Estratégias para o uso seguro de antimicrobianos pela enfermagem no ambiente hospitalar: revisão integrativa

 

Tonia Lourenço Cunha1, Flavia Giron Camerini1, Cintia Silva Fassarella1, Danielle de Mendonça Henrique1, Érica Brandão de Moraes2

 

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro

2 Universidade Federal Fluminense

 

 

RESUMO

Objetivo: identificar as estratégias para o uso seguro de antimicrobianos adotadas pela enfermagem no ambiente hospitalar. Método: revisão integrativa, realizada no período de junho a julho de 2020, nas bases de dados da LILACS, MEDLINE, CINAHL e EMBASE. Selecionaram-se artigos de 2015 a junho de 2020. Para a análise dos níveis de evidência, adotou-se o método Grading of Recomendations Assessment, Developing and Evaluation. Resultados: encontraram-se oito artigos, distribuídos em estratégias gerenciais e assistenciais de enfermagem, relacionadas ao uso seguro de antimicrobianos. Discussão: dentre as principais estratégias gerenciais, destacam-se o papel de educador do enfermeiro e a formação de comitês de monitoramento multidisciplinar; e dentre as assistenciais, as especificidades técnicas da administração de antimicrobianos. Conclusão: as principais estratégias práticas de Enfermagem encontradas foram educação profissional no uso racional e monitoramento multidisciplinar na resistência antimicrobiana no ambiente hospitalar. Acredita-se que a identificação dessas estratégias contribua para o desenvolvimento de melhores práticas na segurança medicamentosa.

Descritores: Cuidados de Enfermagem; Gestão de Antimicrobianos; Resistência Microbiana a Medicamentos; Farmacorresistência Bacteriana.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Atualmente, calcula-se que os custos referentes à utilização de antimicrobianos, nos países pertencentes à União Europeia, sejam de 1,5 bilhão de euros por ano. Esse valor é ainda mais alarmante, se considerarmos que esses custos provavelmente são subestimados. Estima-se que somente a população idosa recebeu aproximadamente 51,6 milhões de prescrições de antibióticos no ano de 2014(1).

O uso irracional dos antibióticos no decorrer dos anos trouxe algumas complicações, principalmente em relação à criação de bactérias resistentes à antibioticoterapia(2). De acordo com o World Economic Forum, a presença de surtos de organismos multirresistentes (MDRO) foi considerada um dos 10 principais fatores de risco globais em 2019(3).

A resistência antimicrobiana é definida pela Organização Mundial da Saúde como a capacidade de um microrganismo impedir ou reduzir a atuação de um antimicrobiano. Como resultado, os tratamentos tornam-se ineficazes, e as infecções, persistentes e até incuráveis. A classe dos antimicrobianos engloba medicamentos naturais e sintéticos, utilizados no tratamento de doenças fúngicas, virais, bacterianas ou parasitárias(4).

A resistência antimicrobiana é uma grande ameaça à saúde pública mundial, pois gera uma série de consequências que comprometem não apenas os pacientes, mas toda a população, por exemplo, o aumento da morbidade e mortalidade, bem como do período de internação, entre outras que impõem enormes custos a todos os países(4). Estima-se que 700 mil mortes sejam causadas anualmente pela resistência aos antimicrobianos(5).

O uso racional dos antibióticos está diretamente ligado à segurança do paciente. Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com a Joint Comission International (JCI), criou as metas internacionais de segurança do paciente, uma delas tem como objetivo evitar danos ao paciente e reduzir consequências negativas decorrentes de um atendimento realizado de maneira insegura. A meta 3 tem como premissa melhorar a segurança das medicações de alta vigilância em que há um alto percentual de erros e possui risco elevado de eventos adversos. Erros na etapa de administração de medicamentos têm risco elevado de provocar eventos adversos graves, que podem ser relacionados à resistência bacteriana pelo uso incorreto dos antimicrobianos(6).

