Enfrentamento à COVID-19 em uma regional de saúde: uma análise documental

 

Luciana da Rocha Cabral1Mikaelly Vasconcelos Grangeiro2Maria Auxiliadora Alves Vasconcelos Veras2Juliana da Rocha Cabral1Edilma Gomes Rocha Cavalcante3Regina Célia de Oliveira1

 

1 Universidade de Pernambuco

2 Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco

3 Universidade Regional do Cariri

 

RESUMO

Objetivo: reconhecendo a importância da RAS terciária no enfrentamento da COVID-19, buscou-se realizar uma revisão documental de portarias, decretos e leis tangenciais do Estado de Pernambuco e da União que permitiram a reorganização dos serviços de saúde. Método: Estudo descritivo, de análise documental das normativas legais, pertencentes aos municípios da VII Gerência Região de Saúde de Pernambuco. Utilizou-se análise de Bardin. Resultado: Houve agrupamento de duas categorias: planejamento para o enfrentamento de uma emergência de saúde pública de caráter internacional e repasse financeiro para o fortalecimento das ações de combate à COVID-19. Discussão: Houve destaque para distanciamento social, uso de máscara e ampliação de leitos hospitalares. Foram demandados esforços tripartites de (co)gestão e (co)financiamento. Conclusão: Diante dessa situação de emergência ainda não finalizada é possível prever certo potencial da reorganização, por meio do arcabouço legal e experiência no estado e municípios.

Descritores: Infecções por coronavírus; Serviços de saúde; Políticas públicas de saúde.

INTRODUÇÃO

A identificação de um novo vírus, nomeado de Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 (SARS-CoV-2) e o avanço rápido da infecção humana para outros continentes, levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a decretar em 11 de março de 2020 a existência de uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, deflagrando-se a presença da pandemia de ameça a saúde global(1)

causador do novo corovavírus 2019 (COVID-19) pode cursar com manifestação clínicas sem sintomas; resfriado comum leve e até síndrome do desconforto respiratório agudo. A COVID-19 apresenta alto poder de disseminação, no entanto, a partir da experiência chinesa, sugere-se que entre 5% e 12% das infecções confirmadas, requeiram cuidados avançados, incluindo ventilação mecânica(2).

Diante desse cenário, os hospitais que são equipamentos angulares dos sistemas de saúde, frequentemente, já operavam com capacidade máxima de lotação, tornaram-se ainda mais vulneráveis. Em razão disso, foi demandado para todos os países a elaboração de estratégias para o fortalecimento da sua rede hospitalar(3). Essa preparação exigiu envolvimento interfederativo para a reorganização e ampliação da cobertura hospitalar de estados e municípios, com criação de vagas de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), abertura de novos hospitais, contratação em caráter emergencial de pessoal para saúde, readequações financeiras para o Sistema Único de Saúde (SUS) e apoio ao setor produtivo e assistência às famílias carentes(4).

Cabe salientar que, no Brasil, cada ente federado possuiu autonomia governamental, desde que em consonância com os protocolos e diretrizes do Ministério da Saúde (MS) e da OMS, para reestruturar sua Rede de Atenção à Saúde (RAS)(4). Assim, Pernambuco decretou a transmissão comunitária em 18 de março e desde então vem criando estratégias capazes de garantir a mitigação da doença, a expansão dos serviços de saúde de alta complexidade e o fortalecimento da rede interiorana do estado(5).

Ressalta-se que inúmeras dificuldades estão sendo vivenciadas, pelos serviços hospitalares, no combate do SARS-CoV-2, devido a sua complexidade e ausência de evidências concretas. Diante do exposto, o desafio a ser enfrentado é assegurar o acesso dos munícipes aos serviços em tempo oportuno, dentro dos modelos e ações condizentes com as diretrizes políticas e dispositivos preconizados pelo SUS. Portanto, torna-se importante conhecer a estrutura organizacional da RAS dos estados e municípios, para que seja possível identificar os limites, desafios e potencialidades que consolidem modos de organizar a gestão e os serviços de saúde para o controle desse vírus.

