ORIGINAL

 

Estratégias para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 em hospitais universitários: estudo descritivo

 

José Luís Guedes dos Santos1, Fernando Henrique Antunes Menegon1, Maria Vitória de Azeredo Knoblauch1, Gustavo Baade de Andrade1, Alacoque Lorenzini Erdmann1

 

1 Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil

 

RESUMO
Objetivo:
Descrever estratégias desenvolvidas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 em hospitais universitários. Método: Pesquisa descritiva, com abordagem quanti-qualitativa, desenvolvida a partir de um survey online com 104 enfermeiros de três hospitais universitários brasileiros. O processamento dos dados foi realizado por meio de análise textual com auxílio do software IRAMUTEQ®. Resultados: Foram obtidas seis classes semânticas que representam as principais estratégias desenvolvidas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 no ambiente hospitalar: 1) Fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (17,2%); 2) Capacitações da equipe para o cuidado (18,8%); 3) Treinamento da equipe de apoio (15,6%); 4) Aquisição de equipamentos com boa qualidade (14,1%); 5) Definição de fluxos institucionais (20,5%) e 6) Promoção de apoio psicológico (14,1%). Conclusão: As estratégias elencadas pelos enfermeiros têm contribuído para a qualidade da assistência prestada aos pacientes, bem como a manutenção da saúde do trabalhador.

 

Descritores: Infecções por Coronavírus; Organização e Administração; Hospitais Universitários.

 

INTRODUÇÃO

O primeiro caso do coronavírus, o SARS-CoV-2 foi reportado em uma cidade da província de Hubei, na China, em 31 de dezembro de 2019. Aproximadamente um mês depois, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, pois a transmissão entre humanos já havia sido identificada em19 países(1).Na América Latina, o primeiro caso foi registrado em 26 de fevereiro de 2020 no Brasil(2). Até 15/08/2021, o Brasil possuía cerca de 20,4 milhões de casos, sendo que 569 mil tiveram como desfecho o óbito. No panorama mundial, foram 207 milhões de casos confirmados e cerca de 4,36 milhões de mortes associadas à doença(3).

Coronavírus Disease 2019 (COVID-19) caracteriza-se como uma doença altamente transmissível, associada a danos alveolares e insuficiência respiratória progressiva, que tem febre, cansaço e tosse seca como principais sintomas(1-3).Por se tratar de uma doença nova e sem tratamento específico, foi necessária a reestruturação dos serviços de saúde para o atendimento de casos suspeitos e confirmados de COVID-19, principalmente dos hospitais que recebiam pacientes com quadros mais graves da doença com demanda de cuidados intensivos(4).

Nesse contexto, a atuação do enfermeiro tem ganhado destaque, principalmente na participação de comissões de planejamento da reformulação da estrutura física, elaboração de fluxos de atendimento e otimização de recursos humanos, insumos e tecnologias(5-6). Porém, ao mesmo tempo, os enfermeiros têm vivenciado emoções negativas, como ansiedade, desamparo institucional e medo de contaminação de familiares e colegas de trabalho. Além disso, falta preparo para o enfrentamento de uma pandemia, especialmente diante do desconhecimento da doença(7).

Com isso, diante da magnitude da pandemia, a adequação dos processos de gestão e trabalho é uma condição necessária, o que demandou o desenvolvimento de estratégias organizacionais para garantir a qualidade assistencial e condições adequadas de trabalho aos profissionais de saúde. Desse modo, delineou-se esta pesquisa com a seguinte questão norteadora: Quais estratégias foram desenvolvidas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 em hospitais universitários?

A discussão dessa questão é importante para a identificação de tendências e desafios que permeiam o trabalho da enfermagem em um momento de crise sanitária. Além disso, este estudo também se justifica a partir de uma pesquisa bibliométrica sobre a produção científica que aborda a COVID-19, segundo a qual as publicações nacionais em relação à gestão e operacionalização de estratégias de enfrentamento da pandemia ainda têm pouca expressividade em comparação ao âmbito internacional(8).

