Autocuidado em hanseníase sob a ótica de grupos operativos: uma abordagem qualitativa

 

Niedja Madelon Nascimento Souza1, Marielle de Lima Belmonte2, Maria Geórgia Torres Alves3, Raphaela Delmondes do Nascimento4, Mariana Farias Gomes1, Danielle Christine Moura dos Santos4

 

1 Fundação Oswaldo Cruz, PE, Brasil

2 Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, PE, Brasil

3 Secretaria de Saúde do Recife, PE, Brasil

4 Universidade de Pernambuco, PE, Brasil

 

RESUMO

Objetivos: Analisar um grupo de apoio ao autocuidado para pessoas acometidas pela hanseníase sob a ótica de grupos operativos. Método: Estudo qualitativo do tipo explicativo, realizado em uma unidade de saúde em um município de Pernambuco. Foi realizada a análise de conteúdo, na modalidade análise temática proposta por Bardin. Resultados: Os resultados apontaram características do grupo relacionadas aos seis vetores da teoria de Pichon-Rivière: afiliação e pertença, cooperação, pertinência, comunicação, aprendizagem e tele. Discussão: O acompanhamento de um grupo de autocuidado em hanseníase proporciona uma abrangência de significados e reflexões. Estar inserido em um grupo aumenta as oportunidades de reconstrução da autoconfiança, autoestima e inserção na comunidade. Conclusão: O grupo de apoio ao autocuidado em hanseníase em foco se caracteriza como um grupo operativo. Estudos que investiguem os fatores implícitos dos GACs ainda são necessários, sobretudo no que diz respeito às características dos grupos nas diferentes unidades de saúde.

Descritores: Hanseníase; Autocuidado; Estrutura de Grupo.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma doença crônica que acomete principalmente a pele e os nervos periféricos, afetando também olhos e órgãos. Devido ao seu quadro clínico, a hanseníase tem alto poder incapacitante, sendo capaz interferir na qualidade de vida(1).

Uma das principais estratégias para a prevenção das incapacidades é o autocuidado, caracterizado pelo ato do indivíduo de cuidar de si mesmo e compreender seu corpo e mente quanto às suas dificuldades e limitações, através de ações que visam a adoção de hábitos saudáveis, controle de riscos e agravos e, consequentemente, a melhoria da qualidade de vida. O autocuidado pode ser operado em atendimento individual ou com abordagem grupal(2).

Os Grupos de Apoio ao Autocuidado em Hanseníase (GACs) criados com o objetivo de ser um espaço onde seus membros desenvolvem habilidades para reconhecer agravos e complicações, como prevenir ou cuidar, além de permitir a troca de experiências entre pessoas com necessidades e interesses em comum. Destaca-se que o grupo também é importante para a integração entre a rede de saúde e os usuários, como objetivo de aprimorar a atenção integral à saúde(2).

Os GACs vêm se mostrando uma estratégia inovadora no que concerne ao trabalho das questões clínicas, autoestima, empoderamento e participação social. O autocuidado  é
 uma das metas da Estratégia Global para Hanseníase 2016-2020, que objetiva alcançar a longo prazo “um mundo sem hanseníase”(3). Estudos abordam a importância da implementação dos GACs em serviços de saúde e trazem resultados positivos para a vida dos usuários em diversas questões, como, por exemplo, no que diz respeito à participação social, autoestima, reabilitação socioeconômica e aspectos clínicos da doença(4-6).

Em se tratando da operacionalização do trabalho grupal, Pichon-Rivière, psiquiatra e psicanalista argentino, elaborou a teoria do grupo operativo. Ele definiu grupo operativo um conjunto de pessoas, interligadas no tempo e espaço, centradas em um objetivo, que se propõe explícita ou implicitamente uma finalidade, uma tarefa, comportando-se como uma rede de papéis, estabelecendo vínculos entre si(7).

Assim, a teoria  grande importância aos vínculos sociais, que são a base para os processos de comunicação e aprendizagem(8). O autor construiu uma espiral dialética, que abrange o processo grupal. Esta é representada por um cone invertido, e nessa representação gráfica estão os seis vetores de análise: afiliação e pertença, cooperação, pertinência, comunicação, aprendizagem e tele(7).

