ORIGINAL

 

Violência e qualidade de vida de mulheres isoladas socialmente por COVID-19: estudo transversal

 

Maria Luísa Cabral da Cunha1; Tamires Paula Gomes Medeiros1; Igor de Sousa Nóbrega1; Kalyne Araújo Bezerra2; Gleicy Karine Nascimento de Araújo-Monteiro1; Emanuella de Castro Marcolino1; Maria Cidney da Silva Soares1; Renata Clemente dos Santos-Rodrigues1

 

1 UNIFACISA - Centro Universitário Facisa, PB, Brasil

2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: avaliar a relação entre a violência e a qualidade de vida de mulheres isoladas socialmente em decorrência da COVID-19. Método: estudo transversal, quantitativo, desenvolvido em Campina Grande – PB, Brasil. A amostra constituiu-se de mulheres maiores de 18 anos, em isolamento social pela COVID-19. Utilizaram-se três instrumentos para coleta de dados, estes analisados por meio de estatística descritiva e inferencial, sendo adotado significância p<0,05. Resultados: houve predominância de mulheres com baixa qualidade de vida (53,1%) e vítimas de violência psicológica (61,1%). A relação da violência física, psicológica e geral apresentou significância estatística entre todos os domínios de qualidade de vida nos testes de correlação de Spearman (p<0,05) e de comparação de Mann Whitney (p<0,05). Conclusão: o desfecho da violência física e psicológica relaciona-se de forma negativa nos aspectos físicos, psicológicos, relações sociais e meio ambiente da qualidade de vida de mulheres isoladas socialmente em decorrência da COVID-19.

Descritores: Qualidade de Vida; Violência contra a Mulher; Coronavírus.

 

INTRODUÇÃO

A violência é um fenômeno caracterizado como problemática social que engloba diversas vertentes responsáveis por afetar negativamente a sociedade, tendo por consequências danos físicos, psicológicos e de desenvolvimento, e, em casos extremos, levar à morte.  Por esse motivo, foi definida como problema mundial de saúde pública(1).

A Violência Contra a Mulher (VCM), por sua vez, é considerada violação dos direitos humanos e é mais comumente manifestada dentro do contexto doméstico e familiar perpetrado por parceiro íntimo, constituindo uma das mais importantes causas de instabilidade familiar e de impacto em diversos âmbitos da saúde da mulher(2).

Recentemente, a descoberta da doença COVID-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), responsável por manifestar infecções respiratórias e exibir um quadro clínico que varia entre infecções assintomáticas a casos graves, implicou na adoção de uma série de medidas restritivas de cunho preventivo, haja vista que o vírus se disseminou rapidamente por vários países do mundo, sendo definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Emergência de Saúde Pública de importância internacional, caracterizando-se uma pandemia(3).

Dentre as medidas adotadas, destacam-se lavagem de mãos, etiqueta respiratória, realização de testes para doença, isolamento dos casos confirmados e suspeitos e distanciamento social, todas instituídas com intuito de reduzir a propagação do vírus e diminuir a sobrecarga dos sistemas de saúde(3-4).

Embora todas essas estratégias se configurem necessárias para minimização da veiculação do vírus, observou-se aumento nos casos de VCM, em virtude do isolamento social, coexistência dentro do mesmo lar com o agressor, do estresse econômico e dos temores sobre o novo vírus, tornando-se necessário reforçar a necessidade de enfrentamento ao fenômeno da violência, uma vez que houve diminuição de acesso à rede de proteção e apoio, assim como privação de conversas com familiares e amigos, devido à presença constante do agressor(4-5).

Essas mulheres, vítimas constantes de agressões, encontram-se em estado físico-emocional comprometido, com baixa autoestima e manifestação de estresse, propiciando diminuição da qualidade de vida que, em definição, consiste não somente na ausência de doenças, mas em múltiplos fatores que favoreçam o bem-estar(5-6).

Dessa forma, mulheres que vivenciam esse tipo de realidade se encontram distantes de possuir uma vida mais saudável e prazerosa, dificultando a realização de atividades relativamente simples, responsáveis por grandes impactos na saúde, como hábitos alimentares mais saudáveis, práticas regulares de atividades físicas e diminuição do consumo de bebidas alcoólicas e utilização de drogas ilícitas, o que constitui aspectos importantes para manutenção da boa qualidade de vida(6).

