Educational practice in transmissive disease prevention: an experience in the family context

Prática educativa na prevenção de doenças transmissíveis: uma experiencia no contexto familiar

 

Cibele Almeida Torres1, Eveline Pinheiro Beserra1, Maria Grasiela Teixeira Barroso1

1Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil

 Abstract: With this study we aim to investigate the life quality of families of pregnants and puerperal women associated to the knowledge amongst prevention of transmissive diseases. The present study used as procedure: participant observation and free interviews.  It was conducted at the community assisted by the family development center (CEDEFAM). The women interviewed highlighted the need of an educational process involving the prevention of transmissive diseases in the family environment for they presented a restrict knowledge of corporal and sanitary hygiene. Public policy’s actions will only have significant results when they turn to conscience the population about healthy life behaviors.

Keywords: prevention; transmissive diseases; life quality.

 Resumo: Objetivamos, com o presente estudo, investigar a qualidade de vida de famílias de grávidas e puérperas com relação ao conhecimento sobre prevenção de doenças transmissíveis. O presente estudo usou como procedimentos: a observação participante e a entrevista livre. O estudo foi realizado na comunidade assistida pelo Centro de Desenvolvimento Familiar (CEDEFAM). As mulheres visitadas trouxeram reflexões acerca da necessidade de um processo educativo envolvendo prevenção de doenças transmissíveis no ambiente familiar, já que as famílias apresentaram restrita noção de higiene corporal e sanitária. As ações das políticas públicas terão significativo resultado quando forem voltadas para a conscientização da população quanto ao comportamento de vida saudável.

 Palavras-chave: prevenção; doenças transmissíveis; qualidade de vida.

 INTRODUÇÃO

A família exerce importante função no complexo social. Ela é tida para seus membros como um local seguro, onde encontram alívio para suas tensões provenientes da rotina diária, trocam calor humano e ainda obtêm apoios nas suas necessidades materiais (1).

Além do mais, é um espaço onde as pessoas adquirem crenças, valores e costumes a partir das tradições culturais de seus antecedentes. Essas tradições são refletidas diretamente na saúde dos seus familiares, sendo, então, a família como um complexo campo de investigação aos pesquisadores.

As famílias de baixa renda têm características econômicas, educacionais e sociais diferenciadas. Geralmente, têm ausente ou baixo nível de escolaridade, apresentando ínfima noção de higiene corporal e sanitária e baixos recursos financeiros. Por esses fatores sociais, a saúde dessas famílias torna-se precária, necessitando de conhecimentos que lhes possibilitem evitar doenças facilmente preveníveis e, principalmente, viver com qualidade.

Sabendo que a ocorrência da maioria das doenças está relacionada às atividades diárias e ao ambiente físico e social e que, teoricamente, esses fatores são culturais e passiveis de mudanças pelas ações de promoção da saúde e para prevenção de enfermidades (2), percebemos a importância da realização de práticas socioeducativas que promovam a saúde.

O modelo das relações de gênero vista na família mantêm a situação estereotipada dos gêneros e de hegemonia masculina, tratando as mulheres como um ser dócil, cordial, cuidador da família e também responsável pelo setor privado do lar e os homens como capazes, ativos, fortes para o trabalho árduo e devendo responder pelo setor público do trabalho e pelo sustento do lar. Assim, entendendo que a mulher encarrega-se de cuidar da saúde dos familiares, percebemos seu relevante papel na saúde da família, sendo um dos alvo para as atividades de educação em saúde.

As gestantes, como potenciais cuidadoras dos lares, evidenciam-se como grupo-alvo de ações educativas em perspectiva crítica e transformadora, levando-as a perceberem os determinantes sociais e políticos das doenças transmissíveis, permitindo-lhes transformar o meio em que vivem, tornando-se cidadãs e sujeitas de suas ações (3).

Apesar de antiga, a visita domiciliar é um recurso que traz resultados inovadores, e tem por objetivo conhecer o perfil epidemiológico da comunidade, proporcionar assistência à saúde da família em questão, de uma maneira próxima do seu contexto diário, e concretizar a prática educativa, despertando a conscientização quanto às questões referentes à saúde, de forma a tornar independentes o indivíduo, família e as comunidades. A visita possibilita, além disso, fortalecer os vínculos cliente – terapêutica – profissional, elevando a qualidade dos serviços em saúde (4).

