Diagnósticos/resultados e intervenções de enfermagem para pacientes com COVID-19: estudo documental retrospectivo
Gabriela Lisieux Lima Gomes1, Fabiana Maria Rodrigues Lopes de Oliveira1, Natália Pessoa da Rocha Leal1, Keyth Sulamitta Lima Guimarães1, Deysianne Ferreira da Silva1, Keylla Talitha Fernandes Barbosa1
1 João Pessoa University Center, PB, Brazil
RESUMO
Objetivo: Construir Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem utilizando a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem em pacientes com infecção por coronavírus. Método: Estudo exploratório, descritivo, do tipo documental retrospectivo, desenvolvido em unidades de pronto atendimento do município de João Pessoa - Paraíba. A amostra foi composta por 187 prontuários e a coleta de dados foi realizada entre junho e agosto de 2020. A análise dos dados ocorreu por meio de estatística descritiva, média, amplitude e desvio padrão. Resultado: Foram identificados 12 Diagnósticos/Resultados de Enfermagem (Dispneia, Febre, Tosse, Dor Muscular, Dor na cabeça, Diarreia, Olfato prejudicado, Paladar prejudicado, Falta de apetite, Deglutição, prejudicada, Dor no tórax e Vômito) e 36 Intervenções de Enfermagem direcionadas aos pacientes acometidos por coronavírus. Conclusão: A identificação de Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem se faz indispensável para subsidiar a assistência, sobretudo no cenário atual da pandemia do COVID-19, contribuindo com a operacionalização do Processo de Enfermagem.
Descritores: Enfermagem; Processo de Enfermagem; Diagnóstico de Enfermagem; Terminologia Padronizada em Enfermagem; Infecções por Coronavírus.
INTRODUÇÃO
O Coronavírus foi inicialmente identificado em dezembro de 2019 em um grupo de pacientes que apresentavam pneumonia de etiologia desconhecida, na cidade de Wuhan, província de Hubei-China. Posteriormente, em virtude da disseminação de casos semelhantes, a cepa do vírus que causava a morbidade foi isolada com sucesso por pesquisadores(1-2), possibilitando a associação da referida condição clínica com o agente etiológico responsável pelo surto de coronavírus, relacionado à síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV), em 2003(3).
Desse modo, o Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus batizou o novo vírus da síndrome respiratória aguda grave como SARS-CoV-2, em 11 de fevereiro de 2020. Em concomitante, a Organização Mundial da Saúde (OMS) proclamou o nome oficial da doença causada pelo novo vírus como doença do coronavírus (COVID-19)(4).
Considerada uma emergência de saúde pública de preocupação internacional, o surto de COVID-19 foi declarado uma pandemia global e têm mobilizado pesquisadores na busca por informações que possam nortear a assistência em saúde. Em Março de 2021, foram relatados mais de 123 milhões de casos COVID-19 confirmados, incluindo mais de 2,7 milhões de mortes no mundo(5), ao passo que no Brasil a disseminação do vírus já havia superado o número de 12 milhões de casos acumulados, com mais de 290 mil óbitos confirmados(6).
No que concerne à sintomatologia, os pacientes infectados podem apresentar febre, temperatura elevada (> 37,3 ° C), tosse, mialgia, cefaléia, hemoptise, diarreia, dispneia e, em alguns casos mais graves, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), lesão cardíaca aguda ou infecção secundária(7-8). A mensuração da gravidade de acordo com os sintomas apresentados pelo paciente infectado se faz revelante para determinar a complexidade da assistência e, corroborando este fato, estudo possibilitou a estruturação de um sistema de pontuação para prever a gravidade na infecção por COVID-19, considerando a idade, a contagem de leucócitos e as condições pré-existentes(9).
