ORIGINAL

 

Protagonismo da enfermagem na vacinação contra a COVID-19 versus irregularidades contestáveis: estudo descritivo-exploratório

 

Samira Silva Santos Soares1, Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza1, Thereza Christina Mó Y Mó Varella2, Karla Biancha Silva de Andrade2, Sandra Regina Maciqueira Pereira2, Eloá Carneiro Carvalho3

 

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Faculdade de Enfermagem, Programa de Pós Graduação em Enfermagem, PPGENF/UERJ, Rio de Janeiro, Brasil.

2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Faculdade de Enfermagem, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Faculdade de Enfermagem, Colaborador do Programa de Pós graduação em bioética, ética aplicada e saúde coletiva, PPGBIOS, Rio de Janeiro, Brasil.

 

RESUMO

Objetivos: Analisar notícias que tratem de irregularidades envolvendo profissionais de enfermagem durante o processo de vacinação contra a Covid-19 e discutir condutas técnicas, éticas e legais aplicadas ou sugeridas pelos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem. Método: Pesquisa documental, qualitativa, descritiva-exploratória, cujas fontes foram notícias veiculadas pelos Conselhos de Enfermagem. Os dados foram processados pelo software IRAMUTEQ®, por meio da classificação hierárquica descendente que permitiu a análise lexical dos dados. Resultados: 19 notícias constituíram o corpus textual, sendo identificados 117 Segmentos de Textos, dos quais 95 foram aproveitados (81,20%) e originaram dois blocos temáticos. O primeiro trata sobre o momento da vacinação e o segundo sobre os dilemas éticos deste processo. Conclusão: Evidencia-se um protagonismo da equipe de enfermagem na imunização. Surgiram a desconfiança e o patrulhamento, em função de notícias sobre atos antiéticos. Verifica-se a necessidade de proteção da imagem dos profissionais e assegurar práticas seguras à população.

 

Descritores: Pandemias; Enfermagem; Vacinação.

 

INTRODUÇÃO

Desde o princípio da pandemia da Covid-19, em março de 2020, observa-se a resposta técnica-científica e humanizada dos profissionais de enfermagem à população com suspeita e/ou confirmação da doença causada pelo vírus Sars-CoV-2. E a sociedade reconheceu simbolicamente o valor desta profissão no combate à pandemia por meio de palmas, relatos de pacientes e outros profissionais da saúde dignificando o valor da enfermagem, documentários explicitando o cotidiano aguerrido destes profissionais, entre outros meios que valorizaram e reconheceram social e profissionalmente a enfermagem(1).

Em janeiro de 2021, ao iniciar o processo de vacinação da população brasileira contra a Covid-19, advento que marca o início do combate efetivo contra a transmissibilidade do SARS-CoV-2, novamente a enfermagem virou notícia. Afinal, neste contexto da vacinação, a enfermagem exerce protagonismo, detém conhecimento acerca dos meios de armazenamento, distribuição, aplicação da vacina, efeitos adversos e medidas de descartes dos resíduos decorrentes deste procedimento. Os profissionais de enfermagem estão em todo este processo, tendo acesso imediato a tais insumos, sobretudo, cientes de sua importância para a sobrevivência dos seres humanos no atual cenário.

Estudo recente já aponta que a vacinação das pessoas é capaz de controlar a pandemia, com decréscimo significativo de novos casos da doença e, sobretudo, de casos graves e óbitos(2). E, portanto, a maioria das pessoas vem desejando fortemente ser vacinada, pois espera-se que estar vacinada signifique proteção contra a doença, ou que, ao contraírem a Covid-19, essa se manifeste de forma branda. Logo, neste contexto, vacina expressa manutenção da vida e respeito à dignidade da pessoa humana.

Porém, vale evidenciar que tem havido denúncias jornalísticas e de indivíduos isolados de que alguns profissionais de enfermagem não aplicam a vacina e parecem se apropriar indevidamente de doses deste insumo para comercialização ou para aplicações em familiares e amigos. Como também, foram veiculados vídeos em que alguns profissionais de enfermagem inseriam a agulha no músculo do usuário e quando percebiam, a seringa estava vazia, sem a vacina(3).