Ao considerar o exposto, é possível afirmar que a VCM mostra-se como realidade cada vez mais latente, especialmente no período pandêmico, o que destaca alerta para as análises das consequências sociais, de saúde e qualidade de vida produzidas pelo novo contexto sanitário mundial(7).

Diante dessa problemática, objetivou-se avaliar a relação entre a violência e a qualidade de vida de mulheres isoladas socialmente em decorrência da COVID-19.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal, com abordagem quantitativa, desenvolvido com mulheres residentes em Campina Grande – PB, Brasil. A amostra foi do tipo intencional, sendo então composta por 510 mulheres, captadas no período de um mês (14 de julho a 14 de agosto de 2020), por meio de divulgação digital. Incluíram-se mulheres maiores de 18 anos, residentes no município de Campina Grande - PB e excluíram-se aquelas que assinalaram que não permaneceram em distanciamento social relacionado à pandemia da COVID-19.

A divulgação da pesquisa aconteceu de forma eletrônica, por meio de redes sociais e aplicativos de comunicação instantânea, após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP). Escreveu-se breve mensagem de convite às mulheres participantes do estudo, neste se inseriu o link do formulário de participação com informes da pesquisa, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), questionários de coleta de dados e última seção com informações de reforço para contato com as pesquisadoras, caso houvesse necessidade de comunicação com as pesquisadoras responsáveis pelo estudo.

O processo de divulgação foi feito pelas publicações em mídias sociais da Instituição de Ensino da pesquisadora, do Grupo de Estudo, assim como foram contatadas, via e-mail, as gerências dos distritos sanitários da Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Campina Grande- PB para propagação do formulário junto às Unidades Básicas de Saúde, para que profissionais e comunidades pudessem ter acesso à pesquisa.

O formulário foi configurado na aba geral para coletar os e-mails com recebimentos de respostas sempre, limitado a uma resposta, e os participantes não podiam editar o documento após o envio, essas configurações foram adotadas para minimizar viés na coleta de dados, na modalidade remota.

Os dados foram tabulados no Excel e analisados no SPSS, versão 26.0. A análise ocorreu mediante estatística descritiva, por meio da frequência absoluta e relativa e das medidas de tendência central e dispersão, bem como se procedeu à estatística inferencial (Teste de Correlação de Spearman e Teste de Comparação de Mann Whitney). O valor de 5% (p-valor<0,05) foi considerado significativo para todos os testes. Os testes não paramétricos foram utilizados mediante o resultado do teste de Kolmogorov Smirnov, em que os dados não apresentaram distribuição normal.

Os itens de agressão verbal avaliaram a presença de violência psicológica, e os itens de k a s do instrumento verificaram a ocorrência de violência física. Para violência física menor, as questões referentes a empurrar, jogar objetos e desferir tapas, enquanto para violência física maior são os itens mais graves, como desferir soco, chutes, queimar, usar faca ou arma de fogo. Uma resposta positiva a qualquer um dos tipos se configurou como classificação de violência.

Realizou-se corte na mediana para realizar a classificação do Whoqol-bref em baixa e alta qualidade de vida, em que o escore de 94 ou mais indicou alta qualidade de vida.

O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento (CEP/CESED) e somente foi iniciado após apreciação favorável, sob número de parecer 4.126.107, seguindo as recomendações da Resolução Nº 466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 exibe os dados sociodemográficos das participantes, sendo possível observar a prevalência que se autodeclaram pardas (n=241; 47,3%), com ensino superior (n=263; 51,6%), solteira (n=274; 53,7%), residente com familiares (n=266; 52,1%), não residente com o parceiro (n=283; 55,5%), não dependente das pessoas com quem reside (n=261; 51,2%), trabalha (n=336; 65,9%), recebe de um a três salários (n=216; 42,3%) e trabalha sem carteira assinada (n=186; 36,5%).

No tocante aos dados de qualidade de vida das mulheres, verificou-se que a maioria apresentava baixa qualidade de vida (n=268; 53,1%). Acerca do tipo de violência, por sua vez, houve predomínio da psicológica (n=299; 61,1%).