É neste contexto que abordamos a Educação em Saúde. A carta de Ottawa (5), documento fruto da primeira conferência internacional sobre promoção da saúde realizada em 1986, conceitua Educação em Saúde como um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e saúde, incluindo sua participação no controle deste processo. Reconhece, então, sua importância como meio de subsidiar conhecimento às pessoas, para que elas desenvolvam senso crítico e capacidade de guiar suas vidas. Essa abordagem, que tem o conceito associado ao de Promoção da Saúde, alcança uma definição mais ampla, proporcionando uma abordagem socioeducativa que assegure conhecimento, habilidades e formação da consciência crítica para tomar uma decisão pessoal com responsabilidade social, incluindo políticas públicas e reorganização de serviços (6).

Assim, constitui importante ação no ambiente familiar, trazendo conseqüências positivas no que tange à saúde. Percebemos a imensa necessidade de fazê-lo a partir das condições das nossas carentes famílias brasileiras, sempre tendo consciência de que o indivíduo só estará apto a cuidar do outro quando souber e puder cuidar de si mesmo.

Depois de quase duas décadas do processo de institucionalização do Sistema Único de Saúde, percebe-se a sua evolução no âmbito descentralização e municipalização, ampliando seu contato com a realidade social. Nesta perspectiva, vale ressaltar o crescimento da estratégia de Saúde da Família como reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, enxergando a família como objeto central para luta pela melhoria da qualidade de vida (7). E em 2006, foi lançado, em acordo com a perspectiva do SUS, o Pacto pela Saúde que engloba três dimensões: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão. Dentro do Pacto pela Vida é importante ressaltar, pela linha do nosso estudo, algumas prioridades que apresentam impacto sobre a situação de saúde da população brasileira: Fortalecimento da capacidade de respostas às doenças emergentes e endemias, com ênfase na dengue, hanseníase, tuberculose, malária e influenza; Promoção da saúde; Fortalecimento da Atenção Básica (8).

Entendendo que a qualidade de vida das pessoas está intimamente vinculada a educação e a promoção da saúde, este artigo tem como objetivo investigar a qualidade de vida de grávidas e puérperas no que se refere ao conhecimento sobre prevenção de doenças transmissíveis, na busca de contribuir para um comportamento de vida saudável.

METODOLOGIA

O estudo configura-se do tipo descritivo exploratório que foi realizado na comunidade de um bairro periférico da cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. Ela é assistida pelo Centro de Desenvolvimento Familiar - CEDEFAM, vinculado à Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará. Há aproximadamente 4400 famílias cadastradas, sendo assistidas por atendimentos prestados. Sua grande aceitação pela comunidade é favorecida pela igreja local, escolas e associações de bairro. O local serve como campo de prática dos cursos da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. Na prática do curso de Enfermagem são priorizadas as ações de competência da enfermagem pelos alunos da graduação, especialização, mestrado de doutorado (9).

O bairro apresenta sérios e alarmantes problemas sanitários como esgoto a céu aberto, insetos, lixo e água empoçada, características básicas da maioria dos bairros carentes de Fortaleza. Diante disso, sentimos a grande necessidade de esclarecer a população residente do local quanto às formas de prevenção de doenças transmissíveis (DT) e doenças sexualmente transmissíveis (DST).

A população do estudo foi constituída por gestantes e puérperas que realizavam consultas de pré-natal e consultas ginecológicas no CEDEFAM, das quais foram selecionadas três famílias de gestantes e uma família de puérpera de idades variando entre 21 e 32 anos. A partir do consentimento das mulheres em nos receberem em seus domicílios, começamos o ciclo de visitas, que tiveram uma abordagem previamente estruturada. As gestantes e puérpera representaram os informantes-chaves, como também os familiares, engrandecendo o conteúdo investigado, representaram os informantes complementares no processo da pesquisa. Suas identidades foram mantidas em sigilo. Nomeamos as participantes do estudo por nomes de flores para descrever suas falas: Jasmim, Hortência, Margarida, Papoula. O período de investigação foi de janeiro a abril de 2006.

A visita domiciliar tornou-se o instrumento fundamental a esta pesquisa, já que nos ofereceu a oportunidade de conhecer e refletir sobre o mais vasto campo de observação do contexto familiar no que tange à saúde, ao seu próprio lar. Optamos por essa prática por proporcionar interação com as famílias no seu contexto diário, podendo observar ações que influenciam na sua saúde.

A primeira visita realizada às famílias tinha por objetivo acolhe-las pra torná-las à vontade com a nossa presença. Nós explicávamos em que consistia a pesquisa, ao mesmo tempo em que observávamos o contexto familiar em questão. Nesta visita era questionado o significado de saúde e o que elas faziam para manterem-se saudáveis.

Na segunda visita, abordamos as “doenças que são transmitidas pela água e alimentos contaminados, pelo solo e por animais domésticos”. Questionávamos quanto ao tratamento de água no domicílio, lavagem de alimentos e higiene corporal e domiciliar. Orientávamos quanto às formas de prevenção de determinadas doenças.

Na terceira visita, abordávamos as “doenças transmissíveis pelo ar”. Comentávamos sobre as doenças e seus sinais e sintomas, observando os conhecimentos quanto à temática. Orientávamos as formas de contágio e prevenção das doenças.

Na quarta visita, abordávamos as “doenças transmitidas pelo sexo”. Questionávamos os conhecimentos sobre a temática, as formas de prevenção, e como o assunto era tratado no lar. Apresentávamos figuras acerca dos sinais das doenças, mostrando a necessidade de tratamento adequado.

Na quinta visita, realizávamos uma avaliação final, pedindo opiniões acerca dos encontros e preenchíamos um questionário previamente estruturado que nos mostrou o conhecimento das mulheres acerca da temática que envolveu todas as visitas.

Em todas as visitas, utilizamos recursos visuais de figuras para chamar atenção quanto à problemática das doenças transmissíveis e incentivar a pratica de prevenção dessas doenças nos hábitos do lar.

O presente estudo usou como procedimentos a observação participante e a entrevista livre. A observação participante consiste em um método não estruturado, mediante o qual um pesquisador mantém elevado grau de contato e envolvimento com os sujeitos da pesquisa, penetrando o ambiente social e compartilhando suas experiências (10). A observação participante persistiu durante todo processo de investigação com intuito de formular determinados conhecimentos acerca da realidade que tivessem por finalidade a conscientização e a transformação (11).

A entrevista garantiu um diálogo aberto entre os participantes. Esta foi aplicada durante todas as visitas, objetivando analisar o conhecimento e os métodos de prevenção das doenças transmissíveis pelas gestantes.

Deram apoio ao estudo o diário de campo e o questionário. O diário de campo, sendo um registro das conversas todos os dias ocorridas e de descrição estrutural do campo visitado, permite ao pesquisador detalhar suas impressões e reflexões durante a aplicação da pesquisa. O questionário foi aplicado no término do ciclo das visitas domiciliares, objetivando avaliar o conteúdo assimilado pelas gestantes durante as visitas.

Aspectos éticos e também legais que envolvem pesquisas com seres humanos foram respeitados, conforme a Resolução Nº. 196\96, do Conselho Nacional de Saúde. Frisamos, também, que o projeto foi submetido ao Comitê de Ética do Hospital São José de Doenças Infecciosas e aprovado, conforme o Parecer Nº. 0053/2004, emitido em 21 de março de 2004. Foi explicado que a participação era livre e que a recusa em participar do experimento não lhes causariam nenhuma restrição ao acesso ao CEDEFAM.  

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados e suas discussões foram organizados de acordo com a temática da visita: a  primeira visita domiciliar denominamos por “Percepções e significados da saúde”, a segunda foi chamada “Prevenção de doenças transmissíveis I”, seguindo-se a “Prevenção de doenças transmissíveis II”, a “Prevenção de doenças transmissíveis III” e, finalmente, a quinta visita domiciliar foi chamada de “Percepções da qualidade de vida familiar”.  

   Primeira visita domiciliar – Percepções e significados da saúde

As visitas domiciliares, sob a perspectiva do acolhimento, consistiram a todo o momento em receber e ouvir as famílias, buscando compreendê-las e solidarizar-se com elas. É importante considerar o acolhimento, por subsidiar o entendimento das particularidades de cada família, permitindo o conhecimento das percepções de saúde e doença e compreendendo suas dificuldades e seus determinantes, favorecendo o vínculo entre os pesquisadores e as famílias.

O significado do termo saúde sempre é muito discutido. Então, na primeira visita, questionamos às famílias o que significava ter saúde para elas e abordamos também as práticas que elas consideravam essenciais para manterem-se saudáveis. Seus comentários foram:

Saúde é não beber, não fumar, cuidar da alimentação e fazer exames no médico. Para ter saúde tem que evitar ficar descalça no sol e pegar na água quente (Jasmim). 

Saúde é tudo. É ter pressão normal, sem diabetes, ou colesterol alto. Para ter saúde tem que se alimentar bem, fazer caminhada, dormir bem e ter tranqüilidade (Margarida). 

Saúde é tudo, sem gripe ou doença na garganta. Para ter saúde é preciso fazer tudo certo para na pegar doença (Hortência). 

Saúde é viver bem, ter alimentação saudável e praticar esportes. Para ter saúde tem que ter alimentação saudável (Papoula). 

Observando as declarações dos sujeitos da pesquisa, percebemos que o significado de saúde se confunde bastante com a ausência de doença. Essa concepção reducionista acerca do vocábulo saúde reflete bastante a cultura em torno da doença.

Algumas declarações com relação à prática de esportes, à alimentação saudável, ao não consumo de bebidas alcoólicas, não fumar, viver bem, ter pressão arterial normal e sem diabetes ou colesterol alto refletem bastante as políticas públicas realizadas com vistas à prevenção de doenças. Houve forte ênfase na alimentação saudável como fator determinante da saúde. Assim, percebemos intensa influência dos trabalhos realizados pelo CEDEFAM nas declarações das mulheres relativamente aos cuidados com a saúde.

A condição da saúde mental e bem-estar esteve presente nas conversas. As famílias indagaram bastante a importância de fatores como tranqüilidade e conciliação do sono estarem presentes para serem saudáveis.

Enfim, percebemos que, apesar de conceituarem a saúde em uma visão bem biomédica, no decorrer das conversas, as famílias revelaram mudanças neste paradigma, gerando uma perspectiva mais ampla na cultura da saúde e não mais da doença, no âmbito da promoção da saúde nos comportamentos.    

Segunda Visita - Prevenção de doenças transmissíveis I

Nesta visita, foram questionados desde seus hábitos de higiene corporal à higiene do lar, alimentos e água. Vários tabus culturais foram encontrados. As famílias mostraram-se bastante interessadas, já que foram questões bem presentes nos seus cotidianos.

Percebemos que o tratamento da água para o consumo variou bastante: uma fervia, outra filtrava, outra consumia água mineral comercializada e outra bebia água diretamente da torneira. A questão que determinou a escolha do tratamento de água, foi a condição financeira, mostrando o social como fator gerador de saúde.

Quanto à higiene de alimentos, duas conheciam os riscos de lavar alimentos apenas com água e as outras duas sabiam da necessidade da água sanitária como complemento de limpeza. Ações educativas que apresentem a importância do tratamento de água para o consumo e a necessidade da higiene de alimentos como prevenção de doenças transmissíveis são necessárias.

Quanto às doenças de transmissão percutânea, percebemos que elas as ignoravam e desconheciam a importância do uso de calçados como forma de prevenção. Enfatizamos os riscos das doenças, mostramos figuras com certas complicações clínicas e as mulheres mostraram-se atentas quanto à necessidade de seu uso.

O problema que mais apresentou resistência para ser solucionado foi o de animais domésticos. Duas famílias possuíam animais. Ambas desconheciam qualquer risco de possuir animais domésticos no lar, mostrando a necessidade de ações educativas de saúde que os apresente, evidenciando que o cuidado com os cães e gatos não se restringem a vacinação. Desconheciam sinas e sintomas de calazar, os riscos da toxoplasmose, as verminoses, doenças percutâneas e até o risco de doenças respiratórias aos bebês que estavam por vir.

