Sofrimento psíquico e a psicodinâmica no ambiente de trabalho do enfermeiro: revisão integrativa

 

Alessandro Fabio de Carvalho Oliveira1, Enéas Rangel Teixeira2, Alcinéia Rodrigues Athanázio2, Rafael da Silva Soares2

 

1 Instituto Nacional do Câncer, RJ, Brasil

2 Universidade Federal Fluminense, RJ, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Analisar as produções científicas a fim de identificar a existência de prazer e sofrimento psíquico no ambiente do trabalho do enfermeiro e a relação com seu estado emocional. Método: Revisão integrativa da literatura a partir da busca com os descritores Enfermeiros, Psicodinâmica do Trabalho e Sofrimento Psíquico, nas bases de dados LILACS, IBECS, BDENF, MEDLINE e SCIELO, incluindo artigos publicados entre 2015 e 2019.  Resultados: Os 20 artigos analisados posicionaram-se como favoráveis a existência de prazer e sofrimento no trabalho da Enfermagem. Conclusão: o sofrimento psíquico do enfermeiro é um fator que interfere em sua vida pessoal e profissional, devendo se popularizar o debate acerca dos mecanismos para confrontar o sentimento de sofrimento no ambiente de trabalho.

 

Descritores: Psicodinâmica do Trabalho; Enfermagem; Saúde do Trabalhador; Estresse Psicológico; Enfermagem Oncológica.

 

INTRODUÇÃO

A enfermagem é uma profissão que cuida dos indivíduos e grupos humanos, promove a saúde e previne doenças, de modo que apresenta exigências diversas em seu desenvolvimento. Dessa maneira, os profissionais de enfermagem demandam um conjunto de conhecimentos e habilidades, tais como: o saber científico, a capacidade psicomotora e a sensibilidade para lidar com os pacientes e seus familiares. Capacidades que fazem o profissional assistir o paciente de maneira integral e humanista, interagindo com sua dor e sofrimento, e, por vezes, com sua morte(1).

Assim, os profissionais da Enfermagem, sobretudo os que trabalham em serviço de emergência, ou com doentes graves, submetem-se a grande desgaste mental e físico. Na assistência à saúde do paciente, o profissional lida com diversas emoções, tais como: afeição, alegria, gratidão aflição, angústia, dor, agonia, amargura, ansiedade, raiva e tristeza. O paciente diante de sua condição de doença fica fragilizado, que necessita de aporte não só físico como psicológico, situação que reverbera no profissional de enfermagem, que vivencia esse ambiente denso de emoções. Contudo, em outros momentos, o enfermeiro depara com carga de emoções revigorantes, felicidade e sucesso na assistência no processo de cuidar, impactando-o prazerosamente. Desse modo, há no âmbito da psicodinâmica do trabalho na Enfermagem, em meio à situação de fragilidade do paciente, momentos de sofrimento e de prazer para o profissional em campo(2).

Mas, o que causa desgaste emocional ao enfermeiro é o objetivo de preocupação no presente trabalho, ou seja, o seu sofrimento psíquico. Isso porque o desequilíbrio emocional do enfermeiro pode impactar negativamente sua vida pessoal e profissional. Por sua vez, o sofrimento psíquico no cotidiano do profissional da Enfermagem pode desencadear doenças no enfermeiro e equipe ou interferir negativamente em seus desempenhos no trabalho. Portanto, a relação entre o profissional e o paciente, no âmbito da assistência saúde-doença, pode influenciar no bem-estar e no desempenho do enfermeiro(2).

Logo, na conjuntura da psicodinâmica do trabalho, sendo a Enfermagem uma profissão que imprime no trabalhador os sentimentos de prazer e sofrimento, o estudo objetiva analisar as produções científicas a fim de identificar a existência de prazer e sofrimento psíquico no ambiente do trabalho do enfermeiro e a relação com seu estado emocional.

 

MÉTODO

Adotou-se como método investigativo a revisão integrativa da literatura (RIL), trata-se de um método investigativo utilizado no campo da Saúde, sintetizando pesquisas relacionadas à prática de assistência na saúde-doença, oferecendo substancialidade acadêmica ao tema em curso(3).  

