Associação entre variáveis demográficas e estadiamento de câncer cervical em idosas: estudo retrospectivo
Ana Hélia de Lima Sardinha1, Pabline Medeiros Verzaro1, Nívya Carla de Oliveira Pereira Rolim1, Sara Maria Ferreira de Sousa1, Aida Patricia da Fonseca Dias Silva1, Alynne Radoyk Silva Lopes1
1 Federal University of Maranhão, MA, Brazil
RESUMO
Objetivo: Associar as variáveis sociodemográficas de idosas com câncer cervical e estadiamento de um hospital de referência oncológica. Método: Estudo observacional, retrospectivo e analítico de 559 idosas. Resultados: As variáveis que apresentaram correlação estatística significativa com o estadiamento do câncer do colo do útero foram: idosas casadas, o tipo histopatológico carcinoma de células escamosas, radioterapia + quimioterapia como primeiro tratamento recebido no hospital, remissão completa da doença ao final do primeiro tratamento, sem óbitos por câncer e nunca haver fumado. Conclusão: Embora algumas características estarem relacionadas à maior prevalência, não estavam associadas ao estadiamento, como idades mais avançadas. Tratamento precoce também foi um aspecto associado a estádios menos tardios. Desta forma o estudo reafirma a importância em conhecer as características epidemiológicas dessas idosas, pois favorece o planejamento e avaliação de programas efetivos no controle do câncer do colo do útero.
Descritores: Neoplasias do colo do útero; Envelhecimento; Saúde da mulher.
INTRODUÇÃO
O processo de envelhecimento populacional está se acelerando rapidamente em todo o mundo, é um dos maiores triunfos da humanidade e também um dos grandes desafios a ser enfrentado pela sociedade, contudo, o processo de envelhecimento, na maioria das vezes vem acompanhado do aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis, como as neoplasias. Pessoas idosas representam a maioria dos casos novos e dos óbitos pela doença, indicando a necessidade de uma atenção específica a este grupo e suas particularidades(1). Com o favorecimento da sexualidade dessa faixa etária devido a descobertas modernas que aumentam o desejo sexual houve mudanças na antiga concepção de que idosos eram pessoas assexuadas, no entanto, algumas idosas desconhecem informações sobre sexo seguro, desconsiderando o uso de preservativos pelo fato de não poder mais engravidar, cabendo ao profissional de saúde identificar essa lacuna tendo em vista o risco para o desenvolvimento de neoplasias (2).
O câncer cervical é considerado um problema de saúde pública no Brasil, apesar de ser passível de prevenção quando identificadas precocemente lesões de baixo grau, ainda assim possui alta mortalidade, contribuindo de forma importante para a carga da doença em mulheres, sendo considerado o quarto tipo de câncer mais comum nessa população (3).
Cerca de 85% dos casos de câncer do colo do útero ocorrem nos países menos desenvolvidos(4), estando associado a pobreza e ao baixo nível de estudo. A infecção recorrente pelo vírus Papiloma vírus humano (HPV) é considerada a causa principal para a o desenvolvimento dessa neoplasia(5,6), transmitida, principalmente, através de contato sexual desprotegido.
A identificação e tratamento precoce das lesões em estágio inicial contribuem para o bom prognostico da doença. As estratégias para a detecção precoce/rastreamento do CCU (Câncer de Colo Uterino) é a realização da coleta de material para exames citopatológicos cérvico-vaginal, sendo preconizado para mulheres entre 25 e 64 anos de idade, que já iniciaram sua vida sexual, com periodicidade anual, inicialmente, e após dois exames negativos consecutivos, a periodicidade deve ser a cada três anos(4).
Diante do exposto, conhecer o estadiamento mais prevalente desse tumor e as variáveis que apresentam correlação significativa com o mesmo, contribui com informações para o fortalecimento de práticas e políticas para melhoria das ações de controle da neoplasia cervical, visando minimizar a incidência de casos. Sendo assim, o objetivo do presente estudo é associar as variáveis sociodemográficas de idosas com câncer cervical e o estadiamento em um hospital de referência oncológica.