 

Tabela 1 – Frequência dos dados sociodemográficos das entrevistadas. Campina Grande, PB, 2020

Variáveis

n

%

Idades (anos)

 

 

18 - 29

316

62,0

30 - 39

124

24,3

≥ 40

70

13,7

Se autodeclara

 

 

Branca

213

41,8

Parda

241

47,2

Amarela

19

3,7

Negra

37

7,3

Escolaridade

 

 

Ensino fundamental

10

2,0

Ensino médio

94

18,4

Ensino superior

263

51,6

Pós-graduação

122

23,9

Mestrado

21

4,1

Doutorado

0

0,0

Estado civil

 

 

Solteira

274

53,7

Casada

189

37,1

Namorando

14

2,7

União estável

8

1,6

Morando junto

1

0,2

Viúva

3

0,6

Divorciada

21

4,1

Você mora com quem?

 

 

Familiares

266

52,1

Amigos

10

2,0

Parceiro

100

19,6

Filhos e parceiro

122

23,9

Sozinho

12

2,4

Caso você more com seu parceiro qual o tempo de relacionamento? (ano)

 

 

≤ 1

8

1,6

1 - 5

62

12,2

> 5

157

30,7

Não moro com parceiro

283

55,5

Depende das pessoas com quem mora

 

 

Sim

249

48,8

Não

261

51,2

Trabalha

 

 

Sim

336

65,9

Não

174

34,1

Renda mensal (salário-mínimo)

 

 

≤ 1

191

37,5

1 - 3

216

42,3

> 3

103

20,2

Ocupação

 

 

Trabalho com carteira assinada

156

30,6

Trabalho sem carteira assinada

186

36,5

Nenhum dos dois

168

32,9

Qualidade de vida

 

 

Baixa qualidade

268

53,1

Alta qualidade

237

46,9

Violência psicológica

 

 

Com

299

61,1

Sem

190

38,9

Violência física

 

 

Com

41

8,4

Sem

446

91,6

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

Em relação aos domínios do WHOQOL-bref, a maior média foi no domínio meio ambiente (M=27,8; DP=4,2), indicando que a maior qualidade de vida é observada neste domínio. Ademais, a média do escore foi de 92,8 pontos, com desvio padrão de 11,8, conforme Tabela 2.

 

Tabela 2 – Distribuição das medidas de tendência central e dispersão dos domínios do Whoqol-bref. Campina Grande, PB, 2020

Domínios

Média

Mediana

Mínimo

Máximo

Desvio padrão

Físico

24,0

24,0

13,0

33,0

3,1

Psicológico

19,3

20,0

10,0

26,0

2,9

Relações sociais

10,7

11,0

3,0

15,0

2,3

Meio ambiente

27,8

28,0

14,0

40,0

4,2

Escore total

92,8

94,0

59,0

127,0

11,8

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

A Tabela 3 apresenta os dados de correlação dos domínios da qualidade de vida com os escores dos tipos de violência, apontando correlação significativa sob o ponto de vista estatístico entre todos os domínios e os escores de violência (p<0,00). Ocorreu correlação negativa entre as variáveis, de modo que quanto menor o escore dos domínios de qualidade de vida, maior os escores de violência, indicando que quanto mais baixa qualidade de vida, maior é a probabilidade da mulher ser vítima de violência.

 

Tabela 3 – Correlação dos dados de qualidade de vida com os tipos de violência. Campina Grande, PB, 2020

Variáveis

Violência psicológica

Violência física

Violência geral

Domínios

Coeficiente

p-valor*

Coeficiente

p-valor*

Coeficiente

p-valor*

Físico

-0,221

0,000

-0,221

0,000

-0,219

0,000

Psicológico

-0,200

0,000

-0,200

0,000

-0,201

0,006

Relações sociais

-0,208

0,000

-0,208

0,000

-0,205

0,007

Meio ambiente

-0,208

0,000

-0,225

0,000

-0,206

0,000

Escore total

-0,256

0,000

-0,218

0,000

-0,253

0,000

Nota: *Teste de Correlação de Spearman.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

Em relação à análise de comparação, observou-se melhor qualidade de vida entre as mulheres classificadas sem violência psicológica. A comparação da violência física com a qualidade de vida também demonstrou que as maiores médias se concentram entre aquelas que não sofrem violência, apresentando diferença significativa sob o ponto de vista estatístico. E há diferença significativa entre as médias dos grupos com e sem violência, indicando que as maiores médias de qualidade de vida estão nas mulheres que não sofrem violência, ou seja, estas apresentam melhor qualidade de vida, conforme Tabela 4.

