Avaliação da função cognitiva de pacientes com insuficiência cardíaca crônica: estudo transversal
Glaucio Martins da Silva Bandeira1, Paula Vanessa Peclat Flores1, Paola Pugian Jardim1, Paula Camatta Alencar1, Juliana de Melo Vellozo Pereira Tinoco1, Ana Carla Dantas Cavalcanti1
1 Universidade Federal Fluminese
RESUMO
Objetivo: Avaliar a função cognitiva de pacientes com insuficiência cardíaca crônica e verificar a associação da função cognitiva com as variáveis clínicas e sócio-demográficas. Método: Estudo transversal com 79 pacientes com insuficiência cardíaca acompanhados em uma clínica especializada. Para a avaliação da função cognitiva, foi utilizado o questionário Mini Exame do Estado Mental. Resultados: Dentre os 79 pacientes elegíveis, 40(50,6%) são do sexo feminino, 51 (64,6%) são idosos, idade média de 63,30±11,93 e 53,2% aposentados, sendo que 50,6% apresentam classe funcional NYHA III. Para 62,0%, a não-isquêmica é evidenciada como a provável etiologia da doença. Discussão: Através dos dados deste estudo, foi possível identificar a associação entre as condições sociodemográficas e clínicas com a cognição de pacientes com IC; mostrando que a idade é uma variável associada a cognição. Conclusão: Espera-se compreender o nível de cognição dos pacientes com insuficiência cardíaca e os fatores associados com seu comprometimento.
Descritores: Cognição; Insuficiência Cardíaca; Disfunção Cognitiva.
INTRODUÇÃO
A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, na qual o coração está incapacitado de bombear sangue de forma a atender às necessidades metabólicas teciduais, ou pode fazê-lo somente com elevadas pressões de enchimento(1,2). Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), ocorrem, por ano, aproximadamente 200 mil internações e cerca de 22 mil óbitos por Insuficiência Cardíaca (IC) no Brasil(3) e calcula-se que o custo anual do tratamento no Brasil seja por volta de R$ 200 milhões(4).
A (IC) afeta aspectos físicos, psíquicos, sociais, espirituais, dentre outros. Destacam-se como sintomas físicos a dispneia, fadiga e edema, que formam a tríade de sinais e sintomas, e apresentam um caráter de piora progressiva. O paciente com IC pode apresentar sintomas depressivos e alterações cognitivas. Essa alteração cognitiva está associada às funções executivas, incluindo dificuldades no planejamento e execução das ações, baixa capacidade de resolução de problemas e de inibição de comportamentos(5,6,7).
Quanto ao desempenho funcional desses pacientes, ressalta-se a incapacidade para as atividades laborais, dificuldade na criação de relações sociais e perda de autonomia. Nesse aspecto, a autonomia está associada à aptidão para executar as atividades diárias por seus próprios meios, estando diretamente ligada à mobilