Um olhar para o recém-nascido no contexto da COVID-19: revisão integrativa

 

Juliane Pagliari Araujo1Katiucy Sturião dos Santos Campana1Kelle Vieira Bussú1Morgana Sczindrowski1Luzia Borges Leal1Adriana Valongo Zani1

 

1 Universidade Estadual de Londrina. PR, Brasil.

 

 

RESUMO

Objetivo: Investigar manifestações clínicas, fatores de risco, tratamento e prevenção em recém-nascidos acometidos pela COVID-19 relatados na literatura científica. Método: Revisão integrativa realizada no mês de maio de 2020, nas bases de dados LILACS, MEDLINE e Biblioteca Virtual em Saúde, por meio de combinações entre os termos controlados newborn, COVID-19, SARS-CoV-2. Resultados: Sete estudos compuseram a amostra final, sendo cinco publicações provenientes da China, onde foram relatados os primeiros casos de infecção neonatal. Discussão: A prática baseada em evidências é fundamental para o cuidado ao recém-nascido diante do atual contexto pandêmico. Assim, atualizações sobre abordagens terapêuticas são necessárias. Conclusão: Medidas de prevenção são importantes, visto que existem lacunas relacionadas ao tratamento da COVID-19 em recém-nascidos. As manifestações clínicas podem variar desde sintomas respiratórios até gastrointestinais e cutâneos. Embora os casos relatados pareçam ser adquiridos no período pós-natal, faz-se necessário mais estudos e evidências para elucidar o risco de transmissão vertical.

DESCRITORES: Recém-Nascido; Infecções por Coronavírus; COVID-19; Doenças Respiratórias; Sinais e Sintomas; Prevenção.

 

 

INTRODUÇÃO

 

No início do ano de 2020, o mundo se deparou com o surgimento de um novo vírus, a princípio denominado novo coronavírus e, posteriormente, a nomenclatura designada oficialmente para este microorganismo, pelo International Committee on Taxonomy of Viruses foi Severe Acute Respiratory Syndrome, foi Coronavirus-2 (SARS-CoV-2) e, para a doença decorrente desse novo vírus, Coronavirus Disease-2019 (COVID-19)(1). O primeiro caso do novo coronavírus foi notificado na cidade de Wuhan, na China, em 31 de dezembro de 2019 e, em razão da rápida progressão de casos, no dia 11 de março de 2020, foi declarada a pandemia, ocasionando profundas repercussões na área da saúde e consequências sociais e econômicas para a população mundial(2-3)

O SARS-CoV-2, de modo geral, apresenta baixa patogenicidade, entretanto, pode desenvolver infecções graves quando acomete crianças, idosos, imunossuprimidos e pacientes com comorbidades(4).

Em virtude do número crescente e elevado de casos, as secretarias de saúde e instituições hospitalares buscaram desenvolver e implementar diretrizes e protocolos com foco no diagnóstico, tratamento e na prevenção da disseminação da COVID-19. No entanto, poucas evidências de qualidade foram encontradas, aumentando as informações conflitantes(5)

E, ao transferir essas informações para a população pediátrica e neonatal, a escassez é ainda mais evidente. As crianças são pouco afetadas pela doença, sendo que a maioria se apresenta assintomática ou com sintomas leves. Nessa faixa etária, a maior proporção relatada de pacientes com doença grave foi de 10,6% em menores de 1 ano, seguida de 7,3% em crianças entre 1 e 5 anos(6). Com relação ao recém-nascido (RN) e às infecções nas unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN), os achados sobre doenças agudas graves neonatais por SARS-CoV-2 ainda são poucos. No entanto, muitos questionamentos têm surgido ante a transmissão, o tratamento, as manifestações clínicas e a prevenção nessa população(5).

Em decorrência da ausência de evidências acerca dessa temática e diante do cenário atual de pandemia, o presente estudo teve como objetivo investigar as manifestações clínicas, os fatores de risco, o tratamento e a prevenção em recém-nascidos acometidos pela COVID-19 relatados na literatura científica. 