Por tratar-se de uma doença desconhecida, o COVID-19 modificou o cenário da assistência em saúde, demandando uma nova organização dos serviços mas também o uso de equipamentos de proteção individual e uma sobrecarga emocional aos profissionais de saúde, evidenciando sentimentos de ansiedade, estresse, medo, depressão e exaustão. Contudo, é importante mencionar a relevância da atuação da enfermagem em um contexto tão desafiador, sobretudo no que diz respeito a execução da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), uma vez que se configura uma estratégia indispensável na abrangência dos cuidados em saúde nos diferentes níveis de atenção.
Considerando que a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) organiza o trabalho profissional quanto ao método, pessoal e instrumentos, tornando possível a operacionalização do Processo de Enfermagem que, por sua vez, constitui um instrumento metodológico que orienta o cuidado profissional de Enfermagem e a documentação da prática profissional, realizado em cinco etapas: Coleta de dados, Diagnóstico de Enfermagem, Planejamento de Enfermagem, Implementação e Avaliação de Enfermagem. Diante disso, os profissionais de enfermagem são diretamente responsáveis da identificação das necessidades do paciente infectado pelo coronavírus, além do planejamento e prestação do cuidado, assegurando a qualidade da assistência por meio da aplicação de todas as etapas do Processo de Enfermagem.
Para viabilizar tal processo, o enfermeiro deve utilizar Sistemas de Classificações como subsídio para identificação de Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem. Nesta perspectiva, a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®) é uma terminologia padronizada, extensa e com um nível elevado de compreensão, que se caracteriza como ferramenta de informação tecnológica capaz de possibilitar a coleta, o armazenamento e a análise de dados de enfermagem em inúmeras situações, colaborando para que o exercício profissional da enfermagem seja efetivo e, consequentemente, para elevar a visibilidade do agrupamento de dados sobre saúde(10).
Contudo, a sistematização da assistência de enfermagem, operacionalizada por meio do Processo de Enfermagem, se mostra essencial na organização da prática profissional, viabilizando a organização das ações no enfrentamento da COVID-19, subsidiando o registro dos achados clínicos de enfermagem e possibilitando a reflexão sobre o pensamento crítico-reflexivo do enfermeiro. Logo, o estudo justifica-se por considerar a estruturação de Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem para pacientes com COVID-19 como etapas indispensáveis ao alcance de um cuidado holístico, direcionado para as necessidades humanas básicas e visando a qualidade da assistência no contexto da pandemia. Para tanto, o objetivo incide na perspectiva de construir Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem utilizando a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem em pacientes com infecção por coronavírus.
MÉTODO
Desenho, período e local do estudo
Trata-se de um estudo exploratório, transversal, do tipo documental retrospectivo, que foi desenvolvido a partir de dados secundários obtidos por meio da análise de prontuários, norteado pela ferramenta STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology) que consiste em iniciativa criada com recomendações sobre a descrição mais completa e precisa de estudos observacionais. A coleta de dados foi realizada em duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) do município de João Pessoa, PB, Brasil, por pesquisadoras e enfermeiras assistenciais do referido serviço, que funciona como referência para atendimento de pacientes acometidos por COVID-19 no referido município. O período de coleta de informações compreendeu os meses de junho a agosto de 2020, mediante a análise dos prontuários disponibilizados pelo Serviço de Arquivo Médico e Estatística das unidades investigadas.
População e amostra, critérios de inclusão e exclusão
A população do estudo compreendeu todos os indivíduos com sintomas gripais e diagnósticos de COVID-19 internados nos setores amarelo e vermelho durante o período de abril a junho de 2020, totalizando 314 pessoas. A determinação da amostra probabilística se deu por meio da técnica de amostragem simples, considerando a seguinte fórmula: n = Z2 PQ/d2, sendo n = tamanho amostral mínimo; Z = variável reduzida; P = probabilidade de encontrar o fenômeno estudado; Q = 1-P; d = precisão desejada. Adotou-se p = 50%, por se tratar de uma avaliação multidimensional, e parâmetro de erro amostral de 5%. Após os devidos cálculos, a amostragem mínima definida foi composta por 185 pacientes. Para tanto, foram incluídos na pesquisa indivíduos de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos que foram admitidos no setor amarelo ou vermelho da referida unidade de emergência. Contudo, foram excluídos do presente estudo prontuários que apresentavam elevado número de informações subnotificadas, totalizando uma amostra final constituída por 187 participantes.
