ORIGINAL

 

Avaliação da comunicação para melhoria da qualidade da assistência à saúde em pediatria: estudo descritivo

 

Francisca Raquel Monteiro de Melo1, Bruna Vilar Soares da Silva1, Evelin Beatriz Bezerra de Melo1, Joyce Karolayne dos Santos Dantas1, Sara Cristina Matias de Araújo1, Naryllenne Maciel de Araújo1, Rodrigo Assis Neves Dantas1, Daniele Vieira Dantas1

 

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: avaliar a qualidade da comunicação escrita da equipe multiprofissional em uma Unidade de Dependentes de Ventilação Mecânica de um hospital público pediátrico. Métodos: pesquisa descritiva quantitativa, num Hospital Público Pediátrico, em quatro etapas: identificação e priorização de um problema de qualidade; análise das causas do problema; desenvolvimento de critérios para avaliar o nível de qualidade; avaliação do nível de qualidade. Resultados: 75,0% dos não cumprimentos de critérios são sobre registro da data e hora e a utilização do prontuário eletrônico pelos enfermeiros, médicos e técnicos de enfermagem. Os fisioterapeutas apresentaram 32,3% de descumprimento na identificação dos profissionais, os médicos tiveram 8,3%, os enfermeiros 68,3% e os técnicos de enfermagem 86,7%. Conclusões: foi observado ausência da data e hora nos registros dos médicos e da enfermagem, baixa adesão dos médicos na evolução noturna no prontuário eletrônico, e limitação no acesso e utilização desse sistema pela equipe de enfermagem.

 

Descritores: Pediatria; Comunicação; Prontuários; Qualidade da Assistência à Saúde; Segurança do Paciente.

 

INTRODUÇÃO

As falhas nos processos de comunicação compõem o fator humano associado ao maior número de danos nos serviços de saúde. Um processo complexo que envolve vários componentes e diversas equipes assistenciais, a falha no processo de comunicação está relacionado às prescrições ou ordens verbais. Estudos demonstram que 39% das reações adversas a medicamentos ocorrem por erros nas prescrições(1).

A melhoria da comunicação efetiva, proposta como a segunda meta internacional para a Segurança do Paciente (SP), é a única entre as seis metas que ainda não tem protocolo nacional disponível para nortear os serviços de saúde, o que a torna um desafio ainda maior a ser trabalhado(1).

Corroborando com esse assunto, entre 2014 e 2015, um estudo analisou os eventos adversos em um serviço de saúde pediátrico do México, identificando a falta de comunicação entre profissionais de saúde como um dos principais fatores desencadeantes destes eventos(2). Acresce a isso, uma pesquisa realizada em um centro obstétrico no Sul do Brasil que analisou a cultura de SP, tendo como principal fragilidade a comunicação, reafirmando a importância dos registros corretos para um cuidado seguro(3).

Uma revisão da literatura que sinaliza as evidências sobre um cuidado seguro aos pacientes pediátricos relata que a qualidade dos registros dos profissionais em prontuários eletrônicos do paciente e a falha na comunicação efetiva entre profissional-paciente-família são fatores contribuintes de grande parte dos incidentes. Dessa forma, fortalecer e avaliar a comunicação da equipe fornece benefícios para uma assistência segura(4).

Isso, por sua vez, possibilita o registro unificado de profissionais sobre o paciente, assim, a comunicação escrita consiste em uma ferramenta importante para a prevenção de incidentes(5). Diante do exposto, reitera-se que a comunicação escrita em unidades neonatais e pediátricas torna-se fundamental pela complexidade presente nos cuidados prestados a esses pacientes, ainda mais quando esse público se apresenta com Condições Crônicas Complexas (CCC)(4,6).

Nesse sentido, a busca pela melhoria na qualidade dos serviços de saúde, aliada aos avanços tecnológicos e científicos, promove ferramentas de auxílio a SP nos cuidados pediátricos e neonatais(4). Nessa perspectiva, a comunicação eficiente da equipe otimiza o cuidado com a transferência desses pacientes do ambiente hospitalar para o domiciliar, uma vez que a avaliação multiprofissional dos casos faz enxergar o momento da alta hospitalar segura para pacientes crônicos, diminuindo a ocupação de leitos críticos e aumentando o conforto do paciente e relações entre os pais e crianças.(6).

