Implementação do programa de prevenção de acidentes com materiais perfurocortantes: análise documental

 

Renan Sallazar Ferreira Pereira1, Adriano Marçal Pimenta2, Cecília Angelita dos Santos3

 

1 Federal University of Tocantis, TO, Brazil

2 Federal University of Minas Gerais, MG, Brazil

3 Dr. José de Carvalho Florence Municipal Hospital, SP, Brazil

 

RESUMO

Objetivo: descrever o processo de implementação do programa de prevenção de acidentes com materiais perfurocortantes em um hospital público. Método: estudo descritivo, com análise retrospectiva documental, desenvolvido a partir da leitura exploratória, seletiva e analítica dos conteúdos presentes em registros do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho. A coleta de dados foi realizada com o preenchimento de um formulário semiestruturado e as análises foram baseadas nas adequações do programa às diretrizes da Portaria n° 1.748 do Ministério do Trabalho e Emprego. Resultados: o processo de implementação do programa foi concluído em oito etapas e atendeu às diretrizes da Portaria. O programa aperfeiçoou as medidas de controle convencionais e levou à adoção de medidas de engenharia. Pela avaliação da Comissão Gestora, o programa contribuiu para a redução dos acidentes. Conclusão: a implantação do programa foi bem-sucedida, servindo como modelo para outros hospitais brasileiros.

 

Descritores: Regulação Governamental; Fidelidade a Diretrizes; Serviços de Saúde do Trabalhador; Ferimentos Penetrantes Produzidos por Agulha; Hospitais.

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, o setor hospitalar foi responsável por 53.524 casos de acidentes de trabalho, ou seja, 9,74% (549.405) do total notificado no ano de 2017(1). Dentre os tipos de acidentes registrados em hospitais, destacam-se os ocupacionais por exposição percutânea, devido à possibilidade de infecção causada por patógenos de transmissão sanguínea, veiculados por meio de materiais perfurocortantes (MP)(2)

Nesse contexto, as políticas de saúde têm sido aliadas no sentido de prevenir acidentes de trabalho. A produção de normas técnicas e regulamentares auxiliam no desenvolvimento das ações de vigilância e avaliação da qualidade dos programas de saúde do trabalhador(3).

As principais normas regulamentadoras (NR) aplicadas nos estabelecimentos de saúde são NR 4, NR 5, NR 7, NR 9, NR 15, NR 17 e NR 32(4). Essas normas, de forma geral, tratam da obrigatoriedade em manter programas/serviços em funcionamento e estabelecem medidas de proteção à segurança e saúde dos trabalhadores. Entretanto, a NR 32 adicionalmente estabelece a adoção de medidas de controle preventivas (MCP) nos serviços de saúde(4).

As estratégias de controle dos acidentes de trabalho foram ampliadas por meio da Portaria n° 1.748 do Ministério do Trabalho e Emprego de 30 de agosto de 2011, anexo da NR 32(5). Essa norma definiu diretrizes para a elaboração, implementação e avaliação do Plano/Programa de Prevenção de Acidentes com Materiais Perfurocortantes (PPAMP) e estabeleceu o papel do empregador e da Comissão Gestora Multidisciplinar (CGM), responsável pelas ações do PPAMP(5).

Desde a publicação da portaria, não há pesquisas sobre o processo de implementação do PPAMP em hospital de grande porte, justificando a realização do presente estudo. Assim, apresentamos as seguintes questões norteadoras: Quais diretrizes da Portaria n° 1.748 foram atendidas pelo hospital? Quais foram as medidas de controle para prevenção de acidentes com MP adotadas pelo hospital? 

Portanto, este estudo teve como objetivo descrever o processo de implementação do PPAMP em um hospital público.