Este estudo teve como objetivo descrever as estratégias para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 desenvolvidas em hospitais universitários.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem quanti-qualitativa. O cenário da pesquisa foram três hospitais universitários de grande porte do Brasil, sendo que dois localizados na região Sul e um na região Sudeste. A escolha dos hospitais ocorreu para contemplar uma maior diversidade cultural da região Sudeste do Brasil, considerando as instituições de vínculo dos pesquisadores e a existência de um macroprojeto em andamento envolvendo integrantes da equipe de pesquisa.

Os participantes foram enfermeiros dos diferentes setores das instituições. O tamanho da amostra foi calculado no programa Epi-Info, versão 7.2.3.1. Considerando uma população de 616 enfermeiros dos três hospitais, prevalência desconhecida de 50% e nível de confiança de 95%, o tamanho amostral pretendido foi 134 enfermeiros para um erro máximo de 7,5%. O recrutamento foi realizado por amostra de conveniência não aleatória. Os enfermeiros foram convidados por e-mail para participar do estudo, com lembretes de acompanhamento semanais. De forma adicional, solicitou-se às chefias de enfermagem das instituições a divulgação do questionário em grupos dos enfermeiros no WhatsApp®. De acordo com o período para realização do estudo, foi atingido o número total de 104 participantes, o que pode ser considerado razoável para pesquisas online(9), especialmente diante da pandemia COVID-19.

Como critérios de elegibilidade, definiu-se pela inclusão de enfermeiros que estavam atuando na assistência ou com a perspectiva de atuar no cuidado de pacientes suspeitos ou infectados com COVID-19, no momento do estudo. Tal critério de inclusão era informado aos participantes, no momento do convite para responder o questionário online, técnica de coleta de dados utilizada na investigação em vista da pandemia de COVID-19.

A coleta de dados foi realizada no período de 27 de abril a 27 junho de 2020, via Google Forms®. O instrumento de coleta de dados foi composto por duas partes, com tempo de resposta estimado em 10 minutos. A primeira com dados de caracterização socioprofissional dos enfermeiros: idade, sexo, situação conjugal, filho(s), setor, função, formação e tempo de experiência profissional (em anos). Também havia duas questões fechadas: 1) Como você avalia a experiência de atuar ou vir a atuar no cuidado de pacientes suspeitos ou infectados com Covid-19? (negativa, neutra ou positiva) e 2) Como você percebe o apoio da gerência de enfermagem durante a pandemia? (ruim, médio, bom).

A segunda parte era composta por uma pergunta aberta, cuja resposta era opcional, sobre as estratégias desenvolvidas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 no ambiente hospitalar. Do total de participantes do estudo, 86 responderam essa questão.  

Antes da coleta de dados, realizou-se um teste piloto do questionário para validade de face e conteúdo com dois enfermeiros assistenciais e dois enfermeiros docentes. A partir disso, correções menores em relação à grafia e ordem de apresentação das questões foram realizadas.

Os dados quantitativos foram organizados em planilha eletrônica e a análise foi realizada por meio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 19. Para análise das variáveis qualitativas, optou-se pela avaliação das frequências percentual e absoluta, já para as variáveis quantitativas utilizou as medidas de posição como média, mínimo e máximo bem como o desvio padrão.

Os dados qualitativos foram processados por meio do Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ®), que permite a análise de agrupamentos de vocábulos em um corpo de texto denominado corpus textual. Neste estudo, realizou-se a análise por meio da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) que gera classes semânticas que permitem a interpretação dos dados pelos pesquisadores.

A preparação do arquivo de texto foi elaborada no programa Open Office®. Realizou-se a correção de possíveis erros de escrita ou digitação, bem como a unificação de palavras compostas para o processamento dos dados, a exemplo de: “segurança_do_paciente”.

Este estudo integra um macroprojeto multicêntrico sobre ambiente de trabalho e empoderamento de enfermeiros no contexto hospitalar.

