Atitudes face ao preservativo em ambiente acadêmico: adaptação e validação de instrumento

 

 

Ana Maria Aguiar Frias1, Maria Antonia Fernandes Caeiro Chora1, Maria da Luz Ferreira Barros1, Gertrudes Carola Silva1, Natália Maria Charrua Oliveira2, Maria Margarida Santana Fialho Sim-Sim1

 

 

1  Universidade de Évora

2  Agrupamento de Centros de Saúde do Alentejo Central

 

 

Resumo

Objetivo: Traduzir e adaptar ao Português Europeu a escala Atitudes Face ao Uso do Preservativo. Método: Estudo metodológico desenvolvido através da tradução e adaptação cultural e, ainda, da comprovação das propriedades psicométricas. Amostra de conveniência. Participaram 237 estudantes de universidade portuguesa, com média de idades de 21,86 anos (DP=2.21). Realizou-se tradução e retro-tradução. Dados recolhidos no campus em ambiente de festa acadêmica noturna. Os requisitos éticos foram cumpridos. Resultados: O instrumento traduzido é claro e compreensível. Observou-se a validade de conteúdo e facial, a validade de constructo e de critério. Testou-se a fiabilidade, tendo correlações inter-item satisfatórias entre .071 e .647. As correlações item-total, variam entre .312 e .719 revelando homogeneidade do instrumento. Na consistência interna, o alfa de Cronbach foi de .880. Conclusão: A versão do instrumento, prova ser válida e confiável. As propriedades psicométricas suportam a validade original do constructo. Obteve-se versão que permite estudos multicêntricos na Lusofonia.

Descritores: Sexo Seguro; Preservativo; Jovem; Adolescente; AIDS; Estudantes

 

 

Introdução

 

O preservativo é um método contracetivo e um meio de proteção de Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST). É divulgado nos mass media no sentido de utilização por adultos e surge atualmente nas matérias de educação sexual em diferentes países. Considera a Organização Mundial de Saúde (OMS) a utilidade desta informação, tanto para sexo comercial, como para aprendizagem de menores, nomeadamente na escola em fase prévia à vida sexual ativa(1, 2). O método, estudado em diferentes perspetivas(3-5) e idiomas, é também tema na literatura lusófona(3-5). De fato, o sexo desprotegido é um comportamento frequente entre jovens e/ou universitários em vários países lusófonos (6-9).

Em Portugal, o tema do preservativo e respetiva utilização, está contemplado nos programas de educação sexual conforme orientações ministeriais (i.e., Lei 120/99, Decreto-lei n.º 259/2000, Lei n.º60/2009 e Portaria 196-A/ 2010 do Ministério da Educação), abrindo o conhecimento para os jovens em escolaridade obrigatória. Apesar das pressões surgidas por orientações confessionais(10), ultrapassou-se o constrangimento de 15 anos de espera, antagónico à lei nº3/84 de 24 de março, onde se afirmava em primeiro ponto “o Estado garante o direito à educação sexual, como componente do direito fundamental à educação”. Em resultado deste curriculum escolar obrigatório, a maioria dos atuais estudantes universitários, foi exposta na sua adolescência, à educação sobre sexo seguro e prevenção de IST. Outras formas mais recentes e apelativas são atualmente utilizadas, para informação aos jovens, recorrendo aos meios digitais (11)