MÉTODO
Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo e analítico. Os dados foram provenientes do Hospital do Câncer Aldenora Bello, instituição filantrópica e de referência para o tratamento oncológico, localizado em São Luís, capital do Maranhão. Como fonte de dados utilizou-se o Sistema de Informação em Saúde dos Registros Hospitalares de Câncer (SIS-RHC) da instituição, através das Fichas de Registro do Tumor. Foram amostradas 553 idosas, correspondendo a 100% dos casos de câncer cervical em idosas atendidas pela instituição no período de 1 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2013, o corte temporal desses dados refere-se aqueles que estavam disponíveis na época em que foram coletados, devido a uma defasagem no registro do hospital, justificado pela carência de profissionais responsáveis por esse trabalho.
Foram incluídas mulheres com diagnóstico de neoplasia do cervical, ter idade igual ou superior a 60 anos, estar cadastrada e realizar tratamento na referida instituição. Foram excluídas aquelas que iniciaram tratamento em outra instituição ou que residiam em outros Estados da Federação.
Analisaram-se as variáveis demográficas: idade, raça, instrução, ocupação, procedência, bairro, cidade, estado conjugal, alcoolismo, tabagismo, histórico familiar; características clínicas e de tratamento, como a localização do tumor primário, tipo histopatológico, TNM, estadiamento, localização da metástase a distância, clínica do início do tratamento, principal razão para não realização do tratamento, primeiro tratamento recebido no hospital, estádio da doença ao final do primeiro tratamento e óbito por câncer. As variáveis de fatores de risco (coitarca, idade no primeiro Papanicolaou, tabagismo e histórico familiar) não puderam ser avaliadas devido à baixa completude dos dados.
Os dados foram digitalizados em Excel e expostos em tabelas descritivas para melhor visualização dos mesmos. Para o cálculo estatístico, utilizou-se o programa estatístico SPSS v. 19, considerando um nível de significância de 0,05. Para realizar as análises do estadiamento foram formados dois grupos tendo como parâmetro a variável estadiamento, onde os casos diagnosticados em estádio 0, I, e II formaram o “Grupo Estádio Precoce” e os casos diagnosticados em estadiamento III e IV formaram o “Grupo Estádio Tardio”.
Possíveis associações entre o Estadiamento e as variáveis sociodemográficas e clínicas foram testadas através do teste do Qui-quadrado. As variáveis que apresentaram valores de probabilidades menores que 0,05 foram utilizadas no modelo de Regressão Logística Binária, calculando-se os valores de razão de chance (odss ratio) para cada categoria dentro das variáveis. Para o ajuste do modelo de regressão, adotou-se o estadiamento do tipo tardio como referência em todas as possíveis associações.
A pesquisa faz parte de um projeto intitulado: “Homens e mulheres com câncer: significados, percepções e implicações”, aprovados no Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Hospital Universitário Unidade Presidente Dutra (HUUPD) com parecer nº 1.749.940. A pesquisa obedeceu a todas as recomendações da resolução de número 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde - Ministério da Saúde para Pesquisa Científica em Seres Humanos.
RESULTADOS
De acordo com os valores de p apresentados na Tabela 1 das variáveis sociodemográficas correlacionadas com o estadiamento foi encontrado diferença estatisticamente significativas (p < 0,05) na variável raça. Entretanto, de acordo com o modelo de regressão, a "raça" e o "tabagismo" não se associaram independentemente com o estadiamento (p > 0,05), conforme apresentado na Tabela 3.
A faixa etária de 65 a 70 anos foi mais prevalente na população total (n=167; 30,2%) e no grupo estádio tardio (n=77; 32,1%). Para o "Estado conjugal", as casadas foram prevalentes tanto no estadiamento precoce quanto no tardio (n = 236; 42,7% do total). Na variável ocupação as idosas lavradoras foram as mais frequentes nos dois grupos.
Tabela 1 – Associação entre Estadiamento e variáveis sociodemográficas de idosas com câncer do colo do útero, no período de 2009 a 2013 em um hospital de referência oncológica.