Assim, nos últimos anos, as discussões a respeito do Antimicrobial Stewardship (gerenciamento de antimicrobianos) têm aumentado de forma considerável. Programas estão sendo instituídos mundialmente com o objetivo de otimizar a prescrição de antimicrobianos nos serviços de saúde para garantir o efeito farmacoterapêutico máximo, reduzir a ocorrência de eventos adversos (EA) nos pacientes, prevenir a seleção e a disseminação de microrganismos resistentes e, dessa forma, diminuir os custos da assistência(4).

No ambiente hospitalar, a enfermagem apresenta-se como o maior segmento dentre os profissionais de saúde, responsável pelo planejamento, administração e cuidado aos pacientes em uso de antibioticoterapia.

Dentre as atividades dos enfermeiros perante o uso seguro de antimicrobianos, destaca-se a responsabilidade de assegurar que as culturas bacteriológicas sejam realizadas antes do início da administração dos antibióticos; de promover discussões sobre possíveis efeitos adversos causados pelos antimicrobianos; e de revisar as prescrições medicamentosas diariamente, conforme o tratamento indicado e a duração do mesmo(7).Nesse contexto, sua atuação, participação e envolvimento tornam-se essenciais para garantir a segurança no uso seguro de antimicrobianos a fim de prevenir e reduzir a resistência microbiana(8).

A Associação de Enfermagem Americana publicou em 2017 um “whitepaper”, explorando a potencial função do enfermeiro na gestão do uso racional de antimicrobianos, com o intuito de demonstrar como os enfermeiros podem se tornar mais engajados e assumir um papel de liderança para promover uma administração antimicrobiana livre de erro e mais eficaz.

Este estudo tem como objetivo identificar as estratégias para o uso seguro de antimicrobianos adotadas pela enfermagem no ambiente hospitalar.

 

MÉTODO

 

Trata-se de uma revisão integrativa, elaborada a partir das seis etapas preconizadas: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem; busca na literatura; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos/interpretação dos resultados; e apresentação da revisão com a síntese do conhecimento(7).Esta revisão adotou as recomendações do checklist Preferred Reporting Itens for Systematic Reviews and Meta-Analyses(PRISMA)(10,11).

Para a construção da pergunta de pesquisa, utilizou-se a estratégia PICO– com “P” correspondendo à população (equipe de enfermagem); “I” à intervenção (estratégias para o uso seguro de antimicrobianos); “C” a contexto (ambiente hospitalar); e “O” correspondendo ao desfecho (redução da resistência antimicrobiana). A pergunta de pesquisa construída foi: quais as estratégias da equipe de enfermagem relacionadas ao uso seguro de antimicrobianos para redução da resistência antimicrobiana no ambiente hospitalar?

Os critérios para inclusão das publicações foram de artigos disponíveis na íntegra, nos idiomas inglês, português e espanhol, que abordassem alguma estratégia de enfermagem relacionada ao uso seguro, racional e a gestão de antimicrobianos no ambiente hospitalar, publicados no período de 2015 a junho de 2020. Os critérios de exclusão foram artigos duplicados e de revisão.

A busca pelos artigos foi realizada nas seguintes bases de dados: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) via BVS (Biblioteca Virtual de Saúde); Medline/PubMed (Medical Literature Analysis and Retrieval System on-line); CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature); e EMBASE (Excerpta Medica dataBASE). O acesso de bases controladas ocorreu pelo Portal Capes.

Utilizaram-se os seguintes vocabulários controlados do Medical Subject Headings (MESH) e do Embase Subject Headings (EMTREE): “drug resistance, microbial”; “drug resistance, bacterial”; “antimicrobial stewardship”; “Nursing care”; os seguintes descritores no Ciências da Saúde (DeCS): “resistência microbiana a medicamentos”; “farmacorresistência bacteriana”; “gestão de antimicrobianos”; “cuidados de enfermagem”; e os seguintes descritores em espanhol (descriptores): “farmacorresistencia microbiana”; “farmacorresistencia bacteriana”; “Programas de optimización del uso de los antimicrobianos”; “Atención de enfermería”. A busca foi realizada no mês de julho de 2020.

Os descritores foram utilizados de forma controlada e não controlada para obter uma vasta busca na literatura sobre o assunto abordado com a finalidade de encontrar e analisar os estudos disponíveis. O cruzamento dos descritores controlados e não controlados foi mediado pelos operadores booleanos “AND” e “OR”.

