Prática clínica de enfermagem para a redução da ansiedade em pacientes no pré-operatório cardíaco: pesquisa intervenção
Luana Maria Bráz Benevides1, Leticia Moura Fernandes2, Lucia de Fátima da Silva2, Maria Sinara Farias2, Ana Cleide Silva Rabelo2, Samya Coutinho de Oliveira2
1 Universidade de São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
Objetivo: identificar a contribuição de intervenções de enfermagem para a redução da ansiedade em pacientes em pré-operatório de cirurgia cardíaca. Método: estudo do tipo Pesquisa de Intervenção, realizado em dois meses de 2018, com 20 pacientes. A coleta de dados foi realizada em três momentos. Resultados: revelou-se que o ser-cardíaco no pré-operatório de cirurgia cardíaca é predominantemente do sexo masculino, hipertenso, aguardando realização de troca valvar. Mostraram-se fatores de risco significativos para a ansiedade: linguagem técnica dos profissionais, experiência prévia de cirurgia cardíaca e o cancelamento desta durante a internação. Discussão: Estudos prévios também apresentaram resultados semelhantes aos encontrados neste, confirmando, ainda, o papel fundamental da enfermagem no enfrentamento da ansiedade que é tão comum na espera da cirurgia. Conclusão: Neste contexto, as intervenções de enfermagem podem contribuir para significativa redução da ansiedade dos pacientes, gerando resultados positivos para o paciente e para a instituição de saúde.
Descritores: Enfermagem Cardiovascular; Pré-operatório; Cirurgia Cardíaca; Processo de Enfermagem; Ansiedade.
INTRODUÇÃO
A Enfermagem, fundamentada em seu cuidado holístico, deve ter uma abordagem ampla e adaptada às diferentes situações clínicas, voltada para as dimensões físicas, biológicas, emocionais, sociais e econômicas das pessoas cuidadas, no ambiente em que está inserida. Assim, deve conhecer além do adoecimento do paciente, em busca de melhores resultados. Quando se pensa o cuidado de enfermagem sistematizado pelo processo continuado de fazer voltado para as condições de adoecimento, pode-se destacar as condições de adoecimento cardiovascular, as quais exigem do enfermeiro cuidados mais específicos, devido às suas particularidades e mudanças mais intensas e de maior impacto na vida do paciente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 17,5 milhões de pessoas morreram por doenças cardiovasculares em 2012, representando 31% de todas as mortes em nível global(1). Algumas Doenças Cardiovasculares (DCV) tornam-se tão graves que a única forma de trata-las é por meio de um procedimento cirúrgico, o qual pode trazer respostas humanas negativas, devido principalmente, à sua gravidade, além de se constituir em um momento difícil para o ser humano, independentemente da sua complexidade. Desequilíbrios emocionais são comuns, pois o paciente torna-se mais propício a adquirir sentimentos que poderão contribuir negativamente para o seu estado de saúde e para condutas que serão realizadas. A ansiedade é um dos sentimentos mais prevalentes neste momento. É importante comprovar uma possível redução dos níveis de ansiedade de pacientes que serão submetidos à cirurgia cardíaca para que, tantos os profissionais, como os que ainda serão formados, saibam, cada vez mais, a importância da relação concreta, real e eficaz entre profissional-paciente. O fato de a cirurgia estar relacionada a um órgão vital, fundamental para que haja vida, torna- ou aumenta as chances de tornar- a situação ainda mais complexa e delicada do que realmente ela é. Dessa forma, vários níveis de ansiedade podem surgir, podendo afetar negativamente no andamento do tratamento. O momento pré-operatório e o seu manejo têm fundamental importância. O valor da orientação pré-operatória tem sido reconhecido há tempos. Cada cliente é orientado em sua qualidade de indivíduo, considerando suas ansiedades, necessidade e esperanças como únicas(2). O enfermeiro, ciente dessas condições e baseado em práticas educativas e de acolhimento poderá alcançar bons resultados para o paciente e para a instituição de saúde a qual faz parte. A equipe de enfermagem, e o enfermeiro em particular, destacam-se como aliados no cuidado desse paciente, somando esforços para minimizar a ansiedade pré-operatória por meio de uma escuta terapêutica