Consulta de enfermagem no pré-natal na perspectiva de puérperas: estudo exploratório-descritivo

 

Camila Staggemeir Soares1, Naiana Oliveira dos Santos1, Claudia Maria Gabert Diaz1, Simone Barbosa Pereira1, Karen Ariane Bär1, Dirce Stein Backes1

 

1 Franciscan University, RS, Brazil

 

RESUMO

ObjetivoConhecer a percepção de puérperas sobre o significado da consulta de enfermagem no pré-natal, com vistas à qualificação da atenção em saúde materno-infantil. Método: Pesquisa qualitativa, descritiva-exploratória, realizada com 20 puérperas em alta hospitalar, as quais haviam efetivado o mínimo de consultas pré-natal preconizada pelo Ministério de Saúde. Coletou-se os dados pela técnica de entrevista e a análise de conteúdo, como técnica de análise. Resultados: Resultaram do processo de análise três categorias, quais sejam: Percepção de puérperas sobre as consultas pré-natais; Consultas informativas X Consultas construtivas; e, Avanços nas consultas pré-natais entre a primeira e segunda gestação. ConclusãoEvidencia-se avanços e conquistas na atenção pré-natal, as quais estão relacionadas à ampliação do número de consultas pré-natais, às abordagens horizontalizadas e dialógicas de intervenção, ao engajamento proativo tanto dos profissionais quanto das usuárias, dentre outros. Permanecem, no entanto, fragilidades relacionadas às abordagens biomédicas, centradas na transmissão e reprodução de informações.

 

Descritores: Sistema Único de Saúde; Atenção à Saúde; Cuidado Pré-Natal; Parto Humanizado; Direitos do Paciente; Saúde da Mulher.

 

INTRODUÇÃO

A consulta de enfermagem surgiu, na década de 60, com o objetivo de impulsionar o processo de enfermagem. Na Rede Básica de Saúde emerge com força a consulta de enfermagem pré-natal, realizada de acordo com um roteiro estabelecido pelo Ministério da Saúde e garantido pela Lei do Exercício Profissional e o Decreto nº 94.406/874. A mesma se caracteriza pelo desenvolvimento da assistência integral à gestante, a partir de ações técnico-científicas, com vistas à melhoria da atenção obstétrica e a redução das taxas de morbimortalidade materna e infantil(1,2).

A atenção ao pré-natal requer, nessa direção, condutas profissionais centradas no cuidado singular e multidimensional à gestante e ao feto, no sentido de identificar e prevenir processos patológicos que possam interferir no parto e no desenvolvimento saudável do bebê. Visa, em outras palavras, atentar para a saúde da mãe e da criança e, consequentemente, contribuir para a melhoria dos indicadores de saúde materno-infantil do país(3,4).

A consulta de enfermagem no pré-natal deve orientar-se com base nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), quais sejam: equidade, universalidade, resolutividade e integralidade das ações de saúde, visando à promoção, prevenção, proteção e recuperação/reabilitação do indivíduo, família e comunidade. A resolução do Conselho Federal de Enfermagem nº 159/1993, revogada pela resolução COFEN nº 544/2017, torna obrigatória, na assistência de enfermagem, as consultas de enfermagem em todos os níveis de assistência à saúde, sendo em instituição pública ou privada(5).

Ademais, o Decreto nº 94.406/87, do Conselho Federal de Enfermagem, que regulamenta o exercício profissional - Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, determina a consulta de enfermagem como atividade privativa do Enfermeiro. Como integrante da equipe de saúde, o enfermeiro está autorizado, também, à prescrição de medicamentos que tenham sido, previamente, aprovados em protocolos institucionais(6).