Frente ao exposto e reconhecendo a importância da RAS terciária no enfrentamento da COVID-19, buscou-se realizar uma revisão documental de portarias, decretos e leis tangenciais do Estado de Pernambuco e da União que permitiram a reorganização dos serviços de saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa de análise documental das normativas que versam sobre a re(estruturação) dos serviços de saúde, incluindo, o repasse de recurso financeiro do Estado de Pernambuco e da União para os municípios da VII Gerência Região de Saúde (GERES) do referido estado, para o combate da nova pandemia. 

Pernambuco encontra-se subdividido em 12 Regiões de Saúde. Sendo, a VII Região composta por sete municípios, Belém de São Francisco, Cedro, Mirandiba, Salgueiro, Serrita, Terra Nova e Verdejante. Esta região abrange uma população de 144.983 pessoas. Destes, dois possuem hospital geral, três têm unidades mistas, um conta com um hospital de pequeno porte e um possui uma unidade hospitalar regional sob gestão estadual.

Utilizaram-se como fontes secundárias, os documentos: planos, leis, decretos, portarias, resoluções e notas técnicas – publicados no portal on-line do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde de Pernambuco; no portal on-line PE contra o Coronavírus e do MS, além de consulta ao Fundo Municipal de Saúde. Cabe ressaltar, que tais dados são de domínio público, pois se têm deflagrado desde o início da pandemia, diversas iniciativas de transparência das informações em relação à doença

Essa busca procedeu-se a partir da leitura das normativas legislativas do Estado de Pernambuco e da União, norteada pela seguinte questão norteadora: Quais documentos foram emitidos, pelas três esferas de governo, com o objetivo de redigir acerca do fortalecimento da rede de atenção à saúde, em especial, à atenção terciária, no combate da nova pandemia? 

O período de publicação das normativas legais foi de fevereiro a primeiro de julho de 2020, devido à necessidade de encerrar a investigação e prosseguir com a finalização do material para publicação. Ressalva-se que há uma constante publicação e alteração das legislações, em razão da mobilização interfederativa para adaptação do setor de saúde no enfrentamento de uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. A busca inicial foi composta por 19 documentos. 

Os critérios de inclusão foram: normativas que versem sobre a reorganização e ampliação da RAS em estudo; documentos com descrição acerca do funcionamento dos serviços de saúde durante a pandemia do COVID-19; legislações relacionadas ao financiamento da RAS para o enfrentamento da pandemia. Foram excluídas as normativas revogadas que abordavam sobre a temática, como aquelas que após a leitura na íntegra não respondia á questão norteadora. Para o acesso do material na íntegra, foram usados os seguintes recursos: link disponível nas páginas dos portais selecionados ou download dos arquivos. A partir do estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão, o corpus desta revisão constituiu-se em 10 documentos. 

A primeira etapa de análise do material foi realizada por meio de leitura e construção do quadro sinóptico. Para construção do quadro foram extraídas as seguintes variáveis: tipologia do material, número da normativa, data da publicação, esfera de governo, ementa e conteúdo do material. Por conseguinte, desenvolveu-se a análise de conteúdo por categorização proposto por Bardin(6).  

Após leitura na íntegra do material, foi possível caracterizá-los, interpretá-los e discuti-los. Distribuíram-se os estudos selecionados em duas temáticas: planejamento para o enfrentamento de uma emergência de saúde pública de caráter internacional e repasse financeiro para o fortalecimento das ações de combate à COVID-19. A fim de evitar identificação direta das cidades, as mesmas foram categorizadas em A, B, C, D, E, F e G.

Por tratar-se de análise documental de domínio público, não foi requerida apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme regimento da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Para a primeira temática foram selecionados seis textos legislativos e para a segunda quatro foram elegíveis. 