 

MÉTODO

 

Trata-se de estudo de revisão integrativa da literatura, cuja finalidade é reunir e sintetizar resultados de pesquisas de modo abrangente e realizar avaliação crítica de estudos relevantes sobre determinada temática, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento no assunto investigado(7-8)

O processo de elaboração desta revisão desenvolveu-se em seis etapas: 1) Elaboração da hipótese ou questão norteadora de acordo com a estratégia População Interesse Contexto (PICo), considerando a seguinte estrutura: P-recém-nascido, I-prevenção, Co-pandemia novo Coronavírus. Neste estudo, a questão problematizadora foi: “Quais manifestações clínicas, possíveis fatores de risco, tratamento e prevenção em recém-nascidos acometidos pela COVID-19 têm sido relatados na literatura científica?” 2) Definição dos descritores. Nesta pesquisa os descritores utilizados foram selecionados no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e MeSH (Medical Subject Headings) sendo: newborn, COVID-19, SARS-CoV-2. Os termos foram combinados com o operador booleano “and” e “or”, para garantir uma busca ampliada dos estudos. 3) Seleção da amostragem: determinação dos critérios de inclusão e exclusão, momento de estabelecer transparência, para proporcionar profundidade, qualidade e confiabilidade na seleção. A seleção das produções científicas foi realizada por cinco revisores de forma independente, para garantir a fidedignidade do processo. Os critérios para inclusão foram estudos publicados na íntegra, no formato de artigos científicos, editoriais e manuais de recomendações de instituições especialistas em publicações relacionadas ao RN e que respondessem a, pelo menos, um dos critérios da questão norteadora, visto que essa temática é extremamente recente e pouco conhecida, sem limitação de idioma e delimitação temporal. Os critérios de exclusão foram artigos de revisão e artigos em duplicidade que foram considerados uma única vez. Foram utilizados estudos disponibilizados em modelo de publicação eletrônica, em três bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem OnLine (MedLine) via PubMed (National Library of Medicine) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). A busca ocorreu no período que compreende o mês de maio de 2020, por meio de pesquisa on-line. O acesso às publicações na íntegra se deu a partir do portal da Biblioteca Virtual da Saúde (BVS) e PubMed. Para a seleção das produções científicas, realizou-se a leitura dos títulos e dos resumos, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. 4) Análise crítica dos estudos incluídos. Neste momento o pesquisador precisa possuir conhecimento para observar os níveis de evidência forte dos estudos analisados. Para avaliação da qualidade metodológica, foi empregada a classificação de evidências, sendo: nível I: revisões sistemáticas com randomização; nível II: estudo clínico com randomização; nível III: estudo clínico sem randomização; nível IV: coorte e caso controle; nível V:revisão sistemática de estudos qualitativos; nível VI: estudos descritivos ou qualitativos; e nível VII: opinião de especialistas, descrição de casos(9). 5) Discussão dos resultados encontrados. Neste momento ocorrem as discussões referentes aos estudos selecionados buscando a compreensão da temática a ser investigada. 6) Apresentação da revisão integrativa. Para que as informações fossem apresentadas de forma mais clara e organizada, foram elaborados quadros com as principais informações relevantes extraídas dos artigos (10-11). Em cada quadro, os artigos que integraram a presente revisão foram identificados com a letra A (artigo) seguida do numeral na ordem em que foram descritos no Quadro 1. 

 

RESULTADOS

 

A busca dos estudos foi realizada considerando estudos de janeiro a 30 de maio de 2020 nas bases de dados: The National Library of Medicine (MEDLINE/ PubMed), Biblioteca Virtual de Saude e LILACS. Os descritores cadastrados no DeCS (Descriptors in Health Science) e no MeSH (Medical Subject Headings) bem como as palavras-chave (keywords) não localizadas como descritores controlados foram combinados entre si para a formulação das estratégias de busca, sendo utilizados: Covid-19 or Coronavirus or SARS-CoV-2 and newborn. Portanto, a busca identificou um total de 58 estudos, sendo oito na BVS e 50 na MEDLINE/PUBMED. Foi realizada uma primeira análise a partir da leitura do título e dos resumos dos estudos. Os que não atenderam à questão norteadora, não se enquadraram nos critérios de inclusão estabelecidos previamente, eram artigos de revisão ou estavam repetidos foram excluídos (n=49), resultando em 09 estudos selecionados para leitura e análise na íntegra. Após a leitura, na íntegra, dos 09 artigos selecionados, dois foram excluídos, pois a população não se tratava de RN. Sendo assim, sete estudos integraram a amostra final desta revisão integrativa. O fluxograma do percurso para seleção dos estudos está exposto na Figura 1.

 

Figura 1- Fluxograma do processo de seleção dos estudos. 2020. Londrina, Paraná, Brasil

Fonte: Elaboração própria.