 

Tabela 4 – Comparação dos dados de qualidade de vida com a violência. Campina Grande, PB, 2020

Variáveis

Violência psicológica

Violência física

Violência Geral

Domínios

Com

M (DP)

Sem

M (DP)

Com

M (DP)

Sem

M (DP)

Com

M (DP)

Sem

M (DP)

Físico

3,36 (0,45)

3,53 (0,45)

3,10 (0,50)

3,46 (0,44)

3,36 (0,44)

3,53 (0,45)

p-valor

0,000

0,000

0,000

Psicológico

3,23 (0,47)

3,33 (0,46)

3,04 (0,46)

3,24 (0,47)

3,16 (0,47)

3,33 (0,46)

p-valor

0,000

0,007

0,000

Relações sociais

3,58 (0,77)

3,75 (0,70)

3,26 (0,86)

3,62 (0,74)

3,47 (0,79)

3,75 (0,70)

p-valor

0,001

0,009

0,000

Meio ambiente

3,48 (0,53)

3,58 (0,48)

3,09 (0,51)

3,52 (0,51)

3,42 (0,55)

3,58 (0,49)

p-valor

0,007

0,000

0,009

Escore total

91,04 (11,88)

96,11 (11,36)

84,19 (12,76)

93,95 (11,41)

91,05 (11,85)

96,11 (11,36)

p-valor

0,000

0,000

0,000

Nota: *Teste de Comparação de Mann Whitney.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

DISCUSSÃO

O distanciamento social em decorrência da pandemia da COVID-19 restringiu as pessoas às suas casas, acentuando um problema de saúde pública existente: a violência doméstica contra a mulher(4).

A violência doméstica e familiar pode ser cometida por qualquer pessoa que adentre âmbito domiciliar e/ou detenha alguma relação afetiva ou de parentesco com a vítima(2). Em período de distanciamento social, com a amplificação da convivência entre esta e o agressor, na mesma casa, as relações abusivas que lesam e agridem a mulher tendem a aumentar e passar despercebidas, mascarando e prolongando a situação de abuso, principalmente quando perpetradas por parceiro íntimo, conforme identificado em estados brasileiros como Rio de Janeiro, Paraná, Ceará, Pernambuco e São Paulo(2,4).

Nessa perspectiva, pode-se mencionar que o contexto de convivência ampliada em circunstância do necessário isolamento social, acrescido à sobrecarga de trabalho à mulher, sobretudo as que possuem filhos e marido, além da vigília e do impedimento de conversar com amigos e familiares, representam elementos importantes no desencadeamento das situações de violência doméstica contra esse público(8).

Além disso, situações como estresse, decepção emocional, fatores econômicos, moradias precárias, abuso de álcool e/ou outras drogas, coexistência exacerbada e temores acerca do coronavírus podem influenciar a ocorrência de episódios de violência(5-8). Nos homens, a perda de espaço no mercado de trabalho e o estresse econômico são tidos como fatores que implicam em atos violentos(4).

Pesquisa que traçou o perfil sociodemográfico de mulheres vítimas de violência, observou maior recorrência entre adultas, acima de 31 anos, pardas, alfabetizadas, solteiras e residentes da zona urbana(9). Além disso, destaca-se que os tipos mais recorrentes de agressão foram de ordem psicológica, física e sexual, respectivamente. Resultados semelhantes foram encontrados no presente estudo, uma vez que parte considerável da amostra sofria violência e se autodeclarou parda, solteira e com ensino superior.

Outros dados obtidos nesta pesquisa obtiveram notoriedade: o fato de que a maior parte das participantes trabalhavam e recebiam de um a três salários. De modo geral, isso nulifica a concepção errônea de que apenas mulheres de baixa renda e sem escolaridade sofrem violência doméstica, notabilizando que aquelas que possuem renda maior também são vítimas desse ato, mas que, assim como a maioria, tendem a camuflá-lo através do silenciamento(9).