Protocolo do estudo
Para tanto, adotou-se um instrumento estruturado contemplando questões pertinentes aos objetivos propostos para o estudo, como dados sociodemográficos, a exemplo idade, sexo, nível de escolaridade e raça, história clínica do paciente, queixas atuais, exames laboratoriais e desfecho clínico. Foi incluído no instrumento o escore News-Fast-COVID, desenvolvido pela Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba com o principal objetivo de direcionar a decisão clínica. O referido escore foi adaptado do National early warning score (NEWS) e avalia a presença de comorbidades, índice de saturação de oxigênio, sinais vitais como frequência cardíaca, pressão arterial, frequência respiratória e temperatura, idade, bem como o nível de consciência. A pontuação pode variar de zero a cinco, considerando alto risco escores maiores ou iguais a três(11). A coleta de dados nos prontuários foi realizada mediante leitura das evoluções e registros do Processo de Enfermagem do paciente desde a internação até o desfecho, operacionalizada por três pesquisadoras das quais duas são Doutoras em Enfermagem com expertise em Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem. Ademais, houve treinamento prévio para a coleta de dados, com realização de teste piloto que posteriormente foi incluído na amostra do estudo.
Análises dos resultados e estatística
Os dados coletados foram compilados e armazenados no software Microsoft Office Excel e posteriormente importados para o sistema computacional Statistical Package for the Social Sciences – SPSS versão 20.0, por ser adequada ao alcance dos objetivos do estudo e por possibilitar a precisão e generalização dos seus resultados. A análise dos dados efetivou-se numa abordagem quantitativa por meio da estatística descritiva de natureza univariada para todas as variáveis. Para tanto, foram analisadas por meio de distribuições de frequências absolutas e percentuais para dados categóricos, quanto às variáveis contínuas, determinou-se a média, amplitude e desvio-padrão.
Para construção dos Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem, utilizou-se o raciocínio clínico e diagnóstico, mas também as recomendações da ISO 18104:2014 e os termos constantes na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE) versão 2019/2020. De acordo com o referido sistema de classificação, os Diagnósticos de Enfermagem devem ser elaborados utilizando obrigatoriamente um termo do eixo foco e um termo do eixo julgamento, com acréscimo de termos de outros eixos conforme a necessidade, exceto o eixo meio e ação. Já para as intervenções de enfermagem utiliza-se um termo do eixo ação e termos adicionais conforme a necessidade(10)
Aspectos éticos
Cabe destacar que durante todo o processo da pesquisa, especialmente na fase da coleta de informações empíricas, foram observados os aspectos éticos que normatizam a pesquisa envolvendo seres humanos dispostos na Resolução 466/2012 do CNS/MS/BRASIL, especialmente o sigilo e a confidencialidade das informações. A presente pesquisa foi apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário de João Pessoa, sob número de parecer 4.077.113.