A partir da seleção e do cruzamento dos descritores controlados e não controlados, construiu-se um fluxograma Prisma que está detalhado no início dos resultados, conforme a recomendação do protocolo(11).

Inicialmente, realizaram-se análises dos títulos e resumos dos estudos; em seguida, houve análise dos estudos na íntegra de acordo com os critérios de inclusão dos quais foram extraídas as partes de interesse.

Para análise da qualidade da evidência, adotaram-se os métodos Grading of Recomendations Assessment, Developing and Evaluation (GRADE)(12), para estudos epidemiológicos, e o GRADE-CERQual(13), para estudos qualitativos. Em ambos os métodos, a qualidade da evidência é classificada em quatro níveis: alta, moderada, baixa ou muito baixa(12,13)(Figura 1). Nesses métodos, são utilizados quatro componentes para avaliar o nível de evidência nos achados de revisões de pesquisa qualitativa (também referidas como sínteses de evidências qualitativas): (1) limitações metodológicas; (2) coerência; (3) adequação dos dados; e (4) relevância.

Os dados estão apresentados de forma descritiva com o objetivo de compreender o contexto das evidências disponíveis sobre o uso seguro de antimicrobianos.

 

RESULTADOS

 

Selecionaram-se oito estudos, todos internacionais: cinco (62,5%) realizados nos Estados Unidos da América, dois (25%) na Europa e um (12,5%) na Austrália. Referente ao ano das publicações, identificaram-se cinco estudos em 2019 e um em 2020, o que demonstra um aumento da discussão sobre a temática no último ano. Conforme apresentado no fluxograma Prisma adaptado(11) na Figura 1.

 

Figura 1 - Fluxograma PRISMA adaptado(11).Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020

 

image1.png

Fonte: Adaptado do PRISMA(11), 2020.

 

Quanto ao nível de evidência (Figura 2), apenas um estudo(14) foi classificado com nível de evidência alta, o que demonstra que as pesquisas ainda são incipientes na temática.

Todos os estudos analisados destacaram a importância da atuação da equipe de enfermagem para aumentar a segurança do uso de antimicrobianos. As estratégias de enfermagem foram destacadas nos principais achados e serão discutidas posteriormente.

Na Figura 2, os oito estudos foram tabulados com os autores dos estudos e ano, local e país(es) do seu desenvolvimento, nível de evidência de acordo com GRADE, objetivo, método e principais achados.

 

 

 

 

Figura 2 – Síntese dos estudos incluídos na Revisão integrativa. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020

 

Autores / Ano

Local/ País(es)

Nível de Evidência

(GRADE/ GRADE-CERQual)

Objetivo

Método

Principais achados

Ha D.R., ForteM.B., Olans R.D., OYong K., Olans R.N., Gluckstein D.P., et. al.2019(14).

Pomona Valley Hospital Medical Center, EUA

Alta

(GRADE)

Medir o uso de medicamentos antimicrobianos em quatro grupos clínicos pela equipe de enfermagem como apoio clínico.

Estudo longitudinal com intervenção

Comparado com o período de pré-intervenção de 12 meses da equipe de enfermagem, houve uma redução significativa no uso de antimicrobianos por unidade (791,2 vs.697,1 dias de terapia por 1.000 pacientes-dia; p = 0,03). O estudo demonstrou o envolvimento bem-sucedido das enfermeiras em atividades de administração de antimicrobianos e na prevenção de infecções.

Olans R.D., Olans R.N., Witt D.J. 2017(15)

Hospitais, EUA

Muito baixa (GRADE CERQual)

Analisar as atividades de administração antimicrobiana que podem ser realizadas por enfermeiros.

Relatos de especialistas baseados em experiências clínicas

Os enfermeiros são essenciais para o uso apropriado de antibióticos. Descreve as ações de enfermagem para uso racional de antibióticos na admissão, durante a internação e na alta do paciente. 