Os achados científicos poderão servir como um modelo comparativo, para que gestores da área hospitalar possam analisar, ampliar ou aprimorar sistematicamente o planejamento de ações voltadas para a prevenção de acidentes com MP.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, com análise retrospectiva documental, conduzido em um hospital público, geral e de grande porte, que realiza atividades de pesquisa, ensino e assistência. 

O hospital localiza-se no município de São José dos Campos, São Paulo. É o maior hospital de referência para atendimento de urgência e emergência de sistema “porta aberta” do Vale do Paraíba, região constituída por 39 municípios paulistanos. Em dezembro de 2019, atuavam no hospital 1.978 trabalhadores de diversas áreas.

Destaca-se que é um hospital acreditado pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), sendo, também “hospital Amigo do Meio Ambiente” e da “criança”. Em 2011, obteve o Prêmio COREN-SP de Gestão com Qualidade Dimensão Hospitalar. Já em 2014, recebeu o certificado estadual de um dos “Melhores Hospitais do Estado de São Paulo”. 

O hospital é vinculado à Secretaria Municipal de Saúde de São José dos Campos e gerenciado pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina desde 2006.

A instituição possui um Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) que visa promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho. O SESMT é composto por um médico do trabalho, uma enfermeira do trabalho, um técnico de enfermagem, um engenheiro do trabalho, três técnicos de segurança do trabalho e um assistente administrativo.

Neste hospital, o SESMT é responsável por armazenar os registros produzidos pela CGM e pelo registro das MCP adotadas no hospital. Esses dois bancos de dados foram usados neste estudo por deterem informações referentes ao período pré-implementação (2007-2011) e pós-implementação do PPAMP (2011-2019).

Os documentos armazenados pelos SESMT e consultados para esta pesquisa foram: atas de reuniões; cronograma de implementação; relatório de treinamento; relatório das MCP selecionadas; relatório de análise dos acidentes e da eficiência do PPAMP. 

O procedimento de coleta de dados foi realizado nas dependências do SESMT, por um pesquisador, no período de fevereiro a agosto de 2020, com o preenchimento de um formulário semiestruturado, elaborado com base na Portaria n° 1.748(5), e no manual de implementação do PPAMP em serviços de saúde da Fundacentro(6)

O formulário possuía as seguintes variáveis: a) elaboração de cronograma e implementação do PPAMP por parte do empregador; b) constituição da CGM; c) investigação, registro e análise dos acidentes do trabalho ocorridos com MP; d) definição e prioridades das ações preventivas; e) seleção das MCP; f) capacitação dos trabalhadores; g) monitoramento sistemático da exposição dos trabalhadores a agentes biológicos; h) avaliação da eficiência do PPAMP e número de acidentes ocupacionais com exposição a MBPC por via percutânea. 

A coleta foi realizada em duas etapas: Etapa 1: Leitura dos registros acessados, seleção das informações de interesse e análise dos registros; Etapa 2: Preenchimento do formulário semiestruturado impresso.

A análise dos dados foi realizada a partir da leitura exploratória, seletiva e analítica dos registros, e verificada a adequação da implementação do PPAMP às diretrizes da Portaria nº 1.748. 

O projeto de pesquisa obteve anuência do superintendente do hospital e a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, parecer de N° 3512327, conforme exigência do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Ministério da Saúde (MS), resolução de n° 466 de 12 de dezembro de 2012 e n° 510 de abril de 2016.

 

RESULTADOS

A leitura e a análise dos documentos da instituição hospitalar elucidaram o processo de implementação do PPAMP. A implementação do PPAMP se deu em oito etapas e atendeu todas as diretrizes exigidas pela Portaria n° 1.748. 

O processo de implementação iniciou em novembro de 2011 e finalizou em novembro de 2012. Após a conclusão das etapas, a CGM seguiu avaliando anualmente a eficiência do PPAMP. 

Os registros evidenciaram que houve uma participação expressiva dos trabalhadores e gestores de diversos setores do hospital no processo de implementação do programa, inclusive na tomada de decisão, de forma conjunta com os membros da CGM. 

