Representações sociais sobre sexualidade entre adolescentes no contexto amazônico

 

Alessandra Carla Santos de Vasconcelos Chaves1, Samantha Hasegawa Farias2, Gesiany Miranda Farias3, Túlio Augusto Pinho de Vasconcelos Chaves3, Anderson da Silva Rosa1, Conceição Vieira da Silva Ohara1

 

2 Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

3 Universidade Federal do Pará

 

 

RESUMO

Objetivo: Identificar a estrutura das representações sociais sobre sexualidade entre adolescentes no contexto Amazônico. Método: Estudo descritivo, de abordagem qualitativa tendo como aporte a Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais, desenvolvido com 101 jovens de uma escola pública de Belém do Pará nos meses de setembro e outubro de 2018. Os dados foram coletados por meio de evocações livres ao termo indutor “sexualidade” e analisados pelo software openEvoc 0.84. Resultados: O núcleo central foi integrado pelos elementos “gravidez e doenças”. O sistema periférico constituiu-se em maior frequência por: “sexo e transar”, na primeira periferia; “camisinha e prazer”, na segunda periferia; “esperma e pênis, na zona de contraste. Discussão: Para os adolescentes, os elementos principais são “sexo”, “transar” e “orgasmo”. No núcleo representacional das adolescentes as palavras mais prontamente evocadas foram “gravidez”, “doenças” e “primeira vez”. Conclusão: Cabe aos enfermeiros pensar em estratégias de educação em saúde junto aos jovens.

Descritores: Saúde do Adolescente; Sexualidade; Enfermagem.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Os adolescentes passam por importantes mudanças biológicas, cognitivas, emocionais e sociais, sendo essa fase um período de grandes mudanças fisiológicas/corporais, mas, sobretudo, de transição para novas vivências sociais, de trabalho, afetivas e sexuais. É durante a adolescência que ocorre a experimentação de novos comportamentos, vivências e hábitos. Contudo, algumas dessas experiências são consideradas fatores de risco para a saúde, a exemplo da prática sexual. A sexualidade é um aspecto central que estrutura a identidade do jovem e envolve elementos como o sexo, os papéis de gênero, a orientação sexual, o prazer, a intimidade e a reprodução(1).

O conceito de sexualidade é amplo compreendendo as manifestações de sentimentos, desejos, comportamentos e discernimentos pertencentes à vida afetiva, sexual, social e ao vínculo estabelecido entre as pessoas. A percepção da sexualidade está intimamente ligada com as experiências vividas e construídas em um processo contínuo na vida do indivíduo, por meio de uma aprendizagem constante permeada por concepções sociais, culturais e históricas, tríade responsável pela formação da compreensão acerca da sexualidade entre os indivíduos(2).

Dados do Fundo de População das Nações Unidas apontam que os adolescentes do sexo masculino enfrentam altas taxas de infecção sexualmente transmissível (IST) e HIV/AIDS (vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida), além de estarem envolvidos em altas taxas de acidentes e mortes no trânsito, violência, suicídio, e taxas mais elevadas de consumo de tabaco e outras substâncias em comparação com as adolescentes(3).

A Organização Mundial de Saúde afirma que cerca de 90% dos atos de violência que resultam em morte são praticados por homens, e eles representam também 83% de todas as vítimas de homicídio. Sendo que as mulheres jovens correm maior risco de tonar-se vítimas em relacionamentos de namoro, em ataques sexuais e em atos de violência praticados por parceiro íntimo(4).

No Brasil, em 2017, houve 4.936 homicídios contra mulheres, sendo 311 só no Estado do Pará. Desse quantitativo nacional, 28,5% ocorrem dentro da residência, o que sugere que estes são casos de feminicídios íntimos, que decorrem de violência doméstica(5).

A representação social sobre sexualidade de adolescentes que vivem na região amazônica não tem sido objeto de muitos estudos. Visto isso, prevalece uma visão estereotipada associada historicamente ao homem ribeirinho de traços caboclos, marcado pelos traços da cultura indígena. Essa visão representada, ainda que não seja necessariamente mentirosa, é parcial e tende a esconder ou ocultar uma visão mais ampla do povo amazônico. Homens e mulheres amazônicos são frutos dos intercâmbios históricos entre diferentes povos e etnias(6).

