The practice of teaching and learning about nursing management based on Freire’s methodology

 La práctica de enseñar y aprender administración en enfermería en base de la metodología freireana

 A prática do ensinar e aprender administração em enfermagem com base na metodologia freireana

 Dirce Backes*, Alacoque Erdmann*, Maria da Silva*, Marta do Prado*

*UFSC, SC, Brasil

 

Abstract:  Educational practices have been increasingly facing new ethical challenges and dilemmas that originate in the biotechnological process. The article relates a collective-constructive experience based on Freire’s method, of a methodological and theoretical model about the nurse’s management with a group of student enrolled in a Nursing Management course, during its practical phase. The results pointed to the importance of team work in the health area, the importance of the nurse’s role as a mediator and team leader, and also to the user/patient viewed within a relationship of equality and interactivity with all of the professionals that are part of the health team.

Keywords: Nursing; Education; Organization and Management 

Resumen: Las prácticas educativas si están parecidos, cada vez más, con nuevos desafíos y dilemas éticos derivados del proceso biotechnological. En base del método freireano, el artículo ten por lo objetivo relatar una experiencia de la construcción colectiva de un modelo teórico-metodológico sobre la administración del enfermero, con un grupo de académico de la disciplina de la administración de la enfermería durante la fase práctica. Los resultados señalan para la importancia del trabajo del equipo en salud, la importancia del papel de la enfermera enquanto mediadora y líder del equipo y, finalmente, para el usuario/paciente visibilizado a partir de una relación de la igualdad e interatividade con todos los profesionales que integran a equipo de la salud.

Palabras-Clave: Enfermería; Educación; Organización y Administración

 Resumo: As práticas educativas se deparam, crescentemente, com novos desafios e dilemas éticos oriundos do processo biotecnológico. Com base no método freireano, o artigo tem por objetivo relatar uma experiência construtivo-coletiva de um modelo teórico-metodológico sobre a administração do enfermeiro, com um grupo de acadêmicos da disciplina de Administração em Enfermagem durante a fase prática. Os resultados sinalizam para a importância do trabalho de equipe em saúde, a importância do papel do enfermeiro enquanto mediador e líder da equipe e, por fim, para o usuário/paciente visibilizado a partir de uma relação de igualdade e interatividade com todos os profissionais que integram a equipe de saúde.

Palavras-Chave: Enfermagem; Educação; Organização e Administração 

Introdução

As práticas educativas se deparam, crescentemente, com novos desafios e dilemas éticos oriundos do processo tecnológico e biotecnológico. Face à complexidade destes novos objetos de reflexão, a educação necessita ampliar o conhecimento para além da capacidade intelectual do indivíduo e para além do próprio campo de interesse. Cabe ao educador assumir, efetivamente, uma atitude mediadora, de (re)pensar e estimular práticas alternativas de inserção do individuo na sociedade de forma responsável e comprometida.

A fim de compreender o espaço formativo e contemplar a realidade do “mediador/educador” e do “sujeito em formação” e na expectativa de aproximar olhares diferentes por meio do compartilhamento de saberes, o artigo objetiva relatar uma experiência prática que buscou aproximar educação e saúde no contexto hospitalar. De outro modo, o texto reflete a prática do estágio de docência com um grupo de alunos da sétima fase da disciplina teórico-prática de Administração em Enfermagem – do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Santa Catarina, possibilitado pelo processo de (des)construção de conceitos acerca das concepções de professor, aluno, conteúdo que estão internalizadas e constituintes da formação e prática profissional.

Assim, com base no método freireano, o artigo tem por objetivo relatar uma experiência construtivo-coletiva de um modelo teórico-metodológico sobre a administração do enfermeiro, com um grupo de acadêmicos da disciplina de Administração em Enfermagem durante a fase prática. 

Ampliando o conceito de educação e saúde a partir dos sujeitos e suas histórias

A educação, enquanto prática social vai muito além do transmitir e repassar conhecimentos específicos. Para ampliar a discussão acerca da temática recorreu-se, inicialmente, à literatura para compreender o significado das expressões ensinar e educar. Verificou-se, portanto, que ambos os conceitos possuem conotações diferentes. Enquanto o termo ensinar se limita à transmissão de conhecimentos, informações ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação, a educação envolve um processo dinâmico e sistemático de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e comportamental do ser humano, visando à sua melhor integração individual e social1.

