O desenvolvimento das competências socioemocionais na formação do enfermeiro: revisão integrativa

 

Thainá Oliveira Lima1, Cláudia Mara de Melo Tavares1

 

1 Universidade Federal Fluminense, Rj, Brasil

 

 

RESUMO

Objetivo: identificar como ocorre o processo de desenvolvimento das competências socioemocionais na formação do enfermeiro. Método: revisão integrativa de literatura, através das bases de dados LILACS, MEDLINE, SCIELO, IBECS, BDENF. A pesquisa incluiu publicações entre 2004 e 2019, sendo identificado 8 artigos para a revisão que obedeciam aos critérios estabelecidos. Resultados: identificou-se, nos artigos encontrados, que na formação do enfermeiro, o desenvolvimento dos aspectos emocionais dos estudantes de enfermagem ainda é incipiente, muitas vezes são tangenciados, ou trabalhados de forma indireta. Discussão: a proposta dos estudos encontrados é desenvolver uma gestão emocional interna que traga uma expressão emocional adequada às situações. Conclusão: os estudos por mais que ressaltem a necessidade de quebra do modelo cartesiano/tradicional de formação, ainda seguem o norte de buscar uma conduta pronta, aceitável, identificável, conduzindo para racionalização de questões que são intrinsicamente da dimensão humana, como as emoções.

Descritores: Enfermagem; Ensino; Emoções; Educação Baseada em Competências.

 

 

INTRODUÇÃO

A universidade tem papel ímpar nas modificações no sistema social, político, econômico e cultural dos indivíduos e da sociedade. De acordo com cada época, a universidade, que ensinava nos moldes tradicionais, vai se transformando segundo as necessidades do humanismo e das ciências, transpondo esse padrão tradicional para os padrões da universidade moderna do século XXI. Com o avanço tecnológico e científico atuais, faz-se necessária a busca por caminhos que consolidem projetos pedagógicos coerentes com tais avanços, ou seja, preparar profissionais capazes de cumprir os desafios da modernidade, sem perder de vista as perspectivas de sua dimensão pessoal e emocional(1).

A necessidade de mudar a formação na enfermagem esta atrelada às necessidades sociais vigentes, relativas às condições de saúde do país, ou seja, indica a necessidade de romper com a formação baseada apenas no modelo clínico (flexeneriano/curativista), surgindo a necessidade de uma formação mais ampla para atender a saúde de forma integral. A maioria das universidades que faz reformulações dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) dos cursos de enfermagem, e consequentemente de seus currículos, segue o modelo da formação crítico-reflexiva o qual pretende formar um profissional generalista, crítico e reflexivo, capaz de trabalhar em equipe, tomar decisões e intervir no processo saúde-doença, promovendo cuidados de enfermagem de forma humanizada e tendo como responsabilidade a atualização de suas competências, por consequência, as competências socioemocionais (1).  

Os jovens constituem um grupo social com características específicas e, por estarem saindo da adolescência e entrando na idade adulta, apresentam muitas vezes uma forte cobrança interna, principalmente na forma como percebem a vida, e cobranças externas, representadas em como a sociedade os considera. A cobrança sociocultural que estes jovens sofrem é evidente e ainda é um tabu na atualidade, o que acaba, diversas vezes, repercutindo em suas atitudes, levando-os a um estilo de vida prejudicial à saúde em vários aspectos(2).

Os jovens universitários são um grupo específico e, frequentemente, lidam com desafios particulares, por estarem inseridos em um ambiente acadêmico em que sofrem grande pressão psicossocial. Estão expostos a exigências constantes, que por vezes acabam levando a disfunções no seu bem-estar, podendo originar vários processos patológicos, inclusive os neuropsíquicos. Esse problema é relatado por Cremasco e Baptista em sua pesquisa sobre a saúde mental dos estudantes de psicologia, que revela um percentual de 15% a 25% dos estudantes de graduação que desenvolvem algum tipo de transtorno mental durante a sua formação, sendo a depressão um dos transtornos mais prevalentes(3).

Já o suicídio é a segunda maior causa de mortes entre os universitários, estimativas afirmam que cerca de um milhão de estudantes cometem suicídio a cada ano no mundo, equivalente a uma morte por suicídio a cada 40 segundos (1). Fatores como a separação do núcleo familiar, aumento das responsabilidades e reavaliação das atividades, situações que devem ser enfrentadas em especial por universitários, podem causar tais instabilidades emocionais e físicas, tendo como consequência altos níveis de ansiedade. Com isso, passou a ser identificada a suscetibilidade dos universitários em adquirirem depressão e a suicidar-se(2).

