Acessibilidade das informações sobre COVID-19 à pessoa surda nos canais oficiais do governo: estudo descritivo-exploratório

 

Thalita da Rocha Marandola1, Célia Maria da Rocha Marandola1, Josiane Vivian Camargo de Lima1, Regina Melchior1

 

1 University State of Londrina, PR, Brazil

 

RESUMO

Objetivo: Identificar possibilidades/condições de acessibilidade à pessoa surda sobre informações relacionadas à pandemia por coronavírus disponíveis na plataforma You Tube. Método: Estudo descritivo-exploratório analisou vídeos disponibilizados em sites oficiais do governo entre março/2020 a março/2021. Buscaram-se aspectos indicativos de acessibilidade na comunicação (Legendas e/ou Intérprete de Libras) nos conteúdos audiovisuais. Resultados: Dos 2.577 vídeos acessados, quase 60% apresentaram acessibilidade parcial (Libras ou legendas), aproximadamente 30% sem acessibilidade e, 9,8% apresentaram (legenda + Libras). Assim, a condição esperada à acessibilidade na comunicação (presença de legenda e Libras nos materiais audiovisuais) apresentou baixo percentual contrapondo-se ao elevado número de vídeos sem acessibilidade. Conclusão: Recursos audiovisuais são fundamentais na comunicação da pessoa surda e condições adequadas favorecem o acesso às informações circulantes nas plataformas de vídeos. A temática é relevante, mas ainda, pouco abordada necessitando outros estudos. Para além da pandemia, ampliarmos esta discussão visando reduzir e/ou eliminar barreiras comunicativas, é outra necessidade.

 

Descritores: Educação em Saúde; Surdez; e-Acessibilidade.

 

INTRODUÇÃO

O acesso à informação em Saúde é fundamental para o exercício da autonomia dos cidadãos e na pandemia causada pela COVID-19 essa necessidade se tornou urgente para propiciar medidas de prevenção contra o Coronavírus. A garantia desta acessibilidade deve considerar a singularidade de cada indivíduo, em especial das pessoas com deficiência.

Enquanto acessibilidade denomina-se o conjunto de ações, possibilidades e condições ofertadas às pessoas com deficiência (PCD) visando à autonomia e a segurança do indivíduo. Ao poder público cabe, a responsabilidade de pensar estratégias de promoção e eliminação de barreiras: “urbanísticas, arquitetônicas, dos meios de transportes em geral, também, das barreiras comunicacionais e de informação”(1).

Como pessoa com deficiência (PCD) entende-se o indivíduo que possui deficiências permanentes com diferentes graus de severidade, sendo a pessoa surda àquela que tem perda auditiva (unilateral ou bilateral), mas que também assume uma língua e possui identidade cultural com um grupo específico(2).

A comunicação ganha destaque neste estudo, principalmente, no que diz respeito à acessibilidade relacionada à vivência diária da pessoa surda, seja buscando a produção de seu cuidado em saúde nos equipamentos de saúde instituídos, seja buscando informações aleatórias de autocuidado por meio das plataformas digitais. Assim, a comunicação pode ser entendida como “uma forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a visualização de textos”(2).

Por sua vez, a Libras pode ser definida como uma “forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil”(3).

Isso posto, a legislação conferiu às pessoas surdas mais que uma faculdade no exercício em suas interações sociais e para, além disso, fez valer-lhes um direito. Ou seja, a comunicação da pessoa surda com o mundo se faz, predominantemente, pelo sentido da visão, além é claro, da expressão das mãos quando os gestos se transformam em sinais - sinais de LIBRAS - esta, considerada primeira língua da pessoa com surdez (L1), ou seja, a sua língua materna(3).

Portanto, para a materialização destes direitos, os conteúdos digitais expostos e/ou disponibilizados na rede mundial de computadores devem ser elaborados estrategicamente com alternativas técnicas para tornar acessíveis às pessoas com acuidade auditiva reduzida e/ou dificuldade de comunicação, principalmente, pelos canais oficiais do Estado, incluindo, estratégias como: a presença obrigatória de ícones alusivos à acessibilidade e dispositivos nos conteúdo de vídeo/imagem/som que favoreçam o acesso da pessoa surda conforme a legislação, pois, ”os serviços de radiodifusão de sons e imagens devem permitir o uso de recursos como: a subtitulação por meio de legenda oculta a janela com intérprete da Libras, dentre outros”(2).