A educação, diferentemente do ensinar, visa conduzir para fora e aprimorar não apenas conhecimentos cognitivos lineares, mas comportamentos e atitudes humanas. A lógica do ensinar busca, em síntese, instruir o ser humano baseado em referenciais e/ou modelos hegemônicos e cartesianos, isto é, centrado fortemente na relação sujeito-objeto. Compreender a lógica do outro - sujeito envolve uma atitude profundamente humana e ética por parte do educador/mediador. É preciso ampliar a discussão fazendo uma comparação da postura ética dos profissionais do campo da saúde e do campo da educação, conforme reflete a fala:

Para os profissionais em saúde é vital uma postura ética, além de uma dimensão de materialidade, pois lidam com a perda, com a morte física. A dimensão da imaterialidade da ética, no campo da educação, evidencia-se pela morte simbólica das potencialidades criativas e criadoras dos sujeitos; o seu reconhecimento é um terreno movediço, de difícil acesso, já mesmo quando julgamos a partir da relação-aluno-conteúdo1:360

Pensar a educação no campo da saúde significa, portanto, (re)pensar o processo educativo formal e informal. Significa, em outras palavras, (re)pensar as práticas pedagógicas que, em muitos casos resultam na mutilação e/ou fabricação do indivíduo dentro de aparatos tecnológicos tanto teóricos quanto terapêuticos. As práticas pedagógicas são estratégias nas quais se produz ou se transforma as experiências que as pessoas têm de si e a partir de si mesmas, estabelecendo uma relação reflexiva do educando com o seu mundo interior e com o mundo que o rodeia2. Não se trata, aqui, de modelar comportamentos e/ou atitudes, nem tampouco de doutrinar o indivíduo baseado em critérios valorativos, mas em fazer das práticas educativas e de saúde, sejam eles teóricas ou terapêuticas, espaços de possibilidades ou oportunidades favoráveis para o desenvolvimento da autoconsciência, da autonomia ou da autodeterminação.

            As diretrizes educacionais vêm sinalizando para uma mudança paradigmática na formação, principalmente ao considerarem a formação crítica dos sujeitos, capazes de aprender a aprender, de estabelecer relações intersubjetivas e de levar em a conta a complexidade dos problemas sociais3. As disciplinas necessitam, no entanto, avançar para um projeto pedagógico coletivo, centrado no indivíduo como sujeito da aprendizagem e no professor como mediador do processo de formação.

A idéia de conteúdos transversais adquire, nesse contexto, um significado essencial para a sobrevivência das próprias disciplinas. As disciplinas, de modo geral, necessitam transitar pelas práticas e relações cotidianas do saber institucionalizado e, a partir destas, fomentar alternativas coletivas de compreensão das forças antagônicas de ordem/desordem, parte/todo, sujeito/objeto a fim de alcançar um sistema complexo de relações, interações humanas. Assim como a vida, a educação é “um feixe de qualidades emergentes resultantes do processo de interações e da organização entre partes e o todo, capaz de retroagir sobre as partes, interações, processos parciais e globais que o produziram”4:262.

            As práticas pedagógicas estabelecem, à luz do pensamento complexo, um movimento de múltiplas relações e interações circulares e dinâmicas. Um movimento que compreende, portanto, a competência do saber (conteúdo), do saber-fazer (metodologia), e do saber-ser (político, ético, estético). As práticas pedagógicas, sob este olhar, ampliam a visão de mundo do educador e educando, abrindo espaços para os princípios da autonomia, da descentralização e da participação1.