Outrossim, o estudo revela que após o início do distanciamento social, houve aumento significativo de violência doméstica contra mulher, conforme observado em diversos países, como China, Reino Unido, Estados Unidos, França e Brasil. Na maioria desses locais, números alarmantes de pedidos de ajuda relacionados à violência doméstica foram registrados por autoridades governamentais, ativistas dos direitos das mulheres e parcerias da sociedade civil(4).

No Brasil, particularmente, a situação se apresenta de forma inversa. De acordo com dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública de 2020(10), o número de registros de violência doméstica contra a mulher decresceu durante a pandemia. Entretanto, sabe-se que a diminuição de denúncias não significa redução das situações de violência, mas representa maior risco da ocorrência do fenômeno, uma vez que a vítima permanece mais tempo dentro de casa com o agressor, sem saída ou oportunidade de contatar ajuda externa(8). Além disso, destaca-se o fato de que a maior parte dos crimes cometidos contra esse público, no âmbito doméstico, exige a presença da vítima para instauração de inquérito, situação dificultada pelo período de isolamento social(10).

A saúde dessa população, por sua vez, acaba sendo afetada de diversas formas e perspectivas. De acordo com revisão sistemática(11) que avalia as implicações da violência entre parceiros íntimos na saúde da mulher, consequências como distúrbios do sono, alimentação inadequada, falta de energia, dores pelo corpo, hematomas e escoriações, abuso de álcool e outras drogas, problemas ginecológicos, respiratórios, gastrintestinais e enxaquecas podem vir a ocorrer.

No presente estudo, constatou-se que as maiores médias de qualidade de vida estão presentes nas mulheres que não sofrem violência e que quanto mais baixa qualidade de vida da mulher, maior é a probabilidade desta ser acometida por esse fenômeno.

Nesse mesmo sentido, inquérito domiciliar de base populacional(12) evidenciou que a violência doméstica interferiu negativamente na qualidade de vida das mulheres, provocando danos nas relações sociais, na busca por tratamento médico e sensação de segurança das vítimas. De modo semelhante, estudo(11) aponta para prevalência de consequências de ordem mental ou psicológica em mulheres violentadas, como Síndrome do Pânico, tristeza, solidão, baixa autoestima, sintomas do transtorno de estresse pós-traumático, estresse, depressão, tendência ao suicídio, medo, comportamentos agressivos, doenças psicossomáticas, sentimento de insegurança e dificuldade com novos relacionamentos, resultando, portanto, na diminuição expressiva da qualidade de vida da vítima.

Esses achados, por sua vez, robustecem os resultados obtidos nesta pesquisa, uma vez que foi observada correlação significativa entre os dados de qualidade de vida e os escores de violência, revelando que à medida que aumenta a violência (psicológica ou física), tem-se diminuição da qualidade de vida, representada pelos aspectos físicos, psicológicos, de relações sociais e meio ambiente.

Entre as tipologias que a violência possui, a violência psicológica pode ser considerada o primeiro passo para outros tipos de agressões(13), revelando-se de maneira sutil e podendo ser descrita como atos que causem danos emocionais, diminuam a autoestima ou que prejudiquem e perturbem o desenvolvimento; ações que degradem e controlem emoções, crenças e qualquer tipo de decisão pessoal, por meio de ameaças, atos de humilhação, constrangimento, formas de manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguições, insultos, violação de intimidade e limitação do direito de ir e vir; assim como práticas de chantagem e ridicularização que prejudiquem a saúde do indivíduo acometido(14).

No período de isolamento, a violência psicológica tem sido uma das mais praticadas pelo perpetrador, haja vista o aumento exponencial da convivência, que amplia as possibilidades de tensionamento das relações interpessoais e da intensificação do estresse familiar, incluindo o das mulheres com os agressores, tendo em vista que agora, com maior frequência, a mulher acaba impedida de manter relações externas, impactando diretamente, então, nas facetas de relações sociais e meio ambiente, como identificado no presente estudo(5).