Para a realização desta pesquisa, obteve-se aprovação de uma emenda ao projeto original pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de referência, sob o parecer número 2.465.337. Para acessar o questionário da pesquisa, primeiramente os participantes eram esclarecidos por meio de uma página com dados gerais da pesquisa. Em seguida, era disponibilizado online o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para ter acesso ao questionário, era necessário assinalar que concordava em participar do estudo. Assim, atenderam-se às resoluções que estabelecem as normas para a pesquisa com seres humanos no Brasil.

 

RESULTADOS

Nos resultados socioprofissionais, predominaram participantes do sexo feminino (n=87; 83,7%), com idade média de 38,9(±8,8) anos e 13,69 (±8,99) em média de experiência profissional. A maioria atuava como enfermeiro assistencial (78,8%) em Unidades de Internação (23,1%). Referente à formação, predominaram enfermeiros com Especialização/Residência (46,2%). A experiência de atuar ou vir a atuar no cuidado de pacientes suspeitos ou infectados com COVID-19 e apoio da gerência de enfermagem durante a pandemia foi avaliada positivamente pela maioria dos participantes. A Tabela 1 apresenta os dados de caracterização socioprofissional dos enfermeiros.

 

Tabela 1 – Caracterização socioprofissional dos enfermeiros. Florianópolis, SC, Brasil, 2020

Variável

Amostra(%)

Sexo

 

  Feminino

87(83,7%)

  Masculino

17(16,3%)

 Setor

 

   Unidades de Internação

24(23,1%)

   Unidades Pediátricas ou Neonatais

18(17,3%)

   Unidade de Tratamento Intensivo

20(19,2%)

   Pronto Socorro

12(11,5%)

   Centro Cirúrgico e Sala de Recuperação

6(5,8%)

   Outros

24(23,1%)

Função

 

   Enfermeiro assistencial

82(78,8%)

   Enfermeiro gerente

13(12,5%)

   Enfermeiro CCIH ou vigilância epidemiológica ou educação continuada/permanente ou do trabalho

9(8,7%)

Formação

 

Graduação

12(11,5%)

Especialização/Residência

48(46,2%)

Mestrado

38(36,5%)

Doutorado

6(5,8%)

Experiência de atuar ou vir a atuar no cuidado de pacientes suspeitos ou infectados com COVID-19

 

Negativa

32(30,8%)

Neutra

30(28,8%)

Positiva

42(40,4%)

Percepção do apoio da gerência de enfermagem durante a pandemia

 

Ruim

25(24,0%)

Médio

30(28,8%)

Bom

49(47,1%)

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

Para a análise no IRAMUTEQ® foram incluídos 88 textos, contudo gerou-se 84 segmentos de textos e teve 70,37% de aproveitamento das respostas relacionadas às estratégias implementadas no ambiente de trabalho diante da pandemia de COVID-19. Como resultado, foram obtidas seis classes semânticas que representam as estratégias desenvolvidas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 no ambiente hospitalar, sendo elas: 1) Fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (17,2%); 2) Capacitações da equipe para o cuidado (18,8%); 3) Treinamento da equipe de apoio (15,6%); 4) Aquisição de equipamentos com boa qualidade (14,1%); 5) Definição de fluxos institucionais (20,5%) e 6) Promoção de apoio psicológico (14,1%).

Como estratégia complementar o programa fornece a força associativa de cada palavra que compõe as classes semânticas. A força associativa é calculada pelo Teste do Qui-Quadrado (χ2) e resultados maiores que 3,84 e p<0,0001 indicam correlações fortes entre as palavras de uma determinada classe.