As atitudes face ao uso de preservativo podem avaliar-se através de vários tipos de instrumentos, mas as escalas são por ventura os mais utilizados. Possuindo propriedades psicométricas definidas, estabelecem uma variável latente que, contendo um conjunto de variáveis manifestas, revela os indicadores de predisposição para agir de determina forma. O uso de escalas facilita a interpretação dos fenómenos, já que a avaliação é realizada sobre parâmetros testados. Nas escalas, determinam-se regras para as associações entre os indicadores, observa-se a estabilidade, a validade, entre outras propriedades que é necessário preservar. De fato, a interpretação dos fenómenos varia com as culturas, os valores socialmente dominantes, a idade, a experiência e, entre outros aspetos, o ambiente imediato que rodeia a coleta de dados. Assim, para preservar a essência dos instrumentos, mas simultaneamente conseguir medidas que possam avaliar o fenómeno em contextos diferentes, é necessário realizar a adaptação. A adaptação transcultural exige vários passos(12) e possui vantagens na segurança metodológica que oferece aos investigadores. Economiza-se tempo, aprofunda-se o conhecimento sob o mesmo modelo ou visão do fenómeno. A validação é eticamente desejável, pois respeita a ideia original do autor e, em termos empíricos, permite comparações com amostras de outras proveniências ou nacionalidades. Defendem alguns autores que, ainda que seja utilizada na mesma cultura, cada estudo, dados os vários contextos do envolvente, justifica a observação das propriedades da medida(13).

Nos anos 90, dois autores de língua inglesa(14), construíram a Sexual Risks Scale (SRS) que pelas suas caraterísticas tais como o número de itens, as dimensões ou subescalas, as propriedades psicométricas ou a acessibilidade de conceitos, é bem aceite tanto no idioma original como em outras populações(15-17). Mantem-se atual, como evidenciam estudos recentes(15-17). A SRS possui seis dimensões e através de uma das subescalas, avalia as atitudes face ao uso de preservativo (AFUP). As qualidades psicométricas da AFUP são robustas, tanto no estudo original como em posteriores(14, 16, 17). No nosso país, a AFUP, foi aplicada em dois estudos, na Universidade Coimbra(4) e na Universidade do Algarve(5), mas tanto quanto foi possível pesquisar na literatura branca, a validação em população universitária, com enquadramento em festa acadêmica noturna, não está realizada. Sabe-se contudo que as festas académicas são propiciadoras de atitudes menos convictas e de sexo não-protegido(18). São necessários instrumentos para estudar nestes contextos, a predisposição quanto ao uso de preservativo. Instrumentos de aplicação rápida tais como a AFUP, que avaliam atitudes, na imediatez de eventual decisão sobre sexo (in)seguro. Assim, será oportuno observar as suas propriedades em população portuguesa, pois ter instrumentos devidamente validados oferece mais possibilidades de investigação e confere maior qualidade nos resultados. Considerando a utilidade presente e de futuro, são objetivos do estudo atual: 1) traduzir para português a dimensão atitudinal da SRS que corresponde à subescala AFUP, 2) descrever as propriedades psicométricas e 3) observar a sua adequação a população universitária.

 

Método

 

Estudo metodológico de adaptação transcultural. O questionário, foi aplicado no primeiro semestre de 2018, na Universidade de Évora em Portugal, no recinto da festa académica noturna da queima das fitas. Na primeira secção do questionário, solicitavam-se dados sociodemográficos (i.e., sexo, idade), habilitações literárias, tipo de relacionamento afetivo-sexual atual. Na segunda secção encontravam-se duas escalas apresentadas em itens do tipo Likert, uma acerca da transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (VIH/AIDS)(19) e outra referida à subescala de atitude face ao uso de preservativo(14).

A amostra é consecutiva, de conveniência, tendo-se estimado contactar cerca de 260 estudantes, a partir da orientação de autores(20). A abordagem aos potenciais participantes realizou-se no campus, em recinto de feita da Queima-das-Fitas, em horário noturno, durante três dias. O convite à participação era iniciado através de questão eliminatória, só se prosseguindo se os potenciais participantes, se declaravam como estudantes universitários, configurando-se assim o critério de inclusão. Contatadas 320 pessoas, apuraram-se 266 estudantes. Atingiu-se uma amostra de 237 com todas as variáveis respondidas, rejeitando-se assim 10.9% dos dados recolhidos. As idades estão compreendidas entre os 19 e os 28 anos (M=21.86; DP=2.21), sendo 108 do sexo masculino (45.6%) e 129 do sexo feminino (54.4%).