Para realizar a RIL acerca da psicodinâmica do trabalho na Enfermagem, usou-se alguns bancos de dados no decorrer de agosto a setembro de 2019. Os bancos de dados eleitos foram: Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), sendo desta as bases de dados Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências da Saúde (IBECS), Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Base de Dados de Enfermagem (BDENF), e Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE).

Os descritores foram determinados através das ferramentas DECS (Descritores em Ciências da Saúde) e MESH (Medical Subject Headings Section) adotando-se a estratégia PICO (P = Paciente, População ou Problema; I = Intervenção ou Indicador; C = Comparação ou Controle; O = Resultado ou Desfecho)(4).

 

A utilização dos operadores booleanos AND e OR favoreceu o uso de combinação dos descritores eleitos, sendo o AND uma combinação mais restrita e OR mais aditiva. Colocou-se, dessa forma, como abordagem de busca: a) Enfermeiros AND enfermagem AND psicodinâmica do trabalho; e b) Enfermeiros AND enfermagem AND sofrimento psíquico.

Os critérios de inclusão adotados foram: estudos primários que abordassem a temática do sofrimento psíquico em enfermeiros no ambiente hospitalar e pré-hospitalar; em português, inglês e espanhol; texto completo disponível; publicados entre os anos de 2015 a 2019.

Aos critérios de exclusão couberam as revisões; publicações sem metodologia clara e reproduzível; estudos duplicados ou que contivessem apenas resumos.

 

RESULTADOS

Seguiu-se ao uso dos descritores, uma triagem inicial com aporte nos critérios de inclusão e exclusão, alcançando-se um volume de 359 artigos, abrangendo os três idiomas eleitos (português, inglês e espanhol). Tal quantidade de artigos obtida nos bancos de dados, teve a disposição elencada na Figura 1.

 

Base de dados

Quantidade

SCIELO

10

IBECS

14

LILACS

37

BDENF

29

MEDLINE

269

Figura 1 - Disposição nos bancos de dados. Niterói, RJ, Brasil, 2019

Fonte: Elaborado pelos autores, 2019.

 

Do volume encontrado, 326 estudos foram excluídos após leitura dos títulos e resumos, sendo que 139 se referiam a acadêmicos de enfermagem, 53 tratavam de assuntos referentes à atenção básica, 33 tinham como temática cuidados de enfermagem psiquiátrica, 29 eram revisões secundárias, 13 estudos eram repetidos nas bases de dados e outros 59 estudos não se enquadravam na temática abordada. Assim, foram 20 artigos selecionados, tal como indicado nas diretrizes PRISMA (Principais Itens para Relatar Revisões sistemáticas e Meta-análises)(5) destacando as etapas através da Figura 2:

 

Figura1

 

Figura 2 - Estratégia de busca e seleção dos artigos nas bases de dados da BVS e SCIELO. Niterói, RJ, Brasil, 2019

Fonte: Elaborado pelos autores, 2019.

 

A síntese dos 20 artigos selecionados bem como os níveis de evidência(6) de cada publicação são apresentados apresentado na Figura 3:

 

Autor/data

Objetivo

Tipo de estudo / Nível de Evidência

Resultados

Vasconcelos et al, 2019.

Destacar as situações que geram prazer e sofrimento no trabalho de Enfermagem em ambiente de terapia intensiva pediátrica.

Estudo descritivo qualitativo.

Nível 6.

A satisfação ocorre quando há situação de êxito na recuperação da criança. O sofrimento se associa às situações de falta de recursos e/ou materiais e de óbito da criança, que se intensifica com a interação com os familiares da criança falecida. O sofrimento gera no enfermeiro sentimentos variados: tristeza, impotência e frustração.

Hopia e Heino-Tolonen, 2019.

Descrever o desafio emocional dos enfermeiros na oncologia pediátrica.

Estudo qualitativo com abordagem fenomenológica.

Nível 6.

Os enfermeiros de oncologia pediátrica vivenciam sentimentos relacionados à sobrecarga emocional, devido ao desafio da interação com o doente e seus familiares, gerando estresse e incerteza.

Siqueira e Teixeira, 2019.

Compreender quais são as principais influências psíquicas da atenção paliativa

oncológica na percepção do enfermeiro.

Estudo qualitativo. Nível 6.