Variável |
Estadiamento |
||||
Precoce N = 313; 56,6% |
Tardio N = 240; 43,4% |
Total N = 553; 100% |
p-valor* |
||
Faixa etária n (%) |
60 - 64 |
95 (30,4) |
67 (27,9) |
162 (29,3) |
0,289 |
65 - 70 |
90 (28,8) |
77 (32,1) |
167 (30,2) |
||
71 - 74 |
58 (18,5) |
42 (17,5) |
100 (18,1) |
||
76 - 79 |
32 (10,2) |
23 (9,6) |
55 (9,9) |
||
80 - 84 |
30 (9,6) |
16 (6,7) |
46 (8,3) |
||
85 - 89 |
4 (1,3) |
10 (4,2) |
14 (2,5) |
||
≥ 90 |
4 (1,3) |
5 (2,1) |
9 (1,6) |
||
Raça n (%) |
Branca |
44 (14,1) |
46 (19,2) |
90 (16,3) |
0,030 |
Preta |
19 (6,1) |
16 (6,7) |
35 (6,3) |
||
Amarela |
72 (23,0) |
39 (16,3) |
111 (20,1) |
||
Parda |
151 (48,2) |
104 (43,3) |
255 (46,1) |
||
Indígena |
0 (0,0) |
2 (0,8) |
2 (0,4) |
||
Sem informação |
27 (8,6) |
33 (13,8) |
60 (10,8) |
||
Instrução n (%) |
Nenhuma |
61 (19,5) |
54 (22,5) |
115 (20,8) |
0,123 |
Fundamental incompleto |
140 (44,7) |
96 (40,0) |
236 (42,7) |
||
Fundamental completo |
39 (12,5) |
20 (8,3) |
59 (10,7) |
||
Nível médio |
38 (12,1) |
26 (10,8) |
64 (11,6) |
||
Nível superior completo |
3 (1,0) |
3 (1,3) |
6 (1,1) |
||
Sem informação |
32 (10,2) |
41 (17,1) |
73 (13,2) |
||
Estado conjugal n (%) |
Solteiro |
75 (24,0) |
56 (23,3) |
131 (23,7) |
0,232 |
Casado |
151 (48,2) |
101 (42,1) |
252 (45,6) |
||
Viúvo |
73 (23,3) |
70 (29,2) |
143 (25,9) |
||
Separado judicialmente |
8 (2,6) |
11 (4,6) |
19 (3,4) |
||
União consensual |
1 (0,3) |
1 (0,4) |
2 (0,4) |
||
Sem informação |
5 (1,6) |
1 (0,4) |
6 (1,1) |
||
Ocupação n (%) |
Médico (61) |
1 (0,3) |
1 (0,4) |
2 (0,4) |
0,512 |
Prof. Ens. Superior (139) |
0 (0,0) |
1 (0,4) |
1 (0,2) |
||
Prof. Ens. pré-escolar (143) |
0 (0,0) |
1 (0,4) |
1 (0,2) |
||
Professor (149) |
5 (1,6) |
2 (0,8) |
7 (1,3) |
||
Agentes adm. (319) |
1 (0,3) |
4 (1,7) |
5 (0,9) |
||
Vendedores (451) |
0 (0,0) |
2 (0,8) |
2 (0,4) |
||
Domésticos (540) |
12 (3,8) |
5 (2,1) |
17 (3,1) |
||
Serv. de cons./limp. (552) |
1 (0,3) |
3 (1,3) |
4 (0,7) |
||
Lavadeira (560) |
0 (0,0) |
1 (0,4) |
1 (0,2) |
||
Lavrador (621) |
99 (31,6) |
74 (30,8) |
173 (31,3) |
||
Agricultor (639) |
0 (0,0) |
1 (0,4) |
1 (0,2) |
||
Extrativistas (654) |
0 (0,0) |
2 (0,8) |
2 (0,4) |
||
Pescadores (669) |
1 (0,3) |
2 (0,8) |
3 (0,5) |
||
Costureiro (795) |
2 (0,6) |
4 (1,7) |
6 (1,1) |
||
Operário (969) |
1 (0,3) |
0 (0,0) |
1 (0,2) |
||
Sem classificação (999) |
68 (21,7) |
51 (21,3) |
119 (21,5) |
||
Não se aplica (888) |
59 (18,8) |
40 (16,7) |
99 (17,9) |
||
Sem informação (9999) |
63 (20,1) |
46 (19,2) |
109 (19,7) |
Fonte: Dados coletados pelo pesquisador, São Luís, 2018.
Em relação aos valores de p apresentados na Tabela 2 de associação entre estadiamento e variáveis clínicas, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas nas seguintes variáveis (p < 0,05): tipo histológico, primeiro tratamento recebido no hospital, estádio da doença ao final do primeiro tratamento. Nas demais variáveis não foram detectadas associações com o estadiamento.