Nesse sentido, objetiva-se identificar a estrutura das representações sociais sobre sexualidade entre adolescentes no contexto amazônico, considerando que não podemos reduzir esses conhecimentos à pura reprodução de um saber, mas “indicar de que modo essas representações estão enraizadas na realidade social e histórica, ao mesmo tempo em que contribuem para construí-la”(7).

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, que teve como suporte teórico-metodológico a Teoria das Representações Sociais, conforme proposta por Moscovici (2015), e a abordagem do Núcleo Central ou Abordagem Estrutural das Representações Sociais.

A teoria das Representações Sociais (TRS) corresponde a uma ação do pensamento pelo qual o sujeito se relaciona com um objeto, mas, “modelado por um universo cognitivo e simbólico que lhe é, de fato, preexistente”(7).

A principal teoria da abordagem estrutural é a teoria do núcleo central, na qual as representações sociais se organizam em um sistema central e um sistema periférico, que possuem características e funções distintas. O núcleo é composto por um conjunto limitado de elementos que determina a representação social e a organiza. O sistema periférico compreende a maior parte dos elementos da representação, os quais possuem natureza condicional e têm caráter mais flexível e prático, adaptando a representação às experiências cotidianas(8).

A coleta de dados ocorreu no período de setembro a outubro de 2018, na Escola de Ensino Fundamental e Médio Duque de Caxias, em Belém do Pará. Participaram do estudo 101 adolescentes, homens e mulheres, com idade entre 10 e 17 anos, cursando entre o 7º Ano do Ensino Fundamental e o 1º Ano do Ensino Médio.

A escolha de alunos de escola pública em um bairro de periferia, relaciona-se ao fato de serem jovens em situação de vulnerabilidade social, encontrando-se neste público as maiores vítimas de violência verbal e física, se comparado aos alunos de escolas privadas(9), portanto, trata-se de um grupo bastante peculiar, com necessidades específicas, e que precisam urgente de intervenções capazes de melhorar a realidade escolar e familiar em que estão inseridos.

Foram feitas sucessivas visitas à escola, no período da manhã, e realizou-se uma entrevista para aplicação inicial de um Teste de Associação Livre de Palavras (TALP), com estímulo indutor “sexualidade”, buscando-se obter até três evocações de cada adolescente.

Para a análise estrutural das evocações livres foi elaborado um quadro, utilizando o software OpenEvoc® 0.84. Este programa organiza os elementos representacionais em um quadro de quatro casas, de acordo com a frequência dos termos evocados e a ordem média de aparecimento das evocações (OME), demonstrando graficamente as palavras pertencentes ao núcleo central e ao sistema periférico das representações sociais(10).

A importância de cada palavra se deu em acordo com a sua ordem de evocação, e assim, a primeira palavra prontamente evocada foi considerada a mais significativa para a estrutura das representações sociais. O caráter espontâneo e a dimensão projetiva desta técnica permitem o acesso aos elementos que constituem o universo semântico do objeto estudado, com maior facilidade do que em uma entrevista(8).

O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob número de parecer 2.805.787, e atende todas as etapas e requisitos mencionados na Resolução 466/13 (BRASIL, 2013), que rege as pesquisas científicas na área da saúde, e leva em consideração a autonomia, a beneficência, a não maleficência, a justiça e equidade.

 

RESULTADOS

Dentre os 101 participantes, observou-se predomínio de indivíduos do sexo feminino (58; 57,43%), que cursavam o oitavo ano (7ª série) (36; 35,64%). A idade variou de 10 a 17 anos, sendo a média de 11 anos, com grande parte da amostra concentrada na faixa etária de 13 a 15 anos (68; 67,3%).

O estímulo indutor “sexualidade” originou um universo de 300 evocações que, após tratadas e analisadas, constituíram um total de 18 termos diferentes. As evocações foram agrupadas conforme procedimentos de lematização (tratamento de equivalência).

A frequência mínima de evocação calculada pelo software OpenEvoc® para aparição dos termos no quadro de quatro casas foi de seis evocações. Como havia três respostas por adolescente, o valor do ponto de corte foi dois (critério do ponto de corte da ordem de evocação). Palavras com ordem média de evocação inferiores a dois foram classificadas como tendo baixa ordem de evocação.