Tais acontecimentos resultaram em impactos negativos para a enfermagem, caracterizando-se como um duro golpe no reconhecimento e no valor que a profissão vinha tendo no cenário da pandemia. Foi este contexto contraditório que nos provocou inquietação e nos motivou a realização deste estudo, que tem por objetivos: analisar notícias que tratem de irregularidades envolvendo profissionais de enfermagem durante o processo de vacinação contra a Covid-19 e discutir condutas técnicas, éticas e legais aplicadas ou sugeridas pelos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem.

 

MÉTODO

Estudo qualitativo, do tipo documental cujas fontes primárias foram notícias veiculadas no site do Cofen (www.cofen.gov.br) e dos Conselhos Regionais de Enfermagem, na aba “Notícias”. Considera-se que em meio a tantas fake news que circulam no contexto da pandemia, acessar as notícias através de portais oficiais, como os anteriormente mencionados, possibilita verificar os acontecimentos não somente com base em perspectiva midiática. Mas, sobretudo, relevar ações e deliberações do sistema Cofen/Coren, permitindo que os profissionais de Enfermagem reconheçam seus direitos e deveres, compreendam o que os representantes da categoria têm realizado em prol do esclarecimento de seus integrantes e em suas defesas.

A coleta dos dados consistiu na catalogação das notícias publicadas desde o início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Portanto, o recorte temporal considerou como marco inicial a data de 17 de janeiro de 2021 e, como marco final, 12 de maio do mesmo ano, pois nesta ocasião verificou-se que há 1 mês não surgiam publicações relacionadas à temática. Além disso, os dados coletados eram suficientes para responder aos objetivos deste estudo.

Para que os dados coletados fossem processados no software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires - Iramuteq®, estes foram agrupados em um arquivo único denominado corpus textual. Por corpus textual entende- se o conjunto de textos construído pelo pesquisador e que se pretende analisar(4). E, para que cada entrevista fosse adequadamente identificada pelo software como um texto distinto, cada entrevista foi separada uma da outra por uma linha de comando. As linhas de comando são representadas por códigos, para que o Iramuteq®, reconheça os diferentes textos (notícias) que estavam sendo submetidos para análise(4).

Foi retirado dos textos, o título das publicações, bem como seus resumos e, na medida do possível, suprimiu-se nome de pessoas, optando-se por identificá-las quando necessário, por meio do cargo/função que estava representando. Destaca-se que notícias que haviam sido publicadas em mais de um site (repost), só foram consideradas uma vez na análise textual.

Uma vez com o corpus textual preparado, ou seja, corrigido conforme as orientações do tutorial do Iramuteq (disponível em Iramuteq.org), esse foi processado pelo software. O Iramuteq® é um software de acesso livre e gratuito, que realiza a análise lexical das palavras de um texto, uma vez que conta com dicionários completos em várias línguas e é ancorado no software R, responsável por realizar as análises matemáticas e estatísticas sobre os dados qualitativos(4).

O Iramuteq realiza cinco tipos de análises textuais: lexicografia clássica, análise de similitude, nuvem de palavras, pesquisa de especificidades de grupo e a classificação hierárquica descendente (CHD)(4). Por oferecer uma análise mais robusta, optou-se neste estudo pela análise por meio da CHD. A partir da CHD, os dados são representados em um dendograma que esboça diferentes classes a partir de um agrupamento de termos (léxicos), do qual se obtém a frequência absoluta de cada um deles e o valor de qui- quadrado (x²)(5). Para este estudo, apresentou-se nos resultados os léxicos com seus respectivos valores de x², mencionando apenas aqueles que possuíam p<0,0001, resultado que aponta associação significativa. Ademais, cabe considerar que em nível interpretativo, a significação das classes depende do marco teórico de cada pesquisa(4). Assim, diante dos resultados exibidos pelo software, o pesquisador analisa os léxicos e segmentos de texto (ST) de cada classe, identificando os temas e nomeando as classes. Na apresentação dos resultados, ao final dos ST (trechos das notícias) constará a identificação da notícia, por meio da codificação “not”, seguida de um número arábico que indica a sequência cronológica da notícia identificada e a origem do dado. Salienta-se que tais trechos foram copiados na íntegra, conforme as publicações originais.