RESULTADOS
Em relação aos dados sociodemográficos, evidenciou-se que a média de idade entre os pacientes foi de 63,29 anos (DP ± 17,09), com faixa etária variando de 21 a 110 anos. A maioria dos pacientes 84 (48,3%) obtiveram o diagnóstico da infecção viral por meio do exame de PCR, enquanto 83 (47,7%) dos indivíduos foram diagnosticados através da realização do teste rápido e apenas 07 (4,0%) realizaram o exame de sorologia. A distribuição das características sociodemográficas pode ser evidenciada na Tabela 1:
Tabela 1 – Distribuição das características sociodemográficas dos pacientes acometidos por COVID-19. João Pessoa, PB, Brasil, 2021 (n=187)
Variáveis |
n |
% |
Sexo |
|
|
Masculino |
96 |
55,2 |
Feminino |
78 |
44,8 |
Total |
174 |
100 |
Estado civil |
|
|
Casado |
71 |
54,2 |
Viúvo |
18 |
13,7 |
Solteiro |
39 |
29,8 |
Divorciado |
03 |
2,3 |
Total |
131 |
100 |
Cor |
|
|
Parda |
70 |
87,5 |
Branca |
07 |
4,0 |
Preta |
02 |
2,2 |
Amarela |
01 |
1,3 |
Total |
80 |
100 |
Escolaridade |
|
|
Analfabeto |
05 |
8,9 |
Ensino Fundamental incompleto |
14 |
25,0 |
Ensino Fundamental completo |
13 |
23,2 |
Ensino Médio incompleto |
02 |
3,6 |
Ensino Médio completo |
15 |
26,8 |
Ensino Superior |
07 |
12,5 |
Total |
56 |
100 |
* O número total é inferior à amostra devido à escassez de informações nos prontuários
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
No que diz respeito aos agravos à saúde, os pacientes acometidos pelo COVID-19 apresentaram em média 3,61 (DP ± 1,79), com mínimo de zero e máximo de nove doenças associadas. Em relação a presença de morbidades crônicas, destaca-se a Hipertensão Arterial 109 (17%) seguido da Diabetes Mellitus 75 (12%), conforme evidencia a Tabela 2:
Tabela 2 – Distribuição das principais morbidades apresentadas pelos pacientes acometidos por COVID-19. João Pessoa, PB, Brasil, 2021 (n=187)
Variáveis |
n |
% |
|
|
|
Hipertensão Arterial |
109 |
17,52 |
Diabetes Mellitus |
75 |
12,06 |
Cardiopatia |
11 |
1,77 |
DPOC |
10 |
1,61 |
Asma |
04 |
0,64 |
Insuficiência Renal |
05 |
0,80 |
Câncer |
01 |
0,16 |
Tabagismo |
19 |
3,05 |
Obesidade |
15 |
2,41 |
Parkinson |
02 |
0,32 |
Alzheimer |
02 |
0,32 |
Total |
253 |
100 |
* O número total perpassa a amostra visto que era possível apresentar mais de uma morbidade.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Considerando as principais manifestações clínicas apresentadas pelos pacientes infectados pelo COVID-19 e o período de apresentação dos sintomas, com média de 8,12 dias (DP ± 4,31), foi possível construir 12 Diagnósticos/Resultados de Enfermagem subsidiado pela CIPE, com prevalência significativa para os diagnósticos/resultados Dispneia (23,15%), Febre (18,97%) e Tosse Seca (18,97%), evidenciados na Tabela 3:
Tabela 3 – Distribuição dos Diagnósticos/Resultados de Enfermagem apresentadas pelos pacientes acometidos por COVID-19. João Pessoa, PB, Brasil, 2021 (n=187)
Variáveis |
n |
% |
|
|
|
Dispneia |
144 |
23,15 |
Febre |
118 |
18,97 |
Tosse Seca |
118 |
18,97 |
Dor Muscular |
48 |
7,72 |
Dor na Cabeça |
46 |
7,40 |
Diarreia |
36 |
5,79 |
Olfato Prejudicado |
36 |
5,79 |
Paladar Prejudicado |
29 |
4,66 |
Falta de Apetite |
16 |
2,57 |
Deglutição Prejudicada |
11 |
1,71 |
Dor no Tórax |
10 |
1,61 |
Vômito |
10 |
1,61 |
Total |
622 |
100 |
* O número total perpassa a amostra visto que era possível apresentar mais de uma manifestação clínica
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Partindo destes achados, foram construídas 36 Intervenções de Enfermagem destinadas aos pacientes acometidos com COVID-19, tendo como base os Diagnósticos/Resultados de Enfermagem, assim como a realidade assistencial da equipe no contexto da pandemia, conforme demonstrado no Quadro 1:
Quadro 1 - Principais Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem utilizando a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem para pacientes acometidos por COVID-19. João Pessoa, PB, Brasil, 2021
Diagnósticos/ Resultados de Enfermagem |
Intervenções de Enfermagem |
Dispneia
|
1. Avaliar condição hemodinâmica (saturação, frequência cardíaca e respiratória, nível de consciência); 2. Auscultar sons respiratórios, identificando presença de ruídos adventícios. 3. Administrar oxigênio, se necessário. |
Febre |
1. Monitorar a temperatura corporal de quatro em quatro horas; 2. Aplicar compressa fria nas regiões frontal, axilar e inguinal; 3. Administrar antitérmico conforme prescrição. |
Tosse
|
1. Atentar para o posicionamento com cabeceira elevada para reduzir o risco de broncoaspiração; 2. Monitorar frequência e característica da tosse; 3. Coletar secreções traqueobrônquicas para exames quando prescrito. |
Dor Muscular |
1. Avaliar a dor quanto a frequência, localização e duração; 2. Identificar, junto com o paciente, os fatores que aliviam a dor; 3. Orientar o paciente quanto ao repouso, para não estimular contrações musculares ou articulares. |
Dor na Cabeça |
1. Avaliar a dor utilizando escalas de dor instituída pelo serviço; 2. Avaliar a eficácia das medidas de controle da dor por meio de um levantamento constante da experiência de dor; 3. Administrar analgésico, conforme prescrição médica. |
Diarreia |
1. Monitorar as eliminações intestinais, quanto à frequência, consistência, volume, cor e odor; 2. Observar os sinais de desidratação; 3. Oferecer terapia de reidratação oral, se necessário. |
Olfato Prejudicado |
1. Tranquilizar o paciente, informando que é uma condição reversível; 2. Orientar sobre os riscos de acidentes domésticos (por exemplo: incêndios). 3. Incentivar o paciente a expressar seus sentimentos frente a escassez do olfato. |
Paladar Prejudicado |
1. Encorajar a ingestão de alimentos para manutenção nutricional; 2. Tranquilizar o paciente, esclarecendo as dúvidas; 3. Reforçar sobre a condição transitória, incentivando o paciente a expressar seus sentimentos. |
Falta de Apetite |
1. Conversar sobre os hábitos alimentares, as preferências, as intolerâncias e aversões alimentares; 2. Orientar sobre a importância da ingestão adequada de nutrientes; 3. Pesar o paciente diariamente. |
Deglutição Prejudicada |
1. Avaliar as condições de mucosa oral do paciente; 2. Orientar o paciente quanto a uma posição confortável para se alimentar; 3. Investigar a necessidade de outra via para alimentação. |
Dor no Tórax |
1. Descrever as características da dor, incluindo o início, a duração, a frequência, a qualidade, a intensidade e os fatores precipitantes; 2. Avaliar a relação da dor com condições de comprometimento respiratório; 3. Monitorar a dor após administração de medicamento. |
Vômito |
1. Avaliar as características do vômito quanto à volume, coloração e odor; 2. Identificar fatores ambientais ou biológicos capazes de estimular o vômito; 3. Manter hidratação venosa com controle de gotejamento. |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
DISCUSSÃO
Os dados apontam para uma caracterização clínica com predominância de pacientes com morbidades prévias de hipertensão arterial e diabetes mellitus, doenças crônicas que apresentam uma expressiva prevalência entre a população brasileira. Tal fato foi observado em estudo de revisão sistemática e metanálise realizados com pacientes hospitalizados com COVID-19, demonstrando a prevalência da hipertensão arterial e da diabetes mellitus, mas também a relação de doenças do sistema respiratório e doenças cardiovasculares como comorbidades prevalentes no referido público(12).