Carter EJ, Greendyke WG, Furuya EY, Srinivasan A, Shelley AN, Bothra A, et al.2019(16)

Hospitais, EUA

Moderada (GRADE CERQual)

Explorar as atitudes dos enfermeiros em cinco das atividades de administração de antibióticos recomendados pelo grupo de trabalho da CDC (Centro de Controle de Doenças).

Estudo descritivo qualitativo. Grupo focal

Os enfermeiros podem desempenhar um papel importante na administração de antibióticos. São destacadas cinco ações de enfermagem recomendadas para a administração segura de antibióticos. Essas ações são formas de tornar o enfermeiro um parceiro ativo no uso racional de antibióticos.

Castro-Sánchez E, Gilchrist M, Ahmad R, Courtenay M, Bosanquet J, Holmes AH. 2019(17)

Hospitais e casas de saúde, Reino Unido

Moderada (GRADE CERQual)

Envolver a participação da enfermagem na administração de antimicrobianos por três modelos amplos: vertical, horizontal e híbrido.

Estudo descritivo

Uma variedade de modelos articulando a participação de enfermeiros na administração antimicrobiana já foi implementada em organizações do setor público no Reino Unido. Destaca os pontos fortes e fracos de cada modelo e descreve a ação do enfermeiro na redução da resistência antimicrobiana.

Jump RLP, Gaur S, Katz MJ, Crnich CJ, Dumyati G, Ashraf MS, et al. 2018(18)

Instalações de cuidados prolongados, EUA

Muito baixa (GRADE)

Ajudar as configurações de cuidado em longo prazo a instituir programas de administração de antibióticos de qualidade.

Relato de experiência

Destaca a criação de comitês relacionados ao uso racional de antimicrobiano; criação de protocolos de prevenção e controle de infecção; divulgação de dados de antibiogramas; necessidade de mensuração e monitoramento do uso de antibióticos; implementação do “antibiótico time out” e treinamento dos profissionais.

Ierano C, Thursky K, Peel T, Rajkhowa A, Marshall C, Ayton D. 2019(19)

Hospitais, Austrália

Moderada

(GRADE CERQual)

Identificar barreiras e facilitadores da prescrição apropriada da profilaxia antimicrobiana cirúrgica.

Estudo qualitativo. Grupo focal

A prescrição de profilaxia antimicrobiana cirúrgica é um processo complexo e multiprofissional. São necessárias mudanças de comportamento para identificar barreiras e facilitadores para a prescrição ideal da profilaxia antimicrobiana cirúrgica.

Courtenay M, Burnett E, Castro-Sánchez E, Moralez de Figueiredo R, Du ToitB, Gallagher R, Gotterson F, et al. 2020.(20)

Hospitais, países da Europa

Moderada (GRADE)

Reconhecer os enfermeiros como colaboradores legítimos da equipe de administração de antimicrobianos durante a pandemia de COVID-19.

Estudo quantitativo observacional

Demonstra que ao envolver enfermeiros na execução do seu papel na administração de antimicrobianos há uma conscientização dos enfermeiros sobre a importância do manejo antimicrobiano responsável.

Lane, Michael A; Hays, Amanda J; Newland, Helen; Zack, Jeanne E; Guth, Rebecca M; Newland, Jason G. 2019.(21)

Hospitais, EUA

Moderada (GRADE)

Descrever o desenvolvimento de um programa de administração antimicrobiana hospitalar em um sistema de saúde integrado.

Estudo retrospectivo

O modelo de administração de antimicrobianos implementado facilitou o desenvolvimento da administração de antimicrobianos. Foram incluídos módulos de educação para pacientes e suporte a decisões clínicas dos profissionais.

Fonte: Autores, 2020.

 

Dentre as principais estratégias de enfermagem descritas nos estudos analisados, destacam-se a importância de atividades de prevenção de infecção e as especificidades da técnica de administração antimicrobiana(14,16,18, 19,21)

Ressaltam-se também a importância da criação de comitês e protocolos de prevenção e controle de infecção; utilização de dados de antibiograma; mensuração e monitoramento do uso de antibióticos; de indicadores de vigilância epidemiológica das infecções relacionadas à assistência à saúde; vigilância ao término da administração de antimicrobiano; e capacitação de profissionais(18).