A elaboração do estudo considerou o Checklist SRQR (Standards for Reporting Qualitative Research)(6).

Por não envolver diretamente seres humanos, sendo os dados utilizados provenientes de sítios eletrônicos de acesso aberto e livre, não houve necessidade de submeter esta pesquisa ao Comitê de ética em pesquisa. Ademais, observou-se que as notícias veiculadas respeitavam o direito autoral das respectivas publicações.

 

RESULTADOS

Identificaram-se 33 publicações, das quais 14 eram publicações feitas pelo Cofen, que foram posteriormente replicadas nos sites do Coren – seção: MT, AM, RS, TO, SE, SC, e PR. Portanto, o corpus textual foi formado por 19 notícias distintas, sendo 05 disponibilizadas pelo site do Cofen e as demais por diversas seções dos Coren (RJ, MG, RR, ES, AL, CE, GO, DF, MS). A partir do relatório gerado pelo Iramuteq®, identificou-se 117 ST, dos quais 95 foram aproveitados, representando um total de 81,20% do  material.

Por meio da CHD, identificaram-se seis classes.

A Figura 1 mostra um dendograma no qual são apresentados os léxicos contidos nos ST associados a cada classe e a porcentagem de ST incorporado a cada classe. Assim, nessa representação gráfica, é possível observar 5 partições no corpus, sendo que a primeira delas dividiu o corpus em dois blocos temáticos. O primeiro denominou-se: Momento da vacinação da Covid-19, contemplando as classes 6 (Antes de acusar, é preciso apurar os fatos), 5 (Controle social durante a vacinação da Covid-19), 1 (Comunicação segura durante a vacinação) e 2 (Protagonismo da Enfermagem no contexto da vacinação contra Covid-19).

O segundo bloco temático denominou-se: Dilemas éticos durante a vacinação contra a Covid-19 e contemplou, as classes 4 (Direitos e deveres dos pacientes e profissionais no contexto da vacinação) e 3 (Apuração de irregularidades durante a vacinação).

A partir da figura 1, é possível afirmar que a classe 4 é a que tem maior representatividade no corpus, em virtude de incorporar grande parte dos segmentos de texto (21,1%) sendo a classe 6 a que obteve menor representatividade (12,6%).

 

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Figura 1 - Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2021. Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

A apresentação das classes seguirá a ordem em que estas foram originadas (6, 5, 1, 2, 4, 3).

A classe 6 discute, por um lado, a importância de investigar os fatos, já que estes podem ser contestáveis e por outro, a relevância de apurar a veracidade das informações antes de fazer críticas e julgamentos aos profissionais. Desse modo, evidencia-se principalmente o destaque dos léxicos: “local” (x² - 36,57), “fato” (x² - 16.6) e “apurar” (x² - 14.72) nesta classe.

 

Além de apurar o que aconteceu com a profissional também precisamos conhecer as condições de trabalho do local e esclarecer todo o contexto que originou essa falha gravíssima (NOT 8 – COREN/MG).

 

Na classe 5, observa-se a preocupação em apresentar informações para que o cidadão saiba como denunciar as irregularidades identificadas durante a vacinação. Todavia ressalta o comprometimento da categoria para com a saúde da população. Destacaram- se nesta classe os léxicos “irregularidade” (x² -37.31) e “categoria” (x² - 26.-6):

 

Existem mecanismos adequados para fiscalizar e denunciar irregularidades. Portanto, é necessário evitar a espetacularização midiática, pois isso prejudica o bom funcionamento das salas de vacinação e compromete o atendimento ao público (NOT 16, COREN-DF).

 

A maioria desses profissionais, trabalha compromissadamente com a saúde de todos. Casos isolados não podem ser brecha para promover o desrespeito a toda uma categoria de trabalhadores (NOT 18, COREN-MS).