Assim, o criminoso busca restringir o contato da sofrente com outras pessoas, aumentando a influência dele sobre ela e expandindo a relação de submissão, gerando danos à saúde mental e sofrimento psíquico às vítimas(13). Sob essa perspectiva, estudo local desenvolvido na capital da Paraíba constatou que as mulheres que detêm de uma rede de apoio possuem 4,2% menos probabilidade de sofrerem violência doméstica(12).

Já a violência física, que também se expressou na amostra analisada, é caracterizada por qualquer ação que venha a ofender a integridade física do corpo, através de atos, como sacudidas, apertos, tapas, chutes, batidas ou espancamentos, queimaduras, cortes e ferimentos por armas de fogo, prejudicando a integridade do corpo da mulher(15). Tal tipologia pode ser indicativo da existência de outras formas de violência que falharam, recorrida com intuito de demonstrar o poder do homem sobre a mulher(13).

Pesquisa desenvolvida no Quirguistão confirma que os impactos direto da violência na saúde física da mulher podem ser graves, envolvendo desde contusões, ossos quebrados, edemas nas articulações e corpo, deficiência auditiva e visual, até sintomas crônicos, como dores de cabeça, nas costas e nos membros e dificuldades de funcionamento de órgãos internos(16).

Em cenário internacional, estudo com 6.936 mulheres apontou que os principais danos físicos provenientes da violência física são as distensões que podem desencadear hematomas. Dessa mesma forma, pesquisa nacional que, pela análise de 1.965 prontuários de mulheres atendidas no Instituto Médico Legal (IML), constatou que distensões, contusões, cortes, lacerações, fraturas e entorses representam alguns dos principais danos físicos oriundos desse tipo de violência(17).

Além disso, a violência física não acarreta apenas danos visíveis à saúde da mulher, mas transcende essa perspectiva, atingindo aspectos emocionais, morais e psicológicos, como dificuldades para dormir, de desenvolver relacionamentos interpessoais e surgimento de doenças como a depressão(18).

Nessa perspectiva, evidenciou-se que a incidência de transtornos mentais aumenta em mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo, seja física, psicológica e/ou sexual(17). Semelhantemente, pesquisa desenvolvida no Irã com gestantes mostrou que a saúde mental das participantes foi afetada pela situação de violência, quando comparada às mulheres que não sofreram violência(19).

Esses dados corroboram achados da presente pesquisa e revelam a necessidade de promover saúde mental a esse público e estimular a adoção mais efetiva de medidas que previnam a ocorrência do fenômeno da violência.

Em estudo qualitativo que avaliou as repercussões da violência doméstica na vida de mulheres e crianças, observou-se comprometimento das interações sociais a partir da violência sofrida pelos cônjuges(20). Esse comprometimento se revelou a partir do fato de que muitas mulheres deixam de ver e interagir com familiares e amigos, relatando indisposição para sair e se divertir e, consequentemente, interagir com o ambiente ao seu redor. Esse silenciamento resultante de um estado psicológico abalado é descrito como característica recorrente das mulheres vítimas de violência e repressão(13).  

Em consonância, estudo iraniano indica relação entre baixa qualidade de vida e alta prevalência de violência doméstica durante a pandemia provocada pela COVID-19, recomendando, assim, a intensificação do rastreamento e da quebra desse ciclo de violência, a fim de melhorar a qualidade de vida de mulheres que sofrem com esse tipo de abuso(19).

Nesse sentido, embora o distanciamento social se apresente como medida essencial para contenção da COVID-19 no Brasil, cabe ao Estado atuar, com vistas a garantir às mulheres o direito a viver sem violência e com qualidade de vida, focando no desenvolvimento de estratégias que transcendam uma assistência focada nos aspectos físicos(20).

O estudo apresenta limitações quanto ao cenário da pesquisa ter sido em ambiente virtual, sem a presença direta do autor para sanar possíveis dúvidas, entretanto, favoreceu que o participante estivesse mais confortável em relação às respostas. Outro fator que merece destaque é a escassez de estudos voltados às implicações da violência na qualidade de vida das mulheres durante o período da pandemia, comprometendo discussão mais aprofundada do assunto analisado e, ao mesmo tempo, revelando a necessidade de mais estudos que avaliem essa temática.