No que concerne às manifestações clínicas apresentadas na admissão, foi possível identificar a predominância de dispneia, febre e tosse seca, sintomas característicos de pacientes com COVID-19 e também identificados em pesquisa realizada no Hospital Universitário de Aachen, Alemanha. O referido estudo realizou uma análise comparativa dos sintomas clínicos apresentados por 50 pacientes com COVID-19 com e sem a SDRA, revelando que ambos demonstravam os sintomas relatados e demandaram oxigênio complementar(13).
Considerando que os sintomas apresentados pelos pacientes hospitalizados oferecem subsídios para a identificação do problema e, consequente, para o planejamento da assistência, faz-se necessário destacar a relevância da Sistematização da Assistência de Enfermagem frente à operacionalização dos cuidados de pacientes com COVID-19. A atuação do enfermeiro é essencial na organização da prática profissional e, neste sentido, o Processo de Enfermagem possibilita nortear a assistência, dispondo de etapas interrelacionadas que contribuem com respostas satisfatórias frente a qualidade do cuidado, além de possibilitar visibilidade, valorização, autonomia e protagonismo a profissão(14).
Nesse contexto, a identificação de Diagnósticos de Enfermagem, segundo etapa do Processo de Enfermagem, se faz indispensável para o desenvolvimento da assistência. É oportuno destacar que a utilização dos sistemas de classificação para estruturação dos Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem é fundamental, uma vez que possibilita uma linguagem padronizada para a prática profissional. Neste estudo, optou-se por utilizar a CIPE, uma terminologia ampla e complexa, que representa o domínio da prática de enfermagem no âmbito mundial mas também é considerada uma tecnologia de informação que proporciona a coleta, o armazenamento e a análise de dados de enfermagem em uma variedade de cenários (10).
Na identificação dos Diagnósticos de Enfermagem, destaca-se a dispneia, que tem sido fortemente associada a um mau prognóstico na população em geral, especialmente em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência respiratória aguda. Desse modo, pesquisa realizada em Hospital Universitário de Genebra-Suíça, enfatizou a importância de monitorar sinais clínicos de dificuldade respiratória em pacientes incapazes do auto relato de dispneia, uma vez que sua subnotificação em pacientes com COVID-19 pode culminar em consequências fatais(15).
No que concerne à identificação dos Diagnósticos de Enfermagem de febre e tosse, é possível destacar similaridades com estudo realizado em Pequim, cujo objetivo foi analisar as características clínicas e epidemiológicas do COVID-19. Foi identificado que a febre era o sintoma mais prevalente entre os 262 pacientes da amostra, com ocorrência em 82,1% deste quantitativo. Aliado a isso, foi possível identificar a tosse como segundo sintoma mais prevalente, correspondendo a 45,8% dos pacientes infectados, corroborando a alta prevalência destes sintomas no referido público(16).
Os Diagnósticos de Enfermagem “dor muscular”, “dor na cabeça” e “dor no tórax”, identificados mediante relato dos pacientes hospitalizados com COVID-19, merecem atenção no que diz respeito aos cuidados de saúde. É oportuno destacar que, especialmente quando se trata de uma dor crônica, garantir a continuidade dos cuidados e medicamentos para a dor, uso de consultas via telemedicina e a manutenção da gestão biopsicossocial são medidas válidas no sentido de monitorar a intensidade da dor e sua relação com o COVID-19(17).
Além do comprometimento respiratório, foi possível identificar os Diagnósticos de Enfermagem “diarreia” e “vômito”, o que reflete o acometimento gastrointestinal frente à infecção por COVID-19. Em paralelo, estudo destaca a ocorrência desses sintomas associados a outras condições como anorexia, náusea, dor abdominal e sangramento gastrointestinal, destacando a diarreia como o sintoma mais incidente em crianças e adultos e o vômito com maior prevalência em crianças(18).
