EDITORIAL
Protocolos de Revisão
Érica Brandão de Moraes1,2
1 Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil
2 Centro Brasileiro para o Cuidado à Saúde Baseado em Evidências: Centro de Excelência do JBI (JBI Brasil), São Paulo, SP, Brasil
Revisões sistemáticas e de escopo são estudos complexos, pois envolvem o desenvolvimento de etapas com avaliação independente de pelo menos dois revisores e uso de softwares de automação de dados, além do rigor metodológico que deve ser adotado para se obter uma revisão de qualidade.
Para estas revisões, existem guidelines publicados, preconizados por organizações internacionais, tais como o Joanna Briggs Institute (JBI) e Cochrane. Os guidelines são atualizados periodicamente e estão disponíveis gratuitamente para consulta na sua versão online nos sites (https://jbi-global-.wiki.refined.site/space/MANUAL; https://training.cochrane.org/handbook). Ambas as organizações possuem centro colaborador no Brasil, e ofertam cursos de aprimoramento profissional (https://brazil.cochrane.org/; http://www.ee.usp.br/jbibrasil/).
As revisões de escopo são um tipo de síntese de evidências que visa identificar e mapear sistematicamente a amplitude de evidências disponíveis em um determinado tópico, campo, conceito ou questão, muitas vezes independentemente da fonte (ou seja, pesquisa primária, revisões, evidências não empíricas) dentro ou entre contextos específicos(1). Metodologistas em revisão de escopo, visando diferenciar as revisões de escopo de revisões sistemáticas, agruparam o propósito das revisões de escopo em seis indicações amplas, que são: identificar os tipos de evidências disponíveis em um determinado campo; esclarecer os principais conceitos/definições na literatura; examinar como a pesquisa é conduzida em um determinado tópico ou campo; identificar as principais características ou fatores relacionados a um conceito; atuar como precursor de uma revisão sistemática; e identificar e analisar lacunas de conhecimento(2).
Já a revisão sistemática visa identificar, avaliar e sintetizar todas as evidências que atendem aos critérios de elegibilidade especificados para responder a uma questão de pesquisa específica. Pesquisadores que realizam revisões sistemáticas usam métodos explícitos e sistemáticos que são selecionados com o objetivo de minimizar vieses, para produzir achados mais confiáveis para informar a tomada de decisão(3). Possui como objetivos principais: confirmar a prática atual/abordar qualquer variação/identificar novas práticas; identificar e investigar resultados conflitantes; produzir declarações para orientar a tomada de decisão; e identificar e informar áreas para pesquisas futuras(4).
O JBI utiliza o termo “sistemática” para diversos tipos de revisões, tais como revisões qualitativas, de efetividade, de texto e opinião, de prevalência e incidência, de evidências econômicas, de etiologia e risco, de métodos mistos, de precisão de teste diagnóstico, e de propriedades de medição(5). A Cochrane preconiza atualmente revisões sistemáticas qualitativas, de intervenção, de teste diagnóstico, de prognóstico e de metodologia(3).
Nas revisões sistemáticas tem-se como grande diferencial das revisões de escopo, a avaliação crítica dos estudos, a possibilidade de análises de sínteses e a geração de sumários de avaliação da qualidade metodológica dos achados(4). Em ambas as revisões, é necessário o desenvolvimento de um protocolo de revisão, que deve ser registrado prospectivamente, podendo ainda ser publicado em periódico.
Antes de iniciar uma revisão, seja ela sistemática ou de escopo, os guidelines orientam que seja realizada uma busca prévia por registros e revisões. Os autores devem se perguntar: Existe alguma revisão ou protocolo registrado nessa área de interesse? A busca, ainda que preliminar, deve ser feita em algumas bases de dados e locais de registros. A busca por protocolos também pode ser feita, de forma mais específica, em periódicos que publicam protocolos de revisão. Destaca-se como local de busca por protocolos em periódicos no Brasil, o jornal OBJN. Uma vez que existam protocolos e revisões sobre a temática de escolha, os autores devem se questionar: Existe algum aspecto que diferencie a revisão proposta do que já está registrado ou publicado? Ou então, há uma lacuna de tempo que justifique nova revisão(6)?
Uma característica fundamental de uma revisão de alta qualidade, seja ela sistemática ou de escopo, é o desenvolvimento de um protocolo de revisão, elaborado previamente e que defina os principais objetivos, características do projeto de revisão e as análises planejadas para a revisão. O protocolo de uma revisão deve conter minimamente: Contexto e justificativa para a revisão, incluindo o que já é conhecido sobre o tema, e uma busca prévia por revisões similares a fim de justificar a realização da revisão; Citação do guideline que será adotado na condução da revisão; Pergunta de pesquisa clara e alinhada ao objetivo da revisão; Estratégia de busca proposta; Detalhamento de todos os locais a serem pesquisados, incluindo bases de dados e fontes de literatura cinzenta; Os critérios de inclusão dos estudos (com detalhamento do que será considerado em cada item da pergunta de pesquisa, além dos tipos de evidência incluídas na revisão); Como se dará a seleção e extração dos dados (revisores independentes e métodos de solução de discordâncias entre os revisores); Apresentação dos dados que serão extraídos em instrumento de extração de dados; Detalhamento sobre como se dará a apresentação dos resultados. As abordagens propostas para a escrita dos resultados, como serão apresentados(2,3).