Em se tratando da variável Tipo Histopatológico o carcinoma de células escamosas foi o mais prevalente nos dois grupos, representando 80,8% (n=447), foi considerado a categoria "outros" como valor de referência, sendo que pacientes com neoplasia intra-epitelial cervical grau 3 (NIC 3) detêm 0,06 vezes menor chance de estarem associados ao estadiamento tardio quando comparados aos pacientes de outros tipos (OR = 0,06; p = 0,02).
Tabela 2 – Associação entre Estadiamento e variáveis clínicas de idosas com câncer do colo do útero, no período de 2009 a 2013 em um hospital de referência oncológica.
Variável |
Estadiamento |
|
|
||
Precoce N = 313 56,6% |
Tardio N = 240 43,4% |
Total N = 553 100% |
p-valor* |
||
Tipo histopatológico N (%) |
Carcinoma de células escamosas |
239 (76,4) |
208 (86,7) |
447 (80,8) |
0,024 |
Neoplasia intra-epitelial cervical grau 3 - NIC 3 |
37 (11,8) |
1 (0,4) |
38 (6,9) |
||
Adenocarcinoma |
27 (8,6) |
22 (9,2) |
49 (8,9) |
||
Outros |
10 (3,2) |
9 (3,8) |
19 (3,4) |
||
Histórico familiar de câncer n(%) |
Sim |
68 (21,7) |
54 (22,5) |
122 (22,1) |
0,335 |
Não |
82 (26,2) |
75 (31,3) |
157 (28,4) |
||
Sem informação |
163 (52,1) |
111 (46,3) |
274 (49,5) |
||
Alcoolismo n(%) |
Nunca |
184 (58,8) |
141 (58,8) |
325 (58,8) |
0,089 |
Ex-consumidor |
14 (4,5) |
10 (4,2) |
24 (4,3) |
||
Sim |
11 (3,5) |
20 (8,3) |
31 (5,6) |
||
Não avaliado |
104 (33,2) |
69 (28,7) |
173 (25,5) |
||
Tabagismo n(%) |
Nunca |
117 (37,4) |
103 (42,9) |
220 (39,8) |
0,021 |
Ex-consumidor |
76 (24,3) |
42 (17,5) |
118 (21,3) |
||
Sim |
32 (10,2) |
42 (17,5) |
74 (13,4) |
||
Não avaliado |
88 (28,1) |
53 (22,1) |
141 (25,5) |
||
Primeiro tratamento recebido no hospital n(%) |
Nenhum |
14 (4,5) |
29 (12,1) |
43 (7,8) |
0,000 |
Cirurgia |
65 (20,8) |
9 (3,8) |
74 (13,4) |
||
Cirurgia + Radioterapia |
19 (6,1) |
1 (0,4) |
20 (3,6) |
||
Cirurgia + Radioterapia + Quimioterapia |
12 (3,8) |
14 (5,8) |
26 (4,7) |
||
Cirurgia + Quimioterapia |
3 (1,0) |
4 (1,7) |
7 (1,3) |
||
Cirurgia + Quimioterapia + Hormonioterapia |
1 (0,3) |
0 (0,0) |
1 (0,2) |
||
Radioterapia |
27 (8,6) |
42 (17,5) |
69 (12,5) |
||
Radioterapia + Quimioterapia |
162 (51,8) |
134 (55,8) |
296 (53,5) |
||
Quimioterapia |
7 (2,2) |
6 (2,5) |
13 (2,4) |
||
Hormonioterapia + Radioterapia |
1 (0,3) |
0 (0,0) |
1 (0,2) |
||
Outros |
2 (0,6) |
1 (0,4) |
3 (0,5) |
||
Estado da doença ao final do primeiro tratamento n(%) |
Sem evidência da doença (remissão completa) |
188 (60,1) |
56 (23,3) |
244 (44,1) |
0,000 |
Remissão parcial |
22 (7,0) |
29 (12,1) |
51 (9,2) |
||
Doença estável |
42 (13,4) |
47 (19,6) |
89 (16,1) |
||
Doença em progressão |
9 (2,9) |
25 (10,4) |
34 (6,1) |
||
Suporte terapêutico oncológico |
2 (0,6) |
10 (4,2) |
12 (2,2) |
||
Óbito |
12 (3,8) |
28 (11,7) |
40 (7,2) |
||
Não se aplica |
38 (12,1) |
45 (18,8) |
83 (15,0) |
||
Exames relevantes n(%) |
Exame clínico e patologia clínica + Anatomia patológica |
50 (16,0) |
33 (13,8) |
83 (15,0) |
0,508 |
Exame clínico e patologia clínica + Exames por imagem + Marcadores tumorais |
0 (0,0) |
1 (0,4) |
1 (0,2) |
||
Exame clínico e patologia clínica + Exames por imagem + Anatomia patológica |
262 (83,7) |
206 (85,8) |
468 (84,6) |
||
Exame clínico e patologia clínica + Exames por imagem + Endoscopia e cirurgia exploratória + Anatomia patológica |
1 (0,3) |
0 (0,0) |
1 (0,2) |
*Teste do Qui-Quadrado; Fonte: Dados coletados pelo pesquisador, São Luís, 2018.