em que o ser cuidado seja ouvido e suas angústias, dúvidas e medos sejam eliminados, parcial ou totalmente. Isso ocorre mediante um atendimento de qualidade às necessidades singulares de todos aqueles que passarão por procedimentos cirúrgicos. Considerando a problemática apresentada, escolheu-se estudá-la diante do interesse de cada vez mais qualificar trabalho de enfermagem no campo do adoecimento cardiovascular. O estudo possibilitou conhecimentos e práticas que podem contribuir no exercício da enfermagem e na sua relação com pacientes em pré-operatório de cirurgia cardíaca diminuindo ou até mesmo fazendo cessar o diagnóstico de enfermagem “Ansiedade”. Dessa forma, riscos e/ou complicações durante a cirurgia e no pós-operatório devido a desequilíbrios emocionais, os quais desencadearam desequilíbrios biológicos/hemodinâmicos, poderão ser reduzidos. Diante deste contexto, pensou-se como pergunta norteadora do estudo: como uma intervenção de enfermagem, com bases educativas e de acolhimento, pode contribuir para a redução da ansiedade de pacientes em pré-operatório de cirurgia cardíaca? E o objetivo foi identificar a contribuição de uma intervenção de enfermagem para a redução da ansiedade em pacientes em pré-operatório de cirurgia cardíaca.
MÉTODO
Trata-se de um estudo do tipo Pesquisa de Intervenção, realizado em conjunto com a população pesquisada, visando a modificação processual do objeto de pesquisa por meio de intervenções no dia a dia dos estabelecimentos(3). No caso, a intervenção teve como objetivo reduzir os níveis de ansiedade em pacientes em pré-operatório de cirurgia cardíaca. O estudo foi realizado em um hospital público estadual, do SUS, localizado na cidade de Fortaleza-Ceará. Visto a necessidade de realizar a coleta no período pré-operatório, as entrevistas foram realizadas nos setores de cardiologia, tipo enfermaria, denominadas unidades B, C e G. A coleta de dados realizou-se entre maio e junho de 2018, sendo precedido da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. Participaram do estudo 20 pacientes em pré-operatório de cirurgia cardíaca; com risco ou presença do diagnóstico de enfermagem “Ansiedade” no Processo de Enfermagem (PE); que estavam com aprazamento cirúrgico e com, pelo menos, três dias de antecedência do procedimento, maiores de 18 anos. Foram excluídos pacientes em pré-operatório de transplante cardíaco, devido à diferenciada complexidade desta cirurgia; aqueles que apresentassem dificuldades de fala ou déficit cognitivo que dificultasse a comunicação necessária para o estudo; e em uso de ansiolíticos. Optou-se por uma amostra por conveniência, no período reservado à coleta de informações que ocorreu nos meses de maio e junho de 2018, em função de limitações como tempo e recursos. Na amostragem por conveniência (não probabilística), os elementos da amostra são selecionados por conveniência ou facilidade para o pesquisador(4). Para este estudo, atingiu-se amostra de 20 pacientes, considerando o alto índice de suspensão das intervenções cirúrgicas decorrente de crise financeira no hospital. A coleta de dados foi dividida em três etapas. Inicialmente, três dias antes do procedimento cirúrgico, os prontuários foram utilizados para que a pesquisadora identificasse os pacientes em pré-operatório de cirurgia cardíaca e já com o aprazamento cirúrgico, que estivessem com o diagnóstico de enfermagem “Ansiedade”, com foco no problema ou vulnerabilidade, no registro dos enfermeiros no impresso implantado na instituição. Com o diagnóstico identificado, procedia-se à entrevista, mediada por um formulário elaborado pela própria pesquisadora. Este instrumento foi composto por perguntas de caracterização social, demográfica e clínica dos pacientes, de forma a analisar o perfil. Nesta mesma ocasião, utilizou-se um instrumento do tipo escala, adaptado a partir de características definidoras referentes ao diagnóstico de enfermagem “Ansiedade”, presentes no PE, como forma de mensurar o diagnóstico. Este instrumento foi aplicado em dois momentos de análise do nível de ansiedade; primeiro como informação base antes da implementação das intervenções de enfermagem para ansiedade; e após sua realização. O intuito era avaliar os sinais e sintomas de