Na primeira etapa do processo de implementação, o superintendente, empregador responsável pelo hospital, endossou um cronograma com a descrição do processo de implementação do PPAMP.

Em sequência, na segunda etapa, a superintendente nomeou os membros da CGM, a qual foi constituída por 10 profissionais. Foram incluídos os representantes dos seguintes setores e comissões: SESMT; CIPA; Serviços de Controle de Infecção Hospitalar; Direções de Enfermagem, Clínica Médica e Administrativa; Central de Material e Esterilização; Setor de Compras e de Padronização de Material. Também foi inserido o Responsável pelo Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviço de Saúde. 

Na terceira etapa, a CGM definiu o processo de investigação e registro dos acidentes do trabalho ocorridos com MP no âmbito do hospital. Pela análise dos registros da CGM, identificou-se que ambas as atividades eram realizadas pelos membros do SESMT e médicos especialistas indicados para atendimento ao trabalhador acidentado. 

Durante as investigações, os registros eram feitos na ficha de investigação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação; formulário de comunicação de acidente do trabalho do Ministério do Trabalho; boletim interno de análise da ocorrência; e ficha de investigação de acidente de trabalho envolvendo MP. O registro de condução clínica e de profilaxia pós-acidente eram feitos no prontuário ocupacional. 

As informações obtidas eram inseridas em um banco de dados computadorizado e disponibilizado para análise e interpretação da CGM. Mensalmente, acessava-se as variáveis de interesse para caracterizar os trabalhadores vítimas de acidente, os locais, as circunstâncias de ocorrência dos acidentes, os tipos de perfurocortantes, os dispositivos de segurança e a adesão dos acidentados ao acompanhamento sorológico profilático pós-exposição de risco à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, infecções sexualmente transmissíveis e hepatites virais. 

A enfermeira do trabalho do SESMT supervisionava o processo de tabulação dos dados no sistema operacional. 

A definição das prioridades preventivas constituiu a quarta etapa do processo de implementação. A CGM definia as prioridades a partir da análise da frequência dos casos de acidentes ocorridos e das informações apresentadas pelos trabalhadores. A localização de fontes de exposição em ambientes de trabalho foi a informação mais reportada pelos trabalhadores e auxiliou na tomada de decisão.

Na quinta etapa do processo de implementação, seleção das MCP, a consulta ao banco de dados do SESMT permitiu conhecer as MCP adotadas antes da implementação do PPAMP. Em síntese, adotava-se as MCP convencionais. Por outro lado, os registros emitidos pela CGM mostraram o predomínio de MCP de engenharia após a implantação do programa.

Foi constatado que as MCP implantadas em outros programas já existentes na instituição foram integradas ao PPAMP e administradas pela CGM. Há registros de padronização de coletores para descarte de MP em setores assistenciais, adoção de precaução padrão, inspeção com levantamento de risco no ambiente hospitalar e prática de ações educativas para prevenção de acidentes. Ademais, foi identificado um fluxo de atendimento médico especializado ao trabalhador acidentado e um protocolo terapêutico para profilaxia de risco à infecção por exposição a material biológico potencialmente contaminado.

Com a implementação do PPAMP, observou-se o aperfeiçoamento das MCP. Foi criado um checklist para inspeção visual do uso de equipamento de proteção individual e outro para o descarte correto em caixa coletora.

Os materiais perfurocortantes com dispositivo de segurança (MPDS) foram introduzidos de forma efetiva no hospital. Os principais MPDS selecionados foram: seringa com Luer Lock e sistema manual retrátil; seringa com capa de proteção integrada; lanceta com agulha retrátil; conjunto tubo/agulha para coleta de sangue; cateteres com dispositivo de isolamento da agulha e retração automática.

Mesmo após a adição de MPDS, algumas seringas convencionais coexistiam em alguns setores assistenciais, em detrimento da não adaptação dos novos materiais a determinados equipamentos. Esses setores foram mapeados e monitorados pela CGM. 