 

A Classe 1 ressalta a importância da comunicação entre profissional e paciente durante a vacinação, inclusive demonstrando transparência, ao permitir que o paciente acompanhe todo o processo de aspiração e administração da vacina bem como registre esse momento por meio de fotografias e/ou filmagens. Destacaram-se nesta classe os léxicos: “seringa” (x² - 27.79), “vacina” (26.47), “vazio” (22.27), ”aplicação” (16.94), “injetar”(16.52).

 

O Conselho tem orientado que as pessoas acompanhem todo o processo, desde a aspiração do frasco de imunizante, depois o líquido dentro das seringas, até o procedimento final, quando as seringas devem estar vazias e as  pessoas, de fato, receberam a dose da vacina (NOT 4, COFEN).

 

O profissional de enfermagem responsável pela vacina deve repassar todas as informações solicitadas pelo paciente acerca da vacina que irá receber. Informar ao paciente que ele possui autonomia para registrar através de foto ou vídeo (NOT 13, COREN-CE).

 

A Classe 2, destaca o protagonismo da enfermagem ao aplicar as doses da vacina no Brasil e ressalta que os casos de procedimentos inadequados durante a vacinação, são fatos pontuais diante do quantitativo de brasileiros já vacinados pela enfermagem em todo território nacional. Destacaram-se os léxicos: “aplicar” (x² - 34.58), “Brasil” (x² - 26.34), “população” (20.3).

 

A enfermagem está pautada na construção de uma saúde pública de qualidade e não podemos macular o trabalho desses profissionais pelo Brasil por fatos isolados, principalmente em um momento em que se exige a união de todos para garantir a vida (NOT 15 – COREN-RR).

 

A classe 4 discute o direito do profissional e do paciente em relação ao uso da imagem (fotos e filmagens) durante a vacinação, apontando os dispositivos legais que tratam sobre a temática. Destacaram-se neste contexto os léxicos: “código” (x² - 37.28), “direito” (x² -36,61), “registro” (x² -25,07), “ética” (x² - 22,3).

 

Importante registrar que o paciente pode filmar o momento da vacinação. Mas, não pode filmar o rosto do profissional de enfermagem sem autorização prévia. A Constituição Federal, o Código Civil e o Código de Ética da Enfermagem asseguram a inviolabilidade da imagem do profissional no exercício de suas funções (NOT 16, COREN-DF).

 

A classe 3 retrata a preocupação do Coren-MG sobre a apuração dos fatos para confirmar e/ou refutar a má fé dos profissionais, segundo determina o Código de Ética. Destacaram-se os léxicos: “coren-mg” (x² - 24.88), “fé” (x² - 16.7) e “mau” (x² - 16.06).

 

Sem prejuízo das investigações realizadas por outros órgãos, se for comprovado que um enfermeiro ou técnico agiu de má fé, ele pode até perder seu registro profissional (NOT 2 – COFEN).

 

DISCUSSÃO

Momento da Vacinação contra a Covid-19

O “bloco temático um” tratou sobre o momento da vacinação, evidenciando as orientações dadas pelos Conselhos de Enfermagem a profissionais (com a finalidade de evitar irregularidades) e a pacientes (com o objetivo de orientar o controle social).

No Brasil, com atraso e objeto de desconfiança de segmentos políticos negacionistas, a imunização contra a Covid-19 teve início somente em janeiro de 2021. O processo de vacinação começou revestido de um misto de entusiasmo, emoção e rigidez na definição de grupos prioritários para mitigar, principalmente, a superlotação dos serviços hospitalares.

A crise desencadeada pela Covid-19, tornou evidente a importância da enfermagem e mostrou o protagonismo de um contingente, até então com pouca visibilidade, apesar de ser representado por 2.488.210 profissionais, entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem(7). Vimos na mídia a equipe de enfermagem enfrentando adversidade para vacinar pessoas em localidades remotas, usuários agradecendo publicamente o empenho da equipe, enfim, a população demonstrando reconhecimento ao empenho dos profissionais(8).