ansiedade pré e pós intervenções propostas, por meio da escala elaborada, do discurso e do comportamento dos entrevistados. Assim, foram avaliadas as seguintes percepções: “agitado”, “nervoso”, “inquieto”, “irritado”, “indeciso”, “preocupado”, “com medo”, “com raiva” e sentimento de “tensão muscular”, “dificuldade de se concentrar”, “dificuldade de resolver problemas”, “tontura”, “sudorese”, “fadiga”, “insônia”, “mudança de padrão intestinal” e “mudança de padrão alimentar”. A segunda etapa, que correspondeu ao segundo encontro com cada participante do estudo, caracterizou-se pela intervenção educativa, a qual aconteceu dois dias antes da cirurgia. Para tanto, foi utilizado um roteiro de intervenções de enfermagem baseado na Classificação de Intervenções Enfermagem (NIC)(5). A terceira e última etapa, realizada em um terceiro encontro com cada paciente, um dia antes do agendamento do seu procedimento cirúrgico, foi constituída pela reaplicação da escala de avaliação de ansiedade, com vistas a analisar a resposta dos pacientes às intervenções implementadas.
Para as variáveis independentes (idade, renda familiar e anos de estudo) e dependentes (estado civil, situação empregatícia e comorbidades), foi utilizada análise descritiva. A pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, sob CAAE 87213318.4.0000.5039 e parecer 2.621.395.
RESULTADOS
Os participantes do estudo eram predominantemente do sexo masculino (60,0%), com idades acima de 51 anos (80,0%), residentes do interior do Ceará (65,0%), realizaram de forma completa ou incompleta o ensino fundamental (65,0%), co-residência com cônjuge (55,0%), com casa própria (75,0%) e cristãos (100,0%). Para a maioria, a fonte de renda pessoal provém da aposentadoria, com renda familiar de um salário-mínimo (80,0%). A etiologia mais prevalente da cirurgia cardíaca foi secundária ao infarto agudo do miocárdio com ou sem supra de segmento ST, doença arterial coronariana classificada por triarterial ou multiarterial, insuficiência cardíaca e estenose ou insuficiência valvar. A cirurgia valvar foi a intervenção cirúrgica predominante (50,0%), seguindo a de revascularização do miocárdio (45%) e aneurisma de aorta (5,0%). Os entrevistados estavam pela primeira vez em pré-operatório de procedimento cirúrgico cardíaco (55,0%), sendo que 90,0% dos pacientes relataram internações anteriores. A maioria dos entrevistados possuía comorbidades (65,0%) e, entre elas, a hipertensão (69,2%) foi a mais prevalente. Concernente ao estilo de vida, história de tabagismo (65,0%) e etilismo (70,0%). Antes de planejar a intervenção, a pesquisadora perguntou para cada um dos participantes: “o que eu posso fazer para o senhor(a) se sentir bem antes de ir para a cirurgia?”. Assim, as intervenções desenvolvidas durante o estudo foram baseadas na NIC e individualizadas de acordo com a necessidade de cada paciente. Notou-se que, entre os pacientes que já haviam passado por alguma cirurgia cardíaca, as necessidades eram diferentes em relação aos que estavam indo para o procedimento pela primeira vez. Naqueles que já conheciam o processo perioperatório, as necessidades giraram em torno de saber como se cuidar melhor em casa para o problema não se repetir, bem como em realizar uma intervenção mais dinâmica, entre as quais surgiram: levar palavra de Deus, uma música religiosa para tentar amenizar o nervosismo ou até mesmo presenteá-los com uma palavra-cruzada para que se distraíssem até a data da cirurgia. Considerando os que se operavam pela primeira vez, os questionamentos e medos estavam em torno do procedimento cirúrgico em si, mostrar de forma simples a anatomia cardíaca para que entendessem o foco do problema e o que seria feito para solucioná-lo, o local em que seria realizada a incisão, o preparo antes da ida ao centro cirúrgico, a duração da cirurgia, o tempo que passaria na unidade de terapia intensiva (UTI) e quando receberia alta. No geral, os pacientes relataram que não compreendiam a linguagem utilizada pelos profissionais que o atendiam, pois sabiam dizer os termos técnicos, mas não sabiam o que de fato aquilo significava. P1 relatou:
O pessoal passa aqui e fala da minha cirurgia, mas com umas palavras complicadas, né? Aí não dar pra entender muito bem.