A informação em saúde, quando transmitida de forma clara e acessível, pode influenciar a pessoa que a consome na tomada de decisão sobre seu cuidado em saúde. Assim, com maior autonomia, o cidadão consegue decidir, se busca ou não os serviços de saúde; se aceita ou não as orientações sobre o autocuidado e a prevenção de doenças, e ainda, se adere ou não ao tratamento proposto. Sendo possível, desta forma, observar a potência implícita no processo de “informar em saúde” para os indivíduos de uma comunidade, pois como reflete Santana, as ações de educação em saúde “representam importante dispositivo na criação de espaços para discutir e refletir sobre as ações que versam sobre mudanças de hábitos comportamentais” propiciando a produção de saberes e de autonomia, tanto individual quanto coletiva na busca pelo cuidado de si ou de outrens(4).

As vias de comunicação utilizadas atualmente têm favorecido o compartilhamento de informações e, também, paradoxalmente de desinformações por todo o planeta, além da televisão e do rádio, o acesso à rede mundial de computadores está em constante ampliação, alcançando milhares e milhares de pessoas ao mesmo tempo.

No Brasil, os usuários de língua portuguesa como L1, tanto falada como escrita, têm acesso às informações em saúde por meio da internet quando se utilizam plataformas de busca, de streaming, aplicativos e redes sociais, televisão e rádio. Contudo, o brasileiro que tem como L1 a Língua Brasileira de Sinais encontra na comunicação uma barreira para seu acesso às informações.

Estamos vivenciando desde dezembro de 2019 os desafios no enfrentamento da doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, conhecido como COVID-19 ou Coronavírus. Tal vírus tem causado o adoecimento de muitas pessoas pelo mundo, levando a um número expressivo de mortes pela doença. A descoberta e a proliferação do vírus a nível pandêmico, a falta de informações exatas sobre a origem da doença e a constante necessidade de pesquisas sobre tratamento e descoberta de vacina seguras e certificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS)(5), têm gerado uma avalanche de informações na rede mundial de computadores misturando no mesmo bojo tanto as informações verdadeiras quanto as falsas, causando insegurança para todos num desafio enorme para separá-las.

Sabe-se, porém, que a referida doença causou e ainda tem causado o maior e mais duradouro isolamento físico na história das pandemias, que se teve registro até o momento. Sendo que foi justamente a globalização e as tecnologias digitais que possibilitaram que a maioria das pessoas passasse por este período difícil de distanciamento social em massa. Ficamos em casa, trabalhamos virtualmente e nos conectamos com os familiares e o mundo por meio das redes da internet e equipamentos eletrônicos. E, com a paralisação de diferentes atividades presenciais, por exemplo, educação, trabalho, saúde e lazer, “as plataformas on-line tornaram-se uma alternativa viável para amenizar os efeitos causados” pela pandemia(6)

Diante do exposto acima, é de fundamental importância garantir a informação em saúde com fatos fidedignos e com acesso garantido a todos os cidadãos, sobre a doença e suas formas de transmissão, prevenção e tratamento, sendo isso, o que minimamente se espera dos sites oficiais do governo.

Assim, visando minimizar os efeitos da doença causada pelo coronavírus no país, o Sistema de Saúde Brasileiro (SUS), tem buscado divulgar informações em saúde por meio de campanhas de educação em saúde sobre a higiene das mãos, a prevenção da doença, o uso de máscaras, o distanciamento social dentre outros cuidados conforme o MS(7). Mas será que essas informações têm alcançado todos os brasileiros?

