizonte, Minas Gerais. Utilizou-se um questionário estruturado. A análise dos dados foi realizada no programa R, segundo a estatística descritiva e inferencial. Resultados: a média de acertos dos participantes sobre as informações do documento de consentimento foi de 66,9%. A maioria dos participantes assinou o documento sem o conhecimento suficiente das informações da pesquisa. O Índice de compreensão foi maior entre os participantes que tinham se voluntariado em pesquisas prévias (p=0,039). Conclusão: verificaram-se limitações importantes na compreensão dos participantes sobre informações do termo de consentimento, o que comprometeu a decisão autônoma. São necessárias adaptações e melhorias nos processos de consentimento informado em prol da sua validade.

 

Descritores: Ensaio Clínico Controlado; Ética em Pesquisa; Consentimento Livre e Esclarecido.

 

INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, vem-se notando uma expansão global de ensaios clínicos para avaliar a segurança e eficácia de novos tratamentos por meio de pesquisas nas quais a indústria farmacêutica vem exercendo liderança(1). O Brasil tem sido considerado um país com elevado potencial para o desenvolvimento desses estudos, dada sua diversidade populacional, prevalência de patologias similares aos países ricos, bem como custos operacionais mais baixos(2). No que se refere às pesquisas clínicas com vacinas, no contexto nacional, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (INTERFARMA) descreve o aumento de 1,2% para 2,8% entre 2014 e 2019, respectivamente(3).

Como exemplo, cita-se o surgimento do Zika vírus em 2015, que inspirou um movimento em vários países, assim como no Brasil, para o desenvolvimento de uma vacina eficaz. O Zika vírus é transmitido principalmente por mosquitos Aedes aegypti infectados, podendo causar sérios problemas em crianças e adultos(4).  Apesar dos surtos de infecção pelo vírus terem atingido o pico em 2016 e diminuído, substancialmente, ao longo de 2017 e 2018 na região das Américas, uma vacina ainda é urgentemente necessária para limitar o surgimento de outra epidemia(4, 5).

Em resposta a esse desafio, pesquisadores e empresas farmacêuticas em nível global implementaram ensaios clínicos para avaliar a eficácia e a segurança das vacinas candidatas ao Zika vírus(4,5). No Brasil, um centro de pesquisa em Belo Horizonte, Minas Gerais, foi campo do “Estudo randomizado multicêntrico de fase 2/2B para avaliar a segurança, a imunogenicidade e a eficácia de uma vacina de Ácido Desoxirribonucleico (DNA) contra o vírus Zika em adultos e adolescentes saudáveis”. O respectivo ensaio clínico foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas - National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) - e pelo Centro de Pesquisas de Vacinas - Vaccine Research Center (VRC) -, por um consórcio de pesquisadores da Universidade George Washington (Washington, EUA), em parceria com o Centro de Pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Para a realização de tal estudo envolvendo seres humanos, um requisito ético indispensável foi o consentimento informado, usualmente formalizado por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A assinatura do termo registra a anuência voluntária e autônoma do participante, de forma a garantir respeito à dignidade humana com base nas informações sobre a pesquisa previamente elucidadas(6). Todavia, o consentimento não deve ser visto simplesmente como um documento para o cumprimento legal e figurativo da concordância do participante em fazer parte de um ensaio clínico, mas deve expressar, de forma autêntica, a autonomia da decisão de participar(7,8).

A qualidade do processo de consentimento informado em pesquisa clínica de vacina pode ser determinada pelo grau de compreensão dos partícipes(9). A compreensão adequada requer a capacidade de entendimento do participante acerca da ação e natureza do estudo, dos elementos básicos de um protocolo de pesquisa, dentre os quais constam os possíveis riscos e benefícios, além de prever as suas futuras consequências(10).

Há indicação de lacunas quanto à compreensão dos participantes sobre as informações das pesquisas clínicas de vacinas(11-15), atestadas tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento(16). As violações no processo de consentimento informado são frequentemente descritas em ensaios clínicos realizados em países em desenvolvimento. Baixos níveis de educação formal, falta de familiaridade com pesquisas e acesso limitado aos serviços de saúde nesses países têm sido associados a um consentimento informado inadequado(8, 12, 19, 20).