Assim, torna-se relevante a realização de novas pesquisas com delineamento semelhante e de natureza qualitativa para aprofundamento dos fatores que diminuem a qualidade de vida diante do isolamento social e compreensão do impacto da violência neste aspecto.

Logo, este estudo constitui ponto de partida para demais pesquisas relacionadas à temática e ressalta a importância da atenção dos diferentes serviços, dentre eles os de saúde, uma vez que a violência acarreta sérias implicações às mulheres vítimas desse fenômeno, sendo imprescindível o reconhecimento precoce dos sinais de agressão, a fim de prestação de assistência pautada nas demandas das vítimas.

 

CONCLUSÃO

Constatou-se relação negativa entre a violência e a qualidade de vida de mulheres vítimas de violência isoladas socialmente, em decorrência da pandemia da COVID-19. O dimensionamento da qualidade de vida envolve aspectos físicos, psicológicos, relações sociais e meio ambiente, os quais apresentaram relação inversa com a violência física e psicológica, indicando que na medida em que as facetas de qualidade de vida diminuem, ocorre maior desfecho de violência contra mulher isolada socialmente.

Aponta-se a influência direta da violência doméstica perpetrada contra a mulher em isolamento social, na qualidade de vida dessas vítimas, o que implica necessidade de atenção intersetorial de enfrentamento à problemática, desvelando ações urgentes, por meio de rede apoio e proteção, envolvendo setor da saúde, assistência social e jurídica, ao considerar a evidente redução na qualidade de vida das mulheres pesquisadas.

 

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

FINANCIAMENTO

Sem financiamento.

 

REFERÊNCIAS

1. Fiorati RC, Arcêncio RA, Souza LB. Social inequalities and access to health: challenges for society and the nursing field. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24(0):e2687. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0945.2687. PMid:27143540.

 

2. Boxall B, Morgan A, Brown R. The prevalence of domestic violence among women during the COVID-19 pandemic. Australasian Policing. 2020;12(3):38-46. http://dx.doi.org/10.52922/sb04718.

 

3. Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS). Protocolo de manejo clínico do coronavírus (COVID-19) na atenção primária à saúde [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [citado 2021 maio 27]. Disponível em: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/202004/14140606-4-ms-protocolomanejo-aps-ver07abril.pdf

 

4. Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad Saude Publica. 2020;36(4):e00074420. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00074420. PMid:32374808.

 

5. Vieira PR, Garcia LP, Maciel ELN. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Rev Bras Epidemiol. 2020;23:e200033. http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720200033. PMid:32321005.

 

6. Carneiro JS, Silio LF, Antunez BF, Silva OG, Rodrigues MAM, Oliveira JRLet al. Quality of life of women victims of domestic violence. Rev CPAQV [Internet]. 2021 [citado 2021 maio 30];13(1):1-10. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Guanis-Vilela-Junior/publication/347511286_QUALIDADE_DE_VIDA_DE_MULHERES_VITIMAS_DE_VIOLENCIA_DOMESTICA/links/5fd

f57d392851c13fea945b6/QUALIDADE-DE-VIDA-DE-MULHERES-VITIMAS-DE-VIOLENCIA-DOMESTICA.pdf

 

7. Santos RG, Moreira JG, Fonseca ALG, Gomes AS Fo, Ifadireó MM. Violência contra a mulher à partir das teorias de gênero. Id on-line Rev Mult Psic [Internet]. 2019 [citado 2021 maio 30];13(44):97-117. Disponível em: https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/1476/2363.

 

8. Peterman A, Potts A, O’Donnell M, Thompson K, Shah N, Oertelt-Prigione Set al. Pandemics and violence against women and children [Internet]. Washington, DC: Center for Global Development; 2020 [citado 2021 maio 29]. Disponível em: https://www.cgdev.org/publication/pandemics-and-violence-against-women-and-children.

 

9. Silva MPS, Santos BO; Ferreira TB; Lopes AOS. A violência e suas repercussões na vida da mulher contemporânea. Rev enferm UFPE on line [Internet]. 2017 [citado 2021 maio 30];11(8):3057-3064. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/110209.