O questionário era precedido por consentimento informado, assinalando o participante a sua concordância. O estudo faz parte de um projeto acadêmico de investigação-ação, sujeito à apreciação de Comissão de Ética da Universidade de Évora, sob o registo 13009 com parecer positivo.

Relativamente aos instrumentos, estudaram-se os conhecimentos sobre Human Immunodeficiency Vírus (HIV), através da HIV Knowledge Questionnaire (HIV-KQ-18), É uma medida breve constituída por um conjunto de 18 itens, apresentada no formato de índice de três posições (i.e., verdadeiro, falso, não sei). Das 18 questões colocadas, há 12 que dizem respeito à transmissão do VIH por relações sexuais, acreditando-se que quem tem mais consciência e conhecimento sobre esta via de transmissão, terá atitudes mais favoráveis ao uso de preservativo. Às respostas incorretas e “não sei” é atribuída a pontuação 0 e às corretas a pontuação 1. O score máximo é de 18 pontos, resultando da soma das respostas corretas. No estudo original dos autores da escala, a consistência interna variou entre .75 e .89, considerando três amostras de participantes(19). No estudo atual, um coeficiente KR-20=.87, mostrou uma consistência interna boa (i.e., superior a .75). O instrumento é publico e é acessível eletronicamente(21).

Ainda relativamente às medidas, as atitudes face a sexo seguro, foram observadas através da escala Atitudes Face ao Uso de Preservativo, referida neste estudo com o acrónimo AFUP. É um instrumento de língua inglesa desenvolvido por autores americanos(14). É composta por 13 itens, cujas afirmações são por exemplo “a ideia de usar preservativo não é agradável para mim” (item 8). Os itens são apresentados em escala tipo Likert, com cinco posições, que variam entre 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). A pontuação obtém-se através da soma, após reversão dos itens 1, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12 e 13. Pontuações mais altas indicam atitudes mais favoráveis ao sexo protegido. A sub-escala atualmente em análise, integra uma escala de 38 itens, a Sexual Risk Scale(14).

No estudo original de validação, a AFUP exibiu um coeficiente de α de Cronbach de .90 no ensaio piloto com 296 estudantes; no estudo final, com 200 estudantes pré-graduados o valor α de Cronbach foi de .88(14). Para o estudo atual, foi solicitada aos autores, via e-mail, a permissão para a utilização do instrumento, obtendo-se resposta positiva.

Procedeu-se à tradução do instrumento. A AFUP foi traduzida para português de forma independente por uma tradutora encartada e um profissional de saúde proficiente em língua inglesa. Posteriormente, ambos discutiram os termos em aproximação aos significados do instrumento original. Esta primeira versão em português, sofreu retro-tradução para inglês, por pessoa bilingue, professora de língua inglesa. Nova tradução para português foi realizada por tradutora encartada diferente da primeira. Para finalizar, a versão sofreu a apreciação de perita na área da sexualidade e de psicólogo, que no sentido da semântica e equivalência idiomática e conceitual, sugeriram a modificação de dois itens para linguagem coloquial. Assim no item 1, onde a formulação inicial era “é incómodo usar preservativo” passou a “é uma trabalheira usar preservativo”, dado que o termo “incomodo” em português, faz supor nesta situação, sobretudo desconforto físico. No item 11, onde a formulação era “os preservativos interferem com o romance”, uma vez que o termo “interferem” significa modificar e não carateriza a situação negativa/positiva. O item passou a “os preservativos estragam o romantismo da relação”, onde o termo “estragar” tem conotação negativa, sem ambiguidade. No pré-teste, aplicado a 10 estudantes de enfermagem, não foram sugeridas outras modificações.

Utilizou-se o Statistical Package for the Social Sciences®, versão 24, na análise da estatística descritiva e inferencial.

Observaram-se as propriedades psicométricas, determinando-se: 1) a consistência interna, através do coeficiente de Alfa de Cronbach; 2) a estabilidade, através do coeficiente split-half e validade discriminante. Além das estatísticas descritivas, aplicaram-se os testes estatísticos de Kolmogorov-Smirnov, correlação de Pearson.