A compreensão do consentimento informado está estreitamente ligada à atitude do sujeito em participar ou não da pesquisa clínica(17). Nesse processo de compreensão, discute-se, ainda, a voluntariedade, reconhecida como a possibilidade de a pessoa fazer escolhas livres, sem constrangimento ou coação. A voluntariedade é requisito fundamental para que o consentimento seja considerado válido(15).

Atentos a essa problemática, os investigadores envolvidos na pesquisa clínica da vacina contra o vírus Zika reconheceram a importância de analisar os fatores associados à compreensão das informações do documento de consentimento pelos participantes no contexto brasileiro, como uma forma de ampliar a mobilização acadêmica e científica sobre essa temática em crescimento exponencial na sociedade(1,9). Nesse cenário, este estudo tem como objetivo avaliar a compreensão das informações do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes de uma pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus no contexto brasileiro.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo observacional do tipo transversal, realizado em um centro de pesquisa situado na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. O presente estudo foi desenvolvido junto a uma investigação clínica de vacina contra o vírus Zika. A amostra deste estudo foi composta de participantes da investigação clínica de vacina, sendo esse o critério de inclusão estabelecido. Por ser fundamental a experiência dos participantes na assinatura do TCLE do ensaio clínico de vacina, este estudo utilizou o critério de amostragem intencional. Nesse sentido, para que os dados fossem representativos, buscaram-se todos os 101 participantes da pesquisa de vacina, alvo alcançado com êxito. Ressalta-se que, de forma inevitável, os critérios de inclusão da investigação clínica acabaram por se justapor aos critérios de inclusão da atual pesquisa, como idade compreendida entre 18 e 35 anos.

Os participantes em potencial foram abordados imediatamente após a assinatura do TCLE do ensaio clínico de vacina. Nesse momento, receberam explicações quanto ao objetivo do estudo, puderam esclarecer dúvidas, sendo também reforçada a informação acerca da voluntariedade da participação. Depois de realizada a leitura do TCLE, em caso de concordância, registraram sua participação por meio da assinatura do termo.

Os dados foram coletados por meio da aplicação de um questionário estruturado, composto de duas seções, descritas a seguir: (1) Caracterização dos participantes - a) quanto às variáveis sociodemográficas: sexo, idade, escolaridade, ocupação, participação prévia em outras pesquisas e acesso à televisão e internet; - b) quanto à atitude e voluntariedade: consiste em 10 itens que avaliam as atitudes dos participantes e a voluntariedade de sua decisão em participar da pesquisa clínica de vacina, sendo as respostas dadas em três categorias ("não", "sim", "não sabe"); (2) Compreensão sobre as informações da pesquisa – consistiu em 36 itens que abordaram objetivos, benefícios, procedimentos do estudo, riscos/efeitos adversos e direitos dos participantes, além de informações sobre o Zika, sendo as respostas dadas em três categorias ("não", "sim", "não sabe"). Participantes que assinalaram a opção “não sabe” foram considerados como tendo respondido incorretamente à questão para ser possível comparar o conhecimento sobre o item com o não conhecimento (indicado pela opção “não sabe” ou erro na questão). As opções de resposta foram apresentadas em uma escala de Likert de cinco pontos e as respostas foram agrupadas de forma a não diferenciar “concordo totalmente” de “concordo” e “discordo totalmente” de “discordo”. Participantes que assinalaram a opção “não concordo e nem discordo” foram considerados como tendo respondido incorretamente à questão.

Ressalta-se que a pesquisadora abordou o grupo-alvo pessoalmente e a coleta de dados foi realizada em lugar reservado, garantindo a privacidade e preservando a identidade dos participantes. Os dados foram coletados de maio a julho de 2018. As entrevistas duraram, em média, 20 minutos.  

Os questionários foram conferidos, sendo digitados por duas pessoas de forma independente, a fim de garantir a confiabilidade no acervo dos dados. Para evitar vieses no processo de categorização das respostas abertas, essa etapa foi desenvolvida também, de maneira independente, por dois profissionais. Os resultados foram comparados, discutidos e categorizados por consenso.

Para análise e interpretação dos dados, foi criado um Índice de Compreensão das Informações do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (IC), definido como a porcentagem de acerto em 36 questões fechadas sobre as informações apresentadas no TCLE, variando de 0% a 100%. A criação do IC teve como objetivo expressar a compreensão global do participante sobre as informações contidas no TCLE. O nível de compreensão dos participantes foi categorizado da seguinte forma: baixo (<25% de acerto), moderado-inferior (≥25% e <50% de acerto), moderado-superior (≥50% e <75% de acerto) e alto (≥75% de acerto). Um percentual de acerto igual ou superior a 75% foi considerado como satisfatório/adequado, demonstrando compreensão satisfatória das informações para uma decisão autônoma do participante(7).