P3 apresentou o discurso:
A ponte de safena que vão fazer em mim é igual à de válvula? Precisa trocar?
O que mostrou que talvez ninguém tivesse explicado para ele sobre a sua cirurgia ou tirado as suas dúvidas. Outro ponto relatado por eles foi sobre a sensação de sede no pós-operatório. P2 disse:
A sede depois da cirurgia é normal? Na outra senti e fiquei desesperado porque achei que era algo de anormal que tava acontecendo.
Percebeu-se que as dúvidas dos pacientes que passariam por troca ou retroca valvar giravam em torno de questões clínicas, principalmente em relação às diferenças entre valva mecânica e valva biológica, bem como as implicações de cada uma após a colocação de uma delas. Assim, as intervenções foram baseadas em fazê-los compreender melhor o processo e tentar sanar as dúvidas que tinham. P2 decidiu qual tipo de valva colocaria após a intervenção e, após o estudo, relatou:
Você me ajudou muito a decidir, muito mesmo, pois estava com muitas dúvidas. Muito obrigada, já estou indicando a sua conversa para outros pacientes, pois foi muito esclarecedora, estou mais tranquilo.
Os pacientes que estavam com acompanhante, em geral, respondiam melhor às intervenções realizadas e apresentavam-se mais alegres devido aos cuidados e amor que recebiam no hospital. Os que não tinham acompanhante, mas que iriam ter momentos antes da cirurgia, expressavam de forma clara a melhora do humor devido a chegada de um ente querido. A importância dessas pessoas foi relatada, principalmente, no momento das intervenções, onde eram colocados como aliados na recuperação daquele que estava acompanhando em todos os momentos. Outro problema que deixou alguns pacientes ainda mais ansiosos foi o das remarcações cirúrgicas que, de forma frequente, acontecia e as respostas frente a isso eram diferentes. P7 referiu:
Só sei que se essa cirurgia não acontecer quarta-feira eu pego as minhas coisas e vou embora.
Sua irritação, raiva e inquietação foram bastante perceptíveis e pouco reduzidas na escala, mesmo após intervenção. A massagem de conforto, principalmente, foi estimulada, pois o ser cuidado reclamou muito de tensão muscular. Dessa forma, a pesquisadora orientou a filha que estava acompanhando o P7 e disponibilizou, ainda, hidratante corporal. P11 falou:
Minha preocupação é para ninguém entrar na minha frente; a cirurgia já sei por que já passei, meu medo é ser adiada de novo.
O principal pedido para tentativa de redução da ansiedade foi que a pesquisadora, antes dos encontros com eles, verificasse o mapa cirúrgico para saber se eles haviam permanecido para a data informada ou se havia ocorrido alguma alteração. P16 foi o paciente, dentro da mostra do estudo, com maior número de remarcação cirúrgica (5 vezes). Como já havia passado por preparo cirúrgico apresentou poucas dúvidas em relação à cirurgia e aos cuidados que deveria ter em casa. Neste caso, seu pedido foi para que a pesquisadora explicasse para a sua irmã todo o processo, pois ela que iria cuidar dele. Outras dúvidas frequentes das quais surgiram intervenções foram relacionadas as orientações quanto a alimentação após a cirurgia. P11 disse:
Na outra cirurgia que fiz saí daqui com uma lista de medicamentos, mas sem saber nada da alimentação, então comi tudo errado e fiz tudo que não podia fazer, não conseguia ficar parado.