 

10. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (BR). Anuário Brasileiro de Segurança Pública [Internet]. Brasília, DF: FBSP; 2020 [citado 2021 maio 27]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/

 

11. Lourenço LM, Costa DP. Violência entre parceiros íntimos e as implicações para a saúde da mulher. Gerais: Rev Interinst Psicol [Internet]. 2020 [citado 2021 maio 30];13(1):1-18. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202020000100010&lng=pt.

 

12. Lucena KDT, Vianna RPT, Nascimento JA, Campos HFC, Oliveira ECT. Association between domestic violence and women’s quality of life. Rev Lat Am Enfermagem. 2017;25(0):e2901. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1535.2901. PMid:28591305.

 

13. Siqueira CA, Rocha ESS. Violência psicológica contra a mulher: uma análise bibliográfica sobre causa e consequência desse fenômeno. Revista Arquivos Científicos (IMMES) [Internet]. 2019 [citado 2021 maio 28];2 (1): 12-23. Disponível em: https://arqcientificosimmes.emnuvens.com.br/abi/article/view/107/63

 

14. Instituto Maria da Penha (BR). A lei na íntegra e comentada [Internet]. Fortaleza: IMP; 2018 [citado 2021 maio 27]. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/lei-maria-da-penha-na-integra-e-comentada.html

 

15. Santos SMAB, Oliveira ZM, Coqueiro RS, Santos VC, Anjos KF, Casotti CA. Prevalence and profile of pregnant women who suffered physical violence. Rev Fund Care Online [Internet]. 2017 [citado 2021 maio 25];9(2):401-407. Disponível em: http://seer.unirio.br/cuidadofundamental/article/view/5287.

 

16. Childress S, Gioia D, Campbell JC. Women’s strategies for coping with the impacts of domestic violence in Kyrgyzstan: a grounded theory study. Soc Work Health Care. 2018;57(3):164-89. http://dx.doi.org/10.1080/00981389.2017.1412379. PMid:29227740.

 

17. Mendonça MSF, Ludermir AB. Violência por parceiro íntimo e incidência de transtorno mental comum. Rev Saude Publica. 2017;51:32. http://dx.doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051006912

 

18. Guimarães RCS, Soares MCS, Santos RC, Moura JP, Freire TVV, Dias MD. Impacto na autoestima de mulheres em situação de violência atendidas em Campina Grande, Brasil. Revista CUIDARTE. 2018;9(1):1988-97. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v9i1.438.

 

19. Naghizadeh S, Mirghafourvand M, Mohammadirad R. Domestic violence and its relationship with quality of life in pregnant women during the outbreak of COVID-19 disease. BMC Pregnancy Childbirth. 2021;21(1):88. http://dx.doi.org/10.1186/s12884-021-03579-x. PMid:33509103.

 

20. Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD, Mota RS, Erdmann AL. Violência conjugal: repercussões para mulheres e filhas(os). Esc Anna Nery [Internet]. 2017 [citado 2021 maio 30];21(4):e20160346. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ean/a/bwj4BTRVjMp8CdBRLRWwfzM/?format=pdf&lang=pt.

 

 

Submissão: 01/06/2021

Aprovado: 03/05/2022

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Cunha MLC, Medeiros TPG, Nóbrega IS, Bezerra KA, Araújo-Monteiro GKN, Marcolino EC, Soares MCS, Santos-Rodrigues RC

Obtenção de dados: Cunha MLC, Santos-Rodrigues RC

Análise e interpretação dos dados: Cunha MLC, Medeiros TPG, Nóbrega IS, Bezerra KA, Araújo-Monteiro GKN, Marcolino EC, Soares MCS, Santos-Rodrigues RC

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Cunha MLC, Medeiros TPG, Nóbrega IS, Bezerra KA, Araújo-Monteiro GKN, Marcolino EC, Soares MCS, Santos-Rodrigues RC

Aprovação final do texto a ser publicada: Cunha MLC, Medeiros TPG, Nóbrega IS, Bezerra KA, Araújo-Monteiro GKN, Marcolino EC, Soares MCS, Santos-Rodrigues RC

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Cunha MLC, Medeiros TPG, Nóbrega IS, Bezerra KA, Araújo-Monteiro GKN, Marcolino EC, Soares MCS, Santos-Rodrigues RC

 

 

Imagem 1