Também se tem vivenciado uma mudança no cenário epidemiológico de assistência pediátrica no Brasil, com a presença de um conjunto de CCC acometendo crianças que estão ocupando leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e enfermarias pediátricas(6). Contudo, no Rio Grande do Norte, tem-se observado que esses pacientes pediátricos com CCC ainda enfrentam grandes dificuldades para conseguirem a transferência dos cuidados do ambiente hospitalar para o domiciliar(5).

A integração de todos esses fatores se faz necessária para alinhamento das condutas nesse público. A comunicação escrita da equipe multiprofissional é fundamental para o planejamento dos cuidados necessários para a desospitalização e para a redução de riscos de incidentes desses pacientes com CCC, tendo em vista os longos períodos de internação e a própria condição clínica do paciente(7).

Assim, há necessidade de se realizar estudo para conhecer a conformidade de um prontuário “misto” (parte eletrônico e parte manuscrito) quanto ao cumprimento da SP. Nesse sentido, é importante conhecer a qualidade desse prontuário, considerando que os critérios apontados são relevantes para a continuidade dos cuidados prestados, para a prevenção de eventos adversos e para a promoção da SP. Para os profissionais, o prontuário tem caráter ético e legal quanto ao registro do trabalho realizado e, para a instituição, caráter financeiro, em vista dos custos demandados para a sua manutenção.

Além disso, a análise realizada neste estudo também pode ser utilizada para nortear a implementação de intervenções de melhorias, de acordo com os resultados que forem observados. Por fim, este estudo tem como objetivo avaliar a comunicação escrita da equipe multiprofissional da Unidade de Dependentes de Ventilação Mecânica (UDVM) de um hospital pediátrico.

 

MÉTODO

 

Desenho, período e local do estudo

Esta é uma pesquisa descritiva quantitativa de corte transversal, conduzida pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), realizada entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2021, na UDVM de um hospital pediátrico em Natal, no Rio Grande do Norte, Brasil.

 

População e amostra, critérios de inclusão e exclusão

A amostra do estudo constituiu-se pelos registros dos prontuários de seis pacientes, com idades que variam entre um e 14 anos. Foram analisados esses registros durante um período de internação comum para todos. Como critério de inclusão foram adotados  prontuários de usuários que estavam internados na UDVM, sendo o critério de exclusão, a evolução para o óbito.

 

Protocolo do estudo

O estudo foi desenvolvido em quatro etapas: 1ª) Identificação e priorização de um problema de qualidade; 2ª) Análise das causas do problema; 3ª) Desenvolvimento de critérios para avaliar o nível de qualidade; 4ª) Avaliação do nível de qualidade.

1ª Etapa: Identificação e priorização de um problema de qualidade - por meio da Técnica de Grupo Nominal e da Técnica Matriz de Priorização. Ocorreram dois encontros em dezembro de 2018, com cinco profissionais que trabalham na UDVM. Os participantes foram selecionados aleatoriamente, a partir de quem estava presente e aceitava participar. Assim, a situação escolhida pelo grupo foi a comunicação da equipe multiprofissional, tendo em vista que, trabalhando-se com ela, seria possível abranger as limitações do trabalho em equipe, uma das principais barreiras na assistência. Além disso, torna-se iniciativa para melhorar outros problemas, tais como os relacionados com a assistência ventilatória ao paciente agudo.

2ª Etapa: Análise das causas do problema - para análise do problema foi construído o Diagrama de Causa e Efeito e a análise das causas com a equipe assistencial (um enfermeiro, um fisioterapeuta, um médico, dois técnicos de enfermagem) da UDVM no ano de 2019. A ausência do prontuário único, mesmo diante do uso do prontuário eletrônico, mostrou-se como fator causa e efeito da fragmentação da assistência e dificuldade do trabalho coletivo.