Lacuna esta que foi preenchida com a solicitação da visita da nutricionista do serviço e com as informações que a própria pesquisadora buscou para sanar as dúvidas sobre o assunto. A pesquisadora interveio com todos os pacientes de forma clara utilizando até mesmo desenhos para que o entendimento fosse facilitado, utilizando palavras de confiança, positivas e com conforto, colocando-se em silêncio sempre que houvesse necessidade. A Tabela 1 apresenta o impacto nas características do diagnóstico de enfermagem “Ansiedade”, antes e após as intervenções realizadas.
Tabela 1 - Distribuição dos pacientes que responderam sim às características objetivas e subjetivas de ansiedade, antes e após as intervenções de enfermagem, segundo estadiamento de escala utilizada para avaliação, Fortaleza, CE, Brasil, 2018 (n=20)
CARACTERÍSTICAS DE ANSIEDADE |
ANTES |
DEPOIS |
|||||||
|
0 |
1 |
2 |
3 |
0 |
1 |
2 |
3 |
|
Agitado |
- |
1 |
6 |
3 |
3 |
5 |
2 |
- |
|
Nervoso |
- |
3 |
5 |
1 |
2 |
7 |
- |
- |
|
Inquieto |
- |
1 |
6 |
6 |
3 |
5 |
5 |
- |
|
Irritado |
- |
1 |
7 |
- |
2 |
4 |
2 |
- |
|
Indeciso |
- |
- |
- |
2 |
2 |
- |
- |
- |
|
Preocupado |
- |
5 |
10 |
3 |
2 |
12 |
4 |
- |
|
Com medo |
- |
1 |
4 |
4 |
2 |
4 |
3 |
- |
|
Com raiva |
- |
2 |
4 |
1 |
1 |
5 |
1 |
- |
|
Tensão muscular |
- |
3 |
3 |
3 |
2 |
3 |
4 |
- |
|
Dificuldade de se concentrar |
- |
2 |
4 |
1 |
3 |
3 |
1 |
- |
|
Dificuldade de resolver problemas |
- |
- |
2 |
1 |
2 |
- |
1 |
- |
|
Tontura |
- |
- |
1 |
1 |
- |
2 |
- |
- |
|
Sudorese |
- |
1 |
2 |
- |
1 |
1 |
1 |
- |
|
Fadiga |
- |
1 |
5 |
2 |
4 |
2 |
2 |
- |
|
Insônia |
- |
2 |
3 |
4 |
3 |
4 |
1 |
1 |
|
Mudança de padrão intestinal |
- |
3 |
2 |
- |
2 |
3 |
- |
- |
|
Mudança de padrão alimentar |
- |
1 |
4 |
1 |
- |
3 |
3 |
- |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2018.