Sofrimento advindo de conflitos na equipe multidisciplinar, conflitos organizacionais e desgaste físico. Em contrapartida o prazer advém da motivação e reconhecimento do trabalho prestado.

Duarte et al. 2018

Analisar o sofrimento e estratégias defensivas de enfermeiros da emergência de hospital universitário.

Estudo qualitativo.

Nível 6.

Sofrimento devido à superlotação, à sobrecarga de trabalho, à frustração e insegurança, ocasiona desgaste físico e emocional, tornando necessário o uso de estratégias coletivas e individuais que ofertam estabilidade, dentro e fora do ambiente de trabalho.

Almeida, 2018

Analisar fatores de prazer e sofrimento de enfermeiros, verificando os sentimentos vivenciados e os mecanismos de defesa.

Estudo descritivo qualitativo.

Nível 6.

A Enfermagem proporciona prazer e sofrimento, dependendo da conjuntura do trabalho, onde os processos psíquicos e sociais circundam o trabalho voltado para o ser humano. Sofrimento desencadeia os sentimentos negativos: dor, frustração, angustia, medo, inferioridade e tristeza. Contexto que pode gerar doenças somáticas nos enfermeiros.

Glanzner et al., 2018

Investigar estratégias defensivas de profissionais da Saúde, adotadas como proteção ao sofrimento no trabalho na perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho

Abordagem qualitativa.

Nível 6.

Os profissionais da Saúde estão atentos na busca por estratégias de enfrentamento do sofrimento provocado pelo trabalho. Sejam estratégias individuais ou coletivas, para transformar o ambiente de trabalho em local de satisfação sem danos à saúde.

Trettene et al., 2018

Investigar o nível de estresse em enfermeiros de um centro de terapia intensiva.

Estudo descritivo quantitativo.

Nível 6.

Houve significância entre maior tempo de atuação e maior nível de estresse no ambiente de UTI.

Vieira et al., 2017

Avaliar o estresse entre os enfermeiros de instituições hospitalares públicas e privadas.

Estudo descritivo, quantitativo.

Nível 6.

Nível de estresse dos enfermeiros em geral é médio, com elevação nas funções relacionadas às atividades administrativas.

Kolhs et al., 2017

Analisar situações de prazer e sofrimento em Enfermagem na urgência e emergência hospitalar.

Estudo qualitativo, descritivo, estudo de caso.

Nível 6.

Prazer e sofrimento fazem parte do contexto hospitalar estudado. Sendo o sofrimento ocasionado por situações frustrantes de impotência e incômodos físicos e emocionais, podendo gerar falta de dinâmica profissional e adoecimento por desequilíbrio emocional. Deve-se ter a visão integral da saúde do trabalhador enfermeiro. Incluindo estratégias defensivas ao sofrimento.

Silva et al., 2017

Descrever fatores psicossociais e identificar fatores associados ao estresse no trabalho em terapia intensiva

Estudo seccional descritivo, quantitativo.

Nível 6.

O estudo concluiu que a organização do trabalho favorece ao estresse danoso tendo como consequência a ocorrência de transtornos mentais.

Kamisli et al., 2017

Aferir as dificuldades da enfermagem oncológica que podem causar Síndrome de Burnout (Síndrome do Esgotamento Profissional)

Estudo qualitativo.

Nível 6.

O trabalho com pacientes com câncer eleva o desgaste dos enfermeiros, ficando com nível de estresse elevado, sobretudo devido à influência do atendimento psicológico aos pacientes. Situação que pode levar os enfermeiros à exaustão, podendo desenvolver Síndrome de Burnout.

Silva et al., 2017

Investigar os fatores de prazer e sofrimento no labor hospitalar

Estudo descritivo, qualitativo tipo estudo de caso.

Nível 6.

A análise aferiu os determinantes de prazer e sofrimento dos profissionais: a) prazer relacionado à gratificação e a liberdade (pensar, falar, sensação de recompensa, orgulho e identificação com o trabalho) b) sofrimento relacionado a desgaste emocional, desânimo, sobrecarga e à insegurança no trabalho.

Santos et al., 2016

Analisar os sentimentos de enfermeiros quando há confronto com a morte, à luz da psicodinâmica Dejouriana

Estudo qualitativo, exploratório.