As variáveis categóricas foram apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas e as variáveis numéricas por meio de média ± desvio-padrão e mediana (1.º quartil – 3.º quartil). Para avaliação da normalidade, as variáveis numéricas foram submetidas ao teste de normalidade de Shapiro-Wilk e à inspeção do histograma. Para a comparação do Índice de Compreensão entre variáveis binárias, adotou-se o teste de Mann-Whitney. Entre variáveis com três ou mais níveis, o teste de Kruskal-Wallis foi adotado. A correlação entre a idade e o Índice de Compreensão foi avaliada por meio do Coeficiente Correlação de Spearman. As análises foram realizadas no software R versão 4.0.3, adotando-se um nível de significância estatística de 5% (p≤0,05).

O estudo seguiu os passos recomendados pelo guia Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(18). Todas as normas e diretrizes para a condução de pesquisas envolvendo seres humanos foram seguidas. Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, conforme parecer consubstanciado n.º 2.161.629 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n.º 66360017.0.1001.0068.

 

RESULTADOS

A maioria dos participantes era do sexo feminino (57,4%), com ensino superior incompleto ou em curso (52,5%). A média de idade dos participantes foi de 25,9 anos (DP: ±4,3). Os 16,8% eram casados e os 47,5% declararam trabalhar fora de casa. Todos relataram ter acesso à internet, mais da metade (58,4%) declarou possuir o hábito de assistir à televisão e aproximadamente um quarto (24,8%) já foi voluntário em outras pesquisas clínicas anteriormente (Tabela 1).

 

Tabela 1 – Distribuição por categorias das variáveis sociodemográficas em frequências absoluta e relativa. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2018

Variáveis

Estatística

n (%)

Sexo

 

 

Feminino

58 (57,4)

Masculino

43 (42,6)

Escolaridade

 

Ensino Médio

8 (7,9)

Ensino Superior Incompleto/em curso

53 (52,5)

Ensino Superior Completo

30 (29,7)

Pós-graduação em curso

10 (9,9)

Idade

25,9 ± 4,3*

Estado civil – casado

17 (16,8)

Trabalha fora

48 (47,5)

Assiste à Televisão

59 (58,4)

Uso de Internet

101 (100,0)

Internet – dias/semana

6,9 ± 0,5*

Participou de outras pesquisas

25 (24,8)

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

*Média ± desvio-padrão

 

Na Tabela 2, apresentam-se os resultados relacionados à voluntariedade e atitude da participação dos sujeitos na pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus.

 

Tabela 2 – Distribuição das respostas nas questões que avaliaram a voluntariedade e atitude da participação na pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2018

Questão

Sim

n (%)

Não

n (%)

Não sabe

n (%)

Voluntariedade

Você se sentiu pressionado(a) a participar da pesquisa?

0 (0,0)

101 (100,0)

0 (0,0)

Você decidiu sozinho participar da investigação?

99 (98,0)

2 (2,0)

0 (0,0)

Alguém pode decidir por você em relação a participar da investigação?

0 (0,0)

100 (99,0)

1 (1,0)

Se você sair da pesquisa, perderá algum benefício?

21 (20,8)

75 (74,3)

5 (5,0)

Você pode ter algum problema caso decida sair da pesquisa?

1 (1,0)

100 (99,0)

0 (0,0)

Você se sentiu ansioso em relação à decisão de participar?

13 (12,9)

88 (87,1)

0 (0,0)

Você se arrependeu de sua decisão?

1 (1,0)

99 (98,0)

1 (1,0)

Atitude

Você sentiu medo em participar da pesquisa?

10 (9,9)

91 (90,1)

0 (0,0)

Participar deste estudo pode contribuir para melhorar a sua saúde?

57 (56,4)

35 (34,7)

9 (8,9)

Todos os pesquisadores são também médicos?

19 (18,8)

60 (59,4)

22 (21,8)

Participar da pesquisa pode ajudar outras pessoas no futuro?

101 (100,0)

0 (0,0)

0 (0,0)

Você se sente especial por ser um voluntário da pesquisa?

65 (64,4)

35 (34,7)

1 (1,0)

Você confia nos pesquisadores?