No Quadro 1 são apresentadas as características das legislações acerca do planejamento e organização para o controle de uma emergência de saúde pública de caráter internacional, para aplicabilidade pelos municípios de Pernambuco. Desses materiais foram identificados uma lei publicada pela União; duas portarias e dois decretos pelo Estado e uma resolução de autoria da Comissão Intergestores Bipartite (CIB). As publicações iniciaram-se no mês de fevereiro, período de identificação do vírus no país. No mês de março, houve uma intensificação na promulgação das legislações, em razão da rápida expansão do vírus.

Quanto aos conteúdos, pode se observar a adoção de conceitos e medidas de isolamento e quarentena, obrigatoriedade do uso de máscara; restrições de circulação de pessoas e veículos. Houve mudanças no trabalho remoto nas instituições; a suspensão do ensino e comércio. Na saúde, foram instituídas normas de proteção para o funcionamento da rede pública e privada; fornecido equipamentos de proteção individual; habilitados e contratados leitos hospitalares, especialmente para as UTI. Também foram criados Comitês Intermunicipal Socioeconômico de enfrentamento ao coronavírus.

 

Quadro 1 - Normativas legais sobre planejamento e organização dos municípios para o controle de uma emergência de saúde pública de caráter internacional. Pernambuco, Brasil, 2020.

Tipologia do Documento

Esfera de Governo/

Data de Publicação

Ementa

Conteúdo do material

Lei n.13.979(7)

União/

06/02/2020

Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Descreve medidas que objetivam a proteção da coletividade. Define conceito de isolamento e quarentena. Estabelece a realização compulsória de exames médicos; testes laboratoriais; coleta de amostras clínicas; vacinação e outras medidas profiláticas; ou tratamentos médicos específicos. Além de expor os direitos das pessoas afetadas pelo vírus. 

Decreto 48.810(8)

Estado de Pernambuco

16/03/2020

Regulamenta, no Estado de Pernambuco, medidas temporárias para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, conforme previsto na Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Autoriza o trabalho remoto pela população mais vulnerável ao COVID-19, cuja presença física não seja imprescindível. Suspende o funcionamento das instituições de ensino no estado. E estabelece a criação do Comitê Especial Intermunicipal de Enfrentamento ao Coronavírus e Comitê Especial Socioeconômico de Enfrentamento ao Coronavírus. 

Portaria 144(9)

Estado de Pernambuco/

13/04/2020

Convocar entidades da rede Complementar do Sistema Único de Saúde, descrita no Plano de Contingência Estadual para infecção pelo Coronavírus, a apresentar propostas à SES para habilitação e contratação de leitos hospitalares.

Convocação de entidades da Rede Complementar do SUS em Pernambuco, descritas no Plano de Contingência Estadual, a apresentar propostas para habilitação e contratação de leitos hospitalares. Como também, definir o repasse de recurso de custeio para esses serviços. 

Decreto 49.017(10)

Estado de Pernambuco

11/05/2020

Dispõe sobre intensificação de medidas restritivas, de caráter excepcional e temporário, voltadas à contenção da curva de disseminação da Covid-19.

Institui a obrigatoriedade pelo uso de máscaras; determina o controle da circulação de veículos e pessoas; estabelece o funcionamento das atividades autorizadas e essenciais; e versa sobre a fiscalização dessas medidas. 

Portaria 208(11)

Estado de Pernambuco

08/06/2020

Dispõe sobre o funcionamento e as recomendações para atividades no segmento SAÚDE - Rede Assistencial Pública e Privada (Consultórios, Clínicas, Laboratórios e Hospitais) durante a pandemia do Covid-19, a partir de 10 de junho de 2020.

Institui as normas de proteção para contenção da disseminação da COVID-19, a fim de garantir o retorno do funcionamento das unidades da Rede Assistencial Pública e Privada para a realização de consultas, procedimentos diagnósticos e terapêuticos ambulatoriais e hospitalares e cirurgias eletivas, sendo elas: distanciamento social, desinfecção constante do ambiente, afastamento dos sintomáticos respiratórios, controle do número de pessoas dentro do mesmo espaço, aumentar circulação do ambiente, oferta de Equipamentos de Proteção Individual a todos os colaboradores e proibição de compartilhamento de utensílios. 