DISCUSSÃO
Em relação ao perfil sociodemográfico o presente estudo obteve resultados semelhantes aos já encontrados em outros estudos de âmbito nacional. Observou-se, em pesquisa transversal realizada em São Paulo, envolvendo 100 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, que, entre os pacientes, houve predomínio do gênero masculino (56,0%), com idade entre 50 e 70 anos (67,0%) e média de 58,7 (DP =10,5). Surgiram-se as doenças prévias, como a hipertensão arterial sistêmica, Diabetes Mellitus tipo 2 e dislipidemia, com maior frequência, e a cirurgia mais realizada foi a revascularização do miocárdio (RM) (58,0%)(6). Em estudo realizado em um hospital geral, no interior paulista, referência em cirurgia cardíaca na cidade e na região houve prevalência entre os pacientes do gênero masculino (56,0%), com idade superior a 50 anos (84,0%), casados (72,0%) e com maior prevalência de Hipertensão Arterial Sistêmica como doença prévia nos dois gêneros(7). O perfil do paciente que passaria por cirurgia cardíaca pela primeira vez e aquele que já havia realizado uma, são distintos, influenciando, assim, as causas relacionadas à sua ansiedade. Em estudo realizado com pacientes submetidos a cirurgias cardíacas eletivas, os escores de ansiedade e depressão foram maiores entre os pacientes submetidos à primeira cirurgia, mas não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os grupos(8). Porém, não existem muitos estudos desta natureza, o que inviabiliza uma melhor comparação. A pesquisa realizada permitiu considerar que o período pré-operatório de cirurgia cardíaca, seja ela de primeira vez ou não, é acompanhada da manifestação do diagnóstico de enfermagem ansiedade. Por este motivo, é essencial que o enfermeiro guarde para si a responsabilidade de identificar o diagnóstico, por meio do PE, bem como elaborar um plano de cuidados para redução desta resposta do paciente àquela situação. A linguagem utilizada com o paciente deve ser simples e clara, de modo a não deixar dúvidas sobre o processo cirúrgico, tanto antes quanto após. Os pacientes devem conhecer sobre a sua cirurgia e sobre todas as etapas que nela estão incluídas, inclusive seus riscos. Diante da identificação das necessidades individuais de cada paciente, o enfermeiro, ao realizar a visita pré-operatória, contribui para amenizar sentimentos que se fazem presentes nesse momento. Tais sentimentos incluem medo, ansiedade, apreensão, angústia, entre outros. O enfermeiro, ao tomar conhecimento dos mesmos, muito pode realizar no sentido de saber ouvir, esclarecer dúvidas, de maneira a contribuir para que ele tenha uma experiência cirúrgica tranquila, menos estressante, com adequado enfrentamento(9). A dúvida em relação ao tempo de internação é frequente e pode fazer muita diferença psicológica para o paciente. O tempo de permanência no hospital após a realização do procedimento é uma informação relevante para tentativa de reduzir ansiedade e foi uma dúvida comum. A falta de orientação quanto à cirurgia e a ausência de apoio por parte da equipe de saúde, como impeditivos de um relacionamento terapêutico adequado, causam a permanência dos pacientes em estado ansioso e deprimido durante toda a internação(10). No âmbito familiar, os pacientes com acompanhantes obtiveram melhores resultados quanto à redução da ansiedade neste estudo. Um estudo nacional mostrou que o acolhimento proporcionado pela presença da família é mais significativo para o enfrentamento que o contato único do enfermeiro, avaliado pelos níveis menores de ansiedade(11). Os cancelamentos/remarcações cirúrgicas, sem dúvida, foram os motivos que mais ocasionaram aumento da ansiedade dos pacientes incluídos na presente investigação. Em estudo realizado com o objetivo de determinar os fatores relacionados ao cancelamento de cirurgias e suas contribuições para a assistência de enfermagem, concluiu-se que os motivos mais encontrados para a justificativa das suspensões foram: falta de anestesista (18,2%) e crises hipertensivas (12,7%); encontrou-se, também, um elevado índice de motivos não declarados em prontuário (34,5%)(12). Para alguns pacientes o fato de se cancelar um procedimento anteriormente agendado pode ter efeitos desastrosos, mesmo que sejam esclarecidos, quanto maior o número de suspensões a uma mesma pessoa, maior será o grau de insegurança deste paciente(13). Em relação à pessoa cuidada, esta diminuiu os níveis de ansiedade após a intervenção realizada, o que, por certo, contribui para a redução de riscos e/ou complicações durante a cirurgia e no