Essa situação representa um desafio às universidades, exemplificado pela influência significativa dessas patologias no desempenho estudantil dos universitários, cabendo à instituição desenvolver diagnósticos e medidas de intervenção(3).

Neste sentido, a noção de competência surge quando a construção de aprendizados vai além da aquisição formal de conhecimentos academicamente validados e se constrói saberes também a partir das mais diversificadas experiências que o sujeito enfrenta, seja nos estudos seja ao longo da vida(4). As competências socioemocionais, diferentemente das habilidades próprias da inteligência emocional, fazem referência à capacidade transformadora, que resulta no aparecimento ou no desenvolvimento de um conjunto de qualidades na pessoa.

Vale ressaltar que, enquanto a inteligência emocional consiste na aquisição de destrezas com relação às suas próprias emoções e a outras (ideia de controle, domínio das emoções), a competência emocional implica não apenas a incorporação de habilidades, como também as inclui, promovendo um processo de transformação no qual a pessoa incorpora a consciência e a compreensão emocional.  Uma pessoa competente emocionalmente apresenta características tais como a compaixão, a equanimidade, o otimismo, a empatia, a perseverança. Uma pessoa com competência emocional é uma pessoa em transformação que incorpora novas características à sua personalidade(5).

A formação acadêmica com ênfase nos aspectos emocionais é responsável por fortalecer o indivíduo e mostrá-lo ao mundo, com toda a competência que se espera de um profissional que saiba lidar com situações e conflitos que, eventualmente, possam surgir. Para tanto, é vital que percebamos o mundo que nos cerca, que despertemos o sentido crítico, a curiosidade intelectual e o desenvolvimento da capacidade para comunicar, especialmente na interação socioprofissional no trabalho em enfermagem, que visa proporcionar ao profissional enfermeiro saberes inerentes às relações interpessoais e competências interpessoais e emocionais(6).

Importa, ainda, salientar que a qualidade dos cuidados será fortemente marcada pelas atitudes e pelos comportamentos de quem cuida, o desempenho profissional competente requer um saber mobilizar, integrar e transmitir os conhecimentos adquiridos no âmbito da formação, o que poderá ser possibilitado pelo desenvolvimento de competências mediante novas oportunidades pedagógicas durante a formação acadêmica inicial(7). Com essa perspectiva, a formação passa a ter outros significados que não somente aqueles atribuídos pelas dimensões científicas, pois é preciso sentir a necessidade de se recuperar um ser humano que seja capaz de voltar a cultivar suas paixões, seus instintos e suas emoções(8).

Deste modo, o objetivo deste estudo é identificar como ocorre o processo de desenvolvimento das competências socioemocionais na formação do enfermeiro.

 

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa, com abordagem qualitativa, de acordo com as 6 etapas propostas: identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão, estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos, definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/ categorização dos estudos, avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa, interpretação dos resultados e apresentação síntese do conhecimento(9). A fim de responder o seguinte questionamento: “Como ocorre o processo de desenvolvimento das competências socioemocionais na formação do enfermeiro?”

Os descritores utilizados em pareamento para a busca foram “Enfermagem” AND “Ensino” AND “Emoções” AND “Educação Baseada em Competências” e a pesquisa foi realizada entre setembro e outubro de 2019 (submetida a atualizações em outubro de 2020) nas bases de dados Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Índice Bibliográfico Espanhol em Ciências da Saúde (IBECS), Base de dados de enfermagem (BDENF).

Para a seleção dos artigos utilizaram-se os seguintes critérios de inclusão: artigos desenvolvidos nos últimos 15 anos (de 2004 a 2019 – este recorte temporal foi estabelecido devido à dificuldade de encontrar artigos nos últimos 5 anos relacionados ao tema em questão; então, à medida que não se encontravam artigos, o recorte temporal era expandido), nos idiomas português, inglês e espanhol, e que abordassem o tema sobre as emoções na formação do enfermeiro. Os critérios de exclusão estabelecidos foram: artigos que abordassem a temática das emoções fora do âmbito da formação acadêmica. Artigos relacionados com as questões emocionais de egressos não foram levados em consideração.