100 (99,0)

0 (0,0)

1 (1,0)

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

 

Na Tabela 3, apresenta-se a porcentagem de acerto das questões sobre a pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus e o conhecimento sobre a doença, os objetivos, os benefícios e procedimentos do estudo, os riscos/efeitos adversos e os direitos dos participantes da pesquisa.  

 

Tabela 3 – Porcentagem de acerto das questões sobre as informações da pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus disponíveis no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2018

Questões

Acertos n (%)

1. Você pode estar infectado pelo Zika e não saber? (S)

43 (42,6)

2. A Zika é transmitida pelo mosquito infectado? (S)

98 (99,0)

3. É improvável que uma pessoa que já tenha sido infectada pelo vírus seja infectada novamente? (S)

31 (30,7)

4. A Zika pode ser transmitida por meio da relação sexual desprotegida? (S)

42 (41,6)

5. Na região que você mora há chance de se pegar o vírus da Zika? (S)

78 (77,2)

6. Toda pessoa com Zika precisa ir ao hospital para se tratar? (N)

30 (29,7)

7. Uma pessoa muito raramente pode morrer com a doença? (S)

82 (81,2)

8. A Zika pode acarretar complicações, como uma fraqueza muscular (síndrome de Guilain Barré)? (S)

92 (91,1)

9. Existe cura para a infecção por Zika? (N)

55 (54,5)

10. O objetivo da pesquisa é curar as pessoas infectadas por Zika? (N)

98 (97,0)

11. O objetivo da pesquisa é testar uma vacina para prevenir a Zika? (S)

99 (98,0)

12. Neste estudo estão sendo avaliadas a segurança e a eficácia da vacina? (S)

98 (97,0)

13. O objetivo da pesquisa Zika é melhorar a saúde dos participantes (DT/D)

87 (86,1)

14. Você receberá apenas uma dose da vacina? (N)

97 (97,0)

15. Durante as visitas de administração do produto (vacina), todos receberão a mesma vacina? (N)

92 (91,1)

16. Você pode adoecer pelo Zika ao receber a vacina? (N)

70 (69,3)

17. A vacina que você irá receber será de acordo com seu estado de saúde (DT/D)

72 (71,3)

18. O participante de pesquisa poderá saber qual vacina está recebendo durante o ensaio clínico (DT/D)

95 (94,1)

19. Ao receber a vacina, você se torna imune ao Zika? (N)

64 (64,0)

20. Há riscos em participar da investigação? (S)

66 (65,3)

21. Você pode ter efeitos adversos ao receber a vacina? (S)

90 (89,1)

22. O pesquisador não incluiria um participante na pesquisa se houvesse algum risco (DT/D)

6 (5,9)

23. Os pesquisadores conhecem todos os efeitos colaterais da vacina? (N)

58 (57,4)

24. O pesquisador pode diminuir a chance de o participante de pesquisa apresentar efeitos colaterais (DT/D)

68 (67,3)

25. O pesquisador pode lhe dizer que a participação nesta pesquisa pode ter menos riscos do que realmente possui (CT/C)

7 (6,9)

26. Existe alguma chance de sua condição de saúde piorar ao participar da pesquisa Zika (CT/C)

34 (33,7)

27. Há benefícios em participar da investigação? (N)

10 (9,9)

28. O principal motivo pelo qual as pessoas foram convidadas para participar da pesquisa Zika é para que elas possam se beneficiar de um tratamento especial (DT/D)

88 (87,1)

29. Participar de uma pesquisa clínica pode melhorar sua qualidade de vida (DT/D)

30 (29,7)

30. Participar da pesquisa Zika pode trazer benefícios subjetivos para você (DT/D)

21 (20,8)

31. Participar da pesquisa Zika pode melhorar as suas atividades do dia a dia (DT/D)

60 (59,4)

32. O pesquisador pode aumentar a chance de você possuir benefícios ao participar da pesquisa sobre Zika (DT/D)

86 (85,1)

33. O pesquisador pode dizer que a participação em uma pesquisa oferece mais benefícios do que realmente poderia propiciar (DT/D)

87 (86,1)

34. Você pode comunicar ao pesquisador caso fique doente? (S)

101 (100,0)

35. Você pode sair da pesquisa a qualquer momento? (S)

96 (95,0)

36. O bem-estar do participante é aspecto importante a ser considerado durante a pesquisa (CT/C)

100 (99,0)

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

Nota: Respostas corretas: (S) – Sim, (N) – Não, (DT/D) – Discordo totalmente ou discordo, (CT/C) – Concordo totalmente ou concordo; domínios relacionados com a pesquisa clínica de vacina avaliados: conhecimentos sobre o Zika – itens 1 a 9; objetivos – itens 10 a 13; procedimentos do estudo – itens 14 a 19; riscos/efeitos adversos – itens 20 a 26; benefícios – itens 27 a 33; direitos do participante – itens 34 a 36.