Com relação à força associativa, a classe semântica 1 teve as palavras “Equipamentos de Proteção Individual” (33,7; p<0,0001), “Fornecer” (30,03; p<0,0001) e “Adequada” (27,01; p<0,0001) representando os maiores índices de relação. A segunda classe semântica possui correlações entre “Capacitação” (23,87; p<0,0001), “Cuidado” (18,49; p<0,0001), e “Equipe” (5,81; p<0,0001). De maneira parecida, a classe 3 possuía a palavra “Equipe” (20,65; p<0,0001) com uma maior força de correlação com as palavras “Treinamento” (29,26; p<0,0001) e “Melhorar (20,25; p<0,0001). A quarta classe semântica contava com “Qualidade” (26,29; p<0,0001), “Adquirir” (19,13; p<0,0001), e “Equipamentos de Proteção Individual” (13,11; p<0,0001). A classe 5 correlacionava  “Instituição” “Definição” e “Fluxo” com as mesma força de correlação (21,28; p<0,0001), o que pode explicar sua sobreposição no dendograma.  Em consonância, a última classe semântica possui a mesma força de correlação (19,23; p<0,0001), entre as palavras “Psicológico”, “Apoio” e “Trabalhador”.

A Figura 01 ilustra as classes semânticas e suas articulações.

 

image1.png

Figura 1 – Classes semânticas. Florianópolis, SC, Brasil, 2020

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

No dendrograma, todas as classes foram inicialmente sobrepostas pela classe 6 que por consequência relaciona-se com a classe 5 que sucede a divisão articulada entre as classes semânticas 1 e 4; 2 e 3. Desse modo, pode-se interpretar que o apoio psicológico aos enfermeiros está relacionado à criação de novos fluxos de atendimento e auxílio institucional, tal fato correlaciona-se com a aquisição e distribuição de equipamentos, bem como com os treinamentos e capacitações fornecidas para as equipes.
A associação entre as classes 1 e 4 reflete que o fornecimento adequado de Equipamentos de Proteção Individual está ligado à aquisição de equipamentos de boa qualidade pelo serviço. Em consonância, a terceira e segunda classes possuem em comum a realização de capacitações das equipes assistenciais e dos serviços de apoio.

A primeira classe semântica “Fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual” relata como estratégia o fornecimento EPI’s. Com o avanço da pandemia, a compra de EPI’s mostrou-se ainda mais urgente e indispensável para a proteção dos profissionais da saúde, diante do aumento da demanda hospitalar na utilização desses materiais.
A classe denominada “Capacitações da equipe para o cuidado” diz respeito à ampliação das capacitações promovidas pela instituição para a realização de cuidados à pessoa com COVID-19. Em decorrência da articulação da classe 2, a terceira classe “Treinamento da equipe de apoio” retrata a ampliação das capacitações para outras equipes e serviços de apoio. Nesse sentido, as capacitações e os treinamentos destacam-se como estratégias implementadas para melhorar as habilidades dos profissionais, considerando as mudanças no ambiente de trabalho e desafios decorrentes da pandemia.
A quarta classe semântica “Aquisição de equipamentos com boa qualidade” retrata a preocupação com a compra de Equipamentos de Proteção Individual de boa qualidade pela instituição hospitalar em prol da segurança dos profissionais. Em seguida, a criação de novos fluxos de atendimentos e condutas assistenciais é evidenciada como estratégia para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 na classe “Definição de fluxos institucionais”. A última classe, denominada “Promoção de apoio psicológico”, indica a oferta de suporte psicológico para os profissionais que atuam na assistência em decorrência da crise de saúde emergente que afeta diretamente a saúde mental dos enfermeiros. A seguir, apresenta-se a Figura 2 com depoimentos representativos de cada classe semântica

 

CLASSE 1 - Fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual

A compra de maior número de Equipamentos de Proteção Individual.

Fornecer Equipamentos de Proteção Individual e informações adequadas.

Fornecer Equipamentos de Proteção Individual em quantidades adequadas para todos os envolvidos no atendimento.

Começamos a usar mais Equipamentos de Proteção Individual que antigamente.

CLASSE 2 – Capacitações da equipe para o cuidado

Capacitações e mais segurança nas informações e orientações dadas às equipes.