A variável "Primeiro tratamento recebido no hospital", a Radioterapia + Quimioterapia foi a mais frequente nos dois grupos 53,5% (n=296), porém pacientes que realizaram "cirurgia" e "cirurgia + radioterapia" e "quimioterapia" apresentaram menos chances de associação ao estadiamento tardio quando comparadas às que não realizaram nenhum tipo de tratamento (OR = 0,13; p = 0,001/ OR = 0,04; p = 0,005/ OR = 0,14; p = 0,013; respectivamente) , a variável "nenhum" foi a de referência, conforme apresentado na tabela 3.
A variável "Estado da doença ao final do primeiro tratamento" apresentou maior prevalência de remissão completa nos dois grupos 44,1% (n=244). Foi a categoria de referência. Os grupos de "remissão parcial" (OR = 3,27; p = 0,001), "doença estável" (OR = 3,62; p = 0,000), "doença em progressão" (OR = 8,69; p = 0,000), "suporte terapêutico oncológico (OR = 15,04; p = 0,001), "óbito" (OR = 8,22; p = 0,000) e "não se aplica" (OR = 2,28; p = 0,046) apresentaram maiores chances de associação ao estadiamento tardio em relação às pacientes com remissão completa. O suporte terapêutico oncológico foi a categoria que mais demonstrou chances de relações com o estadiamento tardio (OR = 15,04), conforme mostra a Tabela 3.
Tabela 3 – Fatores preditores de estadiamento tardio de idosas com câncer do colo do útero, no período de 2009 a 2013 em um hospital de referência oncológica.
Variável |
Estadiamento |
|
|
|
||
Precoce N = 313
|
Tardio N = 240
|
RC
|
IC (95%) |
p-valor |
||
Tipo histopatológico n(%) |
Carcinoma de células escamosas |
239 |
208 |
0,61 |
0,22 - 1,74 |
0,358 |
Neoplasia intra-epitelial cervical grau 3 - NIC 3 |
37 |
1 |
0,06 |
0,01 - 0,64 |
0,020* |
|
Adenocarcinoma |
27 |
22 |
0,78 |
0,23 - 2,66 |
0,685 |
|
Outros |
10 |
9 |
REF |
- |
- |
|
Primeiro tratamento recebido no hospital n(%) |
Nenhum |
14 |
29 |
REF |
- |
- |
Cirurgia |
65 |
9 |
0,13 |
0,04 - 0,47 |
0,001* |
|
Cirurgia + Radioterapia |
19 |
1 |
0,04 |
0,004 - 0,38 |
0,005* |
|
Cirurgia + Radioterapia + Quimioterapia |
12 |
14 |
0,56 |
0,15 - 2,14 |
0,395 |
|
Cirurgia + Quimioterapia |
3 |
4 |
0,33 |
0,04 - 2,53 |
0,287 |
|
Cirurgia + Quimioterapia + Hormonioterapia |
1 |
0 |
0 |
0 |
1,000 |
|
Radioterapia |
27 |
42 |
0,79 |
0,27 - 2,35 |
0,671 |
|
Radioterapia + Quimioterapia |
162 |
134 |
0,36 |
0,13 - 1,02 |
0,054 |
|
Quimioterapia |
7 |
6 |
0,14 |
0,03 - 0,66 |
0,013* |
|
Hormonioterapia + Radioterapia |
1 |
0 |
0 |
0 |
1,000 |
|
Outros |
2 |
1 |
0,13 |
0,01 - 1,78 |
0,126 |
|
Estado da doença ao final do primeiro tratamento n(%) |
Sem evidência da doença (remissão completa) |
188 |
56 |
REF |
- |
- |
Remissão parcial |
22 |
29 |
3,27 |
1,68 - 6,39 |
0,001* |
|
Doença estável |
42 |
47 |
3,62 |
2,08 - 6,30 |
0,000* |
|
Doença em progressão |
9 |
25 |
8,69 |
3,54 - 21,30 |
0,000* |
|
Suporte terapêutico oncológico |
2 |
10 |
15,04 |
2,84 - 79,56 |
0,001* |
|
Óbito |
12 |
28 |
8,22 |
3,63 - 18,60 |
0,000* |
|
Não se aplica |
38 |
45 |
2,28 |
1,02 - 5,11 |
0,046* |
|
Raça n(%) |
Branca |
44 |
46 |
REF |
- |
- |
Preta |
19 |
16 |
0,70 |
0,28 - 1,78 |
0,453 |
|
Amarela |
72 |
39 |
0,95 |
0,49 - 1,84 |
0,875 |
|
Parda |
151 |
104 |
0,79 |
0,45 - 1,37 |
0,392 |
|
Indígena |