Foi empregado o cálculo da frequência média dentre as respostas, após exclusão das evocações com baixas frequências nas ordens de evocação, ficando com uma frequência intermediária igual a três. Apenas 18 termos integraram a estrutura das representações sociais sobre sexualidade dos entrevistados, sendo gerado o quadro de quatro casas ilustrado abaixo.

 

Figura 1. Estrutura da representação social sobre sexualidade entre adolescentes. Belém, Pará, Brasil, 2018.

Núcleo central

Primeira periferia

Frequência >=3                           OME<2

Palavras                 Freq.*            OME**

Gravidez                  23                  1,87

Doenças                  22                  1,73

Primeira vez            13                   1,77

Orgasmo                 11                   1,91

Menstruar                 9                   1,44

Frequência >=3                         OME>=2

Palavras                 Freq.                 OME

Sexo                       42                     2,00

Transar                   26                     2.15

Gozar                      20                     2.50

Dor                         17                     2,18

Virgindade               10                     2,10

Namorar                 10                     2,10

Vagina                    10                     2,80

Zona de contraste

Segunda periferia

Frequência <3                             OME<2

Palavras                  Freq.                OME

Esperma                   8                     1,50

Pênis                        8                     1,50

Gay                          7                     1,43

Frequência <3                           OME>=2

Palavras                  Freq.                OME

Camisinha                 8                     2,00

Prazer                       6                     2,17

Prevenir                    6                     2,50

*Frequência mínima de evocação calculada pelo software OpenEvoc®; **OME – ordem média de evocação.

O quadrante superior esquerdo sugere o núcleo central que inclui as evocações que tiveram alta frequência e baixa ordem média de aparecimento das evocações (OME), ou seja, foram mencionadas por um maior número de sujeitos e nas primeiras posições, e provavelmente se referem a elementos centrais da representação social sobre sexualidade. As palavras mais evocadas foram “gravidez” e “doenças” apontando uma estrutura representacional de preocupação e precaução, além de atitude responsável em relação à saúde sexual e reprodutiva.

No quadrante superior direito estão os termos com relativa frequência de evocação, porém aparecem nas últimas posições (alta OME). Na análise estrutural os termos “sexo” e “transar” aparecem com alta frequência de evocação na primeira periferia da representação, sendo o primeiro e o segundo termo mais evocado respectivamente, e apesar de não estarem na zona do núcleo central por terem uma ordem de evocação mais alta que o ponto de corte, evidenciam um provável caráter centralizador e organizador da representação sobre sexualidade, relacionando-se aos termos “primeira vez” e “orgasmo”.

A segunda periferia, no quadrante inferior direito, é formada por termos evocados por um pequeno número de sujeitos e ainda nas últimas posições (alta OME), portanto, são termos mais fracos para a organização das representações sociais, determinação de atitudes e comportamentos relacionados à sexualidade sendo mais facilmente demonstrados para adaptações a situações corriqueiras, interferindo com força menor se comparado às outras zonas estruturais(11). Os elementos evocados em maior frequência neste quadrante foram “camisinha”, “prazer” e “prevenir”.

A zona de contraste reúne elementos possíveis de constituírem o núcleo central de alguns indivíduos, apontando a existência de subgrupos que consideram outros elementos organizadores da significância de suas representações(11). Observa-se neste quadrante elementos que remetem aos aspectos ligados à masculinidade, “esperma” e “pênis”.

Levando em consideração que gênero e sexualidade são fenômenos interligados onde a construção cultural e social das identidades de homens e mulheres afeta diretamente sua saúde sexual e reprodutiva, procedeu-se a análise comparativa das representações para os(as) adolescentes, conforme quadros 2 e 3.

 

Figura 2. Estrutura da representação social sobre sexualidade entre adolescentes do sexo masculino. Belém, Pará, Brasil, 2018 (n=43 sujeitos).