Nesse contexto, é preciso destacar que a enfermagem brasileira é, sem dúvida, uma das grandes responsáveis pelo êxito do Programa Nacional de Imunizações (PNI), guardando uma experiência acumulada em anos no processo de imunização, exercendo variadas funções que perpassam pelo monitoramento de todas as configurações técnicas e operacionais das salas de vacinas e das campanhas vacinais, com ações direcionadas aos procedimentos de segurança e eficácia dos imunobiológicos, a manipulação e administração dos imunizantes, e acompanhamento da população no período pós- vacinal(9-10).

No que tange ao processo de administração da vacina da Covid-19, a enfermagem deve seguir as orientações das boas práticas para administração segura, tais como: identificação do usuário; identificação, validade e confirmação do imunizante; reconhecimento das situações de precauções como, pessoas que fazem uso prévio de antiplaquetários ou anticoagulantes, de imunoglobulina humana; indivíduos portadores de doenças reumáticas imunomediada; pessoas com história de câncer; transplantados ou imunossuprimidos. Pessoas que tiveram Covid-19 precisam esperar 30 dias para serem vacinados e a enfermagem também deve estar atenta quanto às contraindicações à administração da vacina(11).

A recomendação do Ministério da Saúde, é que a população seja vacinada contra a Covid-19 com a aplicação de duas doses de 0,5 ml do imunizante, com intervalo de duas a doze semanas, de acordo com o fabricante da vacina. Contudo, devido à disponibilidade limitada de doses, o MS priorizou grupos para serem vacinados, e dentre esses, estão as populações de maior risco para o contágio e complicações pelo SARS-CoV-2, como os idosos (60 ou mais anos), profissionais de saúde, pessoas com morbidades e entre outros(11).

Em relação à técnica de administração da vacina, deve ser asséptica e o profissional precisa orientar ao usuário sobre o fabricante da vacina a ser administrada e as etapas, que vão desde a visualização do conteúdo aspirado, a dose e via de administração; também devem orientar que os possíveis eventos adversos pós-vacina, devem ser comunicados formalmente ao serviço de saúde em que o usuário recebeu a vacina, consolidando a transparência das ações e a importância do maior engajamento do usuário no cuidado(11-12). Corroborando, os conselhos de enfermagem reforçam junto aos profissionais a importância de seguir os passos detalhados da administração segura de medicamentos a fim de evitar irregularidades e possíveis denúncias(13).

Ressalta-se por outra via, que apesar do cuidadoso e importante papel social desempenhado pela enfermagem e de todo o esforço para realizar a vacinação em massa da população, este coletivo profissional não está isento/livre de cometer erros. Aliás, erros de imunização são uma realidade a ser enfrentada pelos sistemas de saúde e pela enfermagem(14).

O relatório do Institute of Medicine (IOM), To Err is Human, apontou que cerca de 100 mil pessoas morreram a cada ano vítimas de eventos adversos sérios oriundos da assistência à saúde, nos Estados Unidos da América. Esse relatório deu visibilidade ao tema segurança do paciente e houve uma preocupação mundial com essa questão, impulsionando os órgãos e agências responsáveis pela saúde a elaborarem estratégias a fim de evitar erros decorrentes do sistema de cuidado(15).

No âmbito da enfermagem, verifica-se que os erros geralmente estão relacionados à sobrecarga de trabalho e a problemas no âmbito da gestão e requerem para seu enfrentamento, medidas de cunho profissional e institucional(16).

Todavia, o que chamou a atenção no contexto da pandemia, foi que as notícias que retratavam sobre os possíveis erros da enfermagem por imprudência, negligência e imperícia durante o processo de administração da vacina, por vezes, eram inverídicos e/ou já teciam críticas e julgamentos aos profissionais envolvidos, sem que antes houvesse uma criteriosa investigação, para verificar a veracidade dos fatos e as condições em que ocorreu.

Nesse sentido, os Conselhos de Enfermagem, reiteraram junto à população, a importância de denunciar fatos e/ou situações duvidosas relacionadas à prática de  enfermagem, porém, ressaltaram que a investigação dos fatos deve preceder ao julgamento(17). Ademais, os Conselhos ressaltam que toda e qualquer denúncia feita é investigada e, quando cabível, instaura-se um Processo Ético-Disciplinar, conduzido nos termos do Código de ética vigente(18). Assim, é importante que a população utilize os canais pertinentes para fazer este tipo de acusação, por exemplo, procurando as ouvidorias das Secretarias Municipais de Saúde de estados e municípios assim como dos Coren(17).

