EDITORIAL

 

Ensaios clínicos randomizados: porque precisamos nos apropriar deste método?

 

Eneida Rejane Rabelo-Silva1,2,4, Vanessa Monteiro Mantovani3, Marco Aurélio Lumertz Saffi4

 

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

2Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Programa de Acesso Vascular, Porto Alegre, RS, Brasil

3Hospital Moinhos de Vento, Responsabilidade Social, Porto Alegre, RS, Brasil

4Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Cardiologia e Ciências Cardiovasculares, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

 

 

Ensaios clínicos randomizados (ECRs) são estudos destinados a avaliar a eficácia de uma intervenção terapêutica ou profilática sobre um determinado desfecho. O ECR é considerado o padrão ouro para se testar os efeitos de um tratamento farmacológico, de uma ação educativa, de um exercício, de um cuidado, de um comportamento ou estilo de vida. Os efeitos testados podem incluir redução da taxa de mortalidade, morbidade, alívio de sintomas clínicos, melhora da qualidade de vida, melhora de capacidade funcional, ganho de conhecimento, mudança de comportamento, efeito em cicatrização, redução de parâmetros como peso, pressão arterial, perfil lipídico, glicemia, entre tantos outros desfechos que importam aos pacientes, aos indivíduos e à comunidade.

A complexidade envolvida na condução de ECRs exige dos pesquisadores extremo rigor científico, senso crítico, disciplina, organização, tempo e conhecimento aprofundado das diretrizes que embasam seu desenvolvimento. Enfermeiros são profissionais com uma capacidade de organização, disciplina e determinação exemplares, sendo estas características fundamentais para o planejamento, a condução, a execução e o sucesso de um ECR, portanto, podemos! Neste contexto, recomendamos para aqueles que ainda não experimentaram a orientação ou condução de um ECR, que se apropriem e estabeleçam como meta iniciar o quanto antes. A ciência precisa de estudos robustos e conhecimento baseado em evidência, e a nossa contribuição é necessária.

Na nossa prática, diariamente nos deparamos com processos assistenciais que não agregam à equipe, tampouco aos pacientes ou familiares, com cuidados que implicam em desgaste de tempo, de pessoal ou material. Equipes seguem protocolos que não são atualizados à luz das evidências por falta de tempo ou porque não há pessoas que se encorajem a modificá-los. Precisamos trazer a academia para dentro das instituições de saúde de forma "imersiva" para viver o dia-a-dia e, assim, questionar o ambiente, as pessoas e os processos. Muitas vezes este processo é conduzido de forma equivocada (na nossa opinião) da "academia" para dentro, e isto na prática não funciona. O aluno pesquisador, ou o professor orientador precisa viver o cenário ou contexto da investigação, porque é ali que residem as hipóteses e as questões de pesquisa mais interessantes e necessárias. Neste cenário propício testamos as hipóteses, e quando respondemos a uma questão de pesquisa, nascem novas dúvidas e deste modo, a dinâmica inerente a esse processo que chamamos de pesquisa se torna contínua, duradoura, evolutiva e emocionante(1).

Mas, por onde começar? Inicialmente queremos dizer que o caminho é um pouco mais fácil do que pode parecer. Sugerimos iniciar com a leitura de materiais que já temos disponíveis na literatura, como as diretrizes de evidências metodológicas do Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT), que englobam, entre outros documentos, uma lista de 25 itens a serem incluídos nos relatos dos ECRs(2). Seguir essa lista é importante desde a redação do projeto de pesquisa, pois permite que o próprio projeto seja construído no padrão recomendado, o que poderá nos auxiliar a evitar erros futuros na redação de relatórios. Então, a nossa primeira dica é: leiam muito. Também é interessante se inserir em grupos de pesquisa, a fim de buscar informações e novidades sobre cursos, seminários e demais eventos, que são ótimos caminhos para entender mais o tema, conhecer pessoas com interesses em comum e quem sabe se identificar com algum tópico de pesquisa.

Quando identificarmos o nosso tema de interesse, precisaremos pensar em pontos importantes para garantir a qualidade do nosso ECR. Alguns desses pontos são: (a) a escolha de uma questão de pesquisa factível; (b) a seleção criteriosa dos participantes, variáveis e desfechos de interesse; (c) a definição do tipo de ECR e tamanho amostral adequados; (d) o planejamento da randomização, cegamento e o protocolo de intervenção; (e) o controle de co-intervenções e contaminações; (f) a análise dos dados acurada e precisa; e (g) o registro do protocolo do estudo(3).

Se estes passos forem seguidos, teremos em mãos evidências fortes para embasar a nossa tomada de decisão na prática clínica assistencial, educacional e gerencial. Por essas razões, precisamos investir na coordenação, desenvolvimento e execução de ECR. Ao pesquisarmos o quantitativo de ECR publicados por enfermeiros nos últimos 10 anos, conseguimos identificar milhares de publicações no mundo, entretanto, ao filtrarmos por pesquisas no Brasil, esses números ainda são incipientes. Isto reforça ainda mais a necessidade de preenchermos o nosso lugar de destaque, e buscar apoio dos nossos colegas, inclusive de outras disciplinas, bem como apoio financeiro de agências financiadoras, para conseguirmos efetivar nossos esforços e aumentar os nossos níveis de evidência.

Por fim, nosso grande desafio como enfermeiros pesquisadores é saber aplicar metodologias robustas de pesquisa na busca do avanço de conhecimento para aprimorar a prática de enfermagem, moldar políticas públicas e, proporcionar impacto de saúde que alcancem os indivíduos e as comunidades.

 

REFERÊNCIAS

1. Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady DG, Newman TB. Delineando a Pesquisa Clínica: uma Abordagem Epidemiológica. André Garcia Islabão, tradutor. 4a ed. Porto Alegre: Artmed; 2015.

 

2. Schulz K F, Altman D G, Moher D. CONSORT 2010 Statement: updated guidelines for reporting parallel group randomised trials BMJ. 2010;340:c332 https://doi.org/10.1136/bmj.c332

 

3. Hariton E, Locascio JJ. Randomised controlled trials - the gold standard for effectiveness research: Study design: randomised controlled trials. BJOG. 2018 Dec;125(13):1716. https://doi.org/10.1111/1471-0528.15199

 

 

Imagem 1