3ª Etapa: Desenvolvimento de critérios para avaliar o nível de qualidade - a avaliação da comunicação escrita ocorreu por meio da revisão da literatura com objetivos semelhantes, buscando avaliar a objetividade e clareza dos registros, bem como o cumprimento de exigências éticas mínimas, sendo eles: o registro da data e hora antes de qualquer anotação/evolução no prontuário(8-9); identificação profissional adequada em cada registro(8-10); adesão à prescrição eletrônica de medicamentos, avaliando pontos essenciais para a SP – uso de abreviaturas; nomes genéricos; presença de decimais e zeros(11); e adesão à utilização do prontuário eletrônico(11).

Assim, foram criados quatro critérios, sendo que três foram estratificados entre as categorias de enfermeiro, fisioterapeuta, médico e técnico de enfermagem, como consta na Figura 1. A escolha desses profissionais se deve à equipe mínima que presta cuidados aos pacientes internados no setor. O quarto critério também é estratificado, mas em componentes importantes para a avaliação da qualidade da prescrição médica. Desta forma, obtemos quatro critérios estratificados em quatro subcritérios, totalizando 16 critérios.

 

CRITÉRIO

EXCEÇÃO

ESCLARECIMENTO

1. Data e horário em todos os registros feitos no prontuário do paciente.

Mesmo com o registro automático, os profissionais podem registrar o horário em que ocorreu determinada intercorrência, por exemplo.

A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1638/2002 determina que todos os registros no prontuário do paciente contenham data e hora(8).

O Guia de Recomendações sobre registros de enfermagem reafirma a orientação do CFM(9).

Somente será considerado como cumprimento, para os registros que contenham a data e a hora, em todos os turnos.

1.1 Pelo médico.

 

 

1.2 Pelo fisioterapeuta.

 

 

1.3 Pelo enfermeiro.

 

 

1.4 Pelo técnico de enfermagem.

 

 

 

2. Identificação do registro efetuado com assinatura do profissional e carimbo com nome legível e número do registro no respectivo conselho profissional.

 

Eticamente, todos os conselhos profissionais exigem identificação adequada nos registros dos prontuários do paciente (Resoluções: CFM nº 2217/2018(8); Conselho Federal de Enfermagem nº 514/2016(9); Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional nº 414/2012(10)). Somente será considerado cumprimento, para os registros com assinatura e carimbo em todos os turnos.

2.1 Pelo médico.

 

 

2.2 Pelo fisioterapeuta.

 

 

2.3 Pelo enfermeiro.

 

 

2.4 Pelo técnico de enfermagem.

 

 

3. Prescrição de medicamentos no prontuário eletrônico.

Exceto as prescrições de medicamentos em urgências e emergências, que poderão estar manuscritas.

A prescrição no prontuário eletrônico garante a legibilidade do texto, e a padronização da prescrição facilita a interpretação da equipe para dispensar, preparar e administrar o medicamento(11).

3.1 Prescrição sem abreviaturas e símbolos não padronizados.

As vias de administração e as unidades decimais são padronizadas.

O uso de abreviaturas e símbolos padronizados diminui os riscos de falhas no processo de medicação(11).

3.2 Prescrição com expressão das doses e uso de decimais e zeros.

 

Os pacientes pediátricos requerem doses de medicamentos proporcionais ao seu peso e idade, com isso, as doses devem conter claramente os decimais e os zeros para evitar erros de medicação(11).

3.3 Prescrição com denominação genérica dos medicamentos.

 

Os medicamentos prescritos no hospital são padronizados no sistema do prontuário eletrônico. Com isso, há um padrão na comunicação, minimizando os riscos de erros de medicação.

4. Evolução no prontuário eletrônico, nos turnos diurno e noturno.

 

Como o serviço dispõe de prontuário eletrônico e manuscrito, o objetivo é conhecer como ocorre esse prontuário em duas modalidades. Somente será considerado cumprimento se a evolução for realizada no prontuário eletrônico em todos os turnos analisados.

4.1 Pelo médico.

 

Nos turnos diurno e noturno.

4.2 Pelo fisioterapeuta.

 

Nos turnos matutino e vespertino.

4.3 Pelo enfermeiro.

 

Nos turnos diurno e noturno.

4.4 Pelo técnico de enfermagem

 

Nos turnos matutino, vespertino e noturno.