 

Resultados

 

Os participantes, relativamente ao nível académico, apresentavam-se da seguinte forma. Cerca de 75% (155; 74.9%) frequentavam a licenciatura, cerca de 23% (n=47; 22.7%) o mestrado ou doutoramento e cinco (2.4%) outros cursos (i.e., pós-graduações).

O tipo de relacionamentos com parceiro afetivo-sexual declarado pelos participantes, apresenta-se na tabela 1. Constata-se que 49.3% (n=117) se encontra em relacionamentos monogâmicos (i.e., formais e não-formais). A representação mais baixa está nos relacionamentos múltiplos (n=17; 7.2%), conforme tabela 1.

 

Tabela 1 Tipo de relacionamentos afetivo-sexuais. Évora, Portugal, 2018

Variável

n

%

Tem companheiro/a com quem vive em casal (Relacionamento Formal)

79

33,3

Tem companheiro/a mas não vive em casal (Relacionamento não-formal)

38

16,0

Relaciona-se sexualmente com companheiro/outros/as (Relacionamentos múltiplos)

17

7,2

Não tem companheiro/a mas relaciona-se com uma pessoa (Relacionamento sem compromisso)

26

11,0

Não tem companheiro/a nem se relaciona com pessoa em particular (abstinentes atuais)

77

32,5

Total

237

100,0

 

A normalidade da distribuição respeitante à variável AFUP, resultante da média dos itens, após a reversão dos indicados, foi verificada pelo teste Kolmogorov-Smirnov, considerando o sexo dos participantes. A normalidade da distribuição está presente no grupo dos rapazes (KS=0.67(108); p=.200) e das moças (KS=0.75(129); p=.070).

A AFUP revela no estudo atual, uma média de 49.71 (DP=8.58), com o mínimo de 24 e um máximo de 65 pontos. A média mais elevada encontra-se no item 10 e a mais baixa no item 6. As estatísticas descritivas apresentam-se na tabela 2.

 

Tabela 1 Medidas de tendência central dos itens da escala de atitudes face ao uso de preservativo. Évora, Portugal, 2018

Item

Media

Desvio Padrão

1. It is a hassle to use condoms*

1.É uma trabalheira usar preservativo*

2.08

1.07

2. People can get the same pleasure from "safer" sex as from unprotected sex.

2.As pessoas podem ter o mesmo prazer tanto no “sexo seguro com preservativo” como no sexo inseguro sem proteção

3.05

1.21

3.Using condoms interrupts sex play*

3.Usar preservativos interrompe o jogo sexual*

2.49

1.05

4.The proper use of a condom could enhance sexual pleasure.

4.O uso adequado do preservativo pode aumentar o prazer sexual

2.84

.94

5.Condoms are irritating*

5.Os preservativos são irritantes*

2.37

1.04

6.I think "safer" sex would get boring fast*

6.Eu acho que o “sexo seguro” é algo que se torna aborrecido*

1.73

1.03

7."Safer" sex reduces the mental pleasure of sex*

7.”Sexo seguro” reduz o prazer mental de praticar sexo*

2.02

1.10

8.The idea of using a condom doesn't appeal to me*

8.A ideia de usar preservativo não é agradável para mim*

2.05

1.14

9.Condoms ruin the natural sex act*

9.Usar preservativo destrói o ato sexual*

1.75

.82

10.Generally, I am in favour of using condoms.

10.Em geral, eu sou a favor dos preservativos

4.44

.82

11. Condoms interfere with romance*

11.Os preservativos interferem com o romantismo da relação*

2.00

1.01

12.The sensory aspects (smell, touch, etc.) of condoms make them unpleasant*

12.O cheiro, aspecto, toque dos preservativos tornam este método contrapcetivo desagradável*

2.21

1.04

13.With condoms, you can't really "give yourself over" to your partner*

13.Com preservativo, a pessoa não pode realmente envolver-se, dar-se profundamente ao parceiro*

1.90

1.01

*Item revertido

 