Considerando, que o Brasil possui aproximadamente cerca de 10 milhões de pessoas com deficiência auditiva(8), que a pandemia por COVID-19 impôs e vem impondo restrições, também, na rede de atenção à saúde (RAS) para alguns tipos atendimentos e que o distanciamento social produziu uma nova demanda e tem propiciado a busca pelo cuidado em saúde em meios digitais e que, ainda, a comunicação se conjuga, dentre outros, como estratégia fundamental para o enfrentamento da crise, este artigo buscou identificar as possibilidades de acessibilidade da pessoa surda às informações de saúde sobre questões que norteiam a temática da pandemia por COVID-19, justificando o presente estudo. 

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório realizado nos sites oficiais do governo federal brasileiro, incluindo, os 26 Estados e o Distrito Federal num período compreendido entre março de 2020 a março de 2021. A pesquisa buscou identificar (nos vídeos publicados pelas instituições oficiais) as condições de acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva ou surdez sobre informações em saúde relacionadas à doença causada pelo coronavírus.

A República Federativa do Brasil é organizada político-administrativamente sob a forma de federação que contém 27 unidades federativas distribuídas em 5 regiões, a saber: Norte (7 Estados), Nordeste (9 Estados), Centro-Oeste (3 Estados e o Distrito Federal), Sudeste (4 Estados) e Sul (3 Estados)(9).

Foi utilizada como fonte para coleta de dados a rede mundial de computadores e o ponto de partida foram os sites oficiais do Governo Federal, por meio do Ministério da Saúde, dos Governos Estaduais, pelas suas secretarias estaduais de saúde, e do mesmo modo, o Distrito Federal, sendo importante destacar que, todo conteúdo e informações coletadas são de domínio público.

Na primeira etapa, foi realizado um levantamento dos meios de comunicação do Governo Brasileiro e dos Estados, inclusive Distrito Federal, considerando a temática COVID-19. No segundo momento, selecionamos apenas os sites oficiais desses entes federativos e os meios de comunicação audiovisuais para a análise da acessibilidade, neste particular. 

Como critério de inclusão para a pesquisa avaliamos os materiais publicados nas plataformas que abordavam a temática CORONAVÍRUS, COVID 19, VACINAÇÃO COVID, PREVENÇÃO COVID, TRATAMENTO COVID.

Nos sites disponíveis, foram observados a presença da acessibilidade por meio da Suíte VLibras “um conjunto de ferramentas gratuitas e de código aberto que traduz conteúdos digitais (texto, áudio e vídeo) em Português para Libras”. Esta tecnologia assistiva possibilita a compreensão de termos e expressões da língua portuguesa para a Língua de Sinais, já que no caso da pessoa surda a Língua de sinais é a L1 (língua materna)(10)

Nos materiais audiovisuais foi analisada a presença ou não da janela de Tradutor Intérprete de Libras (TILS) ou a presença do TILS ao lado do comunicador-orador, bem como a presença ou não da legenda em língua portuguesa. No quesito legenda foram considerados os textos editados nos vídeos que correspondiam ipsis litteris à fala do locutor. Foram desconsideradas as legendas automáticas oferecidas pela plataforma de compartilhamento de vídeos, visto que as legendas produzidas pelas automações dessas plataformas podem apresentar disparidades entre o conteúdo da mensagem escrita e a que foi enunciada, também, foram excluídos os vídeos duplicados.

Para extração dos dados, foi utilizado um roteiro com os critérios de inclusão e exclusão para nortear as buscas, que foi aplicado por duas pesquisadoras de forma isolada e posteriormente comparado os achados. O registro dos dados foram realizados em planilhas Excel pacote Office 365, onde foram organizados e processados, primeiramente, por Estado e, depois, agrupados por regiões do Brasil. Os dados foram organizados em quatro categorias no intuito de agrupar os vídeos que apresentavam características indicativas da presença ou ausência de acessibilidade na comunicação para a pessoa surda: “com Libras”, “com legenda”, “com Libras e Legenda” e “sem acessibilidade”. Em seguida.

Tanto a submissão quanto aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa não se fizeram necessárias, neste estudo, por se tratar de uma pesquisa em fontes de domínio público. 