Para garantir a qualidade pré-natal, o Ministério da Saúde (MS) estabeleceu diretrizes das quais se destacam o número de consultas de, no mínimo seis, com início no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro trimestre de gestação e, por fim, de 15 em 15 dias, realizando busca ativa no caso de gestantes faltosas, com apoio dos Agentes Comunitários de Saúde(7)

O MS por meio do caderno nº 32 da Atenção Básica estabelece, ainda, o calendário de atendimentos relacionados ao pré-natal de baixo risco, conforme segue: Até a 28ª semana, as consultas são mensais, da 28ª a 36ª semana, quinzenais e semanais da 36ª a 41ª semana de gestação. A partir da portaria nº 570/2000, a primeira consulta de pré-natal deve ser realizada até o 4º mês da gestação, além de uma consulta no puerpério até 42 dias após o nascimento(8).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou, recentemente, um número maior de consultas pré-natais, aumentando-as para, no mínimo, oito consultas de pré-natal, com vistas à qualidade da atenção pré-natal e à redução das complicações na gravidez. Ademais, o novo modelo de atenção pré-natal recomenda que as gestantes tenham a sua primeira consulta nas 12 primeiras semanas de gestação, com visitas subsequentes na 20ª, 26ª, 30ª, 34ª, 36ª, 38ª e 40ª semanas de gestação(9).

O enfermeiro ocupa papel central na condução da assistência pré-natal de qualidade, pela habilidade de atuar com estratégias proativas de acolhimento que visam tanto à promoção, proteção e educação em saúde, quanto o empoderamento da gestante em relação à escolha do tipo de parto. Para tanto, o enfermeiro deve apoiar-se em tecnologias como a consulta de enfermagem pré-natal, que tem o potencial de identificar demandas e, a partir de um plano sistematizado de cuidados, estabelecer prioridades de intervenção(10).

Estudo realizado no Rio de Janeiro buscou descrever a expectativa da gestante acerca da atuação do enfermeiro na consulta pré-natal. O mesmo constatou que, apesar da Lei Profissional que regulamenta o exercício profissional do Enfermeiro, a maioria das gestantes (60%) não tinha o conhecimento de que o enfermeiro poderia realizar o acompanhamento do pré-natal de baixo risco. Muitas entendiam o atendimento do profissional de enfermagem como complementar ao do médico e se sentiam inseguras frente à atuação deste profissional. Após a consulta com o Enfermeiro, no entanto, elas se sentiram satisfeitas e encorajadas, encontrando atenção e um ambiente confortável para fazer perguntas e sanar dúvidas(11)

Embora presente na Atenção Básica de Saúde, a consulta de enfermagem no pré-natal necessita ser qualificada e (re)pensada com base em novos referenciais de intervenção. Requer-se, para além das receitas prescritivas e ações pontuais, atitudes e posturas profissionais capazes de compreender a gestante em sua concepção singular e multidimensional. Sob esse enfoque, questiona-se: qual o significado atribuído à consulta de enfermagem no pré-natal na perspectiva de puérperas? Objetivou-se, para tanto, conhecer a percepção de puérperas sobre o significado da consulta de enfermagem no pré-natal, com vistas à qualificação da atenção em saúde materno infantil.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, de caráter exploratório-descritivo, realizado em uma maternidade de médio porte localizada na região central do Rio Grande do Sul. As participantes foram 20 puérperas, com idade entre 18 a 41 anos, de uma a cinco gestações, independentemente do tipo de parto. Embora em período pandêmico provocado pela COVID-19, foi possível manter o processo de pesquisa, com a permissão da gestão local e a observância dos protocolos institucionais.

Os dados foram coletados no período de junho a julho de 2020, por meio de entrevistas individuais com as 20 puérperas que prontamente aceitaram o convite. As participantes foram escolhidas de forma aleatória, mediante convite formal, após o parto, por ocasião da alta hospitalar. A entrevista foi orientada com base em questões norteadoras, tais como: Como você avalia a sua consulta pré-natal? O que modificou em sua vida e/ou dia a dia após realização da consulta pré-natal? Em sua opinião, o que poderia ter sido diferente em sua consulta pré-natal? O processo de coleta de dados foi iniciado após a aprovação do comitê de ética em pesquisa. 