Ademais, se por um lado, no momento da vacinação é importante que a população esteja atenta e participe ativamente do processo para evitar a recorrência de erros e até mesmo atos fraudulentos e inescrupulosos, por outro lado, é fundamental destacar que    os profissionais de enfermagem são instruídos a estabelecer uma comunicação eficiente com o paciente, pois esta, além de minimizar e até impedir o erro, transmite confiança, credibilidade e sobretudo, aumenta a transparência das ações realizadas, contribuindo para firmar o reconhecimento e valor da profissão(16).

 

Dilemas éticos durante a vacinação contra a Covid-19

O “bloco temático dois” tratou sobre os dilemas éticos durante a vacinação contra a Covid-19, evidenciando que há requisitos legais que respaldam os Conselhos a agirem em prol da defesa do Código de Ética. Durante a campanha de vacinação contra Covid-19, devido a fatos que foram veiculados nas mídias por todo o Brasil, o Cofen orientou os profissionais de enfermagem a realizarem as etapas da imunização diante dos usuários, como uma maneira de respeitar o direito do paciente em conhecer o procedimento que será realizado e dirimir qualquer dúvida em relação às ações da categoria(13).

Também recomendou aos profissionais que manifestassem o desejo ou não de serem filmados ou fotografados durante o procedimento, pois o artigo 21 do Código de Ética de Enfermagem, protege o direito à imagem desses profissionais. Logo, da mesma forma que o paciente ou sua família têm o direito de registrar o procedimento, o profissional tem o direito de aceitar ou não se expor por meio de sua imagem(18).

O direito à imagem encontra-se resguardado também na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002 e no Código Penal Brasileiro. Nesse sentido, os brasileiros gozam    desse direito e passam a decidir sobre o controle da sua própria imagem, seja em fotos, pinturas, gravuras, vídeos, etc. Portanto, a Constituição Federal assegura que todos possuem o direito de ter sua imagem resguardada, preservando o respeito, a boa fama e a honra(19).

Assim, para publicar imagens, há necessidade de autorização prévia do indivíduo, pois caso contrário, pode restar caracterizado crime, tipificado no artigo 218C do Código Penal, assegurando indenização por exposição indevida, conforme determina o Código Civil, em seu artigo 20(19).

Corroborando, o direito à divulgação da imagem vale tanto para o paciente quanto para o profissional, e está relacionado com a prerrogativa da pessoa sobre desejar ou não a projeção da sua imagem ou personalidade para a sociedade. Evidencia-se que com o advento das mídias sociais, internet e uso de aplicativos, a imagem é transmitida com rapidez, o que torna esse bem jurídico facilmente violável.

Contudo, não há que se confundir o direito à imagem com direito à informação. Logo, o paciente tem o direito de ser informado a respeito de todo e qualquer procedimento que será realizado com ele, inclusive para que possa participar das decisões sobre seu cuidado e tratamento. Nesse contexto, em relação à campanha de vacinação, todo usuário ou paciente terá o direito de saber e acompanhar o procedimento a ser realizado, entretanto, para filmá-lo e/ou divulgá-lo, deve estar atento às prerrogativas legais(13).

Outro ponto de preocupação e destaque por parte do Sistema Cofen/Coren é em relação às condutas inadequadas durante a vacinação. Sobre este aspecto, há que se ressaltar que milhões de doses da vacina contra Covid-19 já foram aplicadas, e, em relação ao número de doses aplicadas, são poucas denúncias sobre a aplicação irregular de vacina, com aplicação de parte da dose ou não aplicação. Contudo, todos os casos estão sendo apurados e se comprovada a má fé, os profissionais responsáveis podem ser penalizados conforme determinação do código de ética profissional(18).