 

RESULTADOS

Deste modo, foram encontrados 548 trabalhos. Após a leitura dos títulos e resumos foram selecionados 19 artigos. Na figura 1, pode verificar-se abaixo, o processo de seleção dos artigos (pareamento dos descritores nas bases de dados e artigos selecionados nas bases de acordo com os critérios estabelecidos).

 

Figura 1 – Processo de seleção dos artigos, 2010, Brasil.

DESCRITORES/ FONTES

LILACS

MEDLINE

SCIELO

IBECS

BDENF

TOTAL

SELECIONADOS

Enfermagem and Ensino and Emoções

52 (5)

140 (0)

19 (2)

2 (0)

55 (0)

268

7

Enfermagem and Ensino and Educação baseada em competências

144 (11)

0

32 (0)

23 (0)

78(0)

277

11

Enfermagem and Emoções and Educação baseada em competências

1 (1)

0

0

0

0

1

1

Ensino and Emoções and Educação baseada em competências

2 (0)

0

0

0

0

2

0

 

 

 

 

 

 

548

19

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

Pareamento dos descritores nas bases de dados e artigos selecionados nas bases de acordo com os critérios estabelecidos pelas etapas do Prisma (que propõe passos para a elaboração de revisões sistemáticas/integrativas).

A revisão dos artigos foi realizada de forma criteriosa pelos autores, que para verificarem a aplicação dos critérios de inclusão descritos anteriormente realizaram a leitura dos artigos na íntegra, totalizando ao final 8 artigos selecionados. Os artigos selecionados cumpriam todos os requisitos desta revisão. A figura 2, sintetiza o processo de seleção/eliminação dos artigos.

 

 Figura 2 - Processo de seleção/eliminação dos artigos, 2020, Brasil.

Figura1

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

 

Processo de seleção dos artigos de acordo com a leitura dos títulos e resumos e em seguida procedida a leitura integral dos artigos para a seleção final de 8 artigos.

Na figura 3, é possível observar os resultados obtidos nas bases de dados de onde se extraiu os 8 artigos. Esses artigos selecionados encontravam-se apenas em 2 bases de dados.

 

Figura 3 - Artigos selecionados em 2 bases de dados (LILACS e SCIELO), 2020, Brasil.

Bases de dados

Artigos encontrados

Artigos selecionados após a leitura dos títulos e resumos

Artigos selecionados após a leitura integral do artigo

LILACS

199

17

6

SCIELO

51

2

2

Total

250

19

8

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

Esses 8 artigos encontravam-se apenas em 2 bases de dados (LILACS e SCIELO).

Dos 8 (100%) estudos encontrados, 2 (25%) são portugueses e 6 (75 %) são brasileiros, não foram encontrados estudos em outros países. Os métodos utilizados são diversos e as amostras variam de 560 a 10 estudantes; em alguns estudos inclui-se professores, profissionais enfermeiros e estudantes de outras áreas, como da tecnologia e da educação. Os participantes do estudo são na maioria jovens. Em relação ao ano de produção, o artigo mais antigo é de 2004 e o mais recente é de 2018, configurando um recorte temporal de 14 anos para os artigos selecionados.

Um dos estudos encontrado na busca trata do desenvolvimento das competências emocionais e dos aspectos da formação dos estudantes de forma mais direta. É um estudo português que trata do suporte do enfermeiro supervisor/orientador para o desenvolvimento de competências, objetivando o desempenho do trabalho emocional. Os demais sete tangenciam as emoções uma vez que trabalham com os aspectos da dimensão humana na formação acadêmica.

Para facilitar a compreensão dos dados, criou-se um quadro com os itens obtidos de cada estudo, que foi preenchido à medida que os artigos selecionados foram analisados. Os itens extraídos dos artigos incluíram nome dos autores, país do estudo, ano, método e amostra e principais achados/estratégias identificados. A análise e a apresentação dos dados foram realizadas de forma descritiva. Na figura 4, podem-se observar detalhadamente os resultados encontrados.

 

Figura 4 - Resumo dos Resultados da Revisão Integrativa da Literatura, 2020, Brasil.

 

Autores/País/Ano

Método

Principais Achados

Diogo, Rodrigues, Sousa, Martins, Fernandes. Portugal, 2016.

Estudo exploratório, descritivo e correlacional, de abordagem mista.