As entrevistas foram gravadas em áudio, conforme permissão das participantes e mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As mesmas foram realizadas em uma sala disponibilizada na maternidade, respeitando-se a privacidade de cada participante. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas e analisadas. 

Utilizou-se como técnica de análise de dados, a análise de conteúdo. Buscou-se, inicialmente, descobrir o núcleo de sentido que compôs cada comunicação, cuja presença ou frequência acrescentaram significados ao objeto sob investigação. Esse processo foi conduzido a partir da leitura exaustiva dos dados, seguida da organização do material e da formulação de hipóteses. Na sequência, o material foi explorado e, por fim, os dados foram delimitados em categorias, conforme prevê o método(12).

Considerou-se como critérios de inclusão das participantes: ter participado de, no mínimo, seis consultas pré-natais conforme preconizado pelo MS e ter disponibilidade para participar das entrevistas, por ocasião da alta hospitalar. Foram excluídas do estudo, mulheres com idade inferior a 18 anos e as seis puérperas que renunciaram ao convite.

Em cumprimento às recomendações éticas em pesquisa, foram respeitados os critérios éticos em pesquisa com seres humanos(13). O projeto recebeu a aprovação do Comitê de Ética sob o número 1.432.420. Para manter o anonimato das participantes, estes foram identificados com a letra P (puérperas) e sequência numérica, de acordo com a ordem das entrevistas. 

 

RESULTADOS

Apresenta-se, na sequência, a caracterização das participantes, conforme a Figura 1. Apresenta-se na figura a idade, profissão, número de filhos vivos, o tipo do último parto, número de consultas pré-natal, onde e com qual profissional foram realizadas as consultas e a cidade/município de origem das participantes.

 