A AFUP evidencia uma associação fraca e negativa com a idade (r(237)=-.156; p=.016). Através de um teste t de Student constatou-se que as moças possuem atitudes significativamente mais favoráveis ao uso de preservativo do que os rapazes (t(235)=-2.401; p=.017). Considerando o tipo de relacionamento com parceiros sexuais, verifica-se que os estudantes com relacionamentos monogâmicos formais e não formais e também os abstinentes, são os que possuem atitudes mais favoráveis ao uso de preservativo. Em contraste, os estudantes com relacionamentos pouco vinculados afetivamente (i.e., relacionamentos sem compromisso e múltiplos parceiros) possuem atitudes menos favoráveis (figura 1).

Figura 1 Atitudes face ao uso de preservativo de acordo com o tipo de relacionamento afetivo-sexual. Évora, Portugal, 2018

 

Imagem 4

 

A AFUP apresenta uma correlação positiva fraca, mas significativa, com a escala HIV-KQ-18 (r(237)=.166; p=.010).

Analisa-se seguidamente a fiabilidade, através da observação das estatísticas inter-item e item-total considerando também a consistência interna.

A aplicação da AFUP mostrou um bom coeficiente de α de Cronbach com um valor de .880. Na impossibilidade de realizar teste-reteste, pois a amostra era de coleta única de dados, optou-se pelo teste Split-half com correção Spearman-Brown. Revelou um alfa de Cronbach de .778 para o conjunto dos itens 1,2,3,4,5,6,7 e um coeficiente de Cronbach de .821 para o conjunto de itens 8,9,10,11,12,13. As correlações inter-item possuem valores entre .071 e .647 (tabela 3).

 

 

 

Tabela 1 Matriz de correlações inter-Item. Évora, Portugal, 2018

 

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6

Item 7

Item 8

Item 9

Item 10

Item 11

Item 12

Item 13

Item1

,348

,421

,183

,381

,351

,399

,436

,377

,238

,431

,439

,356

Item2

 

,375

,319

,405

,235

,316

,419

,286

,259

,348

,285

,248

Item3

 

 

,349

,453

,237

,292

,312

,372

,111

,419

,271

,251

Item4

 

 

 

,308

,071

,162

,254

,191

,111

,163

,180

,149

Item5

 

 

 

 

,374

,452

,541

,474

,199

,308

,441

,295

Item6

 

 

 

 

 

,551

,460

,633

,369

,404

,341

,499

Item7

 

 

 

 

 

 

,554

,629

,287

,398

,432

,521

Item8

 

 

 

 

 

 

 

,647

,314

,436

,494

,356

Item9

 

 

 

 

 

 

 

 

,389

,547

,408

,512

Item10

 

 

 

 

 

 

 

 

 

,376

,308

,328

Item11

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

,573

,490

Item12

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

,397

 

Nas estatísticas item-total, observa-se que o valor do coeficiente de alfa de Cronbach, varia entre .864 e .883. Não se modificaria substancialmente caso fosse retirado alguma variável manifesta. Por outro lado, as correlações item-total, variam entre .312 (i.e., item 4) e .719 (i.e., item 9), conforme tabela 4.

 

Tabela 2 Estatísticas Item-total. Évora, Portugal, 2018

 

Correlação Item-Total

Corrigida

Cronbach's Alpha

Se Item Retirado

Item 1

,568

,871

Item 2

,495

,876

Item 3

,499

,874

Item 4

,312

,883

Item 5

,607

,869

Item 6

,580

,870

Item 7

,650

,866

Item 8

,685

,864

Item 9

,719

,865

Item 10

,416

,878

Item 11

,635

,867

Item 12

,594

,869

Item 13

,565

,871

 

 