Paulo Freire5 buscou incansavelmente novas formas utópicas desde os pressupostos da Pedagogia do Oprimido, influenciando uma série de educadores críticos com a possibilidade de promover a inclusão dos diferentes atores sociais. A construção da subjetividade se dá na concepção freireana através do processo dialógico-reflexivo no coletivo. Neste, o homem se torna sujeito e se auto-desenvolve a partir da reflexão e do diálogo sobre seu ambiente, isto é, sobre a sua situação concreta. O diálogo entendido não somente como ouvir o outro, mas também como forma de interação e problematização da situação existencial, para uma possível transformação da realidade pessoal e social5,6.

Mizukami7, ao escrever sobre os pressupostos e idéias de Paulo Freire, enfatiza que o ser humano se constrói e chega a ser sujeito ativo e interativo na medida em que, integrado e comprometido com a sua realidade concreta, reflete e dialoga sobre ele e com ele se compromete, tomando consciência de sua historicidade. Zancanaro8 complementa a idéia enfatizando que existe um único caminho para a compreensão do homem que é entender a sua obra para compreender a ele próprio e todos os produtos de sua cultura.

Compreender o homem a partir das circunstâncias que o cercam envolve um processo de subjetivação progressiva. O ser humano sentir-se-á engajado e comprometido com o processo de transformação da realidade, ao perceber-se sujeito ativo, criativo, dialógico e crítico, a partir de conteúdos significativos e a utilização de metodologias participativas e mobilizadoras capazes de revelar o potencial subjetivo e transformador dos sujeitos envolvidos no processo9,10. As concepções freireanas, no processo de subjetivação e conscientização, apontam no sentido de que educadores e educandos, de forma lenta, mas contínua e sistemática, reflitam sobre o cotidiano, oportunizando a partilha de suas experiências e expectativas e, no espaço coletivo, possam crescer, sentir-se valorizados e responsáveis pela inovação e melhoria continua das práticas sociais. Valorizado enquanto autor e co-autor do seu próprio desenvolvimento e desafiado a romper com as barreiras internas, o ser humano não representará mais um número e/ou uma peça de engrenagem no complexo sistema social, mas sentir-se-á comprometido na defesa das causas sociais e no firme propósito de transformá-las. 

Metodologia

Trata-se de uma atividade denominada Estágio de Docência realizada pela aluna do Doutorado em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC acompanhada pelas docentes Orientadora e Supervisora responsáveis pelo ensino teórico-prático desta disciplina de Administração em Enfermagem mediante um plano de ensino elaborado e aprovado para esta finalidade. O Estágio de Docência tem como objetivo oportunizar a participação em atividades de docência de nível médio, graduação ou pós-graduação, favorecendo a experimentação de novas metodologias/tecnologias de ensino e aprendizagem. O exercício da docência com alunos da graduação propicia o desenvolvimento de competências específicas e necessárias à formação docente. Como afirmam Reibnitz e Prado11, ser professor requer mais do que ser bom profissional. Para ser professor/educador, são necessárias competências específicas que vão além das competências requeridas para um bom enfermeiro. È necessário reconhecer a intencionalidade na formação de educadores em enfermagem e superar os desafios aí implicados.

Na disciplina "Administração em enfermagem", o acadêmico é estimulado a aplicar e a integrar os conhecimentos já experenciados, a priori, a partir de uma proposta do papel gerencial do enfermeiro nos diferentes espaços da saúde e sociedade. São relevantes, nessa etapa, a discussão e a assimilação do método que compõe e dá sustentação à prática do enfermeiro. Esta nova prática está inserida dentro de um contexto em que o nível coletivo é preponderante sobre o individual. A função gerencial é estimulada, nessa fase, como uma atividade coletiva, democrática e que inclui uma relação de "pensar junto" e de "fazer junto" e não unicamente como atividade de chefia que detém o saber, numa relação de dominação, ou seja, numa relação em que o enfermeiro pensa e planeja e os demais da equipe apenas executam.

A escolha por uma metodologia participativa capaz de compreender as diferenças individuais, a capacidade criativa e criadora dos alunos/formandos na prática hospitalar e responder às diferentes interrogações advindas das aulas teóricas e de experiências práticas vivenciadas, a priori, não se constituiu em uma tarefa fácil. A metodologia problematizadora de Paulo Freire, baseada no processo dialógico-reflexivo, na sensibilização e no desenvolvimento de dinâmicas coletivas, foi adotada por possibilitar a construção de um modelo teórico-metodológico sobre a administração do enfermeiro consoante à ementa da disciplina “Administração em Enfermagem e Saúde” na sua fase teórico-prática.