Núcleo central

Primeira periferia

Frequência >=3,6                        OME<2

Palavras                  Freq.*            OME**

Sexo                         20                  1,90

Transar                     18                  1,94

Orgasmo                   10                  1,80

Gay                           6                   1,50

Camisinha                  6                   1,67

Pênis                         6                   1,83

Esperma                    5                   1,80

Doenças                    4                   1,25

Frequência >=3,6                      OME>=2

Palavras                  Freq.                OME

Gozar                        18                   2,44

Vagina                       6                    3,00

Gemer                       4                    2,00

Zona de contraste

Segunda periferia

Frequência <3,6                          OME<2

Palavras                  Freq.                OME

Masturbar                  8                    1,00

Primeira vez               8                    1,50

Namorar                    7                    1,50

Frequência <3,6                        OME>=2

Palavras                  Freq.                OME

Prazer                        3                    2,33

Penetrar                     2                    3,00

Pornografia                 2                   3,00

Mulher                        2                   3,00

*Frequência mínima de evocação calculada pelo software OpenEvoc®; **OME – ordem média de evocação.

Figura 3. Estrutura da representação social sobre sexualidade entre adolescentes do sexo feminino. Belém, Pará, Brasil, 2018 (n=59 sujeitos).

Núcleo central

Primeira periferia

Frequência >=2,6                         OME<2

Palavras                 Freq.*             OME**

Gravidez                  22                      1,82

Doenças                  18                      1,83

Primeira vez            11                      1,82

Menstruar                 8                      1,50

Pílula                        4                      1,75

 

Frequência >=2,6                       OME>=2

Palavras                   Freq.                OME

Sexo                          21                    2,10

Dor                            16                    2,13

Virgindade                 10                     2,10

Transar                       8                     2,63

Namorar                     7                     2,43

Proteger                     5                      2,00

Prevenir                     5                      2,60

Vagina                       4                      2,50

Zona de contraste

Segunda periferia

Frequência <2,6                           OME<2

Palavras                  Freq.                 OME

Esperma                    3                      1,00

Medo                         3                      1,00

Amar                         3                      1,67

 

Frequência <2,6                         OME>=2

Palavras                   Freq.                OME

Transmitir                   3                     2,33

Risco                           2                    2,00

Prazer                         2                    2,00

Gostar                         2                    3,00

Gozar                          2                    3,00

Camisinha                    2                    3,00

*Frequência mínima de evocação calculada pelo software OpenEvoc®; **OME – ordem média de evocação.

No núcleo central, que expressa o que há de mais duradouro na representação, observa-se que para os adolescentes do sexo masculino os elementos principais são “sexo”, “transar” e “orgasmo”, isto é, associam a sexualidade à prática sexual e busca do prazer corporal. Por outro lado, no núcleo representacional das adolescentes as três palavras mais prontamente evocadas foram “gravidez”, “doenças” e “primeira vez”, as quais evidenciam uma atitude de preocupação e um senso de responsabilidade(12).

No quadrante superior direito, os jovens associam o termo sexualidade ao coito em si e a busca pelos prazeres corporais observados nas evocações “gozar”, “vagina” e “gemer”. No tocante às adolescentes observa-se os termos “sexo”, “dor” e “virgindade”, relacionando muitas vezes, o ato sexual ao sentimento da dor pela perda da virgindade.

Na segunda periferia, os termos evocados em maior frequência pelos adolescentes foram “prazer” e “penetrar”, e quanto às jovens destacam-se os termos “transmitir” e “risco”. Na zona de contraste, os termos “masturbar” e “esperma” aparecem nas primeiras posições para o grupo de homens e mulheres, respectivamente.

 

DISCUSSÃO

Além da influência sociocultural, a sexualidade humana expressa particularidades específicas, em conformidade com a fase do crescimento em que se encontra cada indivíduo. É na adolescência que a sexualidade se aflora movida pela curiosidade, desejo e necessidade de afeto ou independência. Dessa forma, as compreensões da sexualidade dos jovens na região amazônica podem contribuir especialmente para perceber as diferentes formas de interação entre as famílias, as comunidades, a escola e nas próprias histórias de vida na construção do ser adolescente(11-12).

Na análise estrutural (quadro 1), as palavras mais prontamente evocadas “gravidez” e “doenças” demonstram que os adolescentes têm uma estrutura representacional de preocupação, de prevenção e atitude de responsabilidade em relação à saúde sexual e reprodutiva.