A atuação da equipe multiprofissional é bastante citada, ratificando a importância da identificação de barreiras e facilitadores na prescrição antibiótica(18,19). Muitos estudos destacam que a atuação dos enfermeiros é essencial para o uso apropriado de antibióticos tanto na admissão/triagem hospitalar, bem como na rotina, durante o período de hospitalização e orientações pós-alta(15,18).

A conscientização dos enfermeiros e a educação dos pacientes também são vistas como atividades necessárias para o uso racional de antimicrobianos(20,21).

Assim, percebe-se, de forma geral, que foram identificadas estratégias gerenciais e assistenciais de enfermagem relacionadas ao uso seguro de antimicrobianos (Figura 3).

 

Figura 3 - Principais estratégias gerenciais e assistenciais de enfermagem. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020

Estratégias gerenciais

Estratégias assistenciais

Formação de Comitês de Monitoramento interdisciplinar

Triagem de internação apropriada direcionada ao uso de antimicrobiano

Assistência multidisciplinar com colaboração interprofissional

Treinamento e atualização para os profissionais por meio de plataformas

Utilização de protocolos para a antibioticoprofilaxia cirúrgica

Tempo adequado para início e administração da antibioticoterapia

Reavaliação do plano antimicrobiano a cada 2 a 3 dias após o início da antibioticoterapia

    Fonte: Autores, 2020.

 

 

DISCUSSÃO

 

Dentre as buscas realizadas, todos os estudos destacaram a importância do enfermeiro no gerenciamento do uso de antimicrobianos, alguns por terem um contato maior e constante com o paciente, pois estão presentes desde a admissão até a alta hospitalar; outros por representarem uma das maiores forças de trabalho da Europa(22).

Na realidade brasileira, a enfermagem também é a maior categoria profissional do campo da saúde, fortemente inserida no Sistema Único de Saúde (SUS) e com atuação nos setores público, privado, filantrópico e de ensino. Nesse sentido, entende-se que as estratégias adotadas gerenciadas por enfermeiros podem gerar maior impacto na população(23).

Um exemplo recente da importância da atuação da enfermagem no uso racional de antimicrobianos foi evidenciado durante a pandemia do coronavírus2 (SARS-CoV-2). Os enfermeiros foram os primeiros profissionais de saúde a entrar em contato com pacientes infectados por essa doença e com reconhecimento de sinais e sintomas. Consequentemente, a COVID-19 concentrou a atenção no poder e no potencial dos enfermeiros para promover a administração antimicrobiana(20)

Dentre as principais atividades de gerenciamento realizadas por enfermeiros, para garantir a segurança no uso dos antimicrobianos, um estudo destaca a formação de Comitês de Monitoramento multidisciplinar, incluindo um enfermeiro em cada hospital que seria dedicado à melhora da qualidade na administração de antibióticos. Esse comitê visa ao rastreamento e uso de dados para avaliação, estabelecimento de metas e desenvolvimento de um relatório anual com compartilhamento para a equipe de assistência. Esse Comitê também deve apoiar e facilitar treinamentos avançados a respeito do tema(18).

Os programas de gerenciamento bem sucedidos exigem o envolvimento ativo de todas as especialidades da saúde para implementar estratégias, iniciativas e ações para reduzir a resistência aos antimicrobianos(27).

Outra estratégia de gerenciamento destaca a necessidade de treinamento e atualização para os profissionais. Um estudo destaca que, para além da formação regular já existente no programa curricular de formação generalista, na prática, são necessários materiais de treinamento baseados em evidências e o ideal é que os enfermeiros tenham disponíveis ferramentas de acesso fácil na estação de trabalho(18).

Nesse sentido, o conceito de educação em saúde pode assumir uma dimensão mais ampla, quando é aceito como um modo de possibilitar a transformação do ambiente de atuação profissional, no que tange ao desenvolvimento profissional dos sujeitos por meio do processo de aprendizagem que essa modalidade de educação pode despertar, resultando em um movimento dinâmico e complexo, focado na melhor performance(30).