Apoiadas no referencial de Paulo Freire, a construção do aprendizado prático pautou-se no uso de relatos de experiências e na imagem como mediação entre o auto-conhecimento e o conhecimento consciente e inconsciente. Assim, no primeiro encontro (maio/2006), os participantes (seis alunos da sétima fase da disciplina de Administração em Enfermagem, que constituíram um grupo de estágio) foram instigados a demonstrar a sua experiência sobre administração/gerenciamento em enfermagem, por meio de uma imagem que, a seguir, foi problematizada. Levou-se em conta, nesse processo, a realidade pessoal como fonte legítima de produção do conhecimento. Ressalta-se, que todos os alunos do grupo consentiram em participar livremente da experiência e que o termo de consentimento não foi solicitado por ser essa uma experiência com ênfase no processo.

O uso da imagem foi estimulado como forma de representação da aprendizagem sobre os conceitos e experiências sobre administração de cada um dos participantes e com o propósito de explorar novas possibilidades de expressar e subjetivar o mundo interior. A imagem é produto e processo de expressar a experiência de vida e “significa a complexidade na articulação das polaridades constituintes do eixo do compreender o ser humano"1:364. Sendo assim, adotou-se a técnica da imagem por ser uma forma singular de expressar a linguagem simbólica que atua no espaço intersubjetivo e pela capacidade de auxiliar na integração dos participantes. 

Análise e discussão dos resultados

Compreendeu-se ser fundamental, nesse processo, conhecer a historicidade dos participantes para entender as concepções de administração/gerenciamento em enfermagem incorporadas no percurso acadêmico e oriundo das representações sociais para, então, traçar a atividade pedagógica propriamente dita. Assim, na primeira atividade prática (primeiro encontro) os participantes representaram com criatividade e subjetividade a sua imagem sobre as concepções de gerenciamento em enfermagem. Demonstraram que no processo de construção pessoal-coletivo, o sujeito opera um movimento de desconstrução do que já foi produzido e a construção de novos significados para alcançar a compreensão do objeto.

A imagem representativa, subjetivada pelos participantes sinalizou, a priori, para o trabalho de equipe, demonstrando que a atuação do enfermeiro se amplia e completa na integração e compartilhamento com os demais profissionais da área da saúde. Apesar de algumas divergências, o usuário, nesse caso, ocupou o centro da imagem representada, por entenderem ser este a razão de ser e existir de um hospital.

A seguir, as representações traduzidas na imagem foram compartilhadas e problematizadas por meio do processo dialógico-reflexivo. Manteve-se o cuidado, em todas as etapas, de não inferir objetivamente no processo, para que o referencial em construção, se desse de forma gradativa, criativa e dinâmica. Os participantes foram informados e esclarecidos quanto ao método freireano bem como estimulados a participar ativamente da atividade a fim de ampliar e (re)significar coletivamente a compreensão do fenômeno em estudo.

Significar conceitos da prática, resgatar histórias e/ou outros eventos é segundo Nóvoa12 compreender como eu aprendo, como o outro aprende, como aprendemos a harmonia já existente na natureza. Reconstituir a história de vida e/ou modelos predeterminados pode ser considerado uma obra de arte, por requerer um processo criativo de desvelar-se para si e para o outro. De outro modo, o diálogo com a realidade histórica é pressuposto para um diálogo efetivo com a realidade concreta e uma poderosa força mobilizadora para detectar, problematizar e impulsionar a transformação dessa realidade no contexto profissional.

É importante reforçar, que para Freire5 a construção da subjetividade se dá, basicamente, através do processo dialógico-reflexivo no coletivo. O homem se torna sujeito através da reflexão e do diálogo sobre o seu ambiente, ou seja, sobre a sua realidade concreta, permitindo-lhe o seu próprio desenvolvimento. O processo dialógico-reflexivo busca, portanto, estabelecer um significado coletivo das inferências sociais, isto é, dos valores, crenças, hábitos e problemas que emergem das condições intersubjetivas. O ato de dialogar questiona, desafia e provoca um novo olhar sobre a situação existencial, sobre os valores, crenças e costumes9.