A comunidade apresenta sérios problemas hidrossanitários. Uma das famílias tinha o lar seriamente comprometido, apresentando mau cheiro e mosquitos, com nítida falta de higiene no lar. Enfatizamos a necessidade de esclarecimentos à população quanto aos riscos à saúde quando mantido esse tipo de atitude. 

Terceira Visita - Prevenção de doenças transmissíveis II

Nesta visita, abordamos essencialmente doenças de transmissão aérea e por vetores, comumente encontradas no contexto da comunidade focalizada. Apresentamos sinais e sintomas característicos de cada doença e manifestamos formas de preveni-las. Por meio de figuras, abordamos doenças como rubéola, caxumba, varicela, hanseníase, tuberculose, dengue, leishimaniose tegumentar e visceral. E, assim, estimulamos as famílias a falarem de suas experiências com essas doenças na infância e das condições dos filhos e membros familiares.

Percebemos pelos relatos que elas se interessaram bastante pelo assunto, principalmente quando o problema poderia atingir as crianças. Durante as conversas, notamos o quanto o risco de doenças as apavoraram. Porém, princípios básicos de prevenção, como a imunoprofilaxia, são ignorados por falta de informação.

Elas enfatizaram a escassez de políticas públicas no quesito de saneamento básico, já que o bairro apresenta péssimas condições hidrossanitárias, sendo um grande foco de doenças transmissíveis.

Outro problema que elas relatavam bastante era a falta de conscientização dos vizinhos quanto à prevenção de enfermidades como a dengue, que carece da cooperação de todos da comunidade. Assim, enfatizaram que, apesar de terem exibido atitudes que previnem a doença, os vizinhos não colaboravam com a mesma ação.

Percebemos, em alguns relatos, a insatisfação quanto ao atendimento nas unidades de saúde próximas de casa:

...é difícil adoecer nesse país diante da dificuldade de se conseguir consulta médica (Hortência). 

Na terceira visita, tivemos uma grande satisfação. Uma das família revelou a mudança de atitude da criança de apenas cinco anos de idade, após a segunda visita:

...não brinca mais na terra porque pega lombriga (Papoula). 

Quarta Visita - Prevenção de doenças transmissíveis III

Nesta ocasião, abordamos as doenças sexualmente transmissíveis (DST). Questionamos os conhecimentos das famílias sobre a temática, as formas de prevenção delas e como o assunto era tratado no lar. Apresentamos figuras acerca dos sinais das doenças. Todos mostraram-se interessadas no assunto e demonstraram curiosidade. A partir das figuras ilustradas, o tema se desdobrou e formaram-se ricos diálogos.

Todos referiram já haverem recebido algum tipo de informação sobre doenças sexualmente transmissíveis, seja por meio da escola, dos folhetos distribuídos nas unidades básicas de saúde, da mídia ou palestras desenvolvidas no CEDEFAM. Referiram-se mais à AIDS, talvez por ser a DST mais debatida. Abordamos a temática com figuras ilustradas com sinais clínicos clássicos das doenças. Todas as mulheres demonstraram bastante asco e temor diante delas. Todas referiram ir à consulta ginecológica pelo menos uma vez ao ano, pois sabiam da sua devida importância.

O preservativo ainda é um assunto pouco debatido nas famílias visitadas. As mulheres de mais idade aparentavam estar bastante constrangidas quando demonstrávamos seu uso correto e mostravam pouca intimidade com a camisinha, evidenciando, assim, seu pouco uso nas relações sexuais. As mulheres mais jovens demonstravam conhecer bem o uso do preservativo, no entanto, pelo diálogo, notamos que atualmente não usam com seus companheiros. Todas afirmaram reconhecer a existência dos riscos no sexo desprotegido, mesmo estando em relacionamento estável ou casadas, porém nenhuma usa preservativo regularmente nas relações. Isso acontece, na maioria das vezes, pelo fato das mulheres ainda se encontrarem em desvantagem no momento de negociação do uso do preservativo na relação sexual, principalmente as mais idosas e as que vivem em união estável (12).