Puérpera

Idade

Profissão

Número de gestações

Tipo 

último

parto

Nº Consultas PN

Profissional que atendeu

Local onde realizou o PN

Cidade/Município

P1

27

Chapista de Lancheria

02

PN

- 7 consultas de PN SIC

- PN com médico

- UBS

Santa Maria

P2

23

Cuidadora

02

PN

- 8 Consultas de PN SIC

- PN com médico

- UBS

Santa Maria

P3

41

Auxiliar de Educação Infantil

02

PN

- 8 Consultas de PN SIC

- PN com médico e enfermeira

- UBS

Santa Maria

P4

18

Do Lar

01

PN

- 8 Consultas PN SIC

- PN com enfermeira

- Particular

Santa Maria

P5

21

Do Lar

01

PN

- 11 Consultas PN SIC

- PN com médico obstetra

- UBS

Santa Maria

P6

18

Empregada Doméstica

01

PC

- 9 Consultas PN SIC

- PN com médico GO

- Centro Materno de São Francisco de Assis

São Francisco de Assis

P7

32

Gerente Comercial

03

PN

- 8-9 Consultas PN SIC

- PN com médico GO

- Particular

Santa Maria

P8

22

Caixa

02

PC

- 9-10 Consultas PN SIC

- PN com médico e enfermeiro

- UBS

Santa Maria

P9

30

Agricultora

03

PC

- 9 Consultas PN SIC

- PN com Médico

- UBS

Jari – interior

P10

25

Vendedora

01

PC

- 8 Consultas PN SIC

- PN com médico

- Clinica de especialidades

São Francisco de Assis

P11

28

Do Lar

02

PN

- 9 Consultas PN SIC

- PN com médico

- UBS

Quevedos

P12

30

Auxiliar de Escritório

01

PN

- 9 consultas PN SIC

- Médico

- Clínica particular

Santa Maria

P13

18

Jovem Aprendiz – Administrativo

01

PN

- 9 consultas PN SIC

- Médico

- UBS

Santa Maria

P14

24

Operadora de Caixa

02

PC

- 8-9 consultas PN SIC

- Médica

- UBS

Santa Maria

P15

28

Personal Trainer

01

PN

- 11 consultas PN SIC

- 2 médicas e 1 enfermeira

- UBS

Santa Maria

P16

27

Dona de Casa

01

PC

- 10-12 consultas PN SIC

- Enfermeira e Médica

- UBS

Santa Maria

P17

34

Do Lar

04

PN

- 7 consultas PN SIC

- Médico

- UBS

Jari

P18

26

Consultora de Vendas

03

PN

- 13 consultas PN

- Enfermeira e Médica

- UBS

Santa Maria

P19

22

Do Lar

03

PN

- 7 consultas PN

- Médico

- UBS

Santa Maria

P20

18

Do Lar

01

PN

- 14 consultas PN

- Médica

- UBS

Santa Maria

Figura 1 – Caracterização das participantes de uma maternidade. Santa Maria, RS, 2020

Legenda: PN= Pré-natal; PC= Parto Cesárea; UBS= Unidade Básica de Saúde; SIC= Segundo Informações Colhidas; GO= Ginecologista. 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

Dos dados organizados e analisados, resultaram três categorias, quais sejam: Percepção de puérperas sobre as consultas pré-natais; Consultas informativas X Consultas construtivas; e, Avanços nas consultas pré-natais entre a primeira e segunda gestação.

 

Percepção de puérperas sobre as consultas de pré-natal 

Do total de 20 participantes, 12 puérperas fizeram referência à consulta com o profissional médico, embora duas tenham citado, também, o (a) Enfermeiro(a). As puérperas, em geral, demonstraram-se satisfeitas com as consultas pré-natais realizadas. Algumas, no entanto, compararam o atendimento recebido entre uma Unidade de Saúde e a outra, conforme depoimentos:

A médica era mais interessada sabe, mais... e no outro não foi tanto porque foi bem... (P3)

 

Foram boas, eu gostei mais do outro posto que eu fui agora, porque o médico pergunta e ele quer saber de tudo, até da tua família (P2).

 

Percebe-se que, em muitos casos, a consulta médica de qualidade está relacionada ao número de exames solicitados. Em outros casos, ainda, a qualidade do atendimento está relacionada ao esclarecimento de dúvidas, conforme depoimento:

Tanto a médica como a enfermeira pediram todos os exames. E toda vez que eu tinha consulta ela tinha uma lista de exames né... ela perguntava se eu tinha alguma dúvida, se eu queria saber alguma coisa, foi bem bom. Porque como que vou te explicar... (P3)

 

Percebe-se, em outra fala de puérpera, que as consultas foram bastante superficiais, ou seja, não adentraram em questões fundamentais, como por exemplo, o tipo de parto e outros. Estas informações tiveram que ser complementadas com familiares ou relações mais próximas:

Mais no final, mas ela não. Eu só perguntei por último ah Dra. vai ser normal, daí ela me respondeu né que tinha tudo para ser normal que ela era um bebê pequenininho e tudo mais... assim óh, sobre o parto muito eu e a Dra. a gente não conversou, então eu peguei, tenho experiências na família sabe. Daí a gente se trocava assim, a gente conversava eu e as minhas irmãs, minha mãe, tudo (P5). 

 

Embora a maioria das participantes tenha referido que as suas consultas pré-natais ocorram com o profissional médico, uma das integrantes fez um comparativo entre a consulta médica e a consulta do(a) Enfermeiro(a). Percebe-se, na fala desta participante, que a consulta médica se restringe a uma ordem, enquanto a consulta de enfermagem se efetiva pelo diálogo. 

Porque na verdade com a enfermeira a consulta foi diferente... E quando a consulta foi marcada com ela, foi mais humanizada. Foi mais uma troca, uma conversa assim...ela explanou mais as questões que eu perguntei, orientou mais. Então parece que quando é com a médica é muito mais uma ordem, faz assim, assim... (P15)

 

Apesar de, em geral, as puérperas sentirem-se satisfeitas com o atendimento do médico nas consultas pré-natal, duas puérperas constataram o desinteresse deste profissional em examiná-las e em esclarecer as suas dúvidas. Nesse sentido, ficou evidente que não basta ampliar o número de consultas, mas que é preciso discutir a qualidade das consultas pré-natais.