Assim, a primeira condição para que o sujeito possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir, o que se traduz em um compromisso para a mudança. Para que o educador possa assumir, efetivamente, uma prática comprometida com o ser humano-sujeito em formação, o mesmo deve ser capaz de refletir e desconstruir as barreiras históricas e culturais do ensino formal, baseado em modelos cartesianos e lineares fechados para a autodescoberta de si e do outro5.

No encontro subseqüente (segundo encontro), os participantes foram instigados a compartilhar as representações/concepções acerca da habilidade administrativa e/ou gerencial do enfermeiro. As vivências compartilhadas e problematizadas configuraram, de forma surpreendente, uma dimensão inovadora que retrata o enfermeiro como “mediador” do processo pessoal e gerencial na equipe/saúde. A habilidade de enxergar o outro como sujeito do seu próprio desenvolvimento e a equipe como fonte de renovação e retroalimentação intersubjetiva da autodescoberta, parece atribuir um novo significado ao papel gerencial do enfermeiro na prática hospitalar. Mesmo sabendo da realidade idealizada ainda estar longe de ser uma prática concreta, o enfermeiro necessita, crescentemente, articular educação e saúde e assumir uma postura critica que questione a sua realidade educacional na prática a fim de evitar processos cartesianos e lineares que empobrecem a complexidade do humano13.

            Os valores, normalmente, apontam o que é importante para nós. Os conflitos nas gestões gerenciais e de equipe, com freqüência surgem quando insistimos em afirmar que aquilo que é importante para nós deve também ser importante para o outro. Em cada profissional, no entanto, existem valores, intenções e interesses diferentes que provocam conflitos e/ou a riqueza do conhecimento; assim, o diálogo diminui a distância entre os diversos saberes. Gadotti14 entende que o diálogo não pode excluir o conflito sob a pena de ser um diálogo ingênuo. Acrescenta, ainda, que não se trata de um diálogo romântico entre sujeito e objeto, mas de um diálogo entre sujeitos com vistas à superação das diferenças e contradições.

            Para dar continuidade ao desenvolvimento do referencial de gerenciamento na enfermagem (terceiro encontro), os participantes foram estimulados a partilhar coletivamente as suas representações/concepções de liderança na enfermagem. Com facilidade, todos identificaram e sinalizaram situações concretas em que foi possível diferenciar o “enfermeiro líder” do “enfermeiro chefe”. Ficou assinalado que o enfermeiro líder é aquele que possui habilidades mediadoras auto-reflexivas e autocríticas, enquanto que o enfermeiro chefe está focado no processo gerencial linear e reducionista, ou seja, no processo como um fim em si mesmo. Neste último, fica evidente a prática pautada pelo saber tradicional, em que o profissional não reflete sobre a sua atuação na/com a equipe resultando na relação mecanizada sujeito-objeto.

            O processo de trabalho do enfermeiro nos diferentes espaços envolve o cuidar, o gerenciar e o educar e que possui como eixo transversal de suas ações a dimensão educativa, que inter-relaciona todo este processo15. É premente, que o enfermeiro assuma o processo educativo na prática, seja no compartilhamento do saber com a equipe de saúde, seja na relação com o paciente e/ou seja, no fomento de práticas critico-reflexivas de (re)construção do seu próprio processo de trabalho.

O método freireano propõe, a partir da problematização da realidade, uma visão crítica e reflexiva da prática dos profissionais possibilitando-os para uma nova práxis. Por meio de um movimento dinâmico de construção, busca realizar uma proposta de mudança de paradigmas para a conquista de um novo espaço e/ou um novo pensar16. É preciso compreender, no entanto, que a chave para o futuro está na capacidade de criar uma visão mobilizadora e problematizadora que leve as pessoas para um novo lugar14.