0 |
2 |
9,94 |
- |
0,999 |
|
Sem informação |
27 |
33 |
1,41 |
0,66 - 3,02 |
0,372 |
|
Tabagismo n(%) |
Nunca |
117 |
103 |
REF |
- |
- |
Ex-consumidor |
76 |
42 |
0,71 |
0,42 - 1,20 |
0,194 |
|
Sim |
32 |
42 |
1,19 |
0,65 - 2,19 |
0,568 |
|
Não avaliado |
88 |
53 |
0,98 |
0,55 - 1,73 |
0,945 |
Fonte: Dados coletados pelo pesquisador, São Luís, 2018.
DISCUSSÃO
Os resultados conferem maior prevalência à faixa etária de 65 a 70 anos (30,2%). A idade não se mostrou associada ao estádio tardio, apesar disso, a literatura aponta que nos países desenvolvidos, mulheres com mais idade são diagnosticadas com mais frequência em estádio avançado do que aquelas mais jovens, onde a cada ano adicional na idade a chance de se ter o diagnostico no estádio tardio aumenta em 3 %(7).
Nesse estudo, o baixo nível de escolaridade foi mais prevalente, o que corrobora com outros estudos realizados(8,4). Idosas com baixo grau de instrução tem maior risco de desenvolver o câncer cervical e maior chance de serem diagnosticadas nos estádios avançados III e IV(9), sugerindo que essas idosas podem não ter o conhecimento necessário para buscar rastreamento/tratamento e não reconhecer a importância da realização do exame preventivo(4).
Quando ao estado civil, as idosas casadas formaram o grupo com maior prevalência embora não associada ao estadiamento tardio assim como outras pesquisas na literatura (10). Pressupõe-se que as mulheres casadas tenham apenas um parceiro sexual, diminuindo a exposição a infecções sexualmente transmissíveis, enquanto que as solteiras podem ter um número maior de parceiros tendo mais contato com carcinogênicos sexuais, como o HPV, Human Immunodeficiency Virus (HIV), clamídia, dentre outros(11). Apesar de a multiplicidade de parceiros ser fator de risco importante para o desenvolvimento do CCU, o matrimônio não configura imunidade, portanto a relação entre e a doença e o estado civil estão mais relacionado ao comportamento sexual(10).
A variável nunca fumou em relação aos hábitos tabagistas foi a mais prevalente nos dois grupos, embora ser considerado fator de risco para desenvolvimento de qualquer tipo de câncer. O risco para desenvolver o câncer cervical aumenta proporcionalmente ao número de cigarros fumados por dia, principalmente quando esse hábito é iniciado precocemente(5).
Quanto ao tipo histopatológico este estudo demonstra que mulheres com neoplasia intra-epitelial cervical grau 3 - NIC 3, tem 6 vezes menor chance de estar associado ao estádio tardio. Esse dado é justificado, pois o câncer cervical habitualmente inicia-se como lesões intraepiteliais de baixo grau (LSIL), uma condição pré-invasiva limitada ao epitélio cervical, e é menos provável progressão para carcinoma invasivo, diferentemente das lesões intraepiteliais de alto grau (HSIL). Estas, são predominantemente causadas por tipos de HPV oncogênicos, tendo comportamento de lesão precursora do carcinoma invasivo. Esse dado reforça a necessidade de real prática de controle de qualidade nos programas de rastreamento para o câncer cervical, uma vez que, a curabilidade nessa fase da doença pode chegar a 100%, muitas vezes sendo resolvido ainda em nível ambulatorial (12).