O vetor afiliação e pertença representa as relações e o grau de identificação entre os participantes na tarefa e o sentimento de pertença ao grupo. A cooperação caracteriza-se pelas ações de um indivíduo para com o outro e a ajuda mútua, contribuindo para a tarefa grupal. A pertinência consiste na capacidade do grupo em focar na tarefa. O vetor comunicação avalia as redes de comunicação existentes no grupo, podendo ser verbal ou não verbal. Interligado à comunicação está o vetor aprendizagem, que contabiliza as informações de todos os membros. A tele refere-se ao sentimento de simpatia ou antipatia existentes em um grupo(7).

Dentro da perspectiva dos GACs, há lacunas existentes quanto à compreensão das lógicas de funcionamento destes grupos, uma vez que estes vão se configurando a depender dos atores envolvidos. Nesse sentido, tornam-se pertinentes estudos que procurem avançar na compreensão e desenvolvimento destes grupos, através de teorias já estabelecidas como a de grupos operativos. Este conhecimento pode vir a contribuir para melhor entendimento e fortalecimento da estratégia de GACs.

A teoria do grupo operativo proposta por Pichon-Rivière é capaz de promover um melhor entendimento do processo grupal que os GACs vêm desenvolvendo. Ademais, a análise do funcionamento destes grupos a partir desta teoria vem inovar estudos já realizados nesta temática. Diante do exposto, este estudo tem como objetivo analisar um grupo de apoio ao autocuidado para pessoas acometidas pela hanseníase sob a ótica de grupos operativos de Pichon-Rivière.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, do tipo explicativa, pois procura descrever o fenômeno através de explicações e teorias sobre como e porque as coisas acontecem, aprofundando o conhecimento da realidade(8). Foi realizado em um grupo de apoio ao autocuidado em hanseníase localizado em um município de Pernambuco. O número de participantes do grupo é variável, entre seis e oito participantes por encontro, havendo uma regularidade de participação de uma média de cinco participantes.

O local foi escolhido por ser um serviço de referência para o tratamento de pacientes acometidos pela hanseníase, por ter um grupo de autocuidado implantado  três anos e por fazer parte de projetos de pesquisas e extensão da Universidade de Pernambuco, instituição de vinculação dos autores. O número de participantes do grupo é variável, entre 6 a 8 participantes por encontro, havendo uma regularidade de participação de uma média de 5 participantes.

A coleta de dados foi realizada no período de novembro de 2017 a novembro de 2018. Para coleta de dados, foram utilizadas duas técnicas: observação participante e entrevistas semiestruturadas.

A observação participante consiste na integração do pesquisador na realidade que pretende observar, tornando-se um a mais do grupo(9). Foram realizadas 10 observações participantes com registros em diários de campo. O instrumento continha questões sobre a dinâmica do grupo, temas abordados, espaço físico das reuniões, comportamento dos profissionais e dos usuários. As reuniões aconteciam uma vez ao mês. Durante esta etapa, foram selecionados os sujeitos do estudo, informantes-chaves cuja seleção ocorreu seguindo o critério de intencionalidade. Este critério leva em consideração a qualidade da informação, portanto, foram selecionados os participantes mais antigos do grupo com mais regularidade nos encontros, sendo os sujeitos que possibilitariam melhor contribuição com o fenômeno estudado(9).

A entrevista semiestruturada foi constituída de perguntas pré-formuladas, direcionadas aos sujeitos do estudo, sobre as atividades realizadas, a importância para os participantes, as dinâmicas desenvolvidas e os temas abordados no grupo(9). Foram realizadas cinco entrevistas: uma com o profissional de saúde da unidade, que coordena o grupo, e quatro com participantes do GAC, sendo estes os sujeitos mais antigos do grupo e que possuíam maior assiduidade nos encontros.

As entrevistas se deram no serviço de saúde, nos dias das reuniões do grupo de apoio ao autocuidado, em local apropriado e horário acordado com os participantes do estudo. Estas foram gravadas e transcritas na íntegra para posterior análise.

Os dados das entrevistas e diários de campo foram analisados por meio da análise de conteúdo, na modalidade análise temática, que seguiu as fases de leitura flutuante, pré- análise, exploração do material, codificação e categorização(10).