 

Consultas informativas X Consultas Construtivas

Percebeu-se, no relato de 13 puérperas, a necessidade de qualificar as abordagens de intervenção tanto por parte dos médicos, quanto por parte da Enfermagem. Denotou-se, nas diferentes falas, que as consultas pré-natais ainda estão fortemente focadas em abordagens informativas e prescritivas, ao invés de serem construtivas e participativas, isto é, geradoras de autonomia e empoderamento, conforme depoimentos:

Ele é quieto, ele não é de conversar. Ele pede teu exame e deu, só olha (P2).

 

Muito pouco, nessa parte ela sempre deixou bem a desejar. Ela nunca foi muito de falar. Quando eu precisava mesmo quem me explicava era a mãe, por ela já ter experiência e tudo mais (P6). 

 

É tipo, elas perguntam e tu responde sim ou não, sim ou não, sim ou não. Deveria ser mais uma conversa, para ter mais uma troca de informação e não só um questionário de perguntas que elas fazem (P15).

 

Algumas participantes reconheceram, no entanto, avanços na forma de intervenção e fizeram referência à importância dos processos horizontalizados e dialógicos de construção do conhecimento. Demonstraram, em suas falas, que se sentiam valorizadas na medida em que lhes era possibilitado espaço para o diálogo e a troca de conhecimentos e experiências, conforme expresso: 

Foi bem bom, foi ótimo. Ela conversava comigo, me avaliava e esclarecia todas as dúvidas. Como eu sou nova, eu nunca tive filho, eu tinha muitas dúvidas e ela me ajudou muito (P4). 

 

Em todas as consultas que eu fui eu ficava despreocupada. Eu sabia que estava tudo bem com o bebê, que dava pra ouvir o coração. Sempre conversamos muitas coisas em relação ao bebê, o parto, a amamentação e tudo (P7). 

 

Sempre foram bem atenciosas comigo. Sempre muita explicação... eu perguntava também. Me ajudou a ficar mais segura para o parto, me deixaram mais confiante eu acho (P20). 

 

Percebe-se, nessa mesma direção, que a gestante se tranquilizava e comprometia de forma autônoma, na medida em que participava do processo de intervenção, isto é, da consulta pré-natal. Denota-se, assim, que o empoderamento da gestante está diretamente relacionado às abordagens das consultas pré-natais, o que consequentemente repercutirá nos indicadores de morbimortalidade materna e infantil. As próprias gestantes reconhecem à necessidade do diálogo e o quanto este reflete em suas atitudes e decisões.

Eu acho que no geral precisa ter mais diálogo nas consultas. As pessoas têm que se informar melhor, que as vezes tu vai mas fica perdida... tem que ter mais diálogo (P2). 

 

Mais conversa e diálogo. Eu chegava lá na consulta e ela só ia ouvir os batimentos dela sabe. Daí quando eu levava exame ela via “ah tá bom” ou quando tivesse que dar um remedinho, alguma coisa. Era só isso assim, sabe? (P10)

 

Ter mais o diálogo e mais interesse da minha opinião. A gente poder chegar de frente e dizer não, não. Eu digo assim, a gente ter também o direito de optar, entende? Eu acho que se tu tá ali tem que tentar ser o melhor possível, acho que faltou totalmente isso dela (P14). 

 

Evidenciou-se, na fala das participantes, um crescente empoderamento por parte das gestantes e puérperas, principalmente naquelas que conseguiram distinguir abordagens de intervenção e avaliar o que melhor lhes ajuda. Da mesma forma, reconhecem a importância de sua participação ativa e responsável em todo o processo gestacional.