Graças ao atual formato das relações de gênero desiguais, as mulheres encontram-se em uma situação de grande vulnerabilidade em relação às DST em decorrência de seu comportamento sexual desprotegido, creditando confiança nos parceiros (13). Esse método deve ter uma prioritária investigação no campo da pesquisa quanto a sua real utilização, já que, além de ter uma função anticoncepcional, o uso do preservativo é tido como a forma mais eficiente de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis (DST).

Sabemos que no início da epidemia do HIV as ações educativas não reconheciam a população feminina como público-alvo (14). Portanto, elas não se reconheciam como possíveis portadoras do HIV ou de outras DST. Essa rodada de visitas evidenciou que elas ainda hoje não se percebem em risco de adquirir uma DST, apesar das ações educativas voltadas a elas.  Elas temem bastante as DST e reconhecem os riscos de adquiri-las no sexo sem preservativo, mas ainda não realizam uma prática segura.

São evidências de que a população ainda não está realmente conscientizada quanto a esta problemática e que práticas educativas, com perspectiva crítica e transformadora, se fazem urgentes nas atuais práticas de educação em saúde. 

Quinta Visita - Percepções da qualidade de vida familiar

Esta visita consistiu em uma avaliação geral das visitas domiciliares realizadas. Sugerimos que as famílias dissessem livremente suas opiniões e dessem sugestões para nos aprimorarmos. Pedimos também que elas dissessem quais os assuntos mais relevantes a serem abordados nas visitas. Ao final, aplicamos um questionário previamente estruturado com perguntas abertas para avaliar o seu nível de aprendizado.

Questionamos quanto à qualidade de vida das famílias. Uma associou a qualidade de vida à higiene da água e alimentos, outra à realização de atividades físicas, outra referiu já ter qualidade de vida e em nada precisar mudar e a outra associou à prática de esportes e ingestão de boa alimentação. A família que referiu já ter uma boa qualidade de vida é justamente a que apresenta situação familiar mais precária quanto à higiene do lar e situação financeira. São opiniões bastante distintas, mostrando as diferentes percepções da qualidade de vida pelas famílias e o grau de conformação que as famílias se encontram quanto as suas condições sociais.

Todas enfatizaram a necessidade da prática do sexo com preservativo para prevenir as doenças sexualmente transmissíveis, mostrando novamente o quanto a informação está distante da real prática saudável no contexto das famílias.

As mudanças de hábitos foram sentidas pela fala de uma das gestantes:

...aprendi a ter cuidados com a água que bebemos e comemos. Agora, vou ferver sempre (Papoula). 

...desconhecia a transmissão de muitas doenças por animais domésticos. Vou ter mais cuidado com meus cachorros (Jasmim).  

Todas verbalizaram que apreciaram as visitas domiciliares realizadas e que consideraram os temas debatidos fundamentais. Suas sugestões indicavam a realização deste tipo de trabalho com toda a comunidade para que mais famílias tivessem a oportunidade de conhecer as práticas saudáveis dentro do lar, evitando doenças claramente preveníveis. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de a sociedade atual ser geradora de novos e complexos problemas como deterioração da família, deterioração dos vínculos afetivos, perda do sentido da vida, depressão, suicídio e violência que favoreçam o surgimento das patologias sociais, a família ainda representa o núcleo de apoio maior ao indivíduo e ao contexto geral (15).

Antes de tudo, é relevante salientar a importância de desfocar a atuação da mulher gestante ou puérpera no cuidado do lar e na prevenção de doenças transmissíveis e perceber as particularidades da comunidade da qual ela participa, pois a prevenção, como prática coletiva, não é responsabilidade exclusiva de um único agente, mas demanda apoio de uma rede social (16).

As famílias das três gestantes e da puérpera visitadas, com suas significativas colaborações e contribuições a este estudo, trouxeram reflexões no âmbito da prevenção de doenças transmissíveis no contexto da residência familiar e dos seus significados da qualidade de vida.

Os problemas de saúde vivenciados atualmente evidenciam a necessidade de busca de distintas formas de assistência, diferentes do hospitalocentrismo. Assim, a assistência no domicílio vem sendo estimulada como prática que leva a qualidade da assistência em saúde (17).