 

- O enfermeiro supervisor como suporte contribuindo para desenvolvimento da pessoa humana (clientes, estudantes, enfermeiros) na sua integralidade. Gestão das próprias emoções e dos indivíduos sob cuidados.

 

Ferreira, Duarte, Cardoso, Cabral, Guiné, Campos, Alves. Portugal, 2018.

Estudo quantitativo, transversal, descritivo e correlacional, com recurso ao inquérito por questionário.

 

- Foram identificadas dimensões que podem levar ao abandono do ensino superior, tais como: percepção emocional, gestão de vida, relacional, profissão e carreira entre outras. O estudo revela que o pensamento crítico, uma adequada gestão do tempo e a motivação estão relacionados com o sucesso acadêmico e, consequentemente, com o abandono escolar.

*Este estudo não inclui estudantes de enfermagem, mas trata da dimensão da formação acadêmica relacionando as competências emocionais, sendo relevante para esta revisão.

 

Lima, Galavote, Schwartz, Ramos, Prado, Maciel. Brasil, 2011.

Estudo qualitativo. Foram realizadas oficinas para a coleta dos dados.

 

- Criação da disciplina obrigatória “Enfermagem e Sociedade”, que busca compreender o homem na sua integralidade na perspectiva histórico-social, privilegiando o universo de significados, motivos, aspirações e as relações sociais na interação com crenças, valores, atitudes e subjetividades.  As oficinas estimularam o estudante a trabalhar sentidos de alteridade.

Perbone, Carvalho. Brasil, 2011.

Estudo de delineamento descritivo, empregada a Técnica dos Incidentes Crítico. Trata-se de obter opiniões e julgamentos simples do observador.

 

- O estudo permitiu identificar os incidentes críticos referentes ao primeiro contato significativo com o paciente, e identificar as situações percebidas como positivas ou negativas. Foram verificados sentimentos relacionados ao próprio estudante, ao paciente e à disciplina que estava cursando.

 

Esperidião, Munari. Brasil, 2004.

Estudo qualitativo, a técnica utilizada para a coleta de dados foi a entrevista semiestruturada.

 

- Investiga a percepção dos estudantes de enfermagem sobre sua formação, como o curso contempla a formação, quais são os sentimentos e experiências durante a formação, identificando se existe apoio do professor, se é levada em consideração a questão do autoconhecimento e destaque aos aspectos pessoais.

.

 

Pereira, Ribeiro, Depes, Santos. Brasil, 2013.

Estudo de abordagem qualitativa, utilizado o estudo de caso.

 

- Destaque à neurociência; as competências mais exigidas no nível cerebral, para que se possa aprender, são denominadas cognitivas, técnicas, relacionais e emocionais. Percepção de docentes e discentes de graduação em enfermagem, aspectos da interação que ocorre entre o sentir e o aprender.

 

Carraro, Prado, Silva, Radünz, Kempfer, Sebold. Brasil, 2011.

Estudo qualitativo de cunho exploratório descritivo, fundamentado na abordagem descritiva.

 

- Criação do espaço de socialização entre os estudantes, com base nas metodologias ativas (espaço coletivo, onde os alunos compartilham as sínteses coletivas dos conteúdos desenvolvidos, as vivências de aprendizagem, as situações saúde-doença). Para os estudantes a atividade de socialização permite a integração, interação e intersubjetividade no processo de formação crítica e comprometida com a realidade.

 

Lopes, Azeredo, Rodrigues. Portugal, 2012.

Estudo qualitativo com característica exploratório-descritiva.

Insere-se numa investigação de desenho e método quasi-experimental, de carácter longitudinal.

 

- Destaca as competências relacionais e relações interpessoais como pilares do cuidado de enfermagem. Ressalta a perspectiva dos estudantes sobre o conhecimento de si para melhor cuidar, bem como do saber fazer relacional, pautado nos princípios de ajuda – humanistas e comunicacionais.

 

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

Resumo dos artigos selecionados para pesquisa.

 

DISCUSSÃO

A seguir, podemos destacar 2 eixos temáticos para discussão dos artigos encontrados.

A necessidade de ressignificar o modelo de ensino pautado na formação biomédica e conhecimentos técnicos científicos para mobilizar o desenvolvimento de competências socioemocionais.