A análise foi por meio de categorias pré-estabelecidas, definidas a partir da perspectiva do processo grupal de Pichon-Rivière(7). Neste sentido, foram considerados os seis vetores para a categorização: afiliação e pertença, cooperação, pertinência, comunicação, aprendizagem e tele. No texto, para descrição dos resultados, os sujeitos foram identificados como Participante 1 a Participante 4 e Profissional.

O estudo faz parte do projeto “Implantação de grupos de autocuidado em hanseníase na Região Metropolitana de Recife”, submetido à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer de número 2.309.191 e CAEE 61574716.7.0000.5192 do Complexo Hospitalar Hospital Universitário Oswaldo Cruz/Pronto Socorro Cardiológico Universitário de Pernambuco (HUOC/PROCAPE), seguindo os preceitos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Na análise dos dados, identificou-se que as práticas do grupo se relacionavam às características dos vetores identificados na teoria de grupo operativo(7). O grupo estudado tem como tarefa central trabalhar o autocuidado apoiado entre os participantes. Neste sentido, os resultados são apresentados de acordo com cada um dos seis vetores propostos por Pichon-Rivière.

Afiliação e pertença

Afiliação e pertença são indicadores primordiais para o desenvolvimento de grupos operativos e estiveram presentes nos depoimentos dos participantes ao citarem a criação de vínculos entre os membros, como observado nas falas a seguir:

É uma família que a gente escolheu, uma família que a gente criou aqui.  eu me sinto dentro de uma família… (Participante 2).

 gostando muito desse grupo,  gostando mesmo. Eu até disse: tive alta, mas eu não vou deixar vocês (Participante 3).

Foi observado que os usuários se sentem à vontade para compartilhar sobre suas trajetórias acerca da doença, experiências e dificuldades vividas, sentimentos, opiniões, ideias e desejos para o futuro, pois sabem que ali encontram apoio da coordenadora e dos demais participantes, como visto neste trecho da fala da coordenadora:

aí foi muito interessante de ouvir que a gente é uma família, né? A gente acolheu um paciente que relatou, que ficou à vontade para relatar, que tem uma situação de rua, que não tem onde morar, que não tem família, a única família é uma filha que tem e está presa.  os outros, automaticamente, né? se colocaram pra dizer “A gente é sua família agora” (Profissional).

Na observação, foi possível ver que os participantes se sentem à vontade, se abraçam, expõem dúvidas, conversam entre si sobre assuntos diversos e demonstram esforços para estar presentes. Também foi observado comportamentos relacionados ao apego que os integrantes têm pelo grupo, muitos encontraram o carinho, solidariedade e respeito que, segundo relatado nos encontros, não obtiveram na própria família. O convívio e a vida compartilhada a cada encontro proporcionaram o sentimento de pertença dentro do GAC estudado, ressignificando a presença dos usuários nas reuniões.

Cooperação

Através da análise dos diários de campo, este vetor foi identificado por meio da proatividade e colaboração dos usuários na execução de atividades desenvolvidas no GAC, além da disposição para compartilhar e ensinar uns aos outros suas habilidades individuais, visando contribuir para o aprendizado do grande grupo.

A cooperação foi identificada também nos momentos em que os membros do GAC participavam de forma efetiva das atividades dinâmicas, como a confecção de caixas e vasos decorados nas oficinas de geração de renda, em vendas de roupas em um bazar organizado para adquirir recursos para atividades do grupo e nos momentos de ajuda mútua e acolhimento entre os usuários, como destacado nesta fala da coordenadora:

A gente fala autocuidado porque eles começam a se cuidar, a pensar em si, mas também é um lugar de práticas de cuidado com o outro, né? Tem muito a importância que se dá ao outro, né? Ao que o outro está fazendo... (Profissional).

O sentimento de pertença dos participantes, identificado no primeiro vetor estudado, relaciona-se com a cooperação, uma vez que os usuários se sentem parte de uma família, na qual almejam crescimento e ajuda mútua:

Eu nunca tive essas amizades assim não... eu vivo sozinha, né? Que eu não tenho amizade. Mas depois que eu vim pra aqui eu arrumei um bocado de irmã. Um bocado de… uma família completa e mora aqui dentro...mora aqui dentro de mim essa família. Amizade que eu tenho a esse povo. Eu gosto muito de vocês, eu amo (Usuário 2).