 

Avanços nas consultas pré-natais entre a primeira e segunda gestação 

Dentre as 20 participantes do estudo, sete mencionaram melhorias entre as consultas pré-natais de um parto para o outro. Estas reconhecem que, atualmente, as consultas buscam considerar a singularidade e a acolhida diferenciada da gestante. Esse cuidado diferenciado as deixou mais seguras e confiantes em relação ao parto, conforme exemplificado a seguir:

No pré-natal do meu primeiro foi diferente, não teve tanta especulação e eu não sou de perguntar. Se não me falam eu não pergunto. E desse aqui, eu tive bastante informação... quando começou as dores em casa eu já sabia (P2). 

 

Dessa aqui eu fui mais esclarecida que dá outra vez. Eu já fui bem mais preparada (P3). 

 

Porque na minha outra gravidez não era assim, era totalmente diferente. Agora foi bem diferente, agora me tratou como se fosse única, eu me senti bem acolhida, assim (P14). 

 

É preciso reconhecer, nesse processo evolutivo, as políticas públicas indutivas, por parte do Ministério da Saúde. Em sua fala, uma das puérperas, em especial, mencionou, que o número de consultas preconizadas, atualmente, também contribuiu para a qualificação da atenção à gestante e puérpera. Além de maior autonomia, esse processo lhes garante maior tranquilidade e segurança.

Sim, dos outros eu tive, também, mas não era assim, até pela questão do tempo eu acho. Muita coisa mudou de um tempo para o outro né, imagina há quatorze anos atrás era totalmente diferente. Eu nem tinha tantas consultas, com tanta frequência, como tive dessa vez (P7). 

 

Ah, a gente fica mais tranquila né, depois que vai fazendo as consultas. Eu fiquei mais tranquila, porque dá outra eu tive muita pouca informação e deu um monte de problemas (P19).

 

Denota-se, nas falas das participantes, em geral, avanços e conquistas no que se refere à atenção pré-natal. Estas estão relacionadas ao acréscimo do número de consultas pré-natais, às abordagens de intervenção, mais horizontalizadas e dialógicas, como também à postura e o engajamento tanto dos profissionais, quanto das usuárias. Permanecem, no entanto, fragilidades relacionadas às abordagens biomédicas, ainda fortemente focadas na transmissão e reprodução de informações.

 

DISCUSSÃO

A atenção pré-natal vem passando por significativas transformações ao longo dos últimos anos, com vistas à qualificação da saúde materno-infantil. Estes avanços estão relacionados, sobretudo, às novas abordagens de intervenção, nas quais se consideram aspectos como interprofissionalidade e o protagonismo da mulher(14)Nesse processo de conquistas e avanços, é preciso que os profissionais se apropriem e embasem, crescentemente, além das evidências científicas, em novos referências teóricos capazes de ampliar a perspectiva de cuidado em saúde. 

Em seu pensamento da complexidade, Edgar Morin(15) compreende a complexidade como sendo tudo aquilo que tece em conjunto e onde as partes formam o todo e o todo forma as partes. Isso quer dizer, que o ser humano é um ser complexo, formado por várias partes que formam o todo, que por sua vez, é maior que a soma das partes, assim contendo, também, a presença do todo na parte. 

A complexidade de Morin possibilita uma abordagem, a qual estimula a integração dos diferentes aspectos da vida humana, considerando as partes distintas, integrando os diferentes jeitos de pensar, viver e cuidar. Dessa forma, é possível fomentar um processo de mudança, que transcende o cuidado pontual e fragmentado, centrado no modelo biomédico unidimensional e na transmissão de informações. Ao superar a linearidade do cuidado em saúde, possibilita-se o acolhimento, o vínculo e a atenção singular e multidimensional do ser humano, neste caso, a gestante como protagonista de sua história(16).

A política de Educação Permanente em Saúde (EPS), pela portaria nº 1996/2007 do Ministério da Saúde, induziu à problematização e à contextualização, a partir de processos crítico-reflexivos nos quais tanto os profissionais quanto os usuários são sujeitos e atores de mudanças. Busca-se atender às necessidades reais por meio do processo de aprendizagem significativa, motivado pela troca de saberes e práticas do vivido(17)

A educação permanente em saúde se constitui, nessa direção, em estratégia capaz de identificar as fragilidades no cuidado em saúde, mas também possibilitar tecnologias prospectivas de interlocução e de ressignificação da prática profissional(18). Além disso, a educação permanente possibilita a integralidade e a interprofissionalidade do cuidado em saúde, bem como a autonomia e a responsabilidade compartilhada de todos os atores envolvidos.