 

Dos sete estudos selecionados, cinco foram publicações provenientes da China, local onde se iniciou a disseminação do vírus e onde foram relatados os primeiros casos de infecção neonatal. Um manuscrito foi publicado no Irã relatando um caso de infecção neonatal e houve outra publicação nos Estados Unidos da América (EUA). Em relação ao idioma de publicação, quatro estudos foram escritos na língua inglesa e três, em chinês. Todos os manuscritos foram publicados no ano de 2020.

As principais informações extraídas dos estudos selecionados distribuíram-se em: 1) Características gerais dos estudos (título, ano de publicação, identificação dos autores, periódico, nível de evidência e objetivo do estudo); 2) Conhecimento sobre os principais resultados (manifestações clínicas, fatores de risco, tratamento e prevenção); e 3) Conclusões e considerações dos estudos que estão apresentados respectivamente nos Quadros 1, 2 e 3.

 

Quadro 1- Caracterização, delineamento e objetivos dos estudos selecionados. 2020. Londrina, Paraná, Brasil.

Título/

Ano de publicação

Autores

Periódico

Nível de evidência

Objetivo do estudo

(A1) Emergency plan for inter-hospital transfer of newborns with SARS-CoV-2 infection. (2020)

Chen Z, DU Li-Z, FU Jun-Fen et al.(12)

J Contemp Pediatr

VII

Gerenciar o processo de transferência de RN suspeito ou confirmado.

(A2) Managing neonates with respiratory failure due to SARS-CoV-2. (2020)

Wang J; Shi Y.(13)

The Lancet Child & Adolescent Health

VII

Editorial sobre manifestações clínicas, critérios, diagnósticos e tratamento da SARS-CoV-2 em RN.

(A3) An interpretation on perinatal and neonatal management plan for prevention and control of SARS-CoV-2 infection. (2020)

Wang LS, Hu XJ, Zhou WH.(14)

J Contemp Pediatr

VII

Interpretar o plano de manejo neonatal para prevenção e controle da infecção por SARS-CoV-2.

 

(A4) Experience of Clinical Management for Pregnant Women and Newborns with Novel Coronavirus Pneumonia in Tongji Hospital, China. (2020)

Wang, S., Zhou, X., Lin, X. et al.(15)

Current Medical Science

VI

Fornecer uma experiência valiosa para um melhor gerenciamento da SARS-CoV-2 em gestantes e recém-nascidos.

(A5) Novel coronavirus in a 15-day-old neonate with clinical signs of sepsis, a case report. (2020)

Kamali AM, Jafari N, Eftekhari K.(16)

Infectious diseases

 

VII

Relatar um caso de neonato positivo para SARS-CoV-2.

(A6) Potential Maternal and Infant Outcomes from Coronavirus 2019-nCoV (SARS-CoV-2) Infecting Pregnant Women: Lessons from SARS, MERS, and Other Human Coronavirus Infections. (2020)

Schwartz DA, Graham AL.(17)

Viruses

VI

Analisar os dados publicados que abordam os efeitos epidemiológicos e clínicos de SARS, MERS (Middle East Respiratory Syndrome) e outras infecções por coronavírus em gestantes e seus filhos.

(A7) Perinatal and neonatal management plan for prevention and control of SARS-CoV-2 infection (2nd Edition). (2020)

Zhou WH,et al.(18)

 

J Contemp Pediatr.

VII

Orientar a prática clínica de neonatos e gestantes com um plano de manejo para infecção do SARS-CoV-2.

Fonte: Elaboração própria.

 

Quanto às informações encontradas nos estudos eleitos sobre as principais manifestações clínicas observadas, fatores de risco associados, bem como possíveis tratamentos e prevenção, estes foram sintetizados e estão apresentados no Quadro 2.

 

Quadro 2- Principais resultados relacionados a manifestações clínicas, fatores de risco, tratamento e prevenção. 2020. Londrina, Paraná, Brasil. 

Manifestações clínicas

Fatores de risco

Tratamento

Prevenção

(A1) Desconforto respiratório

Familiares ou pessoas próximas ao RN com diagnóstico confirmado

Não fez referência 

Diagnóstico correto, equipamentos de proteção individual para os profissionais, medidas de desinfecção, isolamento, equipe capacitada para todo o processo de transporte

(A2) Sintomas gripais, pode evoluir para dificuldade respiratória e falhas de múltiplos órgãos. Complicações: comprometimento da função do surfactante e hipertensão pulmonar em casos graves.