As neoplasias invasivas do colo uterino de células escamosas são precedidas por uma longa fase de neoplasia intra-epitelial cervical. Neste estudo, esse dado é percebido, pela alta prevalência do carcinoma de células escamosas (CEC), corroborando com achados da literatura, que mostra que estes são responsáveis por aproximadamente 70% dos casos de câncer do colo do útero, enquanto que, os adenocarcinomas representam de 15% a 35% dos casos(5).
A demora no diagnóstico leva a tratamentos mais agressivos e menos eficazes, além de elevar os custos de internação e a mortalidade(13) e a sobrevida é um pouco maior nas mulheres com diagnostico de CEC(14).
O tratamento "cirurgia" e "cirurgia + radioterapia" e "quimioterapia" apresentaram menos chances de associação ao estadiamento tardio, dado esse plenamente justificável, pois para doença localmente avançada não existe indicação para o tratamento cirúrgico e o tratamento padrão é a associação quimio-radioterapia (teleterapia concomitante à quimioterapia seguida de braquiterapia)(15), embora este fator esteja diretamente relacionado a fatores sociais e econômicos pois muitos pacientes não tem acesso aos recursos básicos para o tratamento do câncer(16).
As idosas desse estudo obtiveram a remissão completa da doença, apesar de essa não ser a realidade na região nordeste que apresenta uma das maiores mortalidades por câncer do colo do útero conforme estudos. Diante disso é necessário manter o acompanhamento dessas idosas mesmo após a remissão completa para a prevenção de recidivas, ou se for o caso o diagnóstico precoce das mesmas(17).
Esse estudo possui limitações como a defasagem do banco de dados, a falta de informações nos prontuários relacionada a variáveis importantes de fatores de risco, bem como a possibilidade de um viés de informação relacionado ao estadiamento clínico dos casos.
CONCLUSÃO
Os resultados do estudo reafirmam a necessidade em melhorar o conhecimento das mulheres, principalmente em se tratando daquelas em idades mais avançadas as quais foram identificadas em maior proporção, demonstrando que essas mulheres ao serem diagnosticadas já estavam em estádios mais avançados. Com os dados também pôde-se inferir que o diagnóstico precoce diminui o alcance dos estádios mais tardios devido ao tratamento ter resultados positivos. A falta de informação da população feminina e a resistência à realização do exame preventivo do câncer do colo do útero são umas das principais causas para evolução da doença. Portanto, conhecer as características epidemiológicas dessas idosas, torna-se significativo, para o fornecimento de subsídios para o planejamento e avaliação de programas efetivos no controle do câncer cervical. Com isso conclui-se que a melhor estratégia a ser utilizada ainda é a educação em saúde a fim de atingir essa população em destaque com estímulo á realização do exame citopatológico. Percebe-se ainda a necessidade de intensificação de campanhas e propostas que visem minimizar a morbidade e mortalidade desse câncer no estado do Maranhão bem como no Brasil, melhorar a estruturação do programa de rastreamento do câncer de colo de útero, a fim de garantir além do acesso precoce tanto às consultas quanto ao diagnóstico, proporcionando assim a redução dos percentuais elevados de casos avançados.
REFERÊNCIAS
Fonseca MRC, Pontes AEL, Traldi MC, Morais SS, Galdeano J. Frequência e fatores associados à adesão ao exame citopatológico periódico do Colo uterino. Revista Saúde – UNG [Internet]. 2016 [cited 2020 Ago 20];10(1-2). Available from: http://revistas.ung.br/index.php/saude/article/view/2085.
Paula VM, Rodrigues LS. Sexualidade de idosas e contribuições de Enfermagem. EnfermBras [Internet]. 2020 [cited 2021 Mar 10];19(4):345-54. Available from: https://portalatlanticaeditora.com.br/index.php/enfermagembrasil/article/view/4281/html.doi:https://doi.org/10.33233/eb.v19i4.4281
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudos e pesquisas: informação demográfica e socioeconômica: síntese dos indicadores sociais. Rio de Janeiro: IBGE [Internet]; 2016 [cited 2017 Nov 20]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualização/livros/liv98965.pdf
World health organization. International agency for research on câncer [Internet]. Globocan. Cited: 2020 Ago 20.