 

A Tabela 4 apresenta o Índice de Compreensão das Informações, que consiste na porcentagem de acertos dos participantes da pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus nas questões relativas às informações apresentadas no TCLE. Observa-se que os participantes tiveram, em média, 66,9 ± 9,6 de acertos e somente 23 (22,8%) apresentaram nível “satisfatório/adequado” de compreensão das informações (≥ 75,0%).

 

Tabela 4 – Análise do Índice de Compreensão das Informações do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes da pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2018

Estatística

Índice de Compreensão

Média ± desvio-padrão

66,9 ± 9,6

Mediana (1º quartil – 3º quartil)

66,7 (61,1 – 72,2)

Mínimo – máximo

41,7 – 88,9

Classificação

 

Baixo

0 (0,0%)

Moderado-inferior

4 (4,0%)

Moderado-superior

74 (73,3%)

Alto

23 (22,8%)

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

Nota: o nível de compreensão dos participantes foi categorizado em “Baixo”, “Moderado-Inferior”, Moderado-Superior” e “Alto”, de acordo com a porcentagem de acerto nas questões. Os intervalos foram definidos como [<25%], [≥ 25% e <50%], [≥ 50% e <75%] e [≥ 75%] de acerto, respectivamente.

 

Comparando o Índice de Compreensão entre as variáveis sociodemográficas, o índice foi estatisticamente significativo entre os participantes casados e que tinham se voluntariado em pesquisas anteriores. Embora não tenham atingido significância estatística, os participantes do sexo masculino com pós-graduação em curso e que trabalham fora de casa tenderam, também, a obter maiores médias de compreensão. Não houve correlação significativa entre a idade e o Índice de Compreensão (ρ=0,100; p=0,320). Os resultados detalhados podem ser observados na Tabela 5.

 

Tabela 5 – Comparação das variáveis sociodemográficas com o Índice de Compreensão das Informações do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2018        

Variáveis

Índice de Compreensão

Valor-p

Média ± desvio-padrão

Mediana (1º Q – 3º Q)*

Sexo

 

 

0,469

Feminino

66,4 ± 10,2

66,7 (58,3 – 72,2)

 

Masculino

67,6 ± 8,9

69,4 (61,1 – 72,2)

 

Escolaridade

 

 

0,355

Ensino Médio

66,2 ± 13,0

66,2 (58,3 – 73,6)

 

Ensino Superior Incompleto

66,3 ± 7,8

66,7 (61,1 – 72,2)

 

Ensino Superior Completo

66,4 ± 10,3

66,7 (59,0 – 72,2)

 

Pós-graduação em curso

72,2 ± 13,2

72,2 (67,4 – 80,6)

 

Estado civil

 

 

0,028

Solteiro

65,9 ± 9,5

66,7 (58,3 – 72,2)

 

Casado

72,0 ± 9,0

72,2 (63,9 – 75,0)

 

Trabalho fora de casa

 

 

0,740

Sim

67,4 ± 10,7

69,0 (58,3 – 72,9)

 

Não

66,5 ± 8,6

66,7 (61,1 – 72,2)

 

Assiste à televisão

 

 

0,753

Sim

67,0 ± 8,7

63,9 (61,1 – 72,2)

 

Não

66,9 ± 11,0

69,4 (58,3 – 74,3)

 

Participou de outras pesquisas

 

 

0,039

Sim

69,9 ± 9,5

72,2 (63,9 – 77,8)

 

Não

66,0 ± 9,5

66,7 (58,3 – 72,2)

 

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

Nota: *Mediana (1.º quartil – 3.º quartil); Teste de Mann-Whitney; Teste de Kruskal-Wallis.