Resolução 5.315(12)

Conselho Intergestor Bipartite (CIB) de Pernambuco

02/07/2020

Aprovar o Plano de Contingência para infecção pelo Coronavírus (COVID-19) com Leitos de Enfermaria e Leitos de Terapia Intensiva da Gestão Estadual e Gestão Municipal, do Estado de Pernambuco.

Destrinchar o número de leitos de Leitos de Enfermaria e Leitos de Terapia Intensiva das quatro macrorregiões do estado de Pernambuco. O número de leitos a serem ofertados ficou a cargo das pactuações das Regiões de Saúde. 

Fonte: Elaborado pelos autores.

No Quadro 2 são elencadas as normativas acerca do repasse financeiro da União e do estado para os municípios da VII Região de Saúde de Pernambuco. O financiamento das ações e serviços públicos de saúde foram responsabilidades das três esferas de gestão do SUS. Dos materiais identificados, três são portarias ministeriais e um é ofício do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS). Cabe destacar que os materiais foram quase que na sua totalidade publicados no mês de março. 

 

Quadro 2 - Normativas legais acerca do financiamento da União aos municípios do Estado de Pernambuco, incluídas na revisão documental, segundo tipologia da normativa, número, esfera de governo, data de publicação e ementa. Brasil, 2020.

Tipologia do Documento/Número

Esfera de Governo

Data de Publicação

Ementa

Portaria 395(13)

União

16/03/2020

Estabelece recurso do Bloco de Custeio das Ações e Serviços Públicos de Saúde - Grupo de Atenção de Média e Alta Complexidade-MAC, a ser disponibilizado aos Estados e Distrito Federal, destinados às ações de saúde (bloco de custeio) para o enfrentamento do Coronavírus - COVID 19.

Ofício 036(14)

COSEMS

20/03/2020

Pactuação de recurso financeiro no combate ao Coronavírus.

Portaria 245(15)

União

24/03/2020

Inclui procedimento na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPM) do SUS, para atendimento exclusivo de pacientes com diagnóstico de infecção pelo COVID-19 e altera o Sistema de Informação Hospitalar do SUS (SIH/SUS) para permitir o registro de ações relativas ao enfrentamento do COVID-19.

Portaria 1.666(16)

União

01/07/2020

Dispõem sobre a transferência de recursos financeiros aos Estados, Distrito Federal e Municípios para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da Coronavírus - COVID 19.

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

DISCUSSÃO 

A análise de revisão documental de portarias, decretos e leis tangenciais do Estado de Pernambuco e da União permitiu identificar como tem-se reorganizado os serviços de saúde para o enfrentamento da COVID-19 que incluem planejamento e repasse financeiros.

Planejamento para o enfrentamento de uma emergência de saúde pública de caráter internacional

Em 6 de fevereiro, 20 dias antes da identificação da infecção humana pelo novo vírus, o Brasil publica a Lei 13.979(7)com finalidade de proteção coletiva para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019. Por meio desta normativa, as primeiras respostas governamentais dirigiram-se, sobretudo, a propagação de medidas de distanciamento das pessoas, com o isolamento de 14 dias para os casos suspeitos e confirmados e quarentena, como medida restritiva de circulação de 40 dias para toda a população, com intuito de evitar possível contaminação ou a disseminação do patógeno. 

Um estudo realizado nos Estados Unidos da América revelou que o distanciamento social pode reduzir a propagação do vírus em 49% no curso de duas semanas, contrapondo-se com um aumento de 84% da propagação viral, com o descumprimento dessa medida. Assim, torna-se importante o encorajamento dessa prática não farmacológica por parte dos municípios, para o controle do coronavírus(17).   