A seleção dos MPDS foi realizada pela CGM a partir de análises criteriosas da qualidade do material comercializado pelas empresas fornecedoras. Pesquisas rotineiras eram realizadas junto aos trabalhadores a fim de verificar a qualidade do MPDS e auxiliar no processo de padronização de futuras compras. Após seleção, o gestor do setor de compras ficava responsável por adquirir os MPDS.

Na sexta etapa, capacitação dos trabalhadores, houve registro de treinamento com temas variados: o manuseio e descarte de perfurocortante com dispositivo de segurança; ações administrativas para redução dos acidentes; as principais MCP, entre outros temas obrigatórios e previstos nas Normas Regulamentadoras (NR). O treinamento foi conduzido por empresas fornecedoras de materiais, equipe do SESMT e pela equipe da Educação Continuada.

Os relatórios de capacitação evidenciaram que os treinamentos foram realizados em diferentes momentos, a saber: na admissão do trabalhador, durante a jornada de trabalho e nos eventos institucionais anuais, como exemplo, a Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (SIPAT) e Biossegurança. Nesses eventos, foram apresentados resultados das ações de prevenção originados no próprio serviço de saúde.

Como estratégia didática, foram feitas palestras e demonstrações práticas de procedimentos que utilizavam MP. Também foram produzidas cartilhas, manuais técnicos e folders.

Em geral, a adesão dos profissionais da saúde foi expressiva. Contudo, houve registro de baixa adesão em capacitações periódicas entre médicos, estagiários e residentes. Diante disso, a instituição elaborou uma estratégia de treinamento personalizada, aplicada no momento da admissão destes grupos no hospital e no setor de trabalho. Outrossim, foi destacado a demora na adaptação dos profissionais com os MPDS, mesmo após treinamento, além do atraso das empresas fornecedoras em promover o treinamento.

A sétima etapa do PPAMP correspondeu ao monitoramento sistemático da exposição dos trabalhadores a agentes biológicos. Observou-se que o monitoramento foi feito por meio da análise de indicadores criados pela CGM. Mensalmente e anualmente, analisava-se o percentual de mudança na frequência dos acidentes por exposição percutânea e comparava-se com a série histórica de períodos anteriores ao mês analisado. 

Um levantamento realizado pela CGM mostrou que entre 2007 e 2019 ocorreram 884 acidentes ocupacionais com exposição a material biológico potencialmente contaminado, por “via percutânea”, considerando todas as categorias profissionais expostas ao agente biológico. Cerca de 355 (40,2%) acidentes ocorreram no período pré-implementação (janeiro de 2007 a outubro de 2011) do PPAMP e 529 (59,8%) no período pós-implementação (período de janeiro de 2007 a outubro de 2011). A comparação entre as médias percentuais de acidentes entre o período pré-implementação (8,03%) e o pós-implementação (7,47%), apontou uma redução de 0,56%.

A avaliação da eficiência do PPAMP constituiu a última etapa de implementação do PPAMP. Após concluir a primeira avaliação em 2012, a CGM seguiu avaliando anualmente a eficiência do PPAMP nos anos seguintes. Cada avaliação anual gerou um relatório constando o resumo de todos os resultados das ações definidas pela CMG e os indicadores de frequência dos acidentes percutâneos. A eficiência do PPAMP era determinada a partir do julgamento desses indicadores pela CGM.

Segundo as análises realizadas pela CGM, o PPAMP foi eficiente para reduzir casos de acidentes por exposição percutânea. A fundamentação se justificou pela alteração no número de ocorrência, devido às MCP, sobretudo pelos MPDS selecionados, intensificação dos treinamentos, mudanças nas práticas organizacionais e melhoria no processo investigativo.