Discussão

A amostra atual com 237 participantes, apesar de não aleatória, respeitou em tamanho, o que é praticado em estudos de validação. Conforme revisão de autores, que indica um numero médio de 207 participantes, a maioria dos estudos de validação recruta 100 a 250 casos(20). Por outro lado, os casos perdidos do estudo atual, representando cerca de 11% dos contatos em primeira abordagem, não trouxeram prejuízo de acordo com o critério anterior. Ainda relativamente ao número de questionários perdidos, sendo os missings dispersos e não em itens específicos, não acarretou outras fragilidades. O número de participantes é um aspecto importante, dada a diversidade que confere na análise dos dados. No presente estudo, o conjunto de universitários, sendo variado na idade, no ciclo acadêmico, no tipo de relacionamentos afetivo-sexuais e com representação aproximada no sexo, torna adequado o processo de validação nesta amostra, aspecto que simultaneamente é corroborado pelo teste Kolmogorov-Smirnov, quando se observa a normalidade da distribuição. De fato, as atitudes face ao uso de preservativo são temas de interesse para esta faixa etária, que é sexualmente ativa, vivencia a sexualidade em diferentes tipos de relação, afetivamente tem ainda alguma instabilidade ou está em busca de experimentações de intimidade. Através das estatísticas descritivas, observa-se que na média, todos os itens revertidos pontuam abaixo da posição 3 na escala de Likert, enquanto os itens 2, 4 e 10 aproximam-se ou superam esta posição. Por outro lado, os valores de desvio padrão mais elevados, surgem nos itens 2, 7 e 8, com maior dispersão. Repare-se que são itens conotados com erotismo e revelam os diferentes status de desenvolvimento afetivo-sexual. De fato, a amostra apresenta participantes em fase de monogamia formal e não-formal, mas também monogamia sequencial e poligamia. Dito de outra forma, relacionamentos exclusivos, relacionamentos sequenciais e relacionamentos múltiplos. O desenvolvimento afetivo-sexual e a formação do casal, ainda que não formal, traduz-se em maturidade relacional do par, aspecto que pode contribuir para uma atitude tendencialmente positiva e mais refletida sobre o preservativo, ainda que possa não ser utilizado. Esta interpretação dos resultados sugere que o instrumento é compreensível, permite registrar a diversidade, concorrendo para a validade facial ou validade aparente, fato que sustenta também a opinião de peritos e o pré-teste, referido na secção de método. Considere-se ainda a validade de conteúdo que, não possuindo comprovação estatística, está fundamentada na construção teórica dos itens pelos autores originais(14). Assim sendo, a validade de conteúdo e a validade facial concretizam-se na semântica do conteúdo das variáveis manifestas da AFUP.

A validade de constructo, refere-se à capacidade do instrumento medir a variável latente, passível de mensuração. No estudo atual, a medida, uma subescala, é unidimensional, não se aplicando a Análise Fatorial de Componentes Principais (AFCP). Utilizando-se o método de bi-partição (split-half), observou-se um valor satisfatório nos coeficientes de alfa de Cronbach em ambos os conjuntos de itens (i.e., .745 e .849), assim como na correlação entre as duas formas (i.e., .735). Nos processos de validação entre idiomas, é importante obter valores robustos no teste de bi-partição e na associação entre as duas partes, pois há que garantir que o instrumento original está respeitado e simultaneamente é entendido de forma semelhante, num outro envolvente. Ou seja, a apreensão que os sujeitos atuais fazem do constructo não desvirtua a ideia original e além disso avalia esta ideia. A utilização do método split-half não prejudica a interpretação da validade de constructo mas, pelo contrário, pode ter vantagens relativamente ao teste-resteste, dado o enviesamento de memória do participante, ou ainda pelo fato de no intervalo de tempo, algum acontecimento poder perturbar. São exatamente as atitudes, um dos constructos mais vulneráveis ao espaço de tempo entre as duas aplicações(22).

A validade de critério que consiste no grau de eficácia para predizer um desempenho especifico(23), foi observada através da validade concorrente. Testando-se a relação entre a AFUP e HIV-KQ-18 obteve-se uma correlação positiva, mas fraca. Paradoxalmente, o fraco valor da correlação, confere sustentabilidade à interpretação da validade concorrente. Ou seja, embora na lógica da relação entre conceitos, se acredite que quem tem mais conhecimento sobre a transmissão do HIV através de sexo não protegido, terá atitudes mais favoráveis ao uso de preservativo, observam-se fragilidades e mesmo controvérsia nos resultados empíricos. Constatam alguns autores que um conhecimento elevado se encontra em populações universitárias com praticas sexuais pouco seguras(4, 5), estando assim em risco elevado, enquanto outros autores registram influência positiva entre conhecimento e sexo seguro(16).