Pertinência

Foi possível observar que a coordenadora do GAC representa importante papel na sustentação da tarefa, interligando fatores, colocando-os em condição de empoderamento, como sujeitos capazes de participar do processo corretivo, já que o grupo é uma estrutura básica de interação:

O que eu tento buscar é que sempre haja uma discussão, né? De tentar buscar deles, que eles falem... de elogiar, de ouvir, de mostrar que a opinião é importante. E que é. Não é só mostrar, é que é realmente. Que eles … que eles estejam participando, que se sintam atores daquele processo, não coadjuvantes. Que eles se sintam participantes primordiais daquele processo. Minha busca é essa, de tentar que eles participem, que eles estejam lá (Profissional).

Comunicação

Sobre o comportamento dos participantes em relação aos diálogos existentes no grupo, os usuários relatam experiências distintas. Alguns assumem o papel de ouvinte e outros são mais expressivos, havendo diálogos e troca de experiências entre os membros, conforme mostra os relatos:

Não, eu nunca falo não. O meu jeito é ficar calado só escutando. Só fico escutando. Quando eu tava lá eu nunca falei. Às vezes eu falo. Uma vez. Tem vezes que nem falar eu falo. Eu sou somente de ouvir, sei falar não (Participante 1).

E aqui entre os colegas a gente conversa. Um diz o que está sentindo ou uma melhora que teve, daí por diante (Participante 4).

Foi observado também uma reclamação de outro usuário aos colegas de grupo ao expressar que existe uma falta de compromisso quando é organizado uma atividade e os integrantes do grupo não comparecem para o combinado, o que pode ser caracterizado como “mal- entendido”.

No grupo estudado, estas questões podem ser vistas como possibilidade para o fortalecimento da pertinência. Isso se  pelo fato de que estas questões como as divergências e dificuldades são acordadas e tratadas durante os encontros, e atuações em torno da tarefa grupal são definidas por eles, a falta de um integrante acarreta dificuldades para o sucesso da mesma.

Aprendizagem

No grupo estudado, a aprendizagem é consolidada através de dinâmicas de educação em saúde que agregam interação de todos os participantes e abordam principalmente a temática do autocuidado. A comunicação e interação, revelam-se como elementos fundamentais para a efetividade da prática de ensino-aprendizagem, sendo relatado nas seguintes falas:

Uma das principais [atividades realizadas no grupo] é conversar sobre a doença, como é que a gente tá reagindo, sobre o que a gente deve fazer e o que não deve, cuidar do corpo, tratamento do corpo, tomar medicação na hora certa e entre outras coisas mais (Participante 4).

A gente conversa sobre... a gente aprende a fazer exercício, a gente aprender a fazer, tipo, cuidado sobre a faca, sobre o fogo, porque tem muita gente que tem dormência nas mãos (Participante 3).

É mais sobre o tema dos pés, das mãos, dos olhos, o cuidado dos olhos, da garganta. Tudo isso vocês mostram pra gente aqui (Participante 3).

Em dinâmicas de autocuidado com as mãos e com os pés realizadas neste grupo, por exemplo, foi observado que o aprendizado é construído por meio da troca de conhecimento e da mostra e reprodução dos cuidados pelos usuários, que a partir daí relatam estarem mais atentos ao autocuidado diário. Também foram trabalhados temas como a importância das medicações, mitos e verdades sobre a doença e direitos e deveres. Além disso, houve momentos de discussão de documentários sobre Hanseníase e confraternizações, o que agrega grande interesse e empolgação dos participantes, pois eles conseguem aprender através de uma linguagem mais acessível e interativa.

Tele

Nas observações realizadas, foi possível constatar momentos em que pequenos grupos com alguns membros do GAC interagiam entre si, conversando sobre questões de suas vidas pessoais, mostrando interesse e atenção à fala do outro. Apesar de não haver conflitos e não interferir no funcionamento do GAC, existem aqueles participantes que interagem mais com uns do que com outros. Esse ponto também foi identificado a partir do seguinte relato:

Vamos supor, tem um grupo de 10 ou 15 pessoas, sempre tem um que não é bem chegado na pessoa e a pessoa não é bem chegado a ele (Participante 4).