 

DISCUSSÃO

A adesão do hospital a todas as diretrizes preconizadas pela Portaria n° 1.748 confere proteção jurídica e contribui para a proteção de saúde do trabalhador. As autoridades fiscais exigem que os empregadores brasileiros façam adesão das empresas às diretrizes definidas nas NR. As empresas que não aderem às normas, ficam sujeitas ao pagamento de indenizações e à majoração das alíquotas do seguro de acidente do trabalho(4).

Concluir todas as etapas de implementação de um programa com exigências legais em 12 meses requer planejamento e organização. Portanto, a participação expressiva de representantes de diversos setores do hospital pode ter sido um fator que contribuiu para que todas as exigências preconizadas fossem atendidas. O modelo de gestão participativa adotado pela CGM, caracterizado pela abertura dada aos trabalhadores no processo de tomada de decisão, pode ser um outro fator colaborador no processo de implementação. 

Outro aspecto relacionado à participação dos trabalhadores que deve ser citado é a cultura de segurança. A participação pode indicar o fortalecimento da cultura de segurança na instituição e o comprometimento desses participantes com o PPAMP. Como o comportamento das pessoas dentro de uma organização está relacionado com probabilidade de ocorrência de acidente(7), é importante que a cultura de segurança seja aperfeiçoada dentro das instituições de saúde(8), por meio do envolvimento dos trabalhadores nas decisões sobre sua segurança.

A implementação de um programa requer mudança organizacional. Isso implica em novos processos de trabalho que podem representar um desafio para os atores envolvidos. Em contrapartida, o envolvimento dos trabalhadores no processo na tomada de decisão pode apresentar-se como facilitador na implementação de um programa que requer novos processos de trabalho(9).

Ao elaborar o cronograma e implementá-lo, cumpriu-se o prazo definido pela Portaria n° 1.748, 120 dias após a data de publicação. O cronograma é um instrumento importante para avaliar as melhorias do desempenho do PPAMP(5). Ele possibilita que trabalhadores e fiscais acompanhem a execução das tarefas planejadas em cada etapa do processo de implementação.

Espera-se que com a implementação do PPAMP, ao reduzir o risco de acidente, o ambiente de trabalho fique mais seguro para os trabalhadores. Estudos internacionais realizados com programas semelhantes apontam uma redução significativa no número de acidentes por exposição percutânea, pela adesão às normas de segurança no trabalho(10,11). 

A CMG foi constituída em conformidade com o disposto na Portaria n° 1.748(5). A característica multidisciplinar da CMG permitiu o compartilhamento de responsabilidades entre os membros e contribuiu para que estratégias preventivas fossem definidas a partir da perspectiva da formação técnica e científica diversificada. O gerenciamento de um programa preventivo por uma CMG foi uma inovação da Portaria.

O fato de a maioria dos membros da comissão serem gestores em saúde sugere o fortalecimento da abrangência do programa nas respectivas áreas de atuação desses gestores, seja pela capacidade de liderança ou por exercer autoridade sobre os trabalhadores.

A instituição conta com um aparato de instrumentos investigativos considerados relevantes no processo de notificação, caracterização dos acidentes percutâneos e acompanhamento sorológico pós-acidente. 

A investigação dos acidentes necessita de capacidade técnica e de habilidades diferenciadas por parte do investigador. Nesse aspecto, os profissionais do SESMT possuem treinamento para exercer esta função. Isso representa um ponto positivo, uma vez que a qualidade dos registros depende de uma boa investigação(12). 

Outro ponto positivo é o número de instrumentos utilizados para registro dos dados relacionados aos acidentes. Além de fichas e formulários oferecidos pelos órgãos governamentais, foram criados um boletim interno de análise da ocorrência e uma ficha personalizada para registro da caracterização dos acidentes de trabalho envolvendo material perfurocortante. 