Capacitar a equipe quanto aos cuidados e fluxos.

Ampliar capacitações técnicas institucionais sobre o manejo de cuidados de pacientes com COVID.

CLASSE 3 – Treinamento das equipes de apoio

Realização de treinamentos das equipes de apoio.

Treinamento da equipe da higiene e manutenção, por exemplo.

Melhorar os treinamentos para as equipes do hospital.

Treinamento de todas as equipes

CLASSE 4 – Aquisição de equipamentos com boa qualidade

Adquirir Equipamentos de Proteção Individual de qualidade.

Adquirir Equipamentos de Proteção Individual de qualidade para os funcionários.

Manter equipe com Equipamentos de Proteção Individual de boa qualidade.

CLASSE 5 – Definição de fluxos institucionais

Definição das condutas tanto para diagnóstico quanto para o fluxo dos pacientes dentro da instituição.

Consolidação dos fluxos de pacientes dentro da instituição.

Definição de fluxos de planejamento frente ao aumento da demanda de pacientes.

CLASSE 6 – Promoção de apoio psicológico

Apoio psicológico mais efetivo para o colaborador.

Suporte psicológico aos funcionários que estão atuando diretamente com pacientes

Promoção de maior apoio psicológico para o colaborador

Figura 2 – Depoimentos dos participantes. Florianópolis, SC, Brasil, 2020

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

DISCUSSÃO

Um dos resultados deste estudo que chamou atenção foi a avaliação positiva dos enfermeiros em relação à atuação no cuidado de pacientes suspeitos ou infectados com COVID-19. Estudos anteriores identificaram sentimentos negativos, especialmente medo de ser infectado entre a equipe de enfermagem(7,10). Assim, pode-se considerar que a resposta dos participantes deste estudo evidencia a resiliência e o desenvolvimento de estrutura emocional para o enfrentamento deste momento de dificuldade e adaptações no contexto de trabalho.

Além disso, esse achado também pode estar relacionado à percepção positiva referida pelos enfermeiros quanto ao apoio da gerência de enfermagem durante a pandemia.  Períodos turbulentos requerem a presença e o apoio das lideranças institucionais. É importante, mais do que nunca, que administradores hospitalares, gerentes de enfermagem e chefias de serviço desenvolvam maneiras de se conectarem com suas equipes e busquem abordagens para atenuar suas preocupações(11).

Nos resultados qualitativos, cinco das seis classes semânticas estão relacionadas a estratégias que visam tornar o ambiente de trabalho mais seguro aos profissionais de saúde e equipes de apoio, por meio do fornecimento de EPI’s, capacitações e apoio psicológico. A outra classe identificada relaciona-se à dimensão estrutural dos serviços hospitalares, que envolve a definição de novos fluxos institucionais para o atendimento de pacientes suspeitos e/ou com COVID-19.

Com o advento de uma nova doença infectocontagiosa, a urgência da utilização de EPI’s tornou-se vital para o enfrentamento da pandemia. Os EPI’s são os principais instrumentos utilizados para a prevenção de acidentes biológicos, físicos e químicos no ambiente de trabalho, reduzindo risco de danos durante a prática laboral. Com o uso adequado de EPI’s, a contaminação dos profissionais é reduzida, prevenindo a propagação do vírus para os demais profissionais e pacientes. Dessa forma, o uso de EPI’s é o método mais eficaz para a proteção da saúde dos trabalhadores na pandemia. Nesse ínterim, observa-se a importância de estratégias que sejam capazes reduzir o possível desabastecimento tendo como exemplo, o reprocessamento destes equipamentos, a análise dos riscos de exposição para distribuição correta de profissionais de apoio e a aquisição com garantia numérica para pelo menos quatro semanas(12). Além da quantidade, outra grande preocupação foi garantir a qualidade dos EPIs. A falta de EPIs adequados e de boa qualidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento de estresse, ansiedade e insegurança dos profissionais para atuar na linha de frente de combate à COVID-19. Dessa forma, percebe-se que as medidas de enfrentamento vão além da disponibilização de EPIs, mas também em relação à qualidade que estes materiais estão sendo ofertados. Assim, evidencia-se a necessidade de métodos e estratégias dinâmicas e inovadoras para a gestão de estoques, com intenção de garantir proteção dos profissionais da saúde e qualidade da assistência para os pacientes(13).