Em contraponto, uma investigação sobre conhecimento de adolescentes relacionado às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), AIDS e gravidez demonstrou que eles adquirem informações predominantemente com amigos, revistas, filmes, televisão e internet, e com menos frequência de professores e de profissionais de saúde(13).

Os dados da pesquisa mostraram ainda, que os jovens temem uma gravidez precoce, talvez por não conhecerem o próprio corpo e terem dificuldade de reconhecer os sintomas causados pelas IST’s e as formas de transmissão da AIDS. Eles acreditam, por exemplo, que uma pessoa com aparência saudável não pode estar infectada, o que aumenta as chances de contraírem IST’s(13).

Os termos “sexo” e “transar” são os que possuem altas frequências de evocação na primeira periferia da representação, demonstrando um possível caráter centralizador e organizador da representação sobre sexualidade.

O elemento evocado em maior frequência na segunda periferia foi “camisinha”, evidenciando a curiosidade e inquietação dos jovens em relação ao uso do preservativo, que associam muitas vezes apenas à prevenção de uma gravidez precoce, mas não da prevenção de IST’s. Ademais, nota-se que os mesmos relacionam o uso do preservativo à diminuição do prazer sexual, levando-os a prática sexual de risco(11).

De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, só em 2015 no município de Belém-Pará foram notificados 246 novos casos de AIDS entre os homens contra 111 entre as mulheres, sendo 56 casos registrados entre jovens de 15 a 19 anos. O município computou em 2014 uma taxa de mortalidade de 16,1 mortes por AIDS a cada 100 mil habitantes, superior à taxa nacional que foi de 6,1(14).

O início da vida sexual é um acontecimento que tende a ocorrer prevalecentemente durante a adolescência. Nessa direção, compreender as possíveis complicações advindas dessa prática bem como os meios de proteção e prevenção de IST’s é de suma importância. Contudo, percebe-se a ambivalência entre o que é normatizado e o que é praticado pelos adolescentes(13).

Com base nestas conceituações, compreende-se que o campo da sexualidade, da saúde sexual e reprodutiva na adolescência precisa associar-se a noções ampliadas de saúde. No que se refere à saúde sexual, esta se trata do bem-estar físico, emocional e social e não apenas relacionada ao prazer ou a ausência de doenças/disfunções(15).

Reitera-se que a sexualidade é fruto de um constructo sociocultural, que esta diretamente relacionada à própria masculinidade e a feminilidade, na qual homens e mulheres precisam exercer papéis opostos, “heteronormativos”, isto é, normas e padrões que são historicamente impostas pela sociedade, sendo reproduzidos e disseminadas por instituições como a escola, a família e a religião(15,16).

Neste estudo, constatou-se uma estrutura da representação social sobre sexualidade diferente para os(as) adolescentes. Os elementos em destaque no núcleo central dos adolescentes são “sexo”, “transar” e “orgasmo”, relacionando a sexualidade à prática sexual e a busca do prazer corporal. Para as adolescentes as três palavras mais prontamente evocadas foram “gravidez”, “doenças” e “primeira vez”, evidenciando uma atitude de preocupação e um senso de responsabilidade.

Durante a analise das respostas sobre sexualidade entre adolescentes do sexo masculino observou-se evocações como “esperma” e “pênis” que fazem menção às características de uma masculinidade hegemônica, propondo que os jovens ancoram a sexualidade como o ato sexual em si, entre pessoas do sexo oposto.

Todavia, ao tratarem da sexualidade, os adolescentes do sexo masculino expressaram seus sentimentos mais íntimos por meio dos termos evocados que evidenciam que a experiência de iniciação sexual se relaciona a determinados significados de ser homem, másculo, viril e sexualmente ativo. Em contraponto, as palavras evocadas pelas jovens refletem o cuidado com a saúde que é fruto do processo de reprodução social, em que historicamente se associa o papel feminino ao cuidado com o corpo(16).

Nesse tocante, temos que as questões de gênero na adolescência constituem-se em um dos maiores e mais importantes conflitos presentes na vida dos jovens, onde se estabelecem normas e prerrogativas acerca do papel exercido por homens e mulheres. Á vista disso, postula-se que as representações sobre sexualidade entre adolescentes não podem desvincular-se das discussões sobre gênero(12,15).

