EDITORIAL

 

Implementação de evidências em saúde: reduzindo a lacuna entre a pesquisa e a prática

 

Vilanice Alves de Araújo Püschel1,2

 

1 Enfermeira, Profa. Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica, Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, SP, Brasil

2 Diretora do Centro Brasileiro para o Cuidado à Saúde Baseado em Evidências: Centro de Excelência do JBI (JBI Brasil), São Paulo, SP, Brasil

 

 

A prática baseada em evidência (PBE) ou cuidado em saúde baseado em evidências (CSBE) é definida/o como a “tomada de decisão que considera viabilidade, adequação, significado e efetividade das práticas de saúde. A melhor evidência disponível, o contexto em que o cuidado é prestado, a individualidade do paciente e o julgamento e a experiên­cia do profissional de saúde informam esse processo”(1). O assunto tem se constituído como tema recorrente, abordado em disciplinas de graduação e de pós-graduação, em instituições de saúde, em eventos científicos nacionais e internacionais, ocupando espaço de destaque também em periódicos científicos.

Esse interesse crescente tem sido motivado, principalmente, pela grande lacuna ainda existente entre as pesquisas publicadas e sua utilização na prática; e também pela baixa conformidade às melhores recomendações científicas na prática profissional, o que contribui para a perda de recursos em saúde, já escassos, e resultados insatisfatórios em saúde. É premente, portanto, a necessidade de investir na forma­ção para o CSBE(2), acelerar o processo de translação do conhecimento, formar lideranças clínicas, investir na superação de barreiras e no engajamento de profissionais, instituições de saúde e tomadores de decisão para implementação das melhores práticas no cuidado em saúde.

Autores mencionam que “Colocar a informação apropriada nas mãos daqueles que determinam a política de saúde e que prestam cuidados de saúde é fundamental para melhorar a prestação de cuidados e os resultados de saúde”(3). Desse modo, questiona-se: se os profissionais de saúde em suas práticas consomem e implementam evidências científicas e se sabem buscar evidências em bases de dados; se, nas instituições de saúde, a PBE é discurso ou realidade, se as diretrizes assistenciais são baseadas nas melhores práticas e se são avaliadas e auditadas em conformidade com a prática, a partir de critérios basea­dos em evidências científicas. Responder a esses questionamentos é tarefa a ser considerada por profissionais e gestores de instituições de saúde, docentes, pesquisadores e formuladores de políticas de saúde.

Para avançar na translação do conhecimento, entendida como “um processo que surge de uma necessidade, especificamente, da necessi­dade de mover os resultados da pesquisa em políticas e práticas”(4), é preciso formar as novas gerações de profissionais e ensinar os já formados a buscarem evidências científicas para responder às perguntas da prática, a desenvolverem estratégias e métodos para superar barreiras. As principais barreiras estão relacionadas à falta de conhecimento sobre as melhores práticas, às habilidades insuficientes para implementar as melhores práticas, a padrões de atendimento não alinhados com a prática recomendada, à falta de incentivos, de recursos financeiros e humanos e outras(5).

Em relação à barreira do conhecimento, tem ocorrido investimentos substanciais de organizações, nacionais e internacionais, e de sistemas de saúde para lidar com tais barreiras. Dentre os quais, a realização de revisões sistemáticas e desenvolvimento de diretrizes de prática clínica para reduzir o volume de evidências de pesquisa e o tempo necessário para ler as fontes de evidências, investimento em bibliotecas eletrônicas para melhorar o acesso às evidências de pesquisa e o desenvolvimento de ferramentas de habilidades de avaliação crítica e treinamento para melhorar as habilidades de alfabetização em pesquisa(5).

O JBI desenvolveu o modelo do CSBE que engloba a geração, a síntese, a transferência e a implementação de evidências(6). Para a síntese do conhecimento, elaborou metodologias para desen­volvimento de 10 tipos diferentes de revisões sistemáticas e revisão de escopo, seguindo método rigoroso, sistemático e abrangente para sintetizar as melhores evidências disponíveis para informar a prática(7). Publicar sínteses de evidências não é suficiente para informar a mudança na prática. É preciso transferir as descobertas da síntese por intermédio da educação, disseminação ativa e integração de evidências em sistemas de informação, e implementar evidências, fazendo análise do contexto, facilitação da mudança e avaliação do processo e dos resultados para medir objetivamente os benefícios para a prática de enfermagem e para os resultados do paciente(8).

Implementar evidências na prática não é um processo fácil e automático, pois implica mudança de comportamento, para assunção de nova mentalidade e de uma nova cultura no âmbito pessoal e organizacional. Esse processo precisa ser facilitado. A facilitação é uma abordagem necessária para apoiar a mudança dentro de uma organização. Assim, alcançar uma mudança facilitada “requer habi­lidades eficazes de liderança e facilitação, incluindo a capacidade de articular um plano e um propósito; informar, motivar e persuadir outros; pedir apoio e incentivar o desenvolvimento da equipe” (9). Desse modo, é preciso “transformar a saúde em um sistema de aprendizagem, com participantes em sintonia com as características do sistema e com fortes ciclos de feedback para tentar gerar impulso para a mudança”(10).