Os profissionais também devem estar capacitados para utilização correta dos EPI’s, bem como para o cuidado de pacientes com uma patologia até então desconhecida. Esse foi o foco das classes semânticas 2 e 3, que se referem às capacitações da equipe para o cuidado e ao treinamento da equipe de apoio, respectivamente.

Neste sentido, a Educação Permanente em Saúde (EPS) mostrou-se uma importante ferramenta para enfrentamento da COVID-19, a partir da adaptação de atividades educacionais conforme as necessidades dos profissionais e dos serviços de saúde. O desenvolvimento da equipe pode ocorrer por meio da oferta de cursos e treinamentos para capacitação profissional, assim como o uso de recursos educacionais disponíveis para auxiliar no processo prático. De forma similar, o estudo relata que a EPS é uma das principais ações desenvolvidas na unidade de trabalho, seguida da aquisição de EPI’s e o afastamento dos profissionais dos grupos de risco(14).

Ações de EPS para o trabalhador tornaram-se objeto de preocupação com objetivo de minimizar os riscos de acidentes e o absenteísmo entre os trabalhadores. Tais ações possibilitam o acesso à informação e educação em saúde aos trabalhadores, contribuindo para a qualificação de atitudes e comportamentos diante das medidas de biossegurança no ambiente hospitalar. É fundamental que prováveis dificuldades sejam identificadas, estabelecendo-se medidas de controle e prevenção de riscos visando ao aprimoramento da comunicação entre todos os envolvidos. Assim, todos os trabalhadores devem ter acesso a ações educativas no âmbito hospitalar, incluindo equipe de higienização e equipe de manutenção de equipamentos hospitalares(15).

Outro resultado evidenciado foi em relação ao apoio psicológico aos profissionais (classe semântica 6). Tradicionalmente, o ambiente de trabalho do enfermeiro é marcado por sentimentos tanto de prazer quanto de sofrimento psíquico(16).Os impactos da sobrecarga laboral intensificaram-se com a pandemia de COVID-19, podendo manifestar sinais físicos e emocionais de esgotamento. A tensão e insegurança da assistência a pacientes suspeitos e/ou com diagnóstico confirmado de COVID-19 aumenta o estresse e afeta inúmeros fatores relacionados à saúde do trabalhador, levando à exaustão e esgotamento profissional. Logo, a sobrecarga emocional associada à sobrecarga laboral é uma das principais causas de estresse dos enfermeiros, o que pode levá-los ao adoecimento e à insatisfação no trabalho(17). Nesse contexto, sobressai-se a importância da atuação de enfermeiros gestores na busca de estratégias para redução de possíveis problemas psicológicos decorrentes da insegurança, excesso de carga horária, trabalho exaustivo, entre outros fatores que estão acometendo os profissionais(18).

Estudo com profissionais de saúde de 34 hospitais que atendiam pacientes com COVID-19 em várias regiões da China evidenciou um aumento considerável de sintomas de depressão, ansiedade, insônia e angústia em profissionais de saúde. Segundo este estudo, os profissionais que mais sofrem são os enfermeiros, por atuarem diretamente na assistência a pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19(19).