Essa desigualdade de papéis sociais causa adoecimento tanto em homens como em mulheres(17). Enquanto eles estão desproporcionalmente representados entre as vítimas de morte violenta e de lesões físicas atendidas em setores de urgência e emergência, as adolescentes estão mais sujeitas à violência praticada por namorados e à violência sexual em ambiente intra e extra familiar(4).

Posto isso, a atuação dos profissionais de saúde neste contexto é crucial. Compreender atitudes, valores e discursos, bem como as representações sociais de adolescentes sobre sexualidade e sua prática, são fatores necessários, servindo de aporte para que se planejem iniciativas na área da prevenção, promoção e recuperação da saúde, contribuindo para a maior efetividade da implementação de políticas públicas no setor da saúde e da educação(17).

Um estudo realizado com adolescentes apontou nas falas das jovens que apesar de valorizarem a autonomia na tomada de decisão sobre a sexualidade e o corpo, parte delas apresentou uma visão romântica e idealizada das relações íntimas, especialmente no que diz respeito à primeira relação sexual. Elas tendem a se envolver psicológica e emocionalmente em seus relacionamentos e, portanto, podem ser mais afetadas por uma gravidez indesejada e estão mais vulneráveis a contrair IST’s(18).

Os homens, por sua vez, buscam prazer sexual em suas relações íntimas considerando esse ato como uma conquista. Em relação à sua anatomia e à maior experiência não-coital, como a masturbação, eles são mais propensos a ter um orgasmo e depois uma “gratificação física” durante a primeira relação sexual(18).

No quadrante superior direito, as palavras evocadas pelos adolescentes, “gozar”, “vagina” e “gemer”, fazem referência ao coito em si e a busca pelos prazeres corporais, além disso, fica evidente a preocupação deles em manter uma relação sexual em que tenham um controle sobre o corpo e os prazeres das mulheres. Quanto às adolescentes, os termos “sexo”, “dor” e “virgindade” indicam para além da experimentação do ato sexual em si, a apreensão em relação à iniciação sexual, à perda da virgindade e sua associação com a dor pela penetração e rompimento do hímen.

Uma pesquisa que analisou a percepção de estudantes do ensino médio sobre a violência nas relações de intimidade, evidenciou que nos discursos dos adolescentes do sexo masculino a prática sexual pode representar um instrumento de dominação – em geral masculina - visto que em alguns comentários, a relação sexual foi considerada uma forma de agressão à mulher, por meio do emprego do órgão sexual masculino(17).

Os elementos da segunda periferia refletem para os adolescentes a preocupação em manter e reforçar sua virilidade e masculinidade, como se observa nos termos “prazer” e “penetrar”. Ao contrário do grupo feminino, que apresenta um destaque para os termos “transmitir” e “risco” relacionando a sexualidade ao cuidado à saúde sexual e reprodutiva.

Cada indivíduo, dentro de suas particularidades, dispõe de personalidades e características múltiplas e subjetivas, porém há mecanismos sociais que persistem em moldar os sujeitos por meio de estereótipos que sustentam a exclusão e discriminação de certo padrão de sujeito social em benefício da consideração de outra matriz de sujeito social. Sabe-se que os estereótipos de gênero que colocam os homens em uma posição de dominação sexual também limitam a capacidade das mulheres de controlar sua própria saúde sexual e reprodutiva(2,19).

Salienta-se que a violência manifestada nas relações de intimidade entre adolescentes e jovens é uma forma precoce de violência de gênero praticada por parceiro íntimo que cerceia o exercício da sexualidade de forma autônoma, consciente e mais segura.

Os estereótipos são transmitidos em vários aspectos da sociedade: costumes, mídia, religião, unidade familiar, entre outros. A sua perpetuação e repercussão varia dependendo do sexo, raça e classe social em que se encontram os indivíduos. Normalmente as mulheres são mais atingidas, sua subordinação ao homem e inferioridade social é reforçada mutuamente e naturalizada por meio de discursos e comportamentos discriminatórios(19).

Um exemplo é a crença de que é responsabilidade do homem adquirir preservativos, já que uma jovem que tenha seus próprios preservativos pode ser vista como promíscua. Outra é a de que os homens devem saber mais sobre sexo do que as mulheres, as quais devem demonstrar uma imagem de inocência e recato(19).