A partir desses indicativos, vimos investindo na formação de profissionais da saúde, em particular de enfermagem, por meio do oferecimento do curso de implementação de evidências em saúde, pelo Centro Brasileiro para o Cuidado à Saúde Baseado em Evidências: Centro de Excelência do JBI (JBI Brasil). Trata-se de um Programa voltado ao ensino avançado e treinamento prático para o uso de evidências para melhoria da prática clínica. É oferecido em dois encontros de 40 horas cada um, separados por um período de seis meses, em que são abordados conteúdos relacionados ao CSBE, liderança clínica, implementação de evidências, auditoria e feedback, além do desenvolvimento de um projeto e implementação de melhores práticas em um serviço de saúde. O JBI Brasil passou a formar profissionais da saúde, pesquisadores, docentes e estudantes de pós-graduação na metodologia de implementação, em 2016(10), já tendo formado 51 clinical fellows.

A demanda por cursos de implementação tem crescido pela robustez da metodologia que possibilita a mudança das práticas em saúde, em seis meses, tendo sido publicados os resultados em diversos periódicos científicos nacionais e internacionais.

É nessa direção que, a partir de 2021, a OBJN vem publicando protocolos e revisões sistemáticas e de escopo, casos de implementação e de inovação tecnológica, contribuindo para divulgar o conhecimento produzido. A produção nessa área, que começa a ser veiculada e conhecida no Brasil, contribui para mostrar os resultados promissores de projetos de implementação, fortalecendo o movimento da translação do conhecimento e da PBE.

Convidamos os leitores a consumirem revisões sistemáticas, revisões de escopo, sumários de evidên­cias e casos de implementação de evidências, de modo a fortalecer a tomada de decisão em saúde, assim como a desenvolverem estudos primários relativos à ciência da implementação. Os artigos que relatam casos de implementação de evidências têm sido veiculados mais recentemente e são importantes para conhecer em que contextos de saúde foram desenvolvidos, que estratégias foram utilizadas para superar as barreiras identificadas nesses contextos, o modo como as melhores práticas foram aplicadas em instituições de saúde, quais foram os resultados alcançados nas auditorias iniciais e de seguimento e que sugestões os autores apontam para sustentabilidade das propostas implementadas, bem como que recomendações fazem para a prática e pesquisa. Assim, poderão se inspirar e acreditar que a PBE é uma realidade para a melhoria do cuidado em saúde.

 

REFERÊNCIAS

1. Jordan Z, Lockwood C, Munn Z, Aromataris E. The updated Joanna Briggs Institute model for evidence-based healthcare. Int J Evid Based Healthc. 2019;17(1):58-71. http://dx.doi.org/10.1097/XEB.0000000000000155. PMid:30256247

 

2. Lockwood C, Santos KB, Püschel VAA, Khalil H. Teaching strategies for evidence-based health care: filling the gap between traditional academic curricula and health service prioritization. JBI Evid Implement. 2022 Feb 23;20(1):1-2. http://dx.doi.org/10.1097/XEB.0000000000000313. PMid:35249998

 

3. Pearson A, Jordan Z. Evidence-based healthcare in developing countries. Int J Evid Based Healthc. 2010;8(2):97-100. https://doi.org/10.1111/j.1479-6988.2010.00164.x

 

4. Pearson A, Weeks S, Stern C. Translation science and the JBI model of evidence-based healthcare. Pearson A, editor. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2011.

 

5. Grimshaw JM, Eccles MP, Lavis JN, Hill SJ, Squires JE. Knowledge translation of research findings. Implement Sci. 2012 Maio 31;7:50. https://doi.org/10.1186/1748-5908-7-50. PMid:22651257

 

6. Aromataris E, Munn Z, editors. JBI Manual for Evidence Synthesis. Adelaide: JBI; 2020 [citado 2022 abr 28]. Disponível em: https://synthesismanual.jbi.global. https://doi.org/10.46658/JBIMES-20-01

 

7. Püschel VAA, Lockwood C. Translating knowledge: Joanna Briggs Institute's expertise [editorial]. Rev Esc Enferm USP. 2018 Ago;52:e03344. http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2018ed0103344. PMId:30156652

 

8. Lizarondo L, McArthur A. Strategies for effective facilitation as a component of an evidence-based clinical fellowship program. J Contin Educ Nurs. 2017 Out 1;48(10):458-463. https://doi.org/10.3928/00220124-20170918-07. PMid:28954182

 

9. Braithwaite J. Changing how we think about healthcare improvement. BMJ. 2018;361:k2014. https://doi.org/10.1136/bmj.k2014. PMid:29773537

 

10. Püschel VAA, Oliveira LB, Gomes ET, Santos KB, Carbogim FC. Educating for the implementation of evidence-based healthcare in Brazil: the JBI methodology. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03718. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2020016303718. PMid:34076152   

 

 

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