 

RESULTADOS

As ferramentas identificadas para a veiculação das informações sobre a COVID-19 pelas unidades federativas e MS foram: sites (geral e específico), blog, aplicativos de consulta, aplicativos de comunicação (whatsapp) e redes sociais (FacebookInstagram e Twitter), e ainda uma plataforma de compartilhamento de vídeos (Figura 1). 

 

Ferramentas digitais

Descrição

Sites

1. Site do Governo Estadual, Distrito Federal, Ministério da Saúde: divulgam conteúdos diversos, citam materiais relacionados ao COVID-19 e indicam links para site específico ou outros meios de comunicação para obtenção de informações complementares sobre a pandemia. 
2. 
Site Específico COVID-19: divulgam matérias de prevenção, autocuidado, vacinação, epidemiologia e ações realizadas no enfrentamento da pandemia. 

3. Blogs: notícias e resenhas sobre a COVID-19

Redes Sociais

FacebookInstagram e Twitter: conteúdo divulgado não é exclusivamente sobre COVID-19. Contém informações dos respectivos Estados, Distrito Federal e Ministério da Saúde.

Aplicativos Mobiles

Comunicação (whatsapp): alternativa ao disque 0800 oferecido em alguns canais de comunicação com os entes federativos.

Telemedicina: aplicativos de avaliação do estado de saúde que orientam os cuidados a serem tomados de acordo com a necessidade.

Plataforma de compartilhamento de vídeos

Youtube: todos os entes federativos estaduais e o Ministério da Saúde possuem canais de publicação nesta plataforma. Espaço utilizado para divulgação de materiais audiovisuais com informações sobre as atividades realizadas em cada instância, não é exclusividade para assuntos relacionados a Pandemia pelo Coronavírus.

Figura 1 - Ferramentas digitais utilizadas na divulgação de informações sobre a COVID-19 pelas Unidades Federativas e Ministério da Saúde. Londrina, PR, Brasil, 2020-2021

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

 

Como as redes sociais não tiveram adesão de todos os entes federativos analisados optou-se por não avaliar a acessibilidade destas ferramentas devido a dificuldade de posterior comparação entre as regiões. No caso dos sites oficiais do governo e da plataforma de vídeos, por haver uniformidade na adesão destas ferramentas de divulgação, foi possível avaliar a presença de acessibilidade em LIBRAS e legenda.  

Foi observado que em site específico para assuntos relacionados ao Coronavírus sob o domínio dos 26 governos estaduais, Distrito federal e também do Ministério da Saúde, 82,14% dos sítios eletrônicos não apresentavam acessibilidade em Libras. Sendo que dos 28 sites analisados apenas 4 apresentavam a ferramenta VLibras. 

Importante ressaltar que alguns sites oficiais dos Estados apresentavam o ícone de acessibilidade, contudo não contemplavam a acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva ou surdez, constava apenas para as pessoas com deficiência visual.

Na plataforma de vídeos, todos os estados, Distrito Federal e Ministério da Saúde possuíam canais oficiais. Nestes canais eram divulgadas ações das diferentes áreas de atuação possíveis dentro das organizações. Para recorte desta pesquisa, avaliamos a presença da acessibilidade apenas nos vídeos que abordavam a temática Coronavírus ou COVID-19 relacionadas com a saúde. Desta forma obtivemos ao final da análise um total de 2577 vídeos, que foram agrupados nos seguintes eixos com acessibilidade: LIBRAS, Legendas, LIBRAS e Legenda no mesmo vídeo e, Sem acessibilidade para a pessoa surda. Como observado na Tabela 1: 

 

Tabela 1 - Distribuição dos materiais audiovisuais com a temática Coronavírus postados em plataforma de vídeos, de acordo com a acessibilidade para pessoas com surdez (n=2577). Londrina, PR, Brasil, 2020-2021

Região

Total vídeos

LIBRAS

 