Percebemos, então, o quanto há necessidade de implantação de um programa educativo que aborde a prevenção de doenças transmissíveis, pelas mais diversas formas, no ambiente doméstico. Além disso, sentimos o quanto as famílias se mostraram interessadas em participar das nossas conversas e construir um diálogo coletivo no âmbito da saúde e prevenção de doenças, ou seja, há uma vontade da população de entender os determinantes sociais e cotidianos  das doenças transmissíveis e da qualidade de vida.

Percebemos uma complexa situação de exclusão social nos contextos que investigamos e devemos ter claro que esta condição vulnerável não deve ser encarada como uma culpa da família carente. A família não pode arcar com uma sobrecarga de sentimentos de culpa por ser atingida por episódios de doenças preveníveis por medidas simples de higiene pessoal, já que é uma condição gerada fora dela. Problemas complexos exigem soluções complexas, interdisciplinares e multissetoriais (18). As ações das políticas públicas só terão verdadeiro resultado quando forem voltadas para a conscientização da população quanto ao comportamento de vida saudável e à intersetorialidade, por envolver todo o contexto socio-sanitário.

Há uma série de contradições, mostrando que nem sempre o conhecimento do risco é suficiente para ter um hábito de vida saudável, já que há todo um contexto social que influencia estas famílias.  Um exemplo disso é o comportamento das mulheres com relação ao não-uso do preservativo nas relações sexuais, mesmo reconhecendo que podem adquirir alguma doença sexualmente transmissível. Nesse caso, fatores como o não-uso do preservativo anteriormente não as motiva a mudar de prática, mostrando as tradições culturais como barreira para as mudanças de comportamento. Porém, destacamos principalmente que a vulnerabilidade dos indivíduos às DST sempre deve ser lembrada como condição influenciada pela atual relação de gênero desigual e como os indivíduos se moldam a esta situação: o homem se expondo às DST por sentirem necessidade de se colocarem como sexualmente potentes e poligâmicos, não querendo usar preservativo, e as mulheres, na circunstância de submissão ao desejo sexual masculino, incumbindo seus desejos e anseios pessoais.

  As visitas domiciliares foram fundamentais para compreendermos o contexto vivido pelas mulheres e suas famílias e imprescindíveis para percebermos o quanto a tradição cultural influencia seu comportamento no que tange à saúde. Somente tendo esse tipo de prática e conhecimento, o educador ou profissional de saúde poderá se apoderar da educação quanto aos hábitos de vida saudáveis e intervir na saúde da população.

Enfim, várias ações do cotidiano demonstraram a vulnerabilidade social a que estas famílias estavam expostas pela falta de informação. Porém, o conhecimento científico não pode ser base para recriminação destas famílias, reconhecendo que as pessoas que participam deste processo educativo tem dignidade e integridade. Esta deve ser uma construção de base democrática e igualitária na comunicação da prática pedagógica. Assim, esta concepção percebe a educação como processo de comunicação que leva a liberdade e a felicidade dos indivíduos e que, principalmente, os educando e educadores são sujeitos ativos em uma relação recíproca e de crescimento (19). 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Contribuição dos autores:
-Concepção e desenho:
Cibele Almeida Torres, Eveline Pinheiro Beserra, Maria Grasiela Teixeira Barroso
-Análise e interpretação:
Cibele Almeida Torres, Eveline Pinheiro Beserra, Maria Grasiela Teixeira Barroso
-Escrita do artigo:
Cibele Almeida Torres
-Revisão crítica do artigo: Cibele Almeida Torres, Eveline Pinheiro Beserra, Maria Grasiela Teixeira Barroso

-Aprovação final do artigo:
Maria Grasiela Teixeira Barroso
-Colheita de dados: Cibele Almeida Torres, Eveline Pinheiro Beserra
-Obtenção de suporte financeiro: Maria Grasiela Teixeira Barroso
-Pesquisa bibliográfica: Cibele Almeida Torres, Eveline Pinheiro Beserra, Maria Grasiela Teixeira Barroso


Apoio financeiro à pesquisa
: CNPq
Endereço para correspondência
: Rua Coronel Linhares, 930, apto 103 – Aldeota. CEP: 60170240

Received: Oct 31st, 2006
Revised: Dec 18th, 2006
Accept: Jan 23rd, 2007