Dentro do grupo operativo existe uma aproximação maior entre alguns integrantes que, em outras palavras, representa a formação de subgrupos dentro do próprio grupo.

Em relação ao grupo estudado, essas relações são importantes porque desenvolvem também o sentimento de pertença. Consequentemente, os participantes se sentem capazes de criar vínculos e amizades mais próximas por estarem com pessoas que compartilham das mesmas experiências e dificuldades, construindo assim a tele.

 

DISCUSSÃO

O acompanhamento de um grupo de autocuidado em hanseníase proporciona uma abrangência de significados e reflexões. O estreitamento de vínculos afetivos nesse espaço justifica-se pela necessidade de apoio social e emocional por parte dos indivíduos acometidos pela doença ao considerar o preconceito e estigma acarretados pela hanseníase(11).

Na teoria de Pichon, o estreitamento de vínculos é categorizado como Afiliação e Pertença. O sentimento de afiliação transforma-se em pertença, onde percebe-se a identificação do sujeito com o grupo, o sentimento de “nós”, tornando-se parte do todo e a vontade de estar presente e de se empenhar na tarefa(7).

Uma pesquisa realizada com um grupo operativo de mães cuidadoras de filhos com deficiência vem ao encontro desse estudo quando ratifica que o grupo, a partir do estabelecimento de vínculos, se caracteriza como um local de acolhimento para pessoas que enfrentam a mesma realidade. O grupo transforma-se em um espaço de conforto, onde seus participantes sentem- se seguros para trocar experiências e ressignificar suas vivências. A criação desses vínculos sociais é fundamental para o processo de aprendizagem(12).

A exclusão social em indivíduos diagnosticados com hanseníase, às vezes se torna mais pesada que as manifestações clínicas da doença. Além da reinserção social, o grupo também favorece a transição dos participantes de volta à sua comunidade, participantes de grupos de autocuidado demonstram melhor domínio da doença e suas origens(13). Se sentir parte de um grupo, pode ser um fator contribuinte para o processo de empoderamento do usuário na luta contra a doença(14).

A cooperação é um outro ponto importante para o estabelecimento do grupo. A proatividade e colaboração dos usuários é um fator encontrado rotineiramente nas reuniões do grupo estudado. O apoio mútuo é uma característica encontrada também em um grupo de apoio ao autocuidado em hanseníase de Nepal, mesmo existindo o aconselhamento individual, os participantes compartilham experiências e ex-participantes praticam com os pacientes medidas preventivas de autocuidado. O estudo mostra como essa troca de informações entre participantes de mesma origem com experiências semelhantes é positiva quando se trata da hanseníase(13).

Na eficácia do desenvolvimento grupal, é essencial desfazer estereótipos e interromper a resistência à mudança por parte dos participantes para melhorar o processo de aprendizado e comunicação dentro do grupo, muitas vezes causado por insegurança dos participantes. Para um grupo, a pertinência é um ponto importante para sua efetivação e continuidade(15).

Sobre o papel do coordenador no fortalecimento da pertinência, uma de suas funções é identificar e acompanhar componentes para a construção de sentidos da tarefa dentro do grupo. O coordenador se torna peça fundamental para estreitar relações e potencializar a atividade grupal, acompanhando a criação de vínculos, proporcionando o autoconhecimento individual e coletivo ao identificar movimentos e posturas dos participantes que prejudicam a integração e síntese grupal(15). Há evidências de que o sentimento de acolhimento em um grupo de autocuidado favorece o apoio mútuo e recuperação da autoestima(16).

Nesse processo de fortalecimento do grupo, acontece a identificação do porta-voz que é quem expressa o sentimento do grupo, visto que aos poucos surgem questionamentos, reflexões e outras questões subjetivas entre os participantes do mesmo(17). Trazendo a análise para o grupo estudado, os diferentes papeis dos participantes na comunicação permitem inferir uma boa relação e interação entre eles, mesmo existindo divergências. Pichon explica que o “mal- entendido” surge por uma falha no circuito de comunicação, questões básicas comuns na integração grupal, muitas vezes por dificuldade de emitir uma mensagem ou por falta de compreensão de quem a recebe(7).

