2020 – Ano Internacional da Enfermagem: Desafios e Conquistas (e outros desafios)

 

Osnir Claudiano da Silva Junior1

 

1 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

 

 

Em 24 de maio de 2019, o Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE) e a Campanha Nursing Now anunciaram durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde em Genebra, a celebração de 2020 como Ano Internacional da Enfermeira e da Parteira.

O Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que:

"A OMS tem orgulho de propor o ano de 2020 como o Ano da Enfermeira e da Parteira. Essas duas profissões da saúde são inestimáveis para a saúde das pessoas em todos os lugares.

Sem enfermeiras e parteiras, não alcançaremos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ou a cobertura universal de saúde.”

Na oportunidade, a Presidenta do CIE, Annette Kennedy agradeceu aquiescência da OMS e relacionou a comemoração aos 200 anos de nascimento de Florence Nightingale, uma das fundadoras da enfermagem moderna.1

Esta soma de iniciativas inédita no mundo, é uma oportunidade de que o trabalho das enfermeiras e parteiras seja mais conhecido e valorizado pelas sociedades como elementos vitais para a vida e qualidade de vida das populações. Que os governos possam despertar e agir para as necessidades de formação, proteção e valorização destes profissionais.

Eventos científicos e comemorativos, publicações, transmissões de conferências e outras atividades foram incluídas no calendário do ano na busca de maior conexão entre as enfermeiras e parteiras e com as comunidades locais e transnacionais.

Tomando como base a fundação da Nightingale Training School at St. Thomas Hospital e a publicação de "Note on Nursing: What it is and what it is not" (1860) por Florence Nightingale, temos 160 anos de mudanças na base de conhecimentos e de ética e valores ao cuidado humano, atividade essencial à vida.

É importante destacar que a segunda metade do século XIX é o panorama social do que se chama de Segunda Revolução Industrial com reflexos evidentes nos maiores centros urbanos. Comodidades da vida moderna disponível à burguesia contrastavam com as péssimas condições de vida das classes operárias.

Ao advogar por espaço mais alargado e destacado para enfermeiras, na sua esmagadora maioria mulheres, ao trabalho com formação elevada com investimentos públicos, no conhecido período vitoriano, Florence deflagrou um processo que em 30 anos culminou com a promulgação da proibição de contratação de enfermeiras sem formação nas bases estabelecidas por ela. 2.

O trabalho continuado de lideranças internacionais e agregação de valores e instituições como a Organização Mundial do Trabalho, lideranças feministas, acordos e desacordos com entidades religiosas ou leigas com a Cruz Vermelha Internacional e a atuação do Conselho Internacional de Enfermeiras (1899) firmaram uma identidade profissional para a enfermagem. Naturalmente há uma grande diversidade entre esta identidade nas mais de130 entidades nacionais que integram o CIE.

Esta discussão sobre a identidade profissional da enfermagem contém elementos de ordem mais objetiva como as necessidades sociais e características deste trabalho, a formação necessária para o exercício destas atividades, o desenvolvimento de metodologias adequadas à resolução dos problemas de saúde dos indivíduos e das comunidades, da disponibilidade de profissionais para esta gama de necessidades, da divisão destas atividades no mundo social; da venda de mão-de-obra e do conhecimento próprio da enfermagem.

Há também questões subjetivas como das vocações ou características pessoais para o exercício desta profissão.

Algumas destas questões já tem respostas mais elaboradas outras vão sendo modificadas, por exemplo, com a rápida expansão do conhecimento, das tecnologias e disponibilidade de recursos de todas as ordens à formação e exercício profissional da necessidade primeira do ser humano, receber cuidados que sustentem e qualifiquem a vida, da concepção aos momentos finais e até depois destes.

Com uma agenda cheia de eventos e expectativas para 2020, encerramos o ano de 2019 e naquele dezembro uma notícia começava a ocupar os noticiários, a descoberta de um novo vírus que infectava humanos na cidade de Wuhan na China continental com alta transmissibilidade e efeitos devastadores no sistema respiratório.

Nas semanas seguintes, o mundo se viu assombrado pela rápida disseminação do já identificado novo coronavírus (SARS-CoV-2) e a declaração da Organização Mundial de Saúde de uma Pandemia em 114 países, de acordo com o diretor-geral Tedros Adhanon em 11 de março de 2020. Este anúncio veio junto com o pedido para que as nações ativassem e ampliassem seus mecanismos de resposta a emergências.

A partir daí a enfermagem foi chamada a um enorme esforço de mobilização de suas capacidades de trabalho direto com os doentes, prevenção da disseminação, produção de respostas nas áreas da educação, da gerência de crise nas instituições e nas comunidades, desenvolvimento científico e tecnológicos adequados.

Os trabalhadores de enfermagem de todo o mundo responderam ao chamado dos seus juramentos e compromisso com a coletividade. Logo nos chegaram imagens do grande impacto da COVID 19 nos serviços da saúde do mundo e a notícia de que o Brasil também viveria esta situação dramática.

Nosso sistema de saúde em poucas semanas se viu fragilizado por anos de problemas de gestão que de longa data não foram solucionados e no final do mês de abril o país já sofria com mais de 85.000 casos confirmados, muito perto dos 6000 óbitos e taxa de letalidade de mais de 6%. 3

O ano de comemoração se transformou num ano de grande desafio para os profissionais de enfermagem. Sobrecarga de trabalho, baixos salários, jornadas longas e muitas vezes duplas. Uma doença ainda desconhecida, altos riscos de contaminação que lamentavelmente vitimaram muitos colegas.

Ainda nos meses iniciais do ano já demonstramos sobejamente o papel fundamental para as sociedades; que temos formação, disposição e coragem para enfrentamentos vigorosos. Esperamos superar esta crise sanitária que tem sacrificado muitas vidas, muitas à exaustão. Não existem lutas e conquistas fáceis para a enfermagem. Continuaremos com elas.

O ano de 2020 corre em meio a uma crise que não vivenciamos, esperamos sair dele fortalecidos para lutarmos por melhores posições no tecido social. Sinto-me honrado em poder dizer que faço parte desta profissão. Agradecido por poder registrar aqui estas palavras, parabenizo os colegas, profissionais valiosos que dedicam suas vidas ao cuidado do outro.

* Enfermeiro, Doutor em Enfermagem, Prof. Titular na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

 

REFERÊNCIAS

 

1. Consejo Internacional de Enfermeras. El Consejo Internacional de Enfermeras y Nursing Now celebran la declaración de 2020 como el Año Internacional de la Enfermera y la Partera [Internet]. Genève 2019 [Cited 2020 abr 30]. Available from: https://www.icn.ch/es/noticias/el-consejo-internacional-de-enfermeras-y-nursing-now-celebran-la-declaracion-de-2020-como

 

2. Miranda CML. O risco e o bordado – um estudo sobre a formação da identidade profissional. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ;1996. 199p.

 

3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Informática do SUS. Painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) no Brasil pelo Ministério da Saúde [Internet]. 2019 [Cited 2020 abr 30]. Available from: https://covid.saude.gov.br/