 

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo evidenciaram que a maioria dos participantes da pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus assinou o TCLE sem o conhecimento suficiente das informações da pesquisa. Tal conclusão é apoiada pelo fato de menos de um quarto dos participantes terem obtido nível “satisfatório/adequado” de compreensão global das informações disponíveis no TCLE, ou seja, um percentual de acerto [≥ 75%]. Embasados na literatura, os autores do presente estudo destacam que é crucial a compreensão adequada das informações pelos participantes de pesquisas clínicas, de forma a propiciar uma tomada de decisão voluntária e autônoma(7, 16).

Fenômeno semelhante foi observado em estudos de outros países(12,13). Pesquisa realizada na Índia(19), que teve como objetivo avaliar a qualidade do consentimento informado entre participantes de ensaios clínicos de câncer, evidenciou que a média de respostas corretas foi de 60,46%. Esse resultado aproxima-se do encontrado em uma revisão sistemática, a qual identificou que a proporção de participantes de ensaios clínicos que entenderam diferentes componentes do consentimento informado variou de 52,1% a 75,8%(10). Tais achados sinalizam que, apesar dos avanços na área, o problema da incompreensão se mantém constante em diferentes cenários(4,14).

Por outro lado, a maioria das investigações sobre a temática realizadas no Brasil tem apontado percentual de acerto inferior ao encontrado neste estudo. Uma possível explicação para isso é que o presente estudo contou com pessoas que apresentavam, em sua maioria, nível superior de educação. Similarmente, observou-se uma média de acertos muito próxima ao encontrado nesta pesquisa em outro ensaio clínico de vacina(7), realizado no Brasil, cuja amostra foi composta, majoritariamente, de pessoas com nível superior de educação. O nível de escolaridade dos participantes tem sido apontado como uma das principais características sociodemográficas individuais que pode influenciar a compreensão(6).

É interessante refletir que, apesar de todas as informações sugeridas pelas normas e diretrizes nacionais e internacionais terem sido incluídas no documento de consentimento da pesquisa clínica de vacina desta pesquisa, muitos participantes apresentaram compreensão limitada de elementos cruciais presentes no TCLE, como potenciais riscos/efeitos adversos e benefícios. Ressalta-se que o termo informava que não haveria benefício terapêutico para o partícipe e que existiam riscos à saúde, ainda desconhecidos pelos pesquisadores, inclusive, de vida e integridade física do participante(17,20).  

Além disso, no presente estudo, as contradições em que incorreram os participantes quando desafiados para expressar conceitos essenciais da pesquisa, como os riscos, efeitos adversos e benefícios em contextos distintos, sinalizam para uma possível reprodução e memorização das informações ao invés da sua real compreensão.

Embora a maioria dos pesquisadores acreditem ser importante testar a compreensão do consentimento informado dos participantes do estudo(9), há questionamentos sobre quão pode ser difícil distinguir entre compreensão e recordação (memória) das informações do ensaio. Ademais, assim como em estudos anteriores, a assinatura do documento de consentimento também não garantiu a expressão tomada de decisão autônoma pelos participantes(7,17,20).

Nesse sentido, esses achados, tal como em outras investigações(13,14,17), são preocupantes, uma vez que a falta de compreensão mina um dos pilares éticos da prática contemporânea de pesquisas clínicas envolvendo seres humanos. Além disso, abre espaço para questionamentos, como o que se refere à questão de saber se realmente há o envolvimento genuinamente voluntário dos participantes na tomada de decisão em um processo de consentimento.

Este estudo revela que o nível de compreensão esteve associado significativamente com os seguintes fatores: ser casado e possuir experiência prévia em outras pesquisas. Reflete-se acerca do fato de que a participação em pesquisas anteriores pode promover contato com conceitos próprios desse campo de saberes e, dessa forma, facilitar o entendimento das informações. Não foram encontradas evidências anteriores de que haveria diferenças entre estados civis. Entretanto, ao analisar o perfil dos participantes, provavelmente, o estado civil foi significativo devido ao fato de os participantes casados serem mais velhos e possuírem maior nível de escolaridade. Pelos dados, embora a idade e a escolaridade não tenham sido significativas de modo isolado, em conjunto poderão indicar um perfil diferente de participantes com maior nível de compreensão.

Sendo assim, é possível que o resultado aqui apresentado esteja refletindo o nível elevado de escolaridade de um pequeno grupo, e não uma diferença devida ao estado civil. Os resultados deste estudo demonstram que não houve correlação entre compreensão e a idade, bem como não foram encontradas diferenças significativas quando os grupos foram separados por sexo, achados consistentes com a literatura(11).  