O ser humano chegará a ser sujeito e agente de mudança, por meio da ação-reflexão-ação sobre sua realidade concreta. Logo, quanto mais refletir sobre a sua realidade subjetiva, tanto mais tornar-se-á consciente e capaz de intervir na realidade objetiva e, dessa forma, transformá-la. Nesse processo de formação, o ser humano passa a ser sujeito e agente de mudança por meio da reflexão a respeito do ambiente e da sua situação concreta, o que lhe permite o seu próprio desenvolvimento e crescimento10.

Para que ocorra o compromisso educativo na realidade da saúde, especialmente nas práticas institucionalizadas, a realidade não pode ser percebida como objeto pronto, estático e imutável, isto é, caracterizado pela falta de desordem. A ação não pode incidir apenas sobre as partes e/ou o todo de forma linear, mas sobre as partes e o todo como unidade na diversidade. Não basta refletir sobre um determinado saber, como elemento isolado da totalidade, é preciso olhar para o todo e estabelecer um espaço de interação, neste caso, com todos os profissionais da equipe de saúde. É transformando a totalidade que se transformam as partes14. Assim, se o compromisso é realmente com o ser humano concreto, ele precisa compreender a realidade em profundidade, para nela encontrar soluções e possibilidades de engajamento com a dimensão intersubjetiva.

A atividade pedagógica proposta culminou (quarto encontro) com a representação de uma nova imagem da compreensão de administração e/ou gerenciamento em enfermagem a partir do que cada participante conseguiu apreender do processo em construção e da vivência prática da disciplina “Administração em Enfermagem e Saúde”. Aparentemente, a imagem representativa não sofreu alterações na sua forma e detalhamento operacional, se comparada à imagem representada no primeiro dia da atividade prática. Modificou, em síntese, a compreensão e disposição estrutural dos elementos da equipe e paciente que integram o modelo gerencial. Optou-se por estimular a construção de uma segunda imagem com o mesmo objetivo, por compreender que a imaginação do novo, parte daquilo que já existe, ou seja, um conhecimento aprofundado do referencial de administração na enfermagem somente seria possível com um conhecimento construído e problematizado a priori.

Enquanto na primeira representação o usuário/paciente estava colocado no centro da imagem, nesta última, o usuário/paciente está colocado numa posição de igualdade e interatividade com todos os profissionais que integram a equipe de saúde. Sendo sujeito do processo, o paciente não deve ser considerado, segundo os participantes, mais um e/ou como alguém diferenciado dos demais. Em outras palavras, deve ser considerado sujeito ativo e participativo, capaz de opinar, divergir e determinar o seu próprio percurso terapêutico. O paciente deve integrar ativamente a teia de relações e interações humanas que contornam as práticas de saúde nos diferentes espaços, conforme ilustra a imagem representativa a baixo.

Compreender o paciente como - inserido na teia de relações e interações - força a apreender saúde/doença sob um novo paradigma. A visão tradicional de “paciente” nos remete para a lógica da doença, do SER alienado, indefeso e incapaz de interagir ativamente no processo terapêutico, ou seja, representado, freqüentemente, como “objeto de trabalho”. É sabido que para transformar essa realidade é preciso romper com modelos de gestão cartesianos tanto no nível central como nos demais níveis organizacionais. Implica, em última análise, na adoção de políticas gerenciais voltadas, efetivamente, para o ser humano.

Inserido de modo consciente na equipe, o profissional da saúde constrói conjuntamente com o paciente-sujeito, o seu ser e agir através das múltiplas relações, interações e associações intersubjetivas. O ser humano deve ser entendido como um ser em processo de fazer-se numa teia interações complexas, desenvolvendo seus sentidos, atributos e potencialidades no compartilhamento com o outro. O processo dialógico-reflexivo é, portanto, a essência para o desencadeamento de um espaço coletivo, capaz de desenvolver uma atitude autocrítica e comprometida com o ser humano enquanto ator e sujeito.