Figura 1 - Critérios para avaliar a qualidade da comunicação escrita da UDVM do HPMAF. Natal, RN, Brasil, 2021

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

4ª Etapa: Avaliação do nível de qualidade – avaliação da comunicação ocorreu em janeiro de 2021, com a análise dos prontuários referentes ao período de internamento de junho de 2020, em seleção aleatória do setor de arquivo de prontuários do hospital. Para tanto, aplicando-se os critérios de elegibilidade, totalizaram seis prontuários que atendiam aos critérios de inclusão e exclusão.

 

Análise dos resultados e estatística

A unidade de análise adotada foi a quantidade de dias de internação por usuário e, para os seis pacientes, avaliou-se o período de tempo igual de registro em todos os prontuários elegíveis, uma vez que cada paciente teve tempo de internação diferente. Assim, foram considerados os 10 primeiros dias de internação para análise do cumprimento dos critérios do estudo. Foram, então, averiguados 300 registros nos prontuários, sendo: 60 evoluções do enfermeiro, 60 evoluções do fisioterapeuta, 60 evoluções médicas, 60 anotações do técnico de enfermagem e 60 prescrições medicamentosas. Os dados são apresentados por intermédio de estatística descritiva (Tabela 1) e do Gráfico de Pareto.

 

Aspectos éticos

O estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL). CAAE: 19679119.0.0000.5292.

 

RESULTADOS

Os dados da pesquisa estão organizados a partir do cumprimento dos critérios na amostra de 60 dias de internação dos seis pacientes da UDVM e, na Figura 2, estão expostas as frequências desses cumprimentos.

 

Tabela 1 - Cumprimentos dos critérios de avaliação da qualidade da comunicação escrita da UDVM do HPMAF. Natal, RN, Brasil, 2021 (n=60)

 

CRITÉRIOS

FREQUÊNCIA DE CUMPRIMENTO

n

%

CRITÉRIO 1

1.1 Pelo enfermeiro.

0

0,0

1.2 Pelo fisioterapeuta.

60

100,0

1.3 Pelo médico.

5

8,3

1.4 Pelo técnico de enfermagem.

5

8,3

CRITÉRIO 2

2.1 Pelo enfermeiro.

19

31,7

2.2 Pelo fisioterapeuta.

40

66,7

2.3 Pelo médico.

55

91,7

2.4 Pelo técnico de enfermagem.

8

13,3

CRITÉRIO 3

60

100,0

3.1 Prescrição sem abreviaturas, símbolos não padronizados.

60

100,0

3.2 Prescrição com expressão das doses e uso de decimais e zeros.

60

100,0

3.3 Prescrição com denominação genérica dos medicamentos.

60

100,0

CRITÉRIO 4

4.1 Pelo enfermeiro.

0

0,0

4.2 Pelo fisioterapeuta.

60

100,0

4.3 Pelo médico.

5

8,3

4.4 Pelo técnico de enfermagem

0

0,0

Fonte: Elaboração dos autores, 2021.

 

Os dados sobre os não cumprimentos dos critérios analisados nos prontuários também foram dispostos no Gráfico de Pareto (Figura 2), após serem calculadas suas frequências relativas, absolutas e acumuladas. Com este gráfico, há maior clareza sobre os critérios em que há maior concentração dos não cumprimentos e, consequentemente, aqueles que necessitam de intervenções, sendo assim considerados “poucos vitais”. Os critérios estão representados pela letra C (critério), pelos números referentes ao conteúdo do critério (1 – registro da data e hora, 2 – identificação profissional no registro, 3 – prescrição médica, 4 – adesão ao prontuário eletrônico), pelas letras iniciais dos profissionais dos critérios estratificados (E – enfermeiro, F – fisioterapeuta, M – médico, TE – técnico de enfermagem).

 

Figura1

Figura 2 - Gráfico de Pareto mostrando as frequências absoluta, relativa e acumulada de não cumprimentos dos critérios de avaliação da qualidade da comunicação escrita da UDVM do HPMA. Natal, RN, Brasil, 2021 (n=60)

Fonte: Elaboração dos autores, 2021.