Legenda

LIBRAS + Legenda

Sem Acessibilidade

N

%

N

%

N

%

N

%

Ministério da Saúde

324

03

0,93

230

70,99

34

10,49

57

17,59

Norte

379

141

31,47

97

21,65

50

11,16

160

35,71

Nordeste

838

338

37,72

235

26,23

74

8,26

249

27,79

Centroeste

243

35

15,22

82

35,65

10

4,35

103

44,78

Sudeste

271

43

14,24

48

15,89

18

5,96

193

63,91

Sul

368

146

38,73

100

26,53

61

16,18

70

18,57

Total

2577

706

27,40

792

30,73

247

9,58

832

32,29

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

 

No período de março de 2020 a março de 2021, observamos que do volume de materiais divulgados na plataforma de vídeo, 32,29% não apresentavam algum tipo de acessibilidade para as pessoas com deficiência auditiva ou surdez; 27% continha LIBRAS somente; 30,73% apresentava Legenda somente, e menos de 10% de todo material divulgado no país apresentava LIBRAS e Legenda conjugado.

Ao observarmos a presença de Libras somente, a região sul seguido pelo nordeste tem destaque apresentando 38,73% e 37,72%, respectivamente, do material com essa acessibilidade. No quesito Legenda somente, o Ministério da Saúde (70,99%) e o Centro Oeste (35,65%) foram os que mais possibilitaram esta forma de acessibilidade. O padrão ouro da acessibilidade é a presença do intérprete de LIBRAS e a legenda, neste ponto, apesar dos baixos índices, a região sul e a região norte se destacam, com 16,18% e 11,16%, respectivamente. Ao avaliarmos a ausência de acessibilidade no vídeo, as regiões Sudeste e Centro Oeste se destacam, com 63,61% e 44,78% respectivamente.

 

DISCUSSÃO

As ferramentas de acessibilidade para pessoas surdas apresentadas nesta pesquisa, a saber: a plataforma VLibras(10), a legenda e a janela de Libras são consideradas tecnologias assistivas, que por sua vez tem como objetivo “estabelecer a integração da pessoa com deficiência na sociedade”(1). Logo, a presença destas ferramentas em todos os espaços com divulgação de informações digitais torna-se essenciais.

As páginas da web apresentam conteúdo mais textual em relação às plataformas de vídeos. E mesmo com a predominância da língua portuguesa escrita, os apoios de ferramentas como o Vlibras permitem ao usuário surdo o esclarecimento de termos que não são comuns ao seu dia a dia. O Português escrito não é a primeira língua da pessoa surda, é a alternativa para o registro da língua gestual diante um cenário cujo não há uma escrita oficialmente aceita para a língua de sinais(11), por isso é entendida como a segunda língua do surdo.

A compreensão de legendas ou textos informativos pode ficar prejudicada a depender da aproximação que a pessoa surda tem do português escrito. Em um estudo realizado ao sul de Portugal, com alunos surdos(11), a respeito do entendimento de textos escritos na língua portuguesa, foi observado que “a compreensão de um texto depende não apenas do reconhecimento das palavras que o compõem, mas sim da compreensão das frases (...) e, sobretudo, da sua integração, com o propósito de elaborar uma representação coerente da mensagem que pretendem transmitir na sua globalidade.”

Considerando os sites analisados, eles apresentavam majoritariamente informações textuais, uma alternativa pouco atraente aos surdos e com baixa instrumentalização para ter acesso a informação em saúde. Cinto e Prado(12) ressaltam que “para ter garantida autonomia e qualidade de vida, a pessoa com deficiência necessita de recursos que aumentem, mantenham ou melhorem suas capacidades funcionais.”

Mesmo com o respaldo da lei, que reforça o dever do Estado em garantir o acesso à informação, os sites dos governos brasileiros ainda não são unânimes na oferta deste direito. 

Nos materiais audiovisuais avaliados no Youtube, foi observada uma variedade de apresentações: vídeos ao vivo, trechos de gravações editadas, materiais publicitários, reportagens, todos no contexto da pandemia, com informações relevantes a população geral, e nesta diversidade, os materiais sem algum tipo de acessibilidade perfizeram as taxas entre 17,59% a 63, 91% a depender da região. Segundo Caran e Biochini(13) essas barreiras para acessar as informações em saúde podem gerar sensações de frustração e desmotivar a pessoa com deficiência na produção do cuidado em saúde.