Síndrome da angústia respiratória

Administração de surfactante, inalação com óxido nítrico em casos graves, ventilação, oxigenação extracorpórea para resgate,

prescrição de antivirais 

 

Triagem de todos os RNs de alto risco para coronavírus de acordo com histórico familiar, teste para SARS-CoV-2, isolamento individual

(A3) Nos casos confirmados: febre transitória, espirros, vômito, recusa do leite e diarreia, exames de imagem apresentando alterações inflamatórias.

Nos casos suspeitos que posteriormente tiveram resultados negativos, os sintomas foram desconfortos respiratórios.

RN confirmado, pertencia a uma região com casos de COVID-19 e teve contato com os mesmos. No caso dos RNs que negativaram, os sintomas estavam relacionados a quadro de imaturidade pulmonar que se assemelhou ao quadro de SARS-CoV-2.

Não há medicamentos específicos para terapia antiviral,

tratamento dos casos graves com terapia de plasma.

Isolamento, cuidados domiciliares e com a alimentação, desinfecção de utensílios e higienização das mãos antes e após troca de fraldas. Cuidados na manipulação do RN. Manter janelas abertas, uso de máscara pelos pais.

(A4) Não menciona sintomas desse caso de RN infectado com 36h de vida.

Gestantes confirmadas (possível transmissão vertical - porém faltam evidências que confirmem); infecção adquirida em ambiente hospitalar, familiares confirmados.

RNs confirmados: isolamento por 14 dias e tratamento.

RNs suspeitos: devem ser isolados para observação, até exclusão do caso.

Mãe positiva: higienizar o RN logo após o parto, suspender a amamentação. 

Orientar ordenha sistemática para manutenção da produção;

após dois swabs maternos negativos, manter mãe e RN juntos. Isolamento dos cuidadores, higienização das mãos, desinfecção de móveis, piso, mamadeiras e chupetas.

(A5) Febre, manchas pelo corpo, taquicardia, taquipneia, retração subcostal leve, saturação de oxigênio 93%.

Pais sintomáticos com febre e tosse, e a mãe também apresentou sudorese, fraqueza e mal-estar.

Fluidoterapia adequada, oxigenoterapia, antibioticoterapia

 

Isolamento em UTIN; RN e pais em quarentena por 14 dias

 

(A6) Sinais vitais estáveis, sem febre ou tosse. Dificuldade respiratória, radiografias torácicas anormais e anormalidades da função hepática.

Pais ou profissionais infectados 

Não menciona.

Os RNs de mães positivas devem ser isolados por 10 dias ou durante o isolamento da mãe. Suspender a amamentação nesse período.

(A7) Tosse e febre, raio-x de tórax sugerem imagens de infiltração pulmonar.

Contato com familiares, cuidadores ou equipe hospitalar suspeitos ou confirmados

Tratamento sintomático e individualizado.

Em bebês graves, utilizar surfactante, inalação com óxido nítrico e ventilação de alta frequência.

Isolamento de contato e de gotículas por 14 dias

   Fonte: Elaboração própria.

Com relação às principais considerações e conclusões dos estudos selecionados, o Quadro 3 apresenta uma breve síntese.

 

Quadro 3 - Principais conclusões e considerações dos estudos selecionados. 2020. Londrina, Paraná, Brasil.

Conclusões/considerações 

(A1) Ante a suspeita ou confirmação de COVID-19 em RN, é necessário garantir transporte seguro e evitar a disseminação do vírus.

(A2) Atualizações contínuas sobre abordagens terapêuticas são necessárias em razão da pequena quantidade de evidência disponível para essa população.

(A3) Detecção e isolamento precoce desempenham papel decisivo no controle da doença.

(A4) Medidas de prevenção são essenciais para neonatos, por se tratar de população com imunidade baixa.

(A5) O curso clínico é mais leve do que em adultos. Sintomas mais comuns incluem febre, fadiga e tosse, no entanto, sintomas inespecíficos também podem ser observados, como manchas no corpo e sintomas gastrointestinais.

(A6) Estudos precisam continuar para confirmar todas as formas de transmissão de COVID-19 no RN.

 

(A7) Detecção de casos suspeitos, diagnóstico precoce de casos confirmados e manuseio adequado dos casos para reduzir transmissão horizontal.

Fonte: Elaboração própria.