5. Ministério da Saúde (BR). Controle dos cânceres do colo do útero e da mama. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013. (Caderno Atenção Básica, n 13).
6. Sociedade Brasileira de Cancerologia. Câncer ginecológico. Colo de útero [Internet]. 2016 [cited 2020 Ago 20]. Available from: http://www.sbcancer.org.br/wpcontent/uploads/2016/10/cancerginecologico.pdf http://www.sbcancer.org.br/wpcontent/uploads/2016/10/cancerginecologico.pdf
10. Figueiredo T, Souza CQ, Castilho EN, Silva TMR, Silva EP, Siqueira LG et al. Análise do perfil de mulheres com lesões pré-cancerosas de colo do útero. Saúde Rev [internet]. 2015 [cited 2020 Ago 18]; 15(41):3-13. Avaiable from: https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/sr/article/view/2728. doi:
https://doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v15n41p3-13
11. Almeida AF, Holmes ES, Lacerda CCC, Farias CF, Costa MBS, Santos SR. Métodos de detecção de câncer de colo uterino entre profissionais da saúde. Rev enferm UFPE on line [Internet]. 2015 [cited 2020 Ago 18];9(1):62-68. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10307/10978. doi: https://doi.org/10.5205/reuol.6817-60679-1-ED.0901201509.
12. Neoplasia Intra epitelial Cervical. Instituto Nacional do Câncer [Internet]. 2016 [cited 2020 Ago 21]. Available from: http://www1.inca.gov.br/rbc/n_46/v04/pdf/normas_2.pdf
13. Padilha Cátia Martins Leite, Araújo Junior Mário Lúcio Cordeiro, Souza Sergio Augusto Lopes de. Cytopathologic evaluation of patients submitted to radiotherapy for uterine cervix cancer. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2017 Apr [cited 2020 Sep 11];63(4): 379-385. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302017000400379&lng=en. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9282.63.04.379.
14. Chandeying N, Hanprasertpong J. The prognostic impact of histological type on lclinical outcomes of early-stage cervical cancer patients whom have been treated with radical surgery. J Obste Gynaecol [Internet]. 2017 [cited 2020 Dez 21];37(3):347-354. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28141947/. doi: http://dx.doi.org/10.1080/01443615.2016.1245279
15. Frigo L, Zambarda S. Câncer do colo de útero: efeitos do tratamento. Cinergis [Internet]. 2015 Dez 1 [cited 2020 Ago 21];16(3):[aprox. 0 p.]. Available from: https://online.unisc.br/seer/index.php/cinergis/article/view/6211/4554. doi: http://dx.doi.org/10.17058/cinergis.v16i3.6211.
16. Alfonso DL, Sergio C. Global strategies for the treatment of early-stage and advanced cervical cancer, Current Opinion in Obstetrics and Gynecology [Internet]. 2016 [cited 2020 Dez 19];28:11-17 (Issue 1). Available from: https://journals.lww.com/co-obgyn/Fulltext/2016/02000/Global_strategies_for_the_treatment_of_early_stage.4.aspx. Doi: http://dx.doi.org/10.1097/GCO.0000000000000234
17. Barbosa IR, Souza DLB, Bernal MM, Costa ICC. Desigualdades regionais na mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil: tendências e projeções até o ano 2030. Ciênc. Saúde coletiva [online]. 2016 [cited 2020 Ago 19];21(1):253-262. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1413-81232016000100253&lng=pt&nrm=iso. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015211.03662015
Contribuições: Ana Hélia de Lima Sardinha: leitura crítica, sugestão e correções do manuscrito; Pabline Medeiros Verzaro: idealização e escrita do manuscrito; Nívya Carla de Oliveira Pereira Rolim: escrita e correções do manuscrito; Sara Maria Ferreira de Sousa: escrita do manuscrito; Aida Patrícia da Fonseca Dias Silva: escrita do manuscrito; Alynne Radoyk Silva Lopes: escrita do manuscrito.
Received: 12/20/2020
Revised: 02/18/2021
Approved: 04/14/2021