Nível 6.

Os sentimentos identificados foram: a) prazer - sensação de dever cumprido, conforto e alívio; b) sofrimento - tristeza, frustração, dificuldade com o luto, impotência e incapacidade. Mecanismos de defesa no sofrer: não pensar no sofrimento e morte, refugiando-se no trabalho.

Fabrin e Castro, 2016.

Identificar fatores de influência no ambiente de trabalho e adoecimento psíquico de trabalhadores ativos do Município de Seara – SC

Estudo quantitativo.

Nível 6.

O resultado aferiu presença de sintomas de depressão nos profissionais, contudo não captou vontade suicida neles. Constatou-se, portanto, ambiente propício para adoecimentos psíquicos.

Robinson e Stinson, 2016

Determinar como os enfermeiros de emergência definem o sofrimento moral, descrever as experiências de sofrimento moral por enfermeiros de emergência e seu impacto e identificar possíveis estratégias para combater o sofrimento moral.

Estudo qualitativo fenomenológico. Nível 6

O sofrimento ficou relacionado com as questões de defesa dos pacientes, sobrecarga de trabalho, possibilidade descontentamento com trabalho com multiprofissional, conflitos internos e pessoais. Apontam mecanismos de defesa eficazes e ineficazes.

Silva et al., 2015

Analisar fatores relacionados à depressão e ao suicídio entre os profissionais da enfermagem

Estudo qualitativo do tipo revisão integrativa.

Nível 6.

Foram identificados fatores de risco para a depressão e suicídio entre profissionais de enfermagem em situações pertinentes ao ambiente de trabalho. Incluem-se situações de relação com o sofrimento de pacientes/familiares, problemas internos e pouco tempo de profissão. Havendo possibilidade de desenvolver Síndrome de Burnout.

Ramos et al., 2017

Analisar o sofrimento moral de enfermeiros brasileiros

Estudo qualitativo do tipo revisão integrativa.

Nível 6.

Avaliou-se como fatores de melhora na qualidade de vida: boa interação social, boa comunicação interpessoal e motivação. Quanto à piora na qualidade de vida, ficou relacionada aos fatores: turno, sobrecarga e condições de trabalho.

Mariano et al, 2015

Conhecer o prazer o e sofrimento no ambiente laboral da Enfermagem.

Estudo descritivo, exploratório.

Nível 6.

Aferiu-se que existem sofrimento e prazer no labor da Enfermagem. Sofrimento: pelo esforço físico, pela rotina acelerada e repetitiva, pelos recursos humanos escassos, pelo acúmulo de responsabilidades e pela ausência de serviço médico presencial na instituição. Prazer: pela boa convivência da equipe, pela liberdade de modificação da organização de trabalho e pela criação de vínculos com os idosos.

Oliveira et al., 2015

Verificar a labor dos enfermeiros do serviço hospitalar de emergência, se há existência de depressão e analisar percepção sobre o sofrimento psíquico

Estudo transversal.

Nível 6.

91,3% dos enfermeiros tinham sintomas de depressão. Havia situações de adoecimento relacionadas com às condições do trabalho, tais como: sobrecarga, desvalorização, falta de recursos humanos e materiais, sendo que os enfermeiros não se percebiam adoecidos. Todos foram encaminhados para tratamento.

Figura 3 - Síntese dos estudos selecionados. Niterói, RJ, Brasil, 2019

Fonte: Elaborado pelos autores, 2019.

 

DISCUSSÃO

Os artigos apontam que na psicodinâmica do trabalho na Enfermagem, existe a concomitância de diferentes tipos de sentimentos, sendo tanto positivos quanto negativos. Assim sendo, os sentimentos positivos relacionam-se com o prazer e os negativos com o sofrimento(7,8). Um resultado com base na teoria da psicodinâmica do trabalho, que na área da Enfermagem estuda a relação do enfermeiro com seu ambiente de trabalho, o que no caso envolve tanto a infraestrutura médico-hospitalar como relacionamentos com outros profissionais e com pacientes e seus familiares, sendo a psicodinâmica do trabalho calcada nos conhecimentos preconizados por Christophe Dejours(9).