A fiabilidade da AFUP observou-se através de sua consistência interna. Esta propriedade, que mostra a habilidade do instrumento, quanto à relação inter-itens, mostrou bons resultados. Relativamente às correlações item-total, constata-se a homogeneidade da escala, já que possuem valores próximos. Das 78 correlações possíveis, o valor de 23 correlações estava abaixo de .30 e nenhuma correlação se encontrava acima de .80. Ou seja, as correlações foram equilibradas, nem demasiado baixas, nem demasiado altas que fizessem supor a sobreposição ou redundância de variáveis manifestas. O item 4 foi o que mostrou correlações mais fracas com os restantes, sendo o que menos contribui para a medida central. Contudo, não se considerou a sua retirada da escala. De fato, além da atual validação ser um processo o mais conservador possível, no sentido de respeitar a ideia original, também o valor do alfa de Cronbach não teria mudança importante. Pode assim dizer-se que os itens têm boa estimativa de fiabilidade da medida.

 

Conclusão

 

A versão atual da AFUP sugere ser uma medida adequada para a avaliação das atitudes face ao uso de preservativo em ambiente de festa acadêmica. O método aplicado, seguindo a orientação de autores, ofereceu segurança ao processo. A validade de constructo, validade de critério e fiabilidade mostram-se robustas nas propriedades avaliadas. Garantiu-se o processo que permite, através das variáveis manifestas, atingir uma variável latente, com expressão no contexto acadêmico português. Na carência de medidas possíveis de aplicar na Lusofonia, julga-se ter contribuído para o desenvolvimento do conhecimento, nomeadamente para estudos em jovens, onde parte da população não tem relacionamentos afetivo-sexuais estáveis. O estudo da temática necessita desenvolvimento e a maior disponibilidade de instrumentos traduzidos e validados, facilita a investigação.

Relativamente ao conteúdo do instrumento em validação, considerando a carreira acadêmica, que nos participantes atuais seria pelo menos estudos para licenciatura, além do historial de educação sexual a que os estudantes desta geração foram expostos, seria de esperar atitudes tendencialmente mais valorizadoras do preservativo. Tal remete para a importância da continuidade das temáticas do uso de preservativo e prevenção de IST, porventura sustentados também por projetos dirigidos à comunidade académica.

As limitações do estudo atual prendem-se com a aplicação da escala em momento único, não existindo oportunidade para avaliar a repetibilidade. Por outro lado, o fato de a amostra ser de conveniência impede a generalização dos resultados.

 

Referências

1. WHO. Standards for Sexuality. Education in Europe. A Framework for Policy Makers, Educational and Health Authorities and Specialists. Cologne: World Health Organization.Federal Centre for Health Education; 2010.

2. WHO. Developing sexual health programmes. A framework for action. Geneva: World Health Organization; 2010.

3. Sousa CSPd, Castro RCMB, Pinheiro AKB, Moura ERF, Almeida PC, Aquino PdS. Cross-cultural adaptation and validation of the Condom Self-Efficacy Scale: application to Brazilian adolescents and young adults. Revista Latino-Americana De Enfermagem. 2018;25:e2991-e. doi: 10.1590/1518-8345.1062.2991. PubMed PMID: 29319748.

4. Cunha-Oliveira A, Cunha-Oliveira J, Pita J, Massano-Cardoso S. A aquisição do presrvativo e o seu (não) uso pelos estudantes universitarios. Revista Referência. 2009;II(11):7-22.

5. Gomes A, Nunes C. Comparative analysis between condom use clusters and risk behaviours among Portuguese university students. Saúde e Sociedade. 2015;24:350-60.