Ademais, o Olfato prejudicado e o Paladar prejudicado, elaborados mediante as queixas de anosmia e ageusia, refletem sua ocorrência em pacientes com COVID-19 e despertam a atenção dos profissionais, uma vez que são manifestações bem específicas. Pesquisa realizada no Hospital Universitário de Sassari – Itália, que objetivou avaliar a função gustativa e olfativa por meio de testes em 72 pacientes com COVID-19, evidenciou que 73,6% dos pacientes relataram distúrbios quimiossensíveis, variando entre hiposmia (60) e anosmia (2) para a avaliação olfativa e hipogeusia (33) e ageusia (1) para a avaliação gustativa(19).
Tais condições clínicas estão associadas à identificação do diagnóstico de enfermagem de “falta de apetite”, uma vez que a ageusia contribui diretamente para a falta de interesse na alimentação. Outra relação pode ser feita com o Diagnóstico de Enfermagem “deglutição prejudicada”, tendo em vista que o processo inflamatório proveniente da COVID-19 pode culminar em odinofagia e disfagia. Dados similares foram identificados em estudo com idosos, demonstrando que este grupo é mais suscetível às manifestações inespecíficas do COVID-19 e, para tanto, demandam uma assistência ainda mais atenta(20).
Diante disso, é indispensável destacar a importância do enfermeiro frente aos cuidados do paciente com COVID-19, com ênfase na identificação de condições clínicas que subsidiem a estruturação de Diagnósticos/Resultados de Enfermagem mas, sobretudo, de Intervenções específicas e direcionadas ao referido público. Para tanto, o estudo ora apresentado construiu intervenções pensadas no contexto do COVID-19, cujo objetivo incide na perspectiva de minimizar as consequências negativas do processo de hospitalização dos pacientes e contribuir para seu bem-estar e recuperação.
Neste cenário, o presente estudo contribui para o avanço do conhecimento científico na área da saúde, sobretudo para a enfermagem, uma vez que possibilita elucidar a sistematização da assistência com a identificação de Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem, subsidiados pela CIPE e direcionados para pacientes com COVID-19.
CONCLUSÃO
A concretização do estudo permitiu elencar os principais Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem para pacientes com COVID-19 utilizando a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), versão 2019. Para tanto, foram consideradas as manifestações clínicas dos referidos pacientes, mas também o pensamento crítico-reflexivo do enfermeiro na perspectiva do cuidado no contexto da pandemia.
Foi possível identificar 12 Diagnósticos/Resultados de Enfermagem (Dispneia, Febre, Tosse, Dor Muscular, Dor na Cabeça, Diarreia, Olfato Prejudicado, Paladar Prejudicado, Falta de Apetite, Deglutição Prejudicada, Dor no Tórax e Vômito) e 36 Intervenções de Enfermagem, tomando como base as especificidades do cuidado frente ao paciente hospitalizado com COVID-19. Com base no exposto, estima-se subsidiar a operacionalização do Processo de Enfermagem e, dessa forma, gerar informações e conhecimentos que possam subsidiar uma assistência qualificada ao paciente acometido por essa infecção, assim como para as pesquisas e ensino.
É oportuno destacar que o presente estudo apresenta limitações relacionadas à delimitação geográfica de sua realização, que pode restringir a interpretação dos dados para a perspectiva do COVID-19 em um contexto local. No entanto, acredita-se que o recorte ora apresentado ilustra a realidade da assistência de saúde a pacientes no contexto da pandemia, com ênfase para a atuação da enfermagem e execução da sistematização da assistência.
Acredita-se que a Sistematização da Assistência de Enfermagem, operacionalizada por meio do Processo de Enfermagem, constitui o arcabouço do cuidado profissional e, para tanto, a identificação de Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem se faz relevante como forma de subsidiar o cuidado. Ademais é pertinente destacar a importância do desenvolvimento de outros estudos neste contexto, contribuindo para elucidar a qualidade do cuidado de enfermagem frente ao COVID-19 mas, sobretudo, para contribuir com o avanço da ciência na profissão.
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Submission: 03/24/2021
Approved: 08/04/2021