Em consonância com a legislação nacional supracitada, o governo de Pernambuco, emitiu o Decreto nº 48.810, em 16 de março. Assim, tem buscado possibilidades de garantir atendimento adequado às pessoas acometidas pelo vírus, com cobertura hospitalar satisfatória, de modo a garantir melhores indicadores de saúde e diminuição das taxas de mortalidade(8).

Periodicamente, foram implementadas novas normativas estaduais. No mês de março, corroborando com a legislação vigente, foram criados Comitês Especiais Intermunicipal de Enfrentamento ao Coronavírus, com a elaboração individualizada de Planos de Contingência(5), por todos os sete municípios que integram a VII Gerência.

Houve reorganização da funcionalidade do comércio; das unidades da Rede Assistencial pública e privada; de cirurgias eletivas na rede hospitalar; das atividades de academias de ginástica e a suspensão do funcionamento das escolas, universidades e demais estabelecimentos de ensino, de modo a ampliar as medidas que garantam segurança à sociedade(8,11). Foi, também, instituído a obrigatoriedade de uso de máscaras em todos os ambientes públicos ou privados(10)

Nesse sentido, a estratégia de quarentena visava diminuir a circulação de pessoas e consequentemente evitar a alta infecção que não pudesse ser respondida pelo sistema de saúde. Assim como o uso de máscara, cujas evidências revelam que toda a comunidade pode contribuir para o controle de COVID-19, ao reduzir quantidade de emissão de gotículas respiratórias de indivíduos infectados, em especial, para os casos assintomáticos e leves(18)

Com uma alta taxa de transmissibilidade e patogenicidade, a SARS-Cov2 manifestou um desafio significativo de abastecimento de leitos, funcionários e equipamentos de saúde. As superlotações hospitalares predispõem as taxas mais altas de complicações devido aos atrasos no atendimento e equipes sobrecarregadas, aumento do risco de desenvolver COVID-19 para profissionais de saúde e outros pacientes e estresse emocional para as famílias(19)

Observando-se esse fenômeno, os municípios iniciaram uma corrida pelo aumento da quantidade e disponibilização de leitos de enfermaria e de UTI para os doentes graves. A fim de suprir a demanda de casos suspeitos e confirmados para o SARS-CoV-2 foram abertos chamamentos para credenciamento de leitos de UTI e enfermaria para pacientes com coronavírus, inclusive para a rede complementar ao SUS(9). 

Após a publicação dessas legislações, a VII GERES pôde melhor planejar a restruturação da rede de enfrentamento à COVID-19, promovendo a ampliação do serviço de atenção terciária, com a construção de uma unidade respiratória no hospital regional, localizado no município D, dispondo de 25 leitos de enfermaria e cinco de UTI. Além disso, houve reorganização dos demais municípios para habilitação de leitos de enfermaria específicos para o manejo do novo vírus (4,12)

Integrando a rede complementar do SUS, um serviço privado também localizado no município D habilitou 12 leitos de enfermaria e dois de UTI para o atendimento de casos suspeitos e confirmados do novo vírus(12).

Ademais, na mesma cidade houve a construção de uma unidade de saúde temporária para assistência hospitalar - hospital de campanha, com 24 leitos de baixa complexidade e de isolamento social, para atendimento e internação de casos suspeitos e confirmados do novo coronavírus(12). O hospital de campanha foi montado apenas na cidade D, por ser a única a não dispor de atenção terciária sob gestão municipal.