As atividades gerenciais têm como finalidade criar condições adequadas para a implementação do cuidado(28). Conforme descrito, essas estratégias são fundamentais para o planejamento e a prática das atividades assistenciais.

Dentre as estratégias assistenciais práticas relacionadas à gestão de antimicrobianos, evidencia-se que estas devem ter início ainda durante triagem para internação hospitalar. Uma apropriada triagem faz parte do trabalho do enfermeiro durante a admissão hospitalar, deve-se questionar o paciente sobre históricos de alergia medicamentosa, principalmente antibiótica, e sinais e sintomas referentes a essas alergias(16).É importante o registro dessa informação em sequência no prontuário a fim de que não se perca durante a internação e todos possam ter acesso.

Para que a informação não se perca ao logo da internação hospitalar, estudos têm discutido a comunicação entre os profissionais como parte de uma administração antimicrobiana de sucesso. A colaboração interprofissional requer entendimento compartilhado nas decisões e planos de tratamento antimicrobiano e nos resultados esperados referentes a essa terapia(20).

Uma pesquisa recente sobre os principais programas de administração de antimicrobianos sugere que uma abordagem multidisciplinar, com atividades de administração de antimicrobianos incorporadas às funções de rotina da equipe de atendimento direto, oferece vantagens sobre o modelo tradicional(14). A interação profissional é fundamental para a instituição alcançar o desempenho de qualidade visando à satisfação e segurança do paciente(29).

Outro ponto de atenção seria o uso desnecessário de antibióticos “profiláticos”, uma vez que aumenta a resistência bacteriana e na maioria das vezes não tem a eficácia esperada(18). Os antibióticos precisam atingir as concentrações inibitórias mínimas no plasma sanguíneo para que a ação da profilaxia seja efetiva, por isso o tempo de administração da primeira dose deve ser seguido, administrações fora desse tempo podem elevar a colonização do sítio cirúrgico e aumentar o risco de infecções. Nesse sentido, os estudos apontam para instituição de protocolos de utilização de antibioticoprofilaxia nos hospitais(18).

Outra estratégia assistencial refere-se ao tempo adequado para início da antibioticoterapia. De acordo com as Diretrizes Internacionais para Tratamento de Sepse e Choque Séptico de 2016, a rapidez da administração é fundamental para o efeito benéfico dos antimicrobianos apropriados. Os dados disponíveis sugerem que a administração precoce de antimicrobianos intravenosos apropriados após o reconhecimento de sepse ou choque séptico produz resultados ideais, 1 hora é recomendada como um alvo mínimo razoável(30).

De acordo com a recomendação das diretrizes internacionais, o estudo selecionado na análise desta revisão ratifica que, ao receber a prescrição antibiótica, o enfermeiro deve revisar e planejar todas as doses que serão utilizadas até o término da referida administração(15).

Em muitas instituições, em nível nacional e internacional, é comum o enfermeiro ter acesso aos resultados dos exames laboratoriais e radiológicos antes de toda equipe. Essa prática permite ao profissional analisá-los e fazer esse acompanhamento com o médico responsável pelo tratamento, o que permite que a terapia seja iniciada de forma precoce, mais ágil e que o monitoramento se torne mais seguro(15).

A partir da análise laboratorial e da avaliação do estado do paciente, os intervalos e escalonamento de antibióticos são ajustados. Recomenda-se reavaliar o plano de tratamento antimicrobiano de 2 a 3 dias após o seu início, podendo optar por restringir, diminuir ou interromper a terapia(18)ou até mesmo trocar de um antibiótico de amplo para estrito espectro(16).

Em um hospital nos Estados Unidos, as revisões de terapia de antimicrobianos foram definidas com discussões ativas documentadas entre o enfermeiro e os times de rondas a respeito da sua indicação e adequação(14).

Na Austrália, os profissionais de enfermagem são legalmente habilitados para prescrever antimicrobianos. Os enfermeiros estão familiarizados com a administração de antimicrobianos e o ambiente operacional, considera-se que eles têm um impacto positivo no desenvolvimento e implementação de uma intervenção de otimização da profilaxia antimicrobiana cirúrgica(19).