Nota: C1E: Data e horário dos registros pelo enfermeiro; C1F: Data e horário dos registros pelo fisioterapeuta; C1M: Data e horário dos registros pelo médico; C1TE: Data e horário dos registros pelo técnico de enfermagem; C2E: Identificação do registro efetuado do enfermeiros com assinatura e o carimbo com nome legível e número do registro no conselho profissional; C2F: Identificação do registro efetuado do fisioterapeuta com assinatura e o carimbo com nome legível e número do registro no conselho profissional; C2M: Identificação do registro efetuado do médico com assinatura e o carimbo com nome legível e número do registro no conselho profissional; C2TE: Identificação do registro do técnico de enfermagem com assinatura e o carimbo com nome legível e número do registro no conselho profissional; C3: Prescrição de medicamentos no prontuário eletrônico; C3.1: Prescrição sem abreviaturas, símbolos não padronizados; C3.2: Prescrição com expressão das doses e uso de decimais e zeros; C3.3: Prescrição com denominação genérica dos medicamentos; C4E: Evolução do enfermeiro, nos turnos diurno e noturno; C4F: Evolução do fisioterapeuta, nos turnos matutino e vespertino; C4M: Evolução do médico, nos turnos diurno e noturno; C4TE: Anotação do técnico de enfermagem, nos turnos matutino, vespertino e noturno.

 

No Gráfico 2, é visto 75,0% de não cumprimento em seis critérios estratificados por categorias profissionais, correspondendo a dois critérios gerais. Esses critérios considerados “poucos vitais” concentram a maior parte dos problemas da amostra. Metade dos “poucos vitais” estão relacionados ao Critério 1 – “Data e horário em todos os registros feitos no prontuário do paciente” pelos profissionais enfermeiros, médicos e técnicos de enfermagem. E a outra metade está relacionada ao Critério 4 – “Evolução no prontuário eletrônico, nos turnos diurno e noturno” pelos profissionais enfermeiros, médicos e técnicos de enfermagem.

Diante das categorias profissionais, os resultados foram semelhantes entre elas no quesito não cumprimento. No registro dos profissionais médicos, teve maior realização no turno diurno em prontuário eletrônico, enquanto no turno noturno o registro foi feito em prontuário físico e sem registro de hora. Com isso, os resultados finais ficaram semelhantes entre essas três categorias profissionais.

Essas categorias profissionais apresentaram resultados muito semelhantes quanto ao não cumprimento, mas isso se deve ao fato de que o cumprimento do critério deveria ocorrer nos períodos diurno e noturno para ser contabilizado como cumprimento. No caso dos registros médicos, a maioria foi realizada no turno diurno em prontuário eletrônico, enquanto no noturno, além de manuscrito, não há registro da hora. Com isso, devido ao cumprimento parcial, os resultados finais ficaram semelhantes entre essas três categorias profissionais.

 

DISCUSSÃO

O registro da data e hora (Critério 1) em cada anotação ou evolução realizada no prontuário é imprescindível para a compreensão dos acontecimentos e da evolução do paciente, além de ser respaldo para a equipe que assiste o paciente (9,12). Essa falha de horário no registro aponta uma fragilidade e pode expor o paciente a possíveis repetições de condutas e à interpretação equivocada das evoluções(8). Mesmo com as evoluções realizadas no prontuário eletrônico, o registro de intercorrências causa dúvidas por se apresentarem em mais de um dia e não deixar claro, para quem ler o prontuário, o momento em que foi realizado.

Entretanto, é comum encontrar no prontuário físico registros com alusão ao turno do plantão (07-13 h ou 19-07 h) sem especificar horário, como ocorreu em um estudo que analisou hospitais públicos no Rio Grande do Norte(5). Nesse padrão de registro não é dada importância para o registro de intercorrências de acordo com o horário ocorrido(12).

Porém é importante saber qual o intervalo de tempo entre o cuidado prestado e as intercorrências que o paciente apresenta. Isso foi mais presente no registro físico, notado principalmente no turno noturno com os registros dos profissionais médicos que não relataram a hora da assistência prestada.

O Critério 2, fundamental do ponto de vista ético e obrigatório pelos conselhos profissionais, apresentou um não cumprimento expressivo nos prontuários da UDVM, principalmente pela equipe de enfermagem, tal como ocorrido em outros estudos analisados(5,12).