A psicodinâmica do trabalho na Enfermagem estuda os processos psíquicos vinculados às situações do cotidiano dos enfermeiros, envolvendo sentimentos díspares. E, como em qualquer cenário de vida de todos os seres humanos, seja em ambiente pessoal ou profissional, existem os momentos de prazer e de sofrimento, influenciando positiva ou negativamente a relação deles com o mundo ao seu redor. Nesse contexto, os sentimentos relacionados ao prazer são fáceis e melhores para assimilar, enquanto os sentimentos relacionados ao sofrimento não são. É este ponto nevrálgico do ser humano, lidar com o sofrimento, que ocorre o seu desequilíbrio emocional, interferindo na qualidade de vida de seu cotidiano e abrindo precedente para doenças somáticas. Logo, o enfermeiro, por possuir um cotidiano intenso em seu ambiente profissional, tende a absorver maior carga de sentimentos relacionados ao sofrimento, mesmo que, por vezes, de forma inconsciente(7,8). Isso porque, existe um embate entre o enfermeiro e a sua realidade de trabalho, momento que abrange uma dinâmica de passível absorção de sofrimentos, advindos de conflitos ou de situações desestabilizadoras, emocionalmente(7,8,10,11).

Esta balança que permeia o prazer e o sofrimento no labor da Enfermagem é debatida por estudos, os quais tentam identificar os fatores que geram ambos os sentimentos. Um estudo com 184 profissionais, que apontou a existência de prazer e sofrimento na Enfermagem, relatou que para os enfermeiros existia tanto prazer como sofrimento no labor. Para o estudo, o prazer relacionou-se com a gratificação, a liberdade (pensar, falar), o orgulho de dever cumprido e a identificação com o trabalho, enquanto o sofrimento vinculou-se a desgaste emocional, o desânimo, a sobrecarga e a insegurança no trabalho(11). Já em outro estudo com 11 enfermeiros, o prazer estreitava-se também com a sensação de dever cumprido, mas ainda abrangia o conforto e o alívio pela eficiência na assistência aos pacientes. Enquanto o sofrimento indicado pelo estudo envolvia a tristeza, a frustração, a dificuldade com o luto, a impotência e a incapacidade(9).

Seguindo a linha de identificação de fatores geradores de prazer e sofrimento, ainda destacam-se mais dois estudos. O primeiro, feito com 130 profissionais de enfermagem, destacou os fatores de prazer como o apoio social no trabalho e apontando como fatores para sofrimento, o trabalho em alta demanda e alto controle(12). O segundo, feito com 27 enfermeiros de instituições de idosos, identificou a relação do prazer com a boa convivência da equipe, com a liberdade de modificação da organização de trabalho e com a criação de vínculos com os idosos. Porém, o estudo desperta a atenção sobre os fatores relacionados ao sofrimento, porque existem particularidades no convívio intenso e, por vezes, prolongado com os idosos. Esses fatores de sofrimento foram identificados como: o esforço físico da rotina acelerada e repetitivo; os recursos humanos escassos; o acúmulo de responsabilidades; e a ausência de serviço médico presencial na instituição. De certo, entre os fatores de prazer e de sofrimento, os de sofrimento são responsáveis por afetar negativamente o psíquico do enfermeiro, diferenciando-se da emoção positiva como o prazer(13).

O trabalho de assistência no processo saúde-doença, por si só, gera sentimentos intensos ao ambiente de trabalho do enfermeiro, sobretudo quando relacionados aos fatores de sofrimento. Contudo, quando há maior proximidade com as situações de morte, o enfermeiro se mobiliza ainda mais com os fatores geradores de sofrimento. Essas situações tendem a ocorrer nos trabalhos na urgência, na emergência e na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) hospitalar, assim como o cuidado aos indivíduos portadores de doenças terminais ou graves e com idosos e crianças. Tratam-se de ambientações de trabalho que induzem o enfermeiro a ter emoções conflitantes, relacionadas com a prática de sua profissão e com sua percepção acerca da morte(14,15).