 

DISCUSSÃO

 

Em janeiro de 2021, mais de 99 milhões de casos de COVID-19 em todo o mundo foram confirmados, no entanto, a proporção de RN com a doença é extremamente baixa. Estudos apontam que a transmissão parece ocorrer no período pós-natal(5,13-14,18)No entanto, alguns pesquisadores consideram o risco de transmissão vertical(19-20)

Com relação às condutas para diagnóstico, recomenda-se a triagem de todo RN admitido em UTIN, por meio de histórico familiar, exames que detectam SARS-CoV-2 e isolamento(13-14, 16-17), como também tomografia computadorizada, hemograma, gasometria arterial, raio-x de tórax, cultura de fezes e urina, pois é essencial o diagnóstico diferencial para excluir outros vírus comuns do trato respiratório superior causadores de pneumonia(14,16)

Com exceção de um estudo que não menciona as manifestações clínicas da infecção por COVID-19 em RN(12,15), os demais relatam que os sintomas podem variar desde sintomas respiratórios leves até evoluções mais graves, com comprometimento respiratório importante e falha múltipla de órgãos, sendo que quadro febril pode estar ou não associado aos demais sintomas (13-15, 17).

Em relação aos sintomas respiratórios, os RNs podem apresentar dificuldade respiratória, incluindo taquipneia associada a retração subcostal leve(16). Apesar de pouca evidência disponível acerca do acometimento nessa população, autores sugerem que o acometimento respiratório pode estar relacionado a um comprometimento da função do surfactante pulmonar nos bebês acometidos pela infecção(13).

Os recém-nascidos pré-termo (RNPT), em decorrência de sua imaturidade pulmonar, podem apresentar deficiência de surfactante, visto ser uma substância que tem o início de sua produção por volta da 24ª à 28ª semana de gestação e atingindo a elevação próximo das 35 semanas. O surfactante possui a função de reduzir a tensão da superfície alveolar e, deste modo, evitar a atelectasia e o desconforto respiratório. No entanto, quando isto não ocorre, o RNPT apresentará desconforto respiratório que pode ser brando ou até muito grave, dependendo da idade gestacional e do grau de doença pulmonar da membrana hialina que a deficiência de surfactante ocasionará. Essa condição pode causar dificuldade na diferenciação de diagnóstico da COVID-19, quando o RN apresentar fator de risco, como mãe que possua diagnóstico confirmado de COVID-19(21).

Além dos sintomas respiratórios, outros sintomas inespecíficos também foram observados. Em um dos estudos, foi relatado que um RN com 17 dias de vida evoluiu com sintomas gastrointestinais e apresentou vômito, recusa do leite e diarreia(14). Outro caso de COVID-19 em neonatos foi relatado no Irã, e as manifestações clínicas encontradas, além dos sintomas respiratórios, foram manchas no corpo (16). Esses achados sugerem que o curso clínico da doença nos RNs não apresenta um quadro comum, e, em virtude da baixa prevalência de COVID-19 nessa população, são necessárias contínuas investigações para auxiliar na identificação de casos suspeitos. 

De todos os casos de bebês acometidos pela COVID-19 que integram a presente revisão, nenhum evoluiu com gravidade e, apesar de pouca evidência disponível acerca da população neonatal até o momento, confirmou-se que o curso clínico é mais leve do que em pacientes adultos(16).

Nesse sentido, a prestação de cuidados respiratórios aos RNs deve continuar de acordo com os padrões, e grandes mudanças na prática devem ser amplamente discutidas para minimizar danos,(5) além de salientar-se o tratamento sintomático e individualizado(18). Alguns autores indicam a administração de surfactante e óxido nítrico para RN em caso grave(13,18) e prescrição de antivirais, porém com certo cuidado, em razão da pouca evidência de segurança e eficácia nessa população13, e antibioticoterapia(16).

Nos casos confirmados de infecção neonatal por SARS-CoV-2, é essencial a implementação de práticas respiratórias seguras, incluindo isolamento adequado do RN, equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados para os profissionais que estão no cuidado a esses bebês e uso de filtros virais expiratórios em qualquer dispositivo respiratório(5) .

Com relação à prevenção da COVID-19, o primeiro passo é a triagem de todos os RNs de acordo com o histórico familiar, seguida de isolamento individual e testagem para SARS-CoV-2.13-14,16,18 Em casos de mães positivas, a orientação é fazer a higiene do RN logo após o parto, manter isolamento por 14 dias(14,16,18) e, após dois swabs maternos negativos, manter mãe e filho juntos(15,17).