6. Pereira AL, Penna LH, Pires EC, Amado D, C. Sexual and birth control health practices among female undergraduates: a descriptive study. Online braz j nurs. 2014;13(1):25-35.

7. Prata N, Vahidnia F, Fraser A. Gender and Relationship Differences in Condom Use among 15-24-Year-Olds in Angola. International Family Planning Perspectives. 2005;31(4):192-9.

8. Capurchande R, Coene G, Schockaert I, Macia M, Meulemans H. “It is challenging… oh, nobody likes it!”: a qualitative study exploring Mozambican adolescents and young adults’ experiences with contraception. BMC Women's Health. 2016;16(1):48. doi: 10.1186/s12905-016-0326-2.

9. Gutierrez EB, Pinto VM, Basso CR, Spiassi AL, Lopes MEdBR, Barros CRdS. Fatores associados ao uso de preservativoem jovens - inquérito de base populacional. Revista Brasileira de Epidemiologia. 2019;22.

10. Couto PL, Paiva MS, Oliveira JF, Gomes AM, Rodrigues L, Teixeira MA. Dilemmas and challenges for HIV prevention in representations of young Catholics. Online Brazilian Journal of Nursing. 2018;17(1):97-107.

11. Ferreira AG, Pinheiro PN. Website for STD/HIV/AIDS Prevention for Catholic Teenagers: a Validation Study. Online braz j nurs. 2013:637-39.

12. Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2011;17(2):268-74. Epub 2010/09/30. doi: 10.1111/j.1365-2753.2010.01434.x. PubMed PMID: 20874835.

13. Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia (Ribeirão Preto). 2012;22:423-32.

14. DeHart DD, Birkimer JC. Trying to practice safer sex: Development of the sexual risks scale. The Journal of Sex Research. 1997;34(1):11-25. doi: 10.1080/00224499709551860.

15. Gakumo A, Enah C, Azuero A. A comparison of sexual health and sexual pressure among young African American and Caucasian women. Journal of Health Disparities Research and Practice. 2014;7(Sp2):107-17.

16. Marsiglia FF, Jacobs BL, Nieri T, Smith SJ, Salamone D, Booth J. Effects of an undergraduate HIV/AIDS course on students’ HIV risk. Journal of HIV/AIDS & social services. 2013;12(2):172-89. doi: 10.1080/15381501.2013.790750. PubMed PMID: PMC3775368.

17. Adebayo S, Olonisakin T. Influence of sex and gender-role on safe-sex behaviours. Global Science Research Journals. 2014;2(4):51-5.

18. Certain HE, Harahan BJ, Saewyc EM, Fleming MF. Condom Use in Heavy Drinking College Students: The Importance of Always Using Condoms. Journal of American college health : J of ACH. 2009;58(3):187-94. doi: 10.1080/07448480903295284. PubMed PMID: PMC2789340.

19. Carey MP, Schroder KE. Development and psychometric evaluation of the brief HIV Knowledge Questionnaire. AIDS Educ Prev. 2002;14(2):172-82. Epub 2002/05/10. PubMed PMID: 12000234; PubMed Central PMCID: PMCPMC2423729.

20. Anthoine E, Moret L, Regnault A, Sébille V, Hardouin J-B. Sample size used to validate a scale: a review of publications on newly-developed patient reported outcomes measures. Health and Quality of Life Outcomes. 2014;12:2. doi: 10.1186/s12955-014-0176-2. PubMed PMID: PMC4275948.

21. HIV Knowledge Questionnaire (HIV-KQ-18). Whitaker Institute for Innovation and Societal Change [Internet] 2018. [cited 2019 ago 28]. Available from: http://sci-hub.tw/10.13072/midss.232 .

22. Moreira J. Questionarios: Teoria e Pratica. Porto: Almedina; 2016.

23. Pasquali L. Psicometria. Revista da Escola de Enfermagem da USP. 2009;43:992-9.

 

 

Recebido: 27/12/2019

Revisado: 23/04/2020

Aprovado: 30/06/2020