Ainda como estratégia assistencial prática, recomenda-se que o enfermeiro avalie o progresso diário do paciente e observe os possíveis eventos adversos relacionados à antibioticoterapia. Por meio dessa avaliação, o tratamento poderá ser interrompido antes do previsto ou mesmo determinar o término precoce por uma via de administração, por exemplo, trocar a via endovenosa por oral e antecipar a alta hospitalar. Perceber se a antibioticoterapia ambulatorial poderá ser realizada pelo paciente ou mesmo pelo familiar pode garantir um menor tempo de permanência no hospital, a satisfação do paciente e o sucesso do tratamento após a alta(15).

De acordo com publicações recentes, os enfermeiros são considerados essenciais nos Programas de Gerenciamento de Antimicrobianos em virtude de sua posição central de comunicação, coordenação do cuidado, monitorização do estado do paciente 24h/dia, segurança e resposta à terapia antimicrobiana(24).

Podem ser destacadas também as atuações do enfermeiro no papel de educador do paciente ou do seu responsável, realizando instruções por meio de panfletos, treinamentos e materiais informativos.

A atividade educativa realizada por enfermeiros para pacientes e familiares é descrita, em um estudo norte-americano, como uma ferramenta essencial para a prevenção do uso inadequado de antibióticos e do possível desenvolvimento de resistência antimicrobiana durante a internação e na alta hospitalar(15).Também no Brasil, a educação em saúde é uma prática desenvolvida principalmente pela enfermagem com base nas necessidades de saúde dos usuários. Todavia, a educação relacionada ao uso de antimicrobianos ainda é muito restrita aos profissionais de saúde(24)

Cada vez mais, a importância de envolver os pacientes e incluí-los na decisão para otimizar os esforços da administração antimicrobiana tornou-se reconhecida(25).A educação continuada realizada por enfermeiros foi relatada no estudo retrospectivo feito em um hospital nos Estados Unidos, o qual utilizou plataformas compartilhadas de aprendizagem para uso da equipe, incluídos módulos de educação para pacientes e suporte para as decisões clínicas(21).

 

CONCLUSÃO

 

À luz do objetivo da pesquisa, as estratégias para o uso seguro de antimicrobianos foram categorizadas em estratégias de gerenciamento e estratégias assistenciais. Entre as de gerenciamento, destaca-se a formação de comitês de monitoramento interdisciplinar e a realização de treinamento e atualização para os profissionais por meio de plataformas. Já entre as assistenciais, destacaram-se a triagem de internação apropriada direcionada ao uso de antimicrobiano; utilização de protocolos para a antibioticoprofilaxia cirúrgica; tempo adequado para início e administração da antibioticoterapia; e reavaliação do plano antimicrobiano a cada 2 a 3 dias após o início da antibioticoterapia.

Todas essas estratégias são recomendadas para minimizar o risco de resistência antimicrobiana no contexto hospitalar, tornando a prática de administração de medicamentos mais segura e contribuindo para o alcance da meta internacional da OMS. A importância da assistência multidisciplinar aparece como base do uso seguro de antimicrobianos.

Apesar do aumento do número de publicações referentes ao tema no último ano, não foi encontrado nenhum estudo nacional, apenas estudos americanos e europeus, o que distancia as publicações encontradas da realidade da enfermagem brasileira, tanto na formação acadêmica como na rotina de trabalho.

Como limitação do estudo, tem-se a maioria dos estudos ter sido realizada em apenas um local de pesquisa, o que diminui a possiblidade de inferência dos resultados e das práticas aplicadas. Poucos artigos se referiam de forma exclusiva à atuação do enfermeiro, a maior parte trata do uso racional de antimicrobianos de forma multiprofissional, dividindo o foco do profissional em destaque.

Recomenda-se a realização de estudos experimentais, sobretudo direcionado a iniciativas nacionais para o desenvolvimento de outras estratégias visando garantir a segurança no uso seguro de antimicrobianos no contexto hospitalar.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

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Recebido: 25/09/2020

Revisado: 04/11/2020

Aprovado: 19/11/2020