Ainda, os artigos 70 e 72, do mesmo diploma legal, proíbem que a enfermagem utilize dos seus conhecimentos para ser conivente ou praticar atos tipificados como crime ou contravenção penal, tanto em ambientes onde exerça a profissão, quanto naqueles em que não a exerça, ou qualquer ato que infrinja os postulados éticos e legais(18).

Nesse sentido, entende-se como infração ética e disciplinar a ação, omissão ou conivência que implique em desobediência e/ou inobservância às disposições do Código de Ética bem como a inobservância das normas do Sistema Cofen/Coren. A gravidade da infração será caracterizada a partir da ação, omissão e resultados; a partir dela, serão aplicadas as devidas penalidades (advertência verbal; multa; censura; suspensão do exercício profissional e cassação do direito ao exercício profissional)(18).

Portanto, é preciso esclarecer a população sobre os seus direitos durante a vacinação e também destacar que muitas notícias que circularam nas mídias e redes sociais, na realidade, se juntaram a um número significativo de notícias falsas que assolaram estes canais de comunicação e culminaram com uma infodemia, dificultando o acesso às informações legítimas sobre a pandemia(20).

Ademais, também é preciso continuamente reforçar com a sociedade a importância do trabalho dos profissionais de enfermagem, especialmente daqueles que atuam na linha de frente da pandemia, tanto na assistência direta ao paciente hospitalizado, quanto nas campanhas de vacinação, destacando a dedicação e o compromisso da categoria profissional que mesmo trabalhando em condições adversas, com péssimas condições laborais, jornadas excessivas, salários baixos, entre outros problemas, segue exercendo com afinco suas atividades laborais, mesmo colocando em risco a sua própria saúde física e mental(7).

O estudo apresentou limitações, uma vez que as publicações foram coletadas ainda durante o curso da campanha de vacinação contra Covid-19. Ademais, considerou-se apenas o cenário brasileiro, suscitando, portanto, a oportunidade de realizar novos estudos para verificar se o fenômeno observado pode também ser constatado em outros países.

 

CONCLUSÃO

Foi possível evidenciar um protagonismo da equipe de enfermagem que tradicionalmente, se coloca na liderança da imunização no Brasil. No entanto na esteira de aplausos, agradecimentos e reverência, surgiram a desconfiança e o patrulhamento, em função de casos noticiados sobre atos antiéticos na aplicação das doses, além de veiculação pela mídia de vídeos de origem duvidosa das “vacinas de vento”, muitos dele  sem comprovação de veracidade.

Verificou-se a necessidade de proteção da imagem dos profissionais, da divulgação de canais oficiais de denúncia e, sobretudo, medidas que assegurassem práticas seguras para a população. Verificou-se também a atuação dos Conselhos de Classe agindo em defesa dos profissionais da categoria e também resguardando os direitos dos cidadãos.

Estima-se que esta pesquisa possa contribuir para elucidar as questões inerentes  à prática de enfermagem durante a vacinação contra a Covid-19 e reafirmar o protagonismo social da enfermagem antes, durante e depois da pandemia. E sugere-se que novas pesquisas possam ser realizadas apontando, por exemplo, o desfecho dos inquéritos instaurados pelos Conselhos em função das denúncias supracitadas.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Autores indicaram não haver conflito de interesse.

 

FONTE DE FINANCIAMENTO

Não houve financiamento.

 

REFERÊNCIAS

 

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celular

 

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Submissão: 09/06/2021

Aprovado: 08/02/2022

 

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Soares SSS, Souza VDO, Varella TCMM, Carvalho EC

Obtenção de dados: Soares SSS

Análise e interpretação dos dados: Soares SSS, Souza VDO, Varella TCMM, Andrade KBS, Carvalho EC

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Soares SSS, Souza VDO, Varella TCMM, Andrade KBS, Pereira SRM, Carvalho EC

Aprovação final do texto a ser publicada: Soares SSS, Souza VDO, Varella TCMM, Andrade KBS, Pereira SRM, Carvalho EC

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Soares SSS, Souza VDO, Varella TCMM, Andrade KBS, Pereira SRM, Carvalho EC

 

 

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