No contexto de pandemia a desmotivação e a frustração são potencializadas pela situação de insegurança das informações, uma vez que houve uma grande oferta de notícias relacionadas ao Coronavírus, entre elas, a apresentação deliberada de notícias falsas ou enganosas(14), o que distancia ainda mais a pessoa surda da sua autonomia por não ter acesso adequado às informações, submetendo-as à boa vontade de terceiros para decidir sobre a produção do cuidado em saúde.

Em estudo realizado em abril de 2020 foram analisados vídeos nos canais do Youtube que abordavam a temática COVID-19 na língua de sinais, dentre os vídeos avaliados 64,7% foram postados por pessoa física, ou seja, pessoas com fluência em LIBRAS que abordavam a temática “Coronavírus”, mas sem um controle da qualidade da informação(15).

Contudo, apesar do cenário nacional apresentar números ainda discretos quanto à presença de acessibilidade em Libras para o acesso à informação ao COVID-19, foi identificado um movimento crescente de alguns Estados na garantia da acessibilidade dos materiais divulgados. Entendemos que este estudo se limita à presença ou não de acessibilidade e que aspectos como o consumo deste material pela comunidade surda não foram possíveis de serem analisados, neste momento.

Outra limitação do estudo está relacionada à impossibilidade de comparação dos resultados, visto que publicações científicas sobre o tema direcionado às pessoas com surdez e o acesso às informações de saúde ainda são incipientes. 

 

CONCLUSÃO

Neste estudo constatou-se que menos de 10% dos vídeos analisados apresentaram Libras e legenda como alternativa de acessibilidade, como é o estabelecido por lei para divulgação de materiais audiovisuais. Constatamos a presença de Libras somente em pouco mais de 25% dos materiais publicados que ofertavam esta acessibilidade. Contudo, o mais preocupante observado nesta pesquisa é que mesmo com a Lei de acessibilidade e considerando o contexto pandêmico, 32,29% dos vídeos publicados relacionados ao Covid-19 não apresentavam qualquer tipo de acessibilidade.

Entendemos que os recursos audiovisuais são fundamentais na comunicação da pessoa surda e em condições adequadas favorecem o acesso às informações circulantes na plataforma de vídeos, principalmente, em sites governamentais.

Diante ao exposto, faz-se necessário ampliarmos a discussão sobre o acesso à informação de forma equânime a todos os usuários surdos e refletirmos o quanto de barreira ainda há na tentativa da produção do cuidado do indivíduo e da coletividade que busca acessar informações em saúde. Sendo necessários, também, outros estudos para um tema relevante, porém, pouco abordado até aqui.

A Luz deste trabalho espera-se que a presença de acessibilidade nas informações propagadas seja revista como um direito, das prerrogativas da lei, e não como um ato de benevolência que um determinado Estado ou órgão governamental esteja ofertando em seus sites/plataformas. E ainda, que o acesso à informação com qualidade seja refletido, também, pelos profissionais de saúde enquanto componente importante na produção do cuidado do usuário seja ele, surdo ou ouvinte.

 

REFERÊNCIAS

 

1. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. 4. ed. Rio de Janeiro: ABNT; 2020 [cited 2021 Sept 03]. Available from: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/NBR9050_20(1).pdf

 

2. Brasil. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) [Internet]. Brasília: Presidência da República; 2015 [cited 2021 Aug 23]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm 

3. Brasil. Decreto nº 9.656, de 27 de dezembro de 2018. Altera o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 e regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras [Internet]. Brasília: Presidência da República; 2018 [cited 2021 Aug 23]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decreto/D9656.htm#art1

 

4. Santana EB. Ações de educação em saúde e desenvolvimento de aplicativo para dispositivos móveis: estratégias voltadas à redução da subnotificação dos casos suspeitos de infecção pelo vírus Zika [master’s thesis]. Salvador: Universidade do Estado da Bahia; 2018 [cited 2021 Sept 03]. Available from: http://ramo.uneb.br:8080/bitstream/20.500.11896/1525/1/DISSERTA%c3%87%c3%83O%20%20ELOISA%20BAHIA%20SANTANA%20.pdf