Repasse financeiro para o fortalecimento das ações de combate à COVID-19

Em meados de março, o planalto federal divulgou a Portaria nº 395(13), que versa sobre a necessidade de fortalecimento dos serviços ambulatoriais e hospitalares do SUS, para responder à situação emergencial. Desse modo, houve repasse dobrado de recurso para o Bloco de Custeio das Ações e Serviços Públicos de Saúde - Grupo de Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar, a ser disponibilizado fundo a fundo, de forma regular e automática, em conta corrente específica e em parcela única, paga no mês de abril aos municípios(15)

Acrescido a esse recurso, o montante financeiro recebido pela gestão estadual de Pernambuco, conforme Portaria nº 395, sofreu divisão, após decisão da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) por meio do Ofício 036. Assim a distribuição de 30% do total desse recurso foi alocada para os 184 municípios do estado de acordo com a população considerada(14). Dessa maneira, os gestores locais puderam garantir manutenção dos serviços, como compra de medicamentos e insumos. Além da organização da rede de atenção à saúde, com a contratação de pessoal e readequação do fluxo dos serviços de urgência e emergência para o atendimento de sintomáticos respiratórios(15).

Ademais, o presidente da República sancionou a Portaria 1.666, a qual dispõe sobre a transferência de recursos financeiros aos Estados, Distrito Federal e Municípios para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus. Neste documento ficou determinado o auxílio financeiro da União aos municípios, como forma de compensar a perda de arrecadação e garantir as ações de saúde e assistência social, em razão da nova pandemia. O repasse acontece fundo a fundo, para investimento em ações de enfrentamento à COVID-19 e para mitigação de seus efeitos financeiros(16)

Com exceção do município D, os demais possuem hospitais gerais municipais para baixa e média complexidade ou hospital de pequeno porte e puderam utilizar os recursos recebidos para reestruturação e adequação dos serviços. O objetivo era habilitar leitos respiratórios, incluídos em seus planos de contingência para a COVID-19, aquisição de insumos e contratação de equipe exclusiva para esse setor(15)

As despesas para este serviço foram arcadas com os auxílios financeiros definidos na Portaria 395 e 1.666, além do pagamento da Autorização de Internamento Hospitalar (AIH), a ser processada no Sistema de Informação Hospitalar do DATASSUS – Sistema de Informações Hospitalares Descentralizado (SIHD) para qual o Ministério da Saúde custeava em R$ 1.500,00 por internamento de caso confirmado, com laudo de exame anexado ao sistema. Os casos suspeitos que foram descartados receberiam valores definidos pelo Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e Materiais Especiais – OPM - do SUS (SIGTAP – SUS)(15).

Até o momento foram habilitados 44 leitos de enfermaria distribuídas nos hospitais dos municípios A, B, C, E e F(4,12). Pode-se, portanto, verificar que grandes esforços políticos de financiamento tripartite estão sendo implementados para a garantia da descentralização de uma assistência de qualidade à população que necessita de cuidados multiprofissionais para o manejo do coronavírus. 

A partir das pactuações entre três esferas de governo foi possível pela VII Região de Saúde de Pernambuco a garantia de abertura de um novo hospital exclusivo para a COVID-19, ampliação dos leitos de enfermaria e UTI, aquisição de equipamentos de saúde, medicação e kits de EPI a serem utilizados por esses serviços. Assim, com a proposta de garantir o monitoramento da ocupação desses leitos, o MS lançou um canal notificador, o Sistema de Informação do Ministério da Saúde - e-SUS Notifica - que permite o registro diário da taxa de ocupação dos leitos hospitalares dos serviços com internamento de casos suspeitos e confirmados para a infecção, através de um link (https://notifica.saude.gov.br).

Para a vigilância em saúde, a compactação dos dados referentes à organização e ao financiamento das ações de combate a uma pandemia são fundamentais, no tocante do planejamento da gestão, para execução de práticas que corroborem com a melhoria da elaboração dos planos de saúde e na alocação estratégica dos recursos, capazes de melhorar os indicadores negativos advindos com uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. 

CONCLUSÃO

Nessa análise descrevem-se as estratégias governamentais e os investimentos na área da saúde, para reformulação da RAS, com destaque para a alta complexidade, da VII Regional de Saúde de Pernambuco, por meio da execução das normativas estadual e nacional e aplicabilidade dos recursos financeiros recebidos diante um momento de pandemia da COVID-19.  