Esse conjunto de instrumentos de coleta permitiu a criação de um banco de dados robusto, para a análise de dados e criação de indicadores de monitoramento. Com isso, pode-se sugerir que houve um aperfeiçoamento do processo investigativo, após a implementação do PPAMP, dada a necessidade de adequação dos instrumentos aos modelos de registro e análise adotados pela CGM.

Assim, o método de análise de acidentes empregado pela CGM condiz com o que é exigido pela Portaria(5) e com o que é recomendado pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)(13). 

O CEREST recomenda seguir o Modelo de Análise e Prevenção de Acidente (MAPA), que tem por objetivo compreender as situações que envolvem os acidentes, a partir de conceitos de ergonomia da atividade, da engenharia de segurança, da psicologia do trabalho, dentre outros. O MAPA sistematiza informações referentes às características sociodemográficas, profissionais, circunstâncias dos acidentes e adesão ao acompanhamento sorológico(13)

É comum fazer que se use indicadores de frequência para definir prioridades. Os indicadores são ferramentas que auxiliam gestores nos processos de tomada de decisão, na definição das prioridades e no gerenciamento de boas práticas em saúde(14).

Neste sentido, a análise dos indicadores usados pela CGM permitiu conhecer os ambientes hospitalares que apresentam maior risco para ocorrência de acidente e identificar pontos fracos nos processos operacionais do PPAMP. E, a partir daí, fazer rearranjos nos processos e definir as ações preventivas prioritárias. 

As MCP identificadas no período pré-implementação do PPAMP já eram esperadas para os achados deste estudo, pelo fato de serem medidas preconizadas em algumas NR e previstas no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional NR-07 e Programa de Prevenção de Riscos Ambientais NR-09 do hospital.

Em relação à integração das MCP ao PPAMP, é uma abordagem nova que permite à CGM monitorar todas as ações preventivas realizadas no âmbito hospitalar.

Pelas características das MCP selecionadas no PPAMP, pode-se afirmar que a CGM optou por seguir o modelo de hierarquia de controle, baseado na higiene do trabalho. Trata-se de um modelo que foca suas ações sobre a eliminação de risco dos ambientes por meio de controles administrativos e controles de engenharia(6).

Todas as MCP, adotadas pelo PPAMP, são indicadas para prevenir acidentes(15,16). 

De forma geral, a capacitação de trabalhadores tem sido utilizada como instrumento para diminuir acidentes percutâneos em programas preventivos(17). As capacitações periódicas, que incluem conteúdo relacionado as precauções universais, manuseio de MP, identificação de risco no ambiente, preenchimento adequado dos registros, têm-se mostrado fator protetor contra os acidentes e soroconversão para HIV, hepatite B e C(10,17). 

O conteúdo selecionado para as capacitações e conduzido pelas empresas fornecedoras de MP e do hospital foi compatível com o que recomenda a legislação. Segundo a Portaria n° 1.748(5), os trabalhadores devem ser treinados, de forma periódica, antes da adoção de qualquer medida de controle preventiva.

Os eventos institucionais criaram oportunidades para a realização de capacitações periódicas. A SIPAT, por ser de realização obrigatória anual, reúne um grande contingente de trabalhadores, o que configura um momento estratégico para treinar trabalhadores. Nos eventos de biossegurança, são ministrados os conteúdos relacionados à ocorrência e prevenção de acidentes com MP, incluindo o uso de EPIs, adesão às estratégias de precaução universal e etc. Todos esses conteúdos são recomendados em eventos de saúde do trabalhador(18). 

Os materiais educacionais para autoaprendizagem foram fundamentais para que os trabalhadores pudessem ser capacitados de acordo com o ritmo e horário disponível para estudo. 

Ao planejar as capacitações de trabalhadores, deve-se considerar o perfil de cada categoria profissional, as condições de trabalho e o modo com que está organizado o processo de trabalho. Esses aspectos demandam estratégias de capacitação personalizadas. 