A consulta de enfermagem se configura nesse processo evolutivo, como ferramenta prospectiva que visa assegurar a qualidade da atenção pré-natal, especialmente, no que se refere às ações educativas e de promoção da saúde. Requer-se do profissional além de competência técnica, sensibilidade para apreender e acolher a gestante como unidade complexa, isto é, a partir de suas singularidades e multidimensionalidades humanas.

Embora atrelada à figura do médico, a consulta de enfermagem no pré-natal deverá, crescentemente se diferenciar, pela capacidade de integrar e articular os diferentes saberes profissionais. O Brasil, conforme evidenciado em estudo, correlaciona a consulta pré-natal à figura do médico, o que pode estar associado ao pouco esclarecimento das usuárias e à falta de empoderamento dos demais profissionais de saúde, como por exemplo, o (a) Enfermeiro(19).

Estudo de abordagem qualitativa realizado em sete Unidades de Atenção Primária a Saúde do município de Fortaleza, identificou que as orientações realizadas pelo profissional nas consultas pré-natais traziam um sentido de obrigatoriedade e imposição ferindo, desse modo, a autonomia da gestante. Evidenciou, também, o tecnicismo nas consultas, demonstrando a mecanicidade e verticalidade na relação profissional–usuário(20).

O pensamento da complexidade, iluminador de novos processos de cuidado de enfermagem, transcende a soberania do modelo biomédico e concebe a relação dialógica entre os diferentes movimentos que integram a consulta pré-natal. Sob esse enfoque, o profissional de enfermagem assume um papel mediador e interlocutor da consulta pré-natal, o que implica em considerar as singularidades e as multidimensionalidades de cada gestante e família, tornando-as protagonistas do processo. Requer-se, para tanto, a superação de modelos tradicionais e verticalizados de intervenção, a partir de processos interativos e associativos que considerem a singularidade de cada ser humano(15).

 

CONCLUSÃO

Evidenciam-se avanços e conquistas na atenção pré-natal, relacionados à ampliação do número de consultas pré-natais, às abordagens horizontalizadas e dialógicas de intervenção, ao engajamento proativo tanto dos profissionais quanto das usuárias, dentre outros. Permanecem, no entanto, fragilidades relacionadas às abordagens biomédicas, centradas na transmissão e reprodução de informações.

Conclui-se, que o empoderamento da gestante está diretamente relacionado às abordagens das consultas pré-natais, o que consequentemente repercutirá nos indicadores de morbimortalidade materna e infantil. As próprias puérperas reconhecem a necessidade do diálogo e o quanto este reflete em suas atitudes e decisões.

A consulta de Enfermagem pré-natal assume, em suma, um papel cada vez mais importante na rede atenção à saúde materno-infantil. É importante, no entanto, que o (a) Enfermeiro(a) se diferencie pela liderança proativa e a adoção de abordagens transversais de intervenção, capazes de transcender a lógica pontual e linear do fazer em saúde.

 

REFERÊNCIAS

 

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Submission: 03/31/2021

Approved: 09/17/2021

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA 

Concepção do projeto: Soares CS, Backes DS

Obtenção de dados: Soares CS, Backes DS

Análise e interpretação dos dados: Soares CS, Backes DS 

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Soares CS, Santos NO, Diaz CMG, Pereira SB, Bär KA, Backes DS

Aprovação final do texto a ser publicada: Soares CS, Santos NO, Diaz CMG, Pereira SB, Bär KA, Backes DS

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra:  Soares CS, Santos NO, Diaz CMG, Pereira SB, Bär KA, Backes DS

 

 

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