Em um outro estudo também foram apontados os conflitos e divergências que podem emanar em grupos operativos devido às diferenças entre as pessoas que o compõem, afirmando que isso possibilita às pessoas lidar com suas individualidades, construindo uma aprendizagem coletiva. No que remete à teoria de Pichon, afirma que superar a dificuldade de aprendizagem e comunicação é uma das finalidades dos grupos operativos(12).

No que concerne à aprendizagem, estudo(18) desenvolvido no ano de 2018 em um grupo de pessoas com Diabetes Mellitus e hipertensão, a mensagem transmitida possibilitou aos participantes uma nova elaboração das informações transmitidas ao grupo, aperfeiçoando o trabalho do processo grupal ao promover melhor integração entre os participantes e questionamento acerca de si e do outro. O estudo mostra que essa comunicação é fundamental para o aprendizado, tornando possível a internalização da mudança efetiva do estilo de vida através dessa interação e partilha de conhecimentos de forma análoga à nossa análise.

As estratégias de educação em saúde utilizadas pela coordenadora do grupo são importantes para o processo de aprendizagem dos participantes. Reflexões de um estudo em Grupos Operativos da Fundação Universidade Luis Amigó mostram que em um grupo operacional o coordenador identifica a necessidade atual dos participantes e utiliza estratégias metodológicas que giram em torno da possibilidade de verbalização dos participantes, neutralizando o processo de distração ou evitação. Em se tratando de hanseníase, existe a necessidade de adequar a educação em saúde ao nível sociocultural dos pacientes para ser eficaz(19).

Além da educação em saúde, o grupo estudado também inseriu um projeto de geração de renda na comunidade, a confecção de caixas e vasos decorativos foi importante para o reconhecimento de sua auto capacidade e confiança. Membros de um grupo em Nepal que se envolveram em atividade semelhante constataram as oportunidades adquiridas a partir do projeto, contribuindo para uma maior aceitação social e maiores oportunidades de participação ativa na vida da comunidade em que eles estão inseridos(16).

O último vetor, tele, consiste na distância positiva ou negativa entre os participantes do grupo entre si com o coordenador. Ou seja: É necessário atentar que uma tele negativa é prejudicial ao grupo em relação à tarefa. Esse fato se dá pela afinidade e a maior disposição de interatuar mais com um dos membros, e até mesmo com o coordenador(7).

Quando se trata da hanseníase, esse ponto é importante no que diz respeito às relações sociais. Estar inserido em um grupo aumenta as oportunidades de reconstrução da autoconfiança, autoestima e inserção na comunidade. 

Além disso, ao longo do tempo os usuários passam a reconhecer a importância do autocuidado e da continuidade na participação desses grupos(16).

CONCLUSÃO

Diante dos resultados apresentados, é possível caracterizar o grupo de apoio ao autocuidado em hanseníase estudado como um grupo operativo, fazendo-se presente os vetores do processo grupal da espiral dialética. A técnica do grupo operativo é importante para a atuação dos enfermeiros e demais profissionais de saúde por destacar a relevância dos processos comunicativos e seus benefícios entre os participantes de um grupo e os seus coordenadores. Os elementos do estudo reforçam a ideia de que o GAC pode ser um espaço de participação ativa e empoderamento para os usuários, correspondendo às suas necessidades de saúde e afetivas.

O trabalho com a teoria de Pichon pode trazer elementos que colaborem com o aperfeiçoamento dos grupos voltados para o autocuidado em hanseníase como uma ferramenta para seus coordenadores no que diz respeito ao fortalecimento e contribuição para sua criação e⁄ou continuidade, uma vez que a teoria abrange fatores essenciais de um grupo. Estudos que investiguem os fatores implícitos dos GACs ainda são necessários, sobretudo no que diz respeito às características dos grupos nas diferentes unidades de saúde.

O estudo foi realizado em um grupo de autocuidado havendo limites relacionados à generalização de GACs enquanto grupos operativos de Pichon-Rivière, fazendo-se necessários estudos de experiências em outras realidades.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 10/12/2020

Revisado: 03/03/2021

Aprovado: 11/03/2021