As dificuldades observadas nos documentos institucionais apontam para a necessidade de ajustar o tempo de compra dos MPDS com o treinamento a fim de melhorar o custo-efetividade. Permitir que os MPDS sejam disponibilizados para o uso, antes do treinamento, pode contribuir para o aumento do número de acidentes e menos custo-efetividade do MPDS(11,19).

O processo de monitoração sistemática da exposição a agentes biológicos deve ser feito por meio de indicadores de acompanhamento(5). A monitoração sistemática eficaz gera subsídios para o planejamento e para a execução de ações preventivas. 

Nesse aspecto, para representar os indicadores de monitoramento do PPAMP, foi feita a comparação entre as séries históricas anuais da média percentual de acidentes por exposição percutânea e a análise do período pós-implementação de medidas preventivas. 

Considera-se como eficiente quando, por meio de ações estratégicas, o PPAMP for capaz de reduzir a ocorrência de caso de acidente por exposição percutânea(6)

A avaliação periódica da eficiência do PPAMP poderá indicar necessidade de modificação dos processos operacionais do programa. Portanto, a avaliação da eficiência do PPAMP deve ser realizada anualmente, quando houver mudança nas condições de trabalho ou quando os indicadores de monitoramento determinarem.

Estudos internacionais com caraterísticas semelhantes ao PPAMP, por meio de análises estatísticas robustas, vem mostrando que a eficiência do programa tem a ver com as MCP, responsáveis pela redução da frequência dos acidentes(10-11,19)

A partir das comparações da frequência de casos de acidentes, a CGM considerou como eficiente o PPAMP implantado. Entretanto, é necessário ter cautela para afirmar que houve melhoria na efetividade do PPAMP somente pela análise dos valores absolutos e relativos. Neste aspecto, o cálculo das taxas de incidência de acidente é o mais indicado para medir a efetividade das ações de prevenção. Todavia, em termos de análise estatística, há de considerar a necessidade de incorporar testes analíticos, como análise de séries temporais interrompidas, método padrão-ouro para avaliar o efeito longitudinal de intervenções em serviços de saúde(20).

 

CONCLUSÃO

Os documentos produzidos pela CGM e pela equipe do SESMT propiciaram descrever todo o processo de implementação do PPAMP, de forma a permitir a reprodução do modelo em outras instituições interessadas. 

O PPAMP foi implementado em 12 meses e atendeu todas as diretrizes da Portaria n° 1.748. O processo foi gerido pela CGM e aconteceu em oito etapas. A participação expressiva dos trabalhadores corroborou com a CGM na tomada de decisão e consequentemente com a implementação do programa.

A análise de eficiência realizada pela CGM considerou que o PPAMP foi responsável pela redução de casos de acidentes com MP.

Em relação às MCP, foi identificado que antes da implementação do PPAMP eram adotadas medidas de controle convencionais, ao passo que no período pós-implementação houve o predomínio de medidas de controle de engenharia.

Este estudo apresenta o processo de implementação do PPAMP, cujo modelo inclui intervenções preventivas, voltado para trabalhadores de hospital de grande porte, construído na perspectiva da legislação brasileira. 

As inovações trazidas pela Portaria n° 1.748 foram percebidas como um avanço no enfrentamento dos acidentes, devido à inclusão de novas medidas de controle no âmbito hospitalar e à constituição de uma CGM. Entretanto, sugere-se que estudos analíticos sejam realizados para verificar o efeito longitudinal das intervenções do PPAMP.

 

REFERÊNCIAS

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CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA 

Concepção do projeto: Pereira RSF, Pimenta AM

Obtenção de dados: Santos CA

Análise e interpretação dos dados: Pereira RSF, Pimenta AM

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Pereira RSF, Pimenta AM, Santos CA

Aprovação final do texto a ser publicada: Pereira RSF, Pimenta AM, Santos CA

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Pereira RSF, Pimenta AM

 

Submission: 03/09/2021 

Approved: 09/29/2021

 

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