No caso de protocolos de revisões sistemáticas, devem ser considerados além dos itens acima: O processo e os instrumentos de avaliação do risco de viés e qualidade metodológica dos estudos; A especificação dos detalhes apropriados possíveis e razoáveis sobre a metanálise antecipada (pré-planejada) tais como: modelo de metanálise, tamanho do efeito a ser usado, testes para avaliação da heterogeneidade dos estudos, possibilidade de análises de subgrupos(3).
Nota-se que o registro constitui uma etapa recomendada nos guidelines da COCHRANE e JBI, e se aplica tanto para revisões sistemáticas e de escopo. O registro é definido como a ação de inserir informações sobre um projeto de pesquisa (no caso, uma revisão) em um banco de dados antes do seu início, ou seja, é um registro prospectivo(7). O registro evita duplicidade de revisões por grupos de autores distintos. Para o registro de um protocolo, existe um conjunto pré-definido de itens que os autores devem inserir na plataforma. É importante seguir as recomendações contidas no guideline para o tipo de revisão escolhida e buscar os critérios de registro de cada plataforma.
O jornal OBJN enfatiza que os estudos desta categoria devem seguir alto rigor metodológico, ter registro no International Prospective Register of Systematic Reviews – PROSPERO para revisões sistemáticas (https://www.crd.york.ac.uk/prospero/) e para as revisões de escopo, os autores são encorajados a registrar seu protocolo na Open Science Framework – OSF (https://osf.io/). O número de registro relatado no manuscrito. Os manuscritos devem seguir o checklist contido na declaração Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis Protocols – PRISMA-P (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/prisma-protocols/) e para Revisões de Escopo – PRISMA-ScR (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/prisma-scr/).
A publicação do protocolo de revisão em periódico científico deve ser considerada pelos autores. Um protocolo escrito antes da revisão deve garantir que os métodos de revisão sejam transparentes e reprodutíveis, e a adesão a este plano de pesquisa pré-especificado deve ajudar a evitar vieses na condução da revisão (8). Alguns periódicos internacionais aceitam publicação de protocolos de revisão, e no Brasil o jornal OBJN, dentre os periódicos indexados em bases, é o pioneiro a publicar protocolos de revisão. O jornal OBJN aceita submissões de protocolos de revisão sistemática e de escopo, em uma seção dedicada a esse tipo de estudo, além da publicação de um suplemento anual dedicada a protocolos de revisão. Os protocolos devem seguir as normas de formatação da revista e conter até 3000 palavras (https://objn.uff.br/wp-content/uploads/sites/408/2022/08/Manual-de-Normas-e-Ins trucoes-aos-autores-OBJN-2022.pdf). Tal fato reflete grande avanço para a melhoria da qualidade de revisões sistemáticas e de escopo, visto que muitas inconsistências metodológicas são detectadas durante a revisão por pares na avaliação de protocolos submetidos à revista.
REFERÊNCIAS
1. Munn Z, Pollock D, Khalil H, Alexander L, Mclnerney P, Godfrey CM, et al. What are scoping reviews? Providing a formal definition of scoping reviews as a type of evidence synthesis. JBI Evidence Synthesis. 2022;20(4):950-2. https://doi.org/10.11124/jbies-21-00483. PMid:35249995
2. Peters MDJ, Godfrey C, McInerney P, Munn Z, Tricco AC, Khalil H. Chapter 11: Scoping Reviews (2020 version). In: Aromataris E, Munn Z, editors. JBI Manual for Evidence Synthesis [Internet]. Adelaide (AUS): JBI; 2020 [citado 2022 jun 06]. Disponível em: https://synthesismanual.jbi.global. https://doi.org/10.46658/JBIMES-20-12
3. Higgins JP, Thomas J, Chandler J, Cumpston M, Li T, Page MJ, et al. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions version 6.3. 2022 [atualizado 2022 feb; citado 2022 jun 06]. Disponível em: www.training.cochrane.org/handbook
4. Munn Z, Peters MDJ, Stern C, Tufanaru C, McArthur A, Aromataris E. Systematic review or scoping review? Guidance for authors when choosing between a systematic or scoping review approach. BMC Med Res Methodol. 2018;18(1):143. https://doi.org/10.1186/s12874-018-0611-x. PMid:30453902
5. Santos WMD, Secoli SR, Püschel VAA. The Joanna Briggs Institute approach for systematic reviews. Rev Lat Am Enfermagem. 2018 Nov 14;26:e3074. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2885.3074. PMid:30462787
6. Pollock D, Davies EL, Peters MDJ, Tricco AC, Alexander L, McInerney P, et al. Undertaking a scoping review: A practical guide for nursing and midwifery students, clinicians, researchers, and academics. J Adv Nurs. 2021;77(4):2102-13. https://doi.org/10.1111/jan.14743. PMid:33543511
7. Pieper D, Rombey T. Where to prospectively register a systematic review. Syst Rev. 2022;11(1):8. https://doi.org/10.1186/s13643-021-01877-1. PMid:34998432
8. Stewart L, Moher D, Shekelle P. Why prospective registration of systematic reviews makes sense. Syst Rev. 2012;1:7. https://doi.org/10.1186/2046-4053-1-7. PMid:22588008