No que tange à atitude e voluntariedade, observou-se que a maioria escolheu participar do estudo para beneficiar as pessoas e a ciência. Esse padrão pode estar associado ao fato de grande parcela dos participantes terem se voluntariado em pesquisas prévias, o que expressa prestígio em relação aos laços de solidariedade pelo seu alto nível de escolaridade, fatores que podem ter contribuído para a compreensão do sentido do progresso e experimentação científica e da escolha de participar.

Por outro lado, esses resultados divergem de estudos nacionais e internacionais. Um estudo brasileiro, por exemplo, indicou a busca pelo tratamento médico como principal fator que influenciou a participação(8). Já nos Estados Unidos, altos percentuais citaram a possibilidade de ajudar os outros e receber uma compensação monetária(16). Comumente, participantes em desvantagem socioeconômica confundem o objetivo científico da pesquisa com a prestação de serviços e cuidados de saúde(8,14,16).  

Embora praticamente todos os participantes tenham respondido positivamente à questão de estar satisfeitos com as informações disponibilizadas no TCLE, alguns afirmaram ter assinado o documento com dúvidas, fator condizente com outros estudos(12). No entanto, a expressão da dúvida é um importante aspecto relacionado com as atitudes dos participantes, que podem influenciar a qualidade do consentimento informado(16). A literatura tem sugerido que o sentimento de confiança implícita dos participantes em relação aos pesquisadores e às instituições responsáveis pelas pesquisas pode ser um fator que explica esse achado(16,20). Além disso, no presente estudo, o alto nível de escolaridade dos participantes pode estar associado à sua hesitação em fazer perguntas ou à tendência em superestimar o próprio nível de compreensão.

A noção equivocada de que a participação no ensaio clínico pode contribuir para melhorar o estado de saúde é um aspecto que pode influenciar a voluntariedade. Esses achados são consistentes com os resultados(7,11,16) anteriores sobre a qualidade do processo de consentimento informado em ensaios clínicos. Essa crença pode tornar os participantes menos críticos quanto aos aspectos da pesquisa. Nesse sentido, o consentimento informado deve ser visto também como processo educativo e não somente como processo normativo e legal(11).

Consideram-se como limitações do estudo o delineamento transversal, que impossibilita a identificação de relações de causalidade entre as variáveis analisadas, o pequeno tamanho amostral e o fato de a coleta de dados ter sido realizada apenas em um centro de pesquisa, já que o ensaio clínico era multicêntrico, com participantes de dois estados brasileiros (Minas Gerais e São Paulo) e de outros oito países, o que restringe a validade externa dos resultados. Tais fatores impossibilitaram a generalização dos dados obtidos.   

Por outro lado, os resultados desta pesquisa têm potencial de contribuir para a área da ética em pesquisa e fornecer uma visão ampliada quanto às principais lacunas na compreensão das informações disponíveis no documento de consentimento em pesquisa clínica de vacina no contexto brasileiro.

Em termos de pesquisa, sugere-se que novas pesquisas no contexto de ensaios clínicos de vacina sejam realizadas, principalmente com participantes com menor nível de escolaridade, uma vez que a limitação da compreensão destes pode ser exponencialmente superior. Além disso, de acordo com o que foi observado(7,11-17), melhores formas de comunicar as informações do documento de consentimento ou medidas adicionais para favorecer o entendimento precisam ser encontradas para proteger os direitos dos participantes de pesquisa clínica, principalmente em populações vulneráveis.

 

CONCLUSÃO

O estudo revelou importantes limitações na compreensão dos participantes da pesquisa clínica de vacina contra o Zika vírus sobre elementos essenciais apresentados no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o que não garantiu a expressão da autonomia de todos os participantes. Diante disso, são necessárias adaptações e melhorias nos processos de consentimento informado em prol da sua validade.

 

*Artigo extraído da tese de doutorado “Compreensão do consentimento informado em pesquisa clínica: uma proposição de conceito”, apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

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Submissão: 19/07/2021

Aprovado: 22/06/2022

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Vieira VFM, Reis CMR, Marinho RC, Bethony MFG

Obtenção de dados: Vieira VFM, Bethony MFG

Análise e interpretação dos dados: Vieira VFM, Reis CMR, Marinho RC, Bethony MFG

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Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Vieira VFM, Reis CMR, Marinho RC, Silva RS, Cecilio SG, Bethony MFG

 

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