As publicações ministeriais e estadual elucidaram os caminhos percorridos pelos gestores para a oferta dos serviços a sua população infectada pela COVID-19.  O material construído resultou de um consolidado das ações desenvolvidas por todos os municípios que compõem a referida RAS, de acordo com cada realidade local, para a reestruturação da sua rede de atenção à saúde. 

Por tratar-se de um problema cuja situação de emergência de saúde pública ainda não foi finalizada, não há como descrever o desfecho da organização da RAS, uma vez que, a União e o Estado permanecem em constante atualização das suas normativas com o intuito de sanar possíveis lacunas e falhas na reestruturação da rede, de modo a ofertar um serviço de maior qualidade aos seus usuários. Entretanto esse arcabouço legal continuará a auxiliar na estruturação dos estabelecimentos de saúde diante da vivência de uma situação de emergência de saúde pública de importância internacional, podendo apontar uma experiência exitosa. Nesse cenário, será permitido maior preparo governamental para o enfrentamento de futuros problemas de saúde pública, além de fortalecer as políticas públicas.

REFERÊNCIAS

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  2. Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons From the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China. JAMA [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 11];323(13):1239-42. Available from: https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2762130.  doi:10.1001/jama.2020.2648

  3. Andrea P, Beat M, Graziano O, Frédéric T, Christian T. Response of a European surgical department to the COVID-19 crisis. Swiss Med Wkly [Internet]. 2020 [cited 2020 May 24];150(W20241):1-3. Available from: https://smw.ch/article/doi/smw.2020.20241.  doi: 10.4414/smw.2020.20241   

  4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública. Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus COVID-19 [Internet]. 2020. [cited 2020 Jun 28]; Brasília: Ministério da Saúde, 26p.  Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/13/plano-contingencia-coronavirus-COVID19.pdf   

  5. Pernambuco. Secretaria Estadual de Saúde. Plano de Contigência para infecção humana pelo novo coronavírus (COVID-19) de Pernambuco [Internet]. 2020[cited 2020 May 09]; Pernambuco: Secretaria Estadual de Saúde, 28p. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/13/PLANO-DE-CONTINGENCIA-novo-coronavirus-PERNAMBUCO-EM-REVIS--O.pdf   

  6. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009

  7. Brasil. Ministério da Saúde. Lei nº 13.979 de 06 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Diário Oficial da República Federativa do Brasil [Internet]. 7 fev 2020. Seção 1.[cited 2020 May 22]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735  

  8. Pernambuco. Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. Decreto nº 48.810 de 16 de março de 2020. Altera o Decreto nº 48.809, de 14 de março de 2020. Diário Oficial de Pernambuco [Internet]. 17 mar 2020. [cited 2020 May 22]. Available from: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=390754  

  9. Pernambuco. Secretaria Estadual de Saúde. Portaria nº 144 de 13 de abril de 2020. Altera a Portaria SES/PE nº135 de 03 de abril de 2020. Diário Oficial de Pernambuco [Internet]. 14 abr 2020[cited 2020 May 22]. Available from: https://comprasemergenciaiscovid19.saude.pe.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/20200414PRI-PORTARIA-SES-PE-N%C2%BA-144-DE-13_04_2020-RETIFICA-135.pdf  

  10. Pernambuco. Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. Decreto nº 49.017 de 11 de maio de 2020. Dispõe sobre intensificação de medidas restritivas, de caráter excepcional e temporário, voltadas à contenção da curva de disseminação da Covid-19. Diário Oficial de Pernambuco [Internet]. 12 mai 2020[cited 2020 Jun 17]. Available from: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=395175    

  11. Pernambuco. Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. Portaria nº 208 de 08 de junho de 2020. Dispõe sobre o funcionamento e as recomendações para atividades no segmento SAÚDE - Rede Assistencial Pública e Privada (Consultórios, Clínicas, Laboratórios e Hospitais) durante a pandemia do Covid-19, a partir de 10 de junho de 2020. Diário Oficial de Pernambuco [Internet]. 9 jun 2020[cited 2020 Jun 29]. Available from: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=396696     