A proximidade com a morte faz com que o enfermeiro reflita sobre a vida, criando percepções sobre valores pessoais e éticos, mas, especialmente, sobre o processo de morte. Inclusive, tais questionamentos internos foram aferidos em estudo com 18 enfermeiros, que trabalhavam na assistência de doentes sob cuidados paliativos(16). Outro exemplo é o trabalho de Enfermagem numa UTI pediátrica, que pode gerar sentimentos intensos, pois a morte da criança repercute como uma forma de sofrimento para o enfermeiro. Além de presenciar o óbito infantil, o enfermeiro também sofre ao presenciar a dor dos familiares da criança falecida, abarcando sensações negativas como: tristeza, impotência e frustração(8). Acompanha tal conjuntura outro exemplo de estudo, o qual apontou no exercício da Enfermagem oncológica pediátrica uma sobrecarga emocional em 17 enfermeiros, ocasionada pela interação dos profissionais com as crianças doentes e seus familiares(17).

Além do ambiente pediátrico, existem estudos sobre o sofrer do enfermeiro em ambiente que lida com a eminência de morte. Como o caso da pesquisa feita com 18 enfermeiros do setor de emergência de um hospital universitário, que aferiu desestabilidade emocional em todo o grupo investigado, gerada pelos motivos: superlotação, sobrecarga de trabalho e frustração. Havendo nesse grupo desgaste não só emocional como também físico(14).

Outro estudo, feito com 70 enfermeiros oncológicos, concluiu que o trabalho com pacientes com câncer desgasta os enfermeiros, atingindo o equilíbrio emocional dos mesmos(15). Corrobora também estudo com 26 enfermeiros de UTI que constatou a relação entre o desgaste no trabalho com a existência de sofrimento psíquico(18). Do mesmo modo, estudo realizado com 94 profissionais, conferiu o sofrimento no ambiente de trabalho de Enfermagem em pronto socorro, abrangendo tanto o cenário do trabalho (sobrecarga, possibilidade iminente de imprevistos, descontentamento com o resultado do trabalho e falta de reconhecimento), como conflitos internos e pessoais (diagnóstico e história do paciente, Influência da vida pessoal no trabalho e deste na vida pessoal)(19).

Certamente, como em qualquer cenário de vida dos seres humanos, seja em ambiente pessoal ou profissional, ocorrem momentos de prazer e sofrimento, influenciando positiva ou negativamente na qualidade de vida. Desta maneira, o ambiente do trabalho interfere em sua qualidade de vida. De modo coadjuvante, ocorre identificação de fatores que geram uma melhor qualidade de vida, como melhor convívio social, boa comunicação interpessoal e a existência de fatores motivacionais. Contudo, num contraponto, existem os fatores que pioram a qualidade de vida, que foram identificados como sofrimento, sobrecarga e condições de trabalho(20).

Quando se fragiliza o bem-estar e a qualidade de vida de um indivíduo, há um ambiente fecundo para sua desestabilidade emocional. Por conseguinte, a instabilidade emocional propicia ambiente para surgimento de doenças. Quando há sofrimento advindo do labor do enfermeiro, há uma propensão ao desenvolvimento de desequilíbrio psíquico, propiciando o surgimento de doenças. Estudo evidenciado com 12 enfermeiros, identificou a presença de depressão nesses profissionais investigados e relacionou a influência do trabalho de Enfermagem no adoecimento psíquico(21). Outro estudo com 70 enfermeiros constatou um elevado nível de estresse e exaustão em todos os enfermeiros da amostra, indicando que tal condição seria um estímulo ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout(15). O nível de estresse elevado também foi constatado em mais um estudo, feito com 17 enfermeiros oncológicos de pediatria, que apresentavam ainda alto nível de incerteza frente à vida profissional(17). O estresse em enfermeiros é reconhecido como um resultado das condições e do ambiente social do seu trabalho(22).

Complementa o assunto em foco, o entendimento de que, além do estresse, a instabilidade emocional do enfermeiro pode lhe gerar depressão, que também desencadear a Síndrome de Burnout e, em casos mais severos, pode levar ao suicídio(23). De modo correlato, um estudo com 23 enfermeiros apontou que 91,3% deles tinham depressão, sendo que os mesmos não se percebiam doentes(24).