Por fim, na classe semântica “Definição de fluxos institucionais” percebe-se que com a chegada da pandemia de COVID-19, a readequação dos fluxos assistenciais foi necessária para adaptar o ambiente hospitalar e prevenir contágio entre profissionais e pacientes. Resultados semelhantes estão descritos em pesquisa anterior, em que sobressaíram modificações envolvendo, principalmente, a organização de uma estrutura de apoio para solicitação de exames complementares com resultados em tempo oportuno, estruturação de espaço físico adequado para possíveis casos suspeitos, preparação de estoque de medicamentos e equipamentos(20). No tangente à organização do trabalho, embora não tenha sido citado especificamente pelos participantes deste estudo, outra investigação destacou ainda a ampliação e o remanejamento da equipe assistencial para evitar sobrecarga de trabalho entre os profissionais(8).

Quanto às limitações deste estudo, registra-se que as interpretações dos resultados podem ser consideradas de alcance restrito devido ao recorte transversal da pesquisa e à adoção de uma amostra por conveniência não probabilística. Esse tipo de amostragem não permite saber se as pessoas selecionadas são realmente representativas da população. Pode-se citar ainda que o período de duração da coleta de dados e a adoção de um questionário online podem ter dificultado o acesso e uma maior adesão dos participantes.

Os achados desta pesquisa podem subsidiar o desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento de novas “ondas” da pandemia de COVID-19 no ambiente hospitalar ou mesmo de outras pandemias e/ou doenças infectocontagiosas no futuro. Considerando a temporalidade da produção do conhecimento científico em saúde e enfermagem, o estudo ainda contribui para o registro do momento histórico atual para a posteridade, destacando a importância da atuação da Enfermagem nesse contexto. Vale ressaltar também que os resultados apresentados podem contribuir na formulação de novas investigações acerca do impacto da pandemia na prática profissional da enfermagem.

 

CONCLUSÃO

Este estudo possibilitou descrever as estratégias para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 no contexto hospitalar. As estratégias identificadas foram: 1) Fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual; 2) Capacitações da equipe para o cuidado; 3) Treinamento da equipe de apoio; 4) Aquisição de equipamentos com boa qualidade; 5) Definição de fluxos institucionais e 6) Promoção de apoio psicológico. Constatou-se que as estratégias elencadas pelos enfermeiros influenciam na assistência prestada aos pacientes, bem como na saúde do próprio trabalhador.

 

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

FONTE DE FINANCIAMENTO

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

 

REFERÊNCIAS

1. Deng SQ, Peng HJ. Characteristics of public health responses to the Coronavirus disease 2019 outbreak in China. J Clin Med. 2020;9(2):575. http://dx.doi.org/10.3390/jcm9020575. PMid:32093211.

 

2. Rodriguez-Morales AJ, Gallego V, Escalera-Antezana JP, Méndez CA, Zambrano LI, Franco-Paredes Cet al. COVID-19 in Latin America: the implications of the first confirmed case in Brazil. Travel Med Infect Dis. 2020;35:101613. http://dx.doi.org/10.1016/j.tmaid.2020.101613. PMid:32126292.

 

3. Center for Systems Science and Engineering. Johns Hopkins University. Modeling the spread of 2019‐nCoV [Internet]. 2020 [citado 2021 ago 10]. Disponível em: https://systems.jhu.edu/wp‐content/uploads/2020/01/Gardner‐JHU_nCoV‐Modeling‐Report_Jan‐26.pdf

 

4. Belarmino AC, Rodrigues MEG, Anjos SJSB, Ferreira AR Jr. Collaborative practices from health care teams to face the covid-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020;73(2, Suppl 2):e20200470. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0470. PMid:33111780.

 

5. Bitencourt JVOV, Meschial WC, Frizon G, Biffi P, Souza JB, Maestri E. Nurse’s protagonism in structuring and managing a specific unit for COVID-19. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20200213. http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0213.

 

6. Gastaldo D, Vieira AC. From Discredited to Heroines: COVID-19 and the year that would be Nursing Now. Esc Anna Nery. 2020;24:e20200409. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0409.

 

7. Nasi C, Marcheti PM, Oliveira E, Rezio LA, Zerbetto SR, Queiroz AMet al. Meanings of nursing professionals’ experiences in the context of the pandemic of COVID-19. Rev Rene. 2021;22:e67933. http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.20212267933.