pós-operatório, devido a desequilíbrios emocionais os quais desencadeiam desequilíbrios biológicos/hemodinâmicos. Corroborando com esta afirmativa, salienta-se que os estressores psicológicos possuem relação com as complicações no pós-operatório, pois os sintomas de ansiedade e depressão pré-operatórios influenciam e potencializam a ocorrência de complicações fisiológicas, além de aumentarem o tempo de internação e da mortalidade pós-operatória(14). A enfermagem no Brasil vem aprimorando sua assistência baseada em evidências e tem se empoderado para promover uma assistência norteada por um processo de sistematização que utiliza taxonomias e metodologias próprias, melhorando a prática do cuidado nos diversos cenários(15). Porém, os achados destes estudos demonstraram a necessidade de maior empoderamento deste profissional sobre a temática discutida, bem como a publicação de novos estudos e investigações, pois o enfermeiro ainda não utiliza de forma adequada as ferramentas criadas para o aprimoramento da assistência. A equipe de saúde tende a ganhar com o estabelecimento de confiança entre profissional-paciente, diminuindo, assim, os altos níveis de estresse e ansiedade, existentes em unidades de saúde em que não é dada uma correta assistência ao usuário. Assim, até mesmo o ambiente tornar-se-á mais harmonioso. As instituições de saúde poderão ganhar em uma possível redução de gastos através de complicações que podem ser evitadas e através da realização de cirurgias em tempo correto e sem intercorrências. O ganho no pós-operatório também poderá ser significativo, pois imponderado de conhecimentos, educados e esclarecidos quanto ao seu estado de saúde, os pacientes poderão receber alta hospitalar mais rapidamente. O grande número de remarcações cirúrgicas, reflexo da crise financeira vivenciada pelo hospital, foi uma importante limitação do estudo. Foi notável o aumento das características definidoras para o diagnóstico de enfermagem “Ansiedade” naqueles que não tiveram a cirurgia realizada na data do primeiro agendamento. Além disso, era perceptível a irritação e a preocupação não com o estado de saúde, mas com a ocorrência ou não da cirurgia na remarcação. Outro fator que limitou o aumento da amostra foi a quantidade de cirurgias eletivas agendadas em que, na maioria das vezes, o paciente só chegava para a internação 48 horas antes do aprazamento cirúrgico, excluindo-se, assim, dos critérios de inclusão do estudo. Em relação ao preenchimento da Sistematização da Assistência de Enfermagem SAE/PE do hospital o qual foi realizada a pesquisa, nas unidades onde a coleta de dados foi realizada, alguns enfermeiros não preenchem por completo a ferramenta utilizada para uma melhor assistência. Assim, alguns pacientes podem não ter sido incluídos na investigação apenas devido ao não preenchimento, por exemplo, dos diagnósticos contidos na SAE/PE.
CONCLUSÃO
O estudo mostrou que no contexto do período pré-operatório, as intervenções para redução da ansiedade podem e devem ser conduzidas pelos enfermeiros, uma vez que, dada sua maior proximidade com o ser cuidado, estão em posição de destaque para estabelecer uma interação que gere resultados positivos. A partir do acompanhamento baseado no PE, há a possibilidade do aumento da confiança entre paciente-profissional e consequente uma possível redução dos desequilíbrios emocionais gerados pela cirurgia cardíaca, visando à melhoria dos resultados da linha de cuidado como um todo. As intervenções de enfermagem ofertadas no momento de espera, o qual antecede a realização da cirurgia, reduzem a ansiedade dos pacientes e familiares. Não se pode eliminar completamente a ansiedade frente a uma situação desconhecida, porém, pode-se confortar e aliviar a tensão daqueles que vivenciam o momento de espera por meio de ações planejadas de forma individual. A investigação contribuiu para atingir de forma positiva o percurso de pacientes, bem como da instituição de saúde e da equipe responsável pelo cuidado, com ênfase nos enfermeiros.
Existem, ainda, poucos estudos relacionados à temática. Assim, deve-se estimular alunos e profissionais a pesquisarem mais sobre essa temática que é tão presente nas hospitalizações, buscando formas de cada vez mais fazer com que o Processo de Enfermagem se torne uma ferramenta eficaz para o cuidado de enfermagem e, neste contexto, reduzindo a ansiedade que é muito presente no adoecimento cardiovascular com foco na cirurgia cardíaca.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 21/04/2020
Revisado: 26/05/2020
Aprovado: 26/05/2020