  12. Pernambuco. Secretaria Estadual de Saúde. Resolução CIB/PE nº 5.315 de 02 de julho de 2020. Aprovar o Plano de Contigência para infecção pelo Coronavírus com Leitos de Enfermaria e Leitos de Terapia Intensiva atualizando os anexos, da Gestão Estadual (Anexo II) e Gestão Municipal (Anexo I), do Estado de Pernambuco. Diário Oficial de Pernambuco [Internet]. 2 jul 2020[cited 2020 Aug 07]. Available from: http://web.transparencia.pe.gov.br/ckan/dataset/legislacao-covid-19/resource/e281305e-22be-4ae0-a776-d3aea77abf00  

  13. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 395 de 16 de março de 2020. Estabelece recurso do Bloco de Custeio das Ações e Serviços Públicos de Saúde - Grupo de Atenção de Média e Alta Complexidade-MAC, a ser disponibilizado aos Estados e Distrito Federal, destinados às ações de saúde para o enfrentamento do Coronavírus - COVID 19. Diário Oficial da República Federativa do Brasil [Internet]. 16 mar 2020 Seção 1 – extra. [cited 2020 May 02]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-395-de-16-de-marco-de-2020-248162153  

  14. Pernambuco. Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde. Ofício nº 036, de 20 de março de 2020. Pactuação de recursos financeiros no combate ao coronavírus. 

  15. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 245 de 24 de março de 2020. Inclui procedimento na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPM) do Sistema Único de Saúde (SUS), para atendimento exclusivo de pacientes com diagnóstico de infecção pelo COVID-19. Diário Oficial da República Federativa do Brasil [Internet]. 26 mar 2020. Seção 1. [cited 2020 May 12]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-245-de-24-de-marco-de-2020-249806240    

  16. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 1.666 de 01 de julho de 2020. Dispõe sobre a transferência de recursos financeiros aos Estados, Distrito Federal e Municípios para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da Coronavírus - COVID 19. Diário Oficial da República Federativa do Brasil [Internet]. 01 jul 2020. Seção 1 – extra. [cited 2020 May 30]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.666-de-1-de-julho-de-2020-264505695    

  17. Banerjee T, Nayak A. A county level analysis to determine if social distancing slowed the spread of COVID-19 in the United States. Rev Panam Salud Publica[Internet] 2020 [cited 2020 Jun 14];44(e90):1-7. Available from:  https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52418/v44e902020.pdf?sequence=&isAllowed=y.  doi:10.26633/RPSP.2020.90     

  18. Cheng VC, Wong S, Chuang VW, So SY, Chen JH, Sridhar S, et al. The role of community-wide wearing of face mask for control of coronavirus disease 2019 (COVID-19) epidemic due to SARS-CoV-2. J Infect [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 17];81:107–114. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7177146/.  doi: 10.1016/j.jinf.2020.04.024 

  19. Nundy S, Patel KK. Hospital-at-Home to Support COVID-19 Surge—Time to Bring Down the Walls? JAMA Health Forum [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 17];1(e200504):1-6. Available from: https://jamanetwork.com/channels/health-forum/fullarticle/2765661.  doi:10.1001/jamahealthforum.2020.0504

 

 

 

Luciana da Rocha Cabral: idealização, coleta de dados e escrita do manuscrito; Mikaelly Vasconcelos Grangeiro: idealização, coleta de dados e escrita do manuscrito; Maria Auxiliadora Alves Vasconcelos Veras: leitura crítica e sugestões para o manuscrito; Juliana da Rocha Cabral: coleta de dados, escrita e sugestões para o manuscrito; Edilma Gomes Rocha Cavalcante: leitura crítica, sugestões e correções para o manuscrito; Regina Célia de Oliveira: leitura crítica, sugestões e correções para o manuscrito.

 

 

Recebido: 12/10/2020

Revisado: 01/12/2020

Aprovado:08/01/2021