 A incorporação das demandas sociais no processo de ensino-aprendizagem se apresenta como um desafio, pois requer a reconstrução de um modelo que tenha o estudante como cerne, valorizando seus saberes e práticas, e ressignificando a relação trabalhador-estudante-usuário. Nesse contexto, destaca-se a importância de consolidar redes institucionais que permitam a abertura de novos cenários de aprendizagem que se constituam espaços ricos de formação de sujeitos, implicados e apropriados dos seus processos reais de trabalho(10).

Pesquisas feitas para identificar e analisar as percepções e os sentimentos do aluno do curso de graduação em enfermagem, com relação à sua formação como pessoa/ profissional, revelam que a formação acadêmica está centrada em conhecimento técnico-científicos, voltados especialmente ao atendimento das necessidades daqueles que serão assistidos, sem considerar a pessoa que os assiste, além de sinalizar que a trajetória acadêmica é permeada por vários sentimentos que aparecem em função das experiências ocorridas ao longo dela(11).

Outro estudo aponta pouca habilidade em estabelecer uma relação terapêutica que dê conta das diversas dimensões do sofrimento humano. Podem surgir, portanto, possíveis consequências que acompanharão o estudante durante todo o seu curso ou até mesmo durante sua prática profissional. Sendo assim, estratégias como a criação da disciplina Enfermagem e Sociedade, se tornam indispensáveis, pois criam a possibilidade de romper com o modelo técnico-científico recriando formas e desenvolvendo competências por meio de oficinas que permitem refletir sobre o sentido da vida e sobre o significado da formação em enfermagem, consequentemente contribuindo para o desenvolvimento das competências socioemocionais (10). Isto também pode ser verificado no estudo que apresenta a criação do momento de socialização dentro da disciplina de fundamentos de enfermagem com base nas metodologias ativas, promovendo um espaço de simulação realística. Caracteriza-se como um momento de troca, de reflexão e de análise do desempenho e crescimento pessoal e profissional dos estudantes(12). Esses dispositivos criam novas formas de obtenção de conhecimento e aprendizagem, possibilitando a construção de competências antes não alcançáveis pelo modelo tradicional de ensino da enfermagem. Como expõe o estudo sobre o ponto de vista das neurociências, as competências mais exigidas a nível cerebral, para que se possa aprender, são as cognitivas, técnicas, relacionais e emocionais(13).

O desenvolvimento da dimensão humana dos acadêmicos de enfermagem, implicações para o desenvolvimento das competências socioemocionais.

Os sentimentos vivenciados pelos estudantes durante o curso, que se manifestaram de forma diversificada, modificando-se e alternando-se, desde a euforia pela aprovação no vestibular, realização, alegria, curiosidade, interesse em crescer, orgulho por cursar Enfermagem, até sentimentos de angústia, tristeza, medo, terror, fracasso, solidão, sensação de desamparo, inferioridade, incapacidade, decepção, vontade de desistir, raiva, revolta, insegurança, pena, sofrimento e dor(14).  O autor Ferreira em seu estudo, identificou a dificuldade dos estudantes em falar de suas emoções ou em apreender o sentido das perguntas, durante a entrevista, que se relacionavam com esse aspecto (14). O autor Damásio defende que o desenvolvimento emocional é parte integrante do processo de tomada de decisões e funciona como um vetor de ações e ideias, consolidando a reflexão e o discernimento(15). Neste sentido, é importante destacar o estudo que se configura como uma estratégia para dar apoio aos estudantes de enfermagem, contribuindo para o desenvolvimento das competências emocionais através da supervisão clínica, visto que o curso clínico é permeado de situações que geram emoções positivas e negativas(16). É proposta do estudo orientar os estudantes para a gestão de suas emoções e as do cliente para respostas emocionais mais adequadas(17, 18). Os resultados do estudo, em termos de desenvolvimento de competências nos estudantes, demonstram que a função de suporte do enfermeiro supervisor potencializa o desempenho do trabalho emocional e promove o crescimento pessoal, conduzindo a mudanças de atitude (postura, discurso, análise, adaptação e tranquilidade), ao desenvolvimento de confiança, iniciativa e autonomia, ao reconhecimento das dificuldades e à aceitação da crítica de modo construtivo. Mas também conduz à aquisição de conhecimentos teóricos resultantes da confrontação com outras formas de interpretação das circunstâncias, exigindo uma adaptação a novas experiências(16). Assim sendo, a formação em enfermagem “não se deve confinar ao processo técnico e científico, mas também sublinhar o desenvolvimento pessoal do estudante pelo papel gerador que tem em todas as competências”, ou seja, não é possível separar as dimensões cognitivas, sociais, afetivas e emocionais quando se pretende clarificar os fatores que estão na base do desenvolvimento da aprendizagem do Cuidar de Enfermagem(7, 19).