A suspensão da amamentação é indicada em alguns estudos(15,17). No entanto, no Brasil, a recomendação do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria é que o aleitamento materno deve ser estimulado e promovido, independentemente de mães suspeita ou confirmada para COVID-19, mas seguindo as orientações do uso de máscara e lavagem das mãos antes e após a mamada(22-23). Destaca-se que, até o momento, não existem evidências de transmissão vertical através da amamentação, sendo assim, o leite materno deve ser oferecido, pois é a melhor fonte de nutrientes para o neonato(23-24).

É necessário atentar-se para os cuidados domiciliares na manipulação de utensílios de uso do RN, em casos de uso de chupetas e mamadeiras, desinfecção em alta temperatura, na higienização das mãos antes e após troca de fraldas, manipulação do RN e preparo de mamadeira e no uso de máscara pelos pais. Outros cuidados relacionados ao ambiente também são essenciais, como manter janelas abertas para circulação do ar e desinfecção frequente de piso e mobiliários(14-15) .

RNs de mães suspeitas ou confirmadas devem ser transferidos para unidades de referência para tratamento de COVID-19, sendo que alguns cuidados devem ser seguidos, como comunicação efetiva com hospital referência, uso de EPIs pelos profissionais, transporte do bebê em incubadora com equipamentos adequados disponíveis para atendimento de urgência; RNs devem ser mantidos em isolamento, em unidades com pressão negativa, e a desinfecção dos equipamentos deve ser realizada após o uso(14). Tendo em vista a importância de garantir um transporte seguro tanto para os bebês suspeitos ou confirmados como para a equipe de saúde, um dos estudos incluídos na presente revisão teve como objetivo elaborar um plano de gerenciamento de todo o processo de transferência de RN suspeito ou confirmado, com foco no gerenciamento da organização da transferência, nas estratégias para prevenção dos profissionais de saúde e medidas de prevenção da disseminação do vírus durante esse processo(18).

Destaca-se que as informações estão mudando rapidamente, e os profissionais de saúde devem frequentemente estar atentos às atualizações, à medida que o estado do conhecimento evolui e novas evidências sejam publicadas(5).

Tendo em vista que, na presente revisão de literatura, nenhum dos estudos que compuseram a amostra possui nível de evidência I ou II, percebe-se a necessidade de pesquisas que produzam resultados com fortes níveis de evidência científica, a fim de subsidiar o cuidado ao neonato.

Esta pesquisa tem como limitação a escassez de estudos sobre esta temática e a dificuldade de relato de casos com detalhamento das manifestações clínicas, bem como intervenções e número de casos de recém-nascido com diagnóstico de COVID-19 confirmado. No entanto, a contemporaneidade da doença é um fator preponderante que justifica a incipiência de estudos e divergência entre autores na área. 

 

CONCLUSÃO

 

Estudos apontam que as medidas de prevenção são importantes para esse grupo populacional, visto que existem lacunas relacionadas ao tratamento. Faz-se necessário e é indispensável o uso de EPIs pelos profissionais de saúde durante o cuidado ao RN. Como a manifestação clínica da infecção pode variar desde sintomas respiratórios até incluir sintomas inespecíficos, como os gastrointestinais e até manifestações cutâneas, é de extrema importância a triagem de RNs suspeitos para a confirmação diagnóstica, a fim de reduzir os riscos de transmissão horizontal. Embora os casos relatados pareçam ser adquiridos no período pós-natal, são necessários mais estudos e evidências para elucidar se existe ou não o risco de transmissão vertical.

O presente estudo faz-se necessário ante a situação de pandemia emergente em que estamos vivendo. Os achados, apesar de escassos, são importantes para a assistência ao RN, sendo necessárias atualizações contínuas para orientar os profissionais quanto ao melhor manejo e controle da COVID-19 na população neonatal.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

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CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do estudo: Araujo JP, Zani AV

Coleta de dados: Zani, AV

Análise e interpretação dos dados: Araujo JP, Campana KSS, Bussú KV, Sczindrowski M, Leal, LB, Zani AV,

Discussão dos resultados: Araujo JP, Campana KSS, Bussú KV, Sczindrowski M, Leal LB, Zani AV

Redação e/ou revisão crítica do conteúdo: Araujo JP, Campana KSS, Bussú KV, Sczindrowski M, Leal LB, Zani AV

Revisão e aprovação final da versão final: Araujo JP, Campana KSS, Bussú KV, Sczindrowski M, Leal LB, Zani AV

 

 

 

Recebido: 13/10/2020

Revisado: 25/11/2020

Aprovado:21/01/2021