A identificação do profissional da enfermagem ainda é falha nos registros de suas atividades, com pouca adesão pelos profissionais, o que pode se relacionar com a desvalorização dessa ferramenta e a sobrecarga de trabalho ou mecanização do registro, no qual se repete o mesmo padrão sem valorizar os cuidados e intercorrências, gerando riscos para a continuidade do cuidado e favorece eventos adversos(12).

Nesta pesquisa, diferente dos enfermeiros, os profissionais médicos e fisioterapeutas apresentaram melhor adesão à identificação profissional conforme padronizada pelos respectivos conselhos(12). A formação, atuação dos conselhos e questões culturais de valorização profissional podem influenciar nessa adesão.

No Critério 3, na avaliação da prescrição médica, houve 100% de cumprimento dos subcritérios. Isto posto, uma revisão da literatura sobre erros de medicação identificou que a prescrição eletrônica é uma importante ferramenta para a redução de não conformidades nas prescrições, podendo encontrar limitações devido à necessidade de recursos e as limitações de uso para situações de urgência(13-14).

Um estudo sobre a análise das não conformidades nas prescrições de um hospital revelou redução de 78,5% nessas falhas com a implementação da prescrição eletrônica(14). Considerando que o hospital analisado nesta pesquisa já implementou a prescrição eletrônica há muitos anos, pode-se considerar que houve mudanças na assistência devido ao uso do prontuário, uma vez que a implementação de formulários eletrônicos corrobora com a sistematização da assistência(4).

Alguns outros pontos também favorecem esse comportamento. O primeiro é a ausência de rotatividade dos pacientes, o que facilita a existência de dados pré-fixados no prontuário, como a prescrição que pode ser apenas ajustada e assim favorecer a manutenção dos cuidados desses pacientes crônicos.

Outro ponto é o cadastro dos nomes dos medicamentos e abreviaturas e siglas padronizadas, o que favorece o conhecimento pela equipe do setor e minimiza os erros na administração de medicação. Esses aspectos são pontos importantes do prontuário eletrônico que a gestão deve atentar para dispor ferramentas padronizadas à equipe assistencial.

Apesar de estar disponível na instituição analisada há alguns anos, a utilização do prontuário eletrônico (Critério 4) esteve como um dos principais não cumprimentos da pesquisa. Isso pode estar relacionado com a transição do prontuário físico para o eletrônico, que encontra como uma limitação os equipamentos de informática. Caso este que deve ser trabalhado entre equipe e gestão da unidade, ofertando treinamento e material suficiente para realização do serviço.

Essa transição não é simples e envolve, além da parte estrutural, os aspectos culturais relacionados à organização dos processos de trabalho, as competências técnicas dos profissionais com a informatização e aceitação pela equipe(15).

O cenário deste estudo apresenta, portanto, um prontuário “misto”, com um sistema de prontuário eletrônico, mas que ainda há impressão dos documentos e formulários manuscritos. Também há uma divisão entre os profissionais que utilizam o prontuário eletrônico (médicos e fisioterapeutas), e os que usam o prontuário físico (equipe de enfermagem). Essa segregação entre os profissionais é clara e pode ter consequências para a atenção aos pacientes com CCC, uma vez que a comunicação eficaz gera segurança nas ações ofertadas, reduzindo eventos adversos e desfechos desfavoráveis(4,7).

Esse dado se torna preocupante por ser a equipe de enfermagem a peça chave para fortalecer a comunicação entre diversas equipes, uma vez que a mesma está ininterruptamente prestando assistência aos pacientes e pode ser um elo entre os diversos profissionais, sendo importante que seus registros possam ser lidos e avaliados de forma multiprofissional(7,16). Assim, essa divisão na comunicação pode abrir espaço para falhas no processo de cuidado graves.

Nessa perspectiva, em um estudo com hospital universitário, uma das barreiras para a implementação do prontuário eletrônico seria a obtenção de recursos para a sua aquisição, além da adesão da equipe. Assim, ao considerar que o hospital dispõe do sistema de prontuário eletrônico, seria fundamental diminuir a subutilização na perspectiva de melhorar a qualidade dos registros(16).