Considerações finais

O processo educativo vai muito além do espaço escola formal. Ele está presente em todos os espaços coletivos, isto é, em todas as realidades em que a ação humana se manifesta, mesmo que na sua forma informal e/ou invisível. O espaço pedagógico não se esgota na sala de aula, mas se contextualiza nos espaços do mundo do trabalho, os quais se mostram ricos de experiências de aprendizagem e que necessitam da intervenção do professor/educador para constituir-se como tal11.

Sob este aspecto, a educação necessita ser apropriada enquanto compromisso social por todos os profissionais da saúde. Os crescentes avanços no campo da ciência e da biotecnologia requerem dos profissionais atitudes comprometidas e socialmente responsáveis. É fundamental, nesse contexto, que o enfermeiro reveja a coerência da sua prática a fim de promover uma nova racionalidade e intersubjetividade com as diferentes realidades e atores sociais.

A tentativa de construir um referencial gerencial pautado pela metodologia problematizadora, mostra a necessidade emergente de articular educação e saúde nos processos de trabalho. Os resultados demonstram que no processo de construção pessoal-coletivo, o sujeito opera um movimento de desconstrução do que já foi produzido e a construção de novos significados para alcançar a compreensão do objeto. Os participantes sinalizaram para a importância do trabalho de equipe em saúde. De outro modo, sinalizaram para o papel mediador do enfermeiro no processo gerencial na equipe, o papel da liderança e/ou a atitude auto-reflexiva e autocrítica e, por fim, para o usuário/paciente visibilizado a partir de uma relação de igualdade e interatividade com todos os profissionais que integram a equipe de saúde.

            A possibilidade de experenciar a prática docente junto com alunos de graduação de enfermagem permitiu, em suma, o desenvolvimento de competências específicas, especialmente, pelo exercício de uma prática reflexiva, favorecendo o redimensionamento dos papéis de aluno e professor. Assumir uma posição de mediador no processo de aprendizagem e estimular os alunos a atitudes protagonistas requer reconhecer-se como aprendiz, como diz Freire, independente da função que se desempenhe. Essa é uma atitude que somente se conquista na vivência do processo, o que significa dizer, que é preciso ousar e arriscar-se mesmo que isso implique em superar a incerteza e o medo de quem se aventura num caminho cuja trilha não é conhecida. 

Referências

1. Rosito MMB. Os modos do existir da bioética entre os saberes da saúde e da educação. O Mundo da Saúde 2005; 29(3):359-66.

2. Larrosa J. Tecnologias do eu e educação. In: Silva T, editora. O Sujeito da educação: estudos foucaltianos. Petrópolis: Vozes; 1994. p. 35-86.

3. Freire, P. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1979. 

4. Morin E. O método seis: Ética. Porto Alegre: Sulina; 2005.

5. Freire P. Pedagogia da autonomia: saber necessário à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1993.

6. Castro ES, Mendes PW, Ferreira MA. A interação no cuidado: uma questão na enfermagem fundamental. Esc Anna Nery R Enferm 2005;9(1):39-45.

7. Mizukami MGN. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU; 1986.

8. Zancanaro L. Bioética e Educação: um novo desafio para a escola. O Mundo da Saúde 2005; 29 (3):411-7.

9. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28a ed. São Paulo: Paz e Terra; 1996.

10. Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2000.

11. Reibnitz KS, Prado ML. Inovação e educação em enfermagem. Florianópolis: Cidade Futura; 2006.

12. Nóvoa A. Vidas de professores. 2a ed. Porto: Porto; 2000.

13. Morin E. A cabeça bem-feita. Repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2000.

14. Gadotti M. Pedagogia da Terra. São Paulo: Peirópolis; 2000.

15. Erdmann AL, Ramos FR, Reibnitz KS, Prado ML. Educação em Bioética: desafios para a formação crítico-criativa dos profissionais de enfermagem. O Mundo da Saúde 2005;29(3):418-24.

16. Santos SR, Moreira RC. The nurse's leadeship: challenges of the practice. Online Brazilian Journal of Nursing. OBJN 2004; 3 (3). Disponível em: URL: http://www.uff.br/objnursing/viewarticle.php?id=122&layout=html

Received Nov 3rd, 2006
Revised Jan 8th, 2007
Accept Feb 9th, 2007