 

CONCLUSÃO

O processo do desenvolvimento das competências socioemocionais na formação do enfermeiro ocorre de forma a centra-se em estratégias e abordagens que não são declaradas como sendo para o desenvolvimento socioemocional. Percebe-se, nos estudos, que isto ocorre de forma indireta ou por vezes não intencional, a medida que trabalha os aspectos da vida, da formação acadêmica e da reestruturação curricular para moldes mais humanizados com ênfase na integralidade do ensino e do cuidado. Os artigos selecionados apontam discussões junto aos estudantes sobre a premência do desenvolvimento da dimensão emocional, mas não nomeiam claramente estratégias que viabilizem este desenvolvimento. Os estudos, em sua grande partem, trazem críticas ao modelo de formação pautado nos aspectos técnicos e científicos, que não levam em consideração as dimensões do campo emocional na formação.

Também é notório que os estudos tratam do desenvolvimento das competências socioemocionais de forma a buscar a melhor expressão das emoções no momento do cuidado. A proposta dos estudos é de desenvolver uma gestão emocional que traga uma resposta/expressão emocional adequada às situações. A crítica que aqui se apresenta é se é possível controlar as emoções a tal ponto. É possível desenvolver um comportamento emocional gerenciado a cada situação?  

Estudos realizados com esta perspectiva, por mais que ressaltem a necessidade de quebra com o modelo cartesiano, ainda seguem o norte de buscar uma conduta pronta, identificável, conduzindo para a racionalização das questões que são da dimensão humana, como as emoções. É importante que, em estudos futuros, o enfoque sobre os aspectos emocionais permita uma abordagem que não se restrinja a uma conduta emocional aceita. É preciso dimensionar as reais necessidades da formação do enfermeiro e fortalecer emocionalmente os estudantes para o exercício da prática de enfermagem.

Além do já exposto, é possível acrescentar que a condição emocional e o desenvolvimento das competências socioemocionais estão para além da academia, pois sofrem influências das diversas dimensões da vida. O desenvolvimento de competências socioemocionais deveria se fazer presente no ensino desde o ciclo básico, constituindo-se componente curricular a ser desenvolvido gradativamente. A dimensão de uma formação emocionalmente competente requerer a compressão e trabalho das outras dimensões da vida dos estudantes, isto aponta para necessidade de uma reestruturação curricular deste os ciclos iniciais de formação (ensinos fundamental e médio).

 Em suma, a relevância desse estudo está em possibilitar a elaboração de subsídios que contribuam com reflexões acerca das competências socioemocionais que se revelam parte do processo de aprendizagem profissional, permitindo ressignificar a formação acadêmica do enfermeiro. Além disso, busca-se contribuir para que as experiências emocionais do acadêmico de enfermagem sejam percebidas e vivenciadas como dispositivos potentes da criatividade/sensibilidade, tanto do aluno como do paciente, visando corroborar para a fundamentação da sua integração nos programas curriculares dos cursos de enfermagem desde a formação inicial, com impacto futuro na prática de cuidados.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Padovani O, Corrêa AK. Currículo e formação do enfermeiro: desafios das universidades na atualidade. Saúde Transform Soc [Internet]. 2017 [Cited 2020 jun 25];8(2):112-119. Available from:  http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/vie/3841   

  2. Almeida HMDS, Benedito MHA, Ferreira BS. Quebrando tabus: os fatores que levam o suicídio entre universitários.  RPI - Rev Pesq Interdisc [Internet]. 2017 [Cited 2020 jun 25]];2(suplementar):647-659. Available from: http://revistas.ufcg.edu.br/cfp/index.php/pesquisainterdisciplinar/article/view/383

  3. Cremasco GS, Baptista MN.  Depressão, motivos para viver e o significado do suicídio em graduandos do curso de psicologia. Est Interdisc Psic [Internet]. 2017 [Cited 2020 jun 25]; 8(1): 22-37. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S223664072017000100003&lng=pt&nrm=iso  