Debater sobre sexualidade aliada a questões de gênero é, portanto, indispensável para a idealização de métodos e ferramentas que corroborem para o enfretamento de preconceitos e estereótipos ligados sexualidade, bem como para formação de indivíduos críticos e reflexivos dotados de conhecimento a respeito do próprio corpo e de suas escolhas(16).

As palavras da zona de contraste, “masturbar” (no grupo masculino) e “esperma” (no grupo feminino), ratificam as análises anteriores que relacionam sexualidade aos aspectos ligados ao biológico e aos prazeres corporais.

Contudo, há evidências de que a adolescência pode ser um momento crucial para o desenvolvimento de atitudes relacionadas às normas de gênero, posto isso, reitera-se a importância do papel social que o enfermeiro exerce na prática de educação em saúde no espaço escolar, contribuindo para que os jovens construam valores pessoais saudáveis de cuidado consigo e respeito com o outro(14).

Nesse contexto, urge a necessidade de se fazer enfrentamento ao movimento escola sem partido cujo lema é “por uma lei contra o abuso de liberdade de ensinar”, pois compreende-se a inviabilidade do processo educativo que não passe pela liberdade tanto de ensino como de aprendizagem(1).

Um bate-papo desenvolvido com jovens na região de Ananindeua e ilha de Cotijuba, em Belém do Pará, evidenciou que a sexualidade nesta fase encontra-se reprimida pela família e/ou associadas a costumes, religião ou fatores externos que transformam este momento em um tabu, por isso, o estudo reitera a necessidade de trabalhar não apenas com os jovens, mas também com toda a sociedade, nas mais diversas instituições, e que a família seja preparada para educar os filhos, sem medos ou restrições, fortalecendo o vínculo entre seus componentes(20).

Ressalta-se que as limitações do estudo decorrem da pesquisa ter sido desenvolvida em uma única escola pública, entre outras que existem na cidade, o que expressa uma realidade a partir da subjetividade de um grupo específico, não sendo permitido a generalização dos dados.

Ademais, há necessidade de estudos futuros com jovens que levem em consideração a associação de dados socioeconômicos e demográficos, como raça, cor, classe social, religião, escolaridade dos pais, renda familiar, dentre outros.

 

CONCLUSÃO

 

Este estudo apontou que a estrutura representacional dos jovens está ancorada em uma atitude de responsabilidade e prevenção em relação à saúde sexual e reprodutiva. Além disso, alguns termos indicaram a associação do conceito de sexualidade ao ato sexual em si, desconsiderando aspectos afetivos, comportamentais e sociais.

Em relação à estrutura das representações por sexo, nota-se que são distintas, onde para os adolescentes, os elementos principais (“sexo”, “transar” e “orgasmo”) apontam uma visão da sexualidade enquanto prática sexual e busca do prazer corporal. Por outro lado, no núcleo representacional das adolescentes as três palavras mais prontamente evocadas (“gravidez”, “doenças” e “primeira vez”) evidenciam uma atitude de cuidado e responsabilidade com a saúde sexual e reprodutiva.

Nesse sentido, observa-se que as representações sociais e simbólicas dos(das) adolescentes sobre sexualidade estão intimamente relacionadas aos estereótipos de gênero, onde aos homens se é imposto o papel de másculo, viril, ativo e dominante, e às mulheres cabe o comportamento passivo, imagem de recato e de cuidado com a saúde.

Tais papéis desiguais de gênero provocam adoecimento em homens e em mulheres, tanto de ordem física como emocional, e geram as inúmeras formas de violência. Por isso, esta pesquisa contribui para que os profissionais, em especial os enfermeiros, possam pensar em estratégias de educação em saúde junto aos jovens, fazendo-os refletir sobre desigualdades sociais e de gênero, tornando-os atores principais das ações da saúde sexual e reprodutiva e no exercício da cidadania.

 

REFERÊNCIAS

1. Organização Pan-Americana da Saúde. Ministério da Saúde. Saúde e sexualidade de adolescentes. Construindo equidade no SUS. Brasília, DF: OPAS, MS, 2017.

 

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Recebido: 02/03/2020

Revisado: 28/05/2020

Aprovado: 10/09/2020