 

8. Costa ICP, Sampaio RS, Souza FAC, Dias TKC, Costa BHS, Chaves ECL. Scientific production in online journals about the new coronavirus (covid-19): bibliometric research. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20200235. http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0235.

 

9. Menon V, Muraleedharan A. Internet‐based surveys: relevance, methodological considerations and troubleshooting strategies. Gen Psychiatry. 2020;33(5):e100264. http://dx.doi.org/10.1136/gpsych-2020-100264. PMid:32818170.

 

10. Coelho MMF, Cavalcante VMV, Cabral RL, Oliveira RM, Araújo MÂM, Gomes AMT. Structural analysis of the social representations on covid-19 among assistance nurses. Texto Contexto Enferm. 2021;30:e20200358. http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0358.

 

11. Shanafelt T, Ripp J, Trockel M. Understanding and addressing sources of anxiety among health care professionals during the COVID-19 pandemic. JAMA. 2020;323(21):2133-4. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.5893. PMid:32259193.

 

12. Gallasch CH, Cunha ML, Pereira LAS, Silva-Junior JS. Prevention related to the occupational exposure of health professionals workers in the COVID-19 scenario. Revenferm UERJ. 2020;28:e49596. http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2020.49596.

 

13. Sperling D. Ethical dilemmas, perceived risk, and motivation among nurses during the COVID-19 pandemic. Nurs Ethics. 2021;28(1):9-22. http://dx.doi.org/10.1177/0969733020956376. PMid:33000673.

 

14. Rios AFM, Lira LSSP, Reis LM, Silva GA. Primary health care in front of covid-19: experience report from a health center. Enferm Foco. 2020;11(1):357-707X. [citado 2021 ago 10]. Disponível em: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/3666/836

 

15. Santos RS, Barreto CTG, Lemos PFS, Duarte CA, Moreira DS, Reis ATet al. Management of a university ambulatory service: nursing in coping with the pandemic of COVID-19. Rev Bras Enferm. 2021;74(74, Suppl 1):e20200834. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0834. PMid:33886842.

 

16. Oliveira AFC, Teixeira EA, Athanázio SR, Soares RS. Psychic suffering and psychodynamics in the nurse’s work environment: an integrative review. Online Braz J Nurs. 2020;9(1):1-9. http://dx.doi.org/10.17665/1676-4285.20165167.

 

17. Arroyo-Laguna J. Redistribution of salary or professional recognition? The difficult construction of a profession, the Peruvian nursing. Cien Saude Coletiva. 2020;25(1):223-32. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.25972019. PMid:31859870.

 

18. Shahrour G, Dardas LA. Acute stress disorder, coping self-efficacy and subsequent psychological distress among nurses amid COVID-19. J Nurs Manag. 2020;28(7):1686-95. http://dx.doi.org/10.1111/jonm.13124. PMid:32767827.

 

19. Lai J, Ma S, Wang Y, Cai Z, Hu J, Wei Net al. Factors associated with mental health outcomes among health care workers exposed to coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open. 2020;3(3):e203976. PMid:32202646.

 

20. Sarti TD, Lazarini WS, Fontenelle LF, Almeida APSC. What is the role of Primary Health Care in the COVID-19 pandemic? Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2020166. PMid:32348404.

 

Submissão: 18/08/2021

Aprovado: 04/03/2022

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Santos JLG

Obtenção de dados: Santos JLG, Knoblauch MVA

Análise e interpretação dos dados: Santos JLG, Menegon FHA, Knoblauch MVA, Andrade GB, Erdmann AL

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Santos JLG, Menegon FHA, Knoblauch MVA, Andrade GB, Erd­mann AL

Aprovação final do texto a ser publicada: Santos JLG, Menegon FHA, Andrade GB, Erdmann AL

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Santos JLG, Menegon FHA, Andrade GB, Erdmann AL

 

Figura1