  4. Souza JJGC, Cavalcanti ATA, Monteiro EMLM, Silva MI. Como será o amanhã? Responda quem puder! Perspectivas de enfermeirandos quanto ao seu futuro profissional. Rev Bras Enferm [Internet]. 2013 [Cited 2020 jun 25]]; 56(4), 453-458. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S003471672003000400031&script=sci_abstract&tlng=pt

  5. Casassus J. Fundamentos da educação emocional. 1.ed. Brasília: Unesco/Liber; 2009.

  6. Ferla, JBS. Ênfase nas relações interpessoais na formação do enfermeiro sob o paradigma ético-humanista.Trab Educ Saúde [Internet]. 2013 [Cited 2020 jun 25]; 11(3):633-657. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S198177462013000300010&script=sci_abstract&tlng=pt

  7. Lopes RCC, Azeredo ZAS, Rodrigues RMC. Competências relacionais: necessidades sentidas pelos estudantes de enfermagem. Rev Latino-Am  Enfermagem [Internet]. 2012 [Cited 2020 jun 25]; 20(6):1-10. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010411692012000600010&script=sci_abstract&tlng=pt  [incluído na revisão]

  8. Lima TO. A premência do desenvolvimento de competências socioemocionais na formação do enfermeiro: estudo sociopoético (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil, 2017.

  9. Mendes K, Silveira R, Galvão C. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2008 [Cited 2020 jun 25]; 17(4):758-764. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010407072008000400018

  10.  Lima RCD, Galavote HS, Schwartz TD, Ramos MC, Prado TN, Maciel, ELN. Significando os sentidos da vida na formação dos profissionais de saúde: com a palavra os estudantes. Cogitare Enferm [Internet]. 2011 [Cited 2020 jun 25]; 16(1): 167-70. Available from: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/viewFile/21129/13955  [incluído na revisão]

  11. Perbone JG, Carvalho EC. Sentimentos do estudante de enfermagem em seu primeiro contato com pacientes. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[Cited 2020 jun 25]; 64(2): 343-347. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003471672011000200019  [incluída na revisão]

  12. Carraro TE, Prado ML, Silva DGV, Radünz V, Kempfer SS, Sebold LF. Socialização como processo dinâmico de aprendizagem na enfermagem. Uma proposta na metodologia ativa. Invest Educ Enferm [Internet]. 2011 [Cited 2020 jun 25]; 29(2): 248-254. Available from: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S012053072011000200010&script=sci_abstract&tlng=pt   [incluída na revisão]

  13. Pereira WR, Ribeiro MRR, Depes VBS, Santos NC. Competências emocionais no processo de ensinar e aprender em enfermagem na perspectiva das neurociências. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [Cited 2020 jun 25]; 21(3):1-7. Available from: https://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n3/pt_0104-1169-rlae-21-03-0663.pdf  [incluída na revisão]

  14. Ferreira M, Duarte J, Cardoso AP, Cabral L, Guiné R, Campos S, Alves C. Competências emocionais e prevenção do abandono nos estudantes do ensino superior politécnico. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2018 [Cited 2020 jun 25]; (Spe. 6): 17-24. Available from: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S164721602018000200003    [incluído na revisão]

  15. Damásio A. E o cérebro criou o Homem. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

  16. Diogo P, Rodrigues J, Lemos SO, Martins H, Fernandes N. Supervisão de estudantes em ensino clínico: correlação entre desenvolvimento de competências emocionais e função de suporte. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2016 [Cited 2020 jun 25]; 115-122. Available from: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S164721602016000400017  [incluída na revisão]

  17. Smith P. The emotional labour of nursing revisited: Can nurses still care? 2 st Edition. Hampshire: Palgrave Macmilla, 2012.

  18. Hochschild A. The managed hearth. Commercialization of human feeling. 1st Edition. Berkeley: University of California Press, 1983.

  19. Rabiais I. Sensibilidade emocional dos estudantes de enfermagem na aprendizagem de cuidar. Emoções em saúde – Contributos [Internet]. 2010 [Cited 2020 jun 25];  36-53. Available from: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S164721602016000400017  [incluída na revisão]

 

 

Contribuição dos autores:

Redação/preparo do manuscrito: Thainá Oliveira e Cláudia Mara de Melo Tavares

Revisão e edição: Thainá Oliveira Lima e Cláudia Mara de Melo Tavares

 

 

Recebido: 04/10/2020

Revisado: 04/12/2020

Aprovado:21/01/2021