 

5. Ministério da Saúde (BR). Protocolo de Tratamento do Novo Coronavírus (2019-nCoV) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited 2021 Aug 23]. Available from: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/40195/2/Protocolo_Tratamento_Covid19.pdf 

 

6. Magalhães AJ, Rocha MH, Santos CS, Dantas CB, Manso GJ, Ferreira MD. O ensino da anamnese assistido por tecnologias digitais durante a pandemia da Covid-19 no Brasil. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2020 [cited 2021 Aug 23];44(1):e163. Available fromhttps://doi.org/10.1590/1981-5271v44.supl.1-20200437

 

7. Ministério da Saúde (BR). Manual de recomendações para prevenção e cuidado da COVID-19 no sistema prisional brasileiro [Internet]. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited 2021 Aug 23]. Available from: https://c551e460-0609-4bbe-909f-729fc0b5e784.filesusr.com/ugd/4979d2_24336b6704e84a3e9d41609a5e711089.pdf 

 

8. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Informações completas: população residente por tipo de deficiência permanente [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [cited 2021 Aug 23]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?edicao=9749&t=destaques

 

9. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Conheça o Brasil – Território: divisão política administrativa e regional [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; [2021?] [cited 2021 Aug 23]. Available from: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/territorio/18310-divisao-politico-administrativa-e-regional.html

 

10. Ministério da Economia (BR). Governo digital: Vlibras [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Economia; [2021?] [cited 2021 Aug 23]. Available from: https://www.gov.br/governodigital/pt-br/vlibras/

 

11. Santos JP, Horta F, Grade A. Desempenho em tarefas de leitura e escrita de alunos surdos do 1º Ciclo do Ensino Básico ao nível do Português L2. Rev Edu Esp [Internet]. 2020 [cited 2021 Sept 02];33:1-20. Available fromhttp://dx.doi.org/10.5902/1984686X34664

 

12. Cinto LJ, Prado EF. Acessibilidade na WEB com foco em deficiência auditiva. EduFatec [Internet]. 2018 Jul-Dez [cited 2021 Aug 23];1(2):1-24. Available from: http://ric.cps.sp.gov.br/bitstream/123456789/5088/1/ACESSIBILIDADE%20NA%20WEB%20COM%20FOCO%20EM%20DEFICI%c3%8aNCIA%20AUDITIVA.pdf

 

13. Caran GM, Biolchini JC. Fatores de acesso à informação para a promoção da saúde do deficiente visual: um mapeamento sistemático da literatura. In: Anais do 16º Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação [Internet]; 2015 Out 26-30; João Pessoa (PB): ENANCIB; 2017 [cited 2021 Aug 23]. Available from: http://repositorios.questoesemrede.uff.br/repositorios/bitstream/handle/123456789/3057/11.%20FATORES%20DE%20ACESSO%20%c3%80%20INFORMA%c3%87%c3%83O%20PARA%20A%20PROMO%c3%87%c3%83O%20DA.pdf?sequence=1

 

14. Gelfert A. Fake News: a definition. Informal Logic [Internet]. 2018 [cited 2021 Aug 23];38(1):84-117. Available fromhttps://informallogic.ca/index.php/informal_logic/article/view/5068 

 

15. Galindo NM, Sá GG, Pereira JC, Barbosa LU, Barros LM, Caetano JA. Information about COVID-19 for deaf people: an analysis of Youtube videos in Brazilian sign language. Rev Paul Enferm [Internet]. 2021 [cited 2021 Aug 23];74(1):e20200291. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33533803/

 

 

Submission: 08/24/2021 

Approved: 10/27/2021

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA 

Concepção do projeto: Marandola TR, Lima JVC, Melchior R

Obtenção de dados: Marandola TR, Marandola CMR

Análise e interpretação dos dados: Marandola TR, Marandola CMR, Lima JVC, Melchior R

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