Em síntese, pode-se afirmar que o sofrer do enfermeiro gera sentimentos intensos, como dor, frustração, angustia medo, inferioridade e tristeza, ocasionando em desequilíbrio psíquico. Esse sofrimento pode ocasionar ao enfermeiro doenças somáticas, como depressão e Síndrome de Burnout(7). Acrescenta-se, ainda, que pode gerar falta de dinâmica profissional e não só o adoecimento por desequilíbrio emocional. Assim sendo é de suma relevância haver atenção com a visão integral da saúde do trabalhador enfermeiro, o que pode incluir estratégias defensivas ao sofrimento(10).

Para confrontar o sentimento de sofrimento do enfermeiro, aferiu-se em estudo, feito com 68 profissionais, que pode existir uma adaptação coletiva e individual no enfrentamento. No mecanismo coletivo, o estudo indicou a adoção de reuniões para debates e discussão da equipe, havendo compartilhamento de insatisfações e sentimentos. Já no mecanismo individual, apontou para o uso da racionalização nas situações negativas, promovendo distanciamento do enfermeiro(25). Em outro estudo, feito com 11 enfermeiros, colocou-se como mecanismos usados para o não sofrer: não pensar no sofrimento e na morte e se refugiar no trabalho(9).

Constatou-se que existe um cenário propício para a geração de sofrimento no labor da Enfermagem. Situação que influencia no desenvolvimento do desequilíbrio psíquico do enfermeiro, podendo fazer com que desenvolva doenças relacionadas, como, por exemplo: depressão e Burnout. Desta maneira, a ciência da existência de tal possibilidade de fragilidade emocional no ambiente de trabalho, faz com que deva ser debatida a natureza psicossocial do trabalho de Enfermagem. Justamente, para que haja a criação de políticas públicas de segurança e de saúde no trabalho, abrangendo mecanismos para o enfrentamento do sofrimento do enfermeiro, buscando à saúde do profissional(12).

 

CONCLUSÃO

O estudo aqui empreendido constatou, com base na psicodinâmica do trabalho, o universo de emoções intensas no ambiente de trabalho do enfermeiro. Sentimentos de prazer e de sofrimento estão presentes no labor da Enfermagem. Contudo, existe um caminho emocional sutil quando o sentimento se relaciona com o sofrimento psíquico. Os artigos investigados relatam a existência tanto de prazer quanto de sofrimento psíquico no ambiente de trabalho do enfermeiro.

As causas de sofrimento que mais chamaram a atenção foram as relacionadas com os ambientes de trabalho envoltos por emoções densas, como a urgência, a emergência e a UTI hospitalar, e também com pacientes oncológicos, idosos e crianças. Sobretudo, porque são ambientes com maior potencialidade para o desgaste emocional do enfermeiro, visto que existe uma maior proximidade com a morte do paciente. Um desgaste emocional que causa sofrimento ao enfermeiro, fazendo com que reflita sobre a vida, questionando seus valores pessoais e éticos, levando-o a pensar sobre seu potencial e a sua entrega profissional. Além do desgaste emocional, colocam-se também como causas do sofrimento: sobrecarga de trabalho, frustração, descontentamento com o resultado do trabalho, falta de reconhecimento no trabalho e conflitos. Portanto, o compêndio literário investigado, ao mostrar as causas do sofrimento do enfermeiro no ambiente de trabalho, constatou a predominância do sofrimento psíquico no labor da Enfermagem.

É importante salientar que o sofrimento psíquico do enfermeiro o coloca propenso ao desenvolvimento de doenças somáticas, como depressão e Síndrome de Burnout. Ainda, o sofrimento psíquico no enfermeiro faz com que sua qualidade de trabalho diminua. Portanto, a Gestão em Saúde, pública e/ou privada, deve adotar um novo olhar na coordenação dos enfermeiros, promovendo mecanismos para se lidar com o sofrimento psíquico no ambiente de trabalho, seja de maneira individual ou coletiva.

Desta forma, torna-se viável aprofundar a temática aqui proposta, quiçá promovendo novos estudos acerca da lacuna encontrada, ou seja, investigar os mecanismos de confronto ao sofrimento psíquico da enfermagem no ambiente de trabalho, bem como criar ambientes promotores de saúde e bem estar.

 

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Recebido: 17/01/2020

Revisado: 18/04/2020

Aprovado: 18/04/2020

 

 

Figura2