Percebe-se, nesta pesquisa, a concentração de aproximadamente 75% dos não cumprimentos que correspondem aos critérios gerais de data e hora e evolução profissional. Estes critérios considerados “poucos vitais” são importantes oportunidades de melhoria que a própria gestão pode abordar com os profissionais do setor, já que eles concentram a maior parte dos problemas na amostra analisada.

As categorias profissionais analisadas neste estudo apresentaram resultados muito semelhantes quanto ao não cumprimento, mas isso se deve ao fato de que o cumprimento do critério deveria ocorrer nos períodos diurno e noturno para ser contabilizado como cumprimento. Diante do exposto, os não cumprimentos poderiam ser menos frequentes com a adesão ao prontuário eletrônico.

Os registros da data e hora (Critério 1) são automáticos quando efetuados eletronicamente, o que iria requerer treinamento da equipe e infraestrutura adequada, como também atenção por parte dos profissionais para o registro da hora das intercorrências durante o turno. A identificação do profissional no registro eletrônico também é automática, o que poderia conferir maior cumprimento do Critério 2.

Estudos realizados para analisar as causas que levam às falhas nos registros dos prontuários apontam como principais causas a falta de atenção e de interesse do profissional; sobrecarga do trabalho; falta de conhecimento sobre a legalidade dos registros); interferência na relação médico e paciente; o tempo para registro no sistema, que se apresenta maior no início e reduz com adaptação e incorporação à rotina de trabalho; e medo e desconfiança do recurso tecnológico e da possível instabilidade do recurso tecnológico(4,7,16-17).

Assim como foi realizado nesses estudos, desenhar o cenário local e reconhecer as limitações que interferem na adesão ao uso do prontuário eletrônico são pautas fundamentais para traçar intervenções necessárias para a melhor adesão ao prontuário eletrônico e às boas práticas nos registros. A integração da equipe multiprofissional é viável por meio de ferramentas de comunicação efetiva e tem consequências positivas para a qualidade dos serviços e para a segurança do paciente, podendo otimizar recursos e traçar planos mais resolutivos aos cuidados do cliente(5).

Dessa forma, a construção de planos terapêuticos para com a criança com CCC, de forma a responsabilizar todos os profissionais envolvidos neste processo, deve ser realizada para efetivar o cuidado prestado e garantir análise multidisciplinar, desenvolvida com a melhora da comunicação entre os profissionais(7,12,16-17). Portanto, investir na melhoria da ferramenta de comunicação escrita já disponível é uma importante estratégia, tendo em vista o impacto que ela pode ter na vida dessas crianças.

Os resultados também permitem maior integração da equipe, no qual é crucial a sua sensibilização sobre a comunicação verbal e não verbal. Neste cenário, a realização desse estudo contribui de forma considerável para a melhoria do cuidado em saúde, uma vez que exibiu a necessidade da criação e fortalecimento de uma comunicação efetiva entre os profissionais, de maneira a reforçar, ainda, a imprescindibilidade da atuação da equipe de enfermagem diante do contexto exposto.

 

CONCLUSÃO

Na avaliação da comunicação escrita da equipe multiprofissional da Unidade de Dependentes de Ventilação Mecânica do Hospital Pediátrico, foram observadas algumas oportunidades de melhorias, dentre elas: ausência da data e hora nos registros dos médicos e equipe de enfermagem; baixa adesão dos médicos na evolução noturna no prontuário eletrônico; e limitação no acesso e utilização desse sistema pela equipe de enfermagem.

Quanto ao cumprimento dos critérios, verificou-se excelente adesão à prescrição eletrônica. Nesse cenário, há um sistema de prontuário eletrônico subutilizado que tem muito a contribuir com a integração da equipe, compartilhamento das informações e com a melhoria da qualidade dos registros. Nessa perspectiva, é importante que sejam realizados novos estudos de forma a garantir a implementação de intervenções e novas avaliações sobre a comunicação diante do prontuário e dos critérios aqui avaliados.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

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2. Barrientos Sanchez J, Hernandez Zavala M, Zarate Grajales RA. Factors related to safety and quality of attention in hospitalized pediatric patients. Enferm Univ. 2019;16(1):52-62. https://doi.org/10.22201/eneo.23958421e.2019.1.592

 

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8. Conselho Federal de Medicina (BR). Resolução Nº 2217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o código de ética médica [Internet]. Brasília (DF): CFM; 2002 [citado 2021 Feb 01]. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/48226289#wrapper

 

9. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Nº 514, de 05 de maio de 2016. Guia de recomendações para os registros de enfermagem no prontuário do paciente e outros documentos de enfermagem [Internet]. Brasília (DF): COFEN; 2016 [citado 2021 Feb 01]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/RESOLU%C3%87%C3%83O-COFEN-N%C2%BA-0514-2016-GUIA-DE-RECOMENDA%C3%87%C3%95ES-vers%C3%A3o-web.pdf

 

10. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (BR). Resolução Nº 414/2012, de 23 de maio de 2012. Dispõe sobre a obrigatoriedade do registro em prontuário pelo fisioterapeuta, da guarda e do seu descarte e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): COFFITO; 2012 [citado 2021 Feb 01]. Disponível em: http://www.crefito.com.br/repository/legislacao/resolu%C3%A7%C3%A3o%20414.pdf

 

11. Gama ZAS, Saturno-Hernández PJ, Batista A, Barreto A, Lira B, Medeiros C, et al. Mensuração de boas práticas de segurança do paciente. Natal: EDUFRN; 2018 [citado 2021 Feb 01]. 164 p. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/25874/1/Mensura%C3%A7%C3%A3o%20de%20boas%20pr%C3%A

1ticas%20em%20seguran%C3%A7a%20do%20paciente.pdf

 

12. Badaró RMMR. Segurança do paciente: avaliação da qualidade da assistência através dos registros em prontuários de pacientes. Rev UNILUS Ensino Pesqui [Internet]. 2019 [citado 2021 Feb 23];16(43):62-73. Disponível em: http://revista.unilus.edu.br/index.php/ruep/article/view/1126/u2019v16n43e1126

 

13. Paim RSP, Bellaver DC, Belmonte J, Azeredo JC. Erros de medicação e segurança do paciente: uma revisão integrativa da literatura. Rev G&S [Internet]. 2016 [citado 2021 Feb 04];7(3):1256-1270. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3660

 

14. Souza AFFS, Silveira MM, Beloni Neto MR. Impacto da implantação da prescrição eletrônica nas não conformidades de prescrição em um hospital filantrópico de Presidente Prudente – SP. Colloq Vitae. 2017;9:118-121. https://doi.org/10.5747/cv.2017.v09.nesp.000307

 

15. Santos BRP, Damian IPM. Analysis of information competency through the transition from paper-based to electronic medical records. Rev Cuba Inf Cienc Salud [Internet]. 2017 [citado 2021 Feb 04];28(4):1-13. Disponível em:  https://www.redalyc.org/pdf/3776/377654835003.pdf  

 

16. Ribeiro MC, Dalaneze BS, Peruchi MPO, Cintra RB. Analysis of medical records of a university hospital in Mogi das Cruzes, São Paulo, Brazil. Rev Bioét. 2021;28(4):740-745. https://doi.org/10.1590/1983-80422020284438

 

17. Ghiglia MMC. Historia clínica electrónica: factores de resistencia para su uso por parte de los médicos. Rev méd Urug. 2020;36(2):122-143.  http://dx.doi.org/10.29193/rmu.36.2.6

 

Submissão: 19/10/2021

Aprovado: 13/06/2022

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Melo FRM, Silva BVS, Melo EBB, Dantas JKS, Araújo SCM, Dantas RAN, Dantas DV

Obtenção de dados: Melo FRM, Silva BVS, Melo EBB, Dantas JKS, Araújo SCM

Análise e interpretação dos dados: Melo FRM, Melo EBB, Dantas JKS, Araújo SCM, Araújo NM, Dantas RAN, Dantas DV

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Melo FRM, Melo EBB, Dantas JKS, Araújo SCM, Araújo NM

Aprovação final do texto a ser publicada: Melo FRM, Silva BVS, Araújo NM, Dantas RAN, Dantas DV

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Melo FRM, Silva BVS, Melo EBB, Dantas JKS, Araújo SCM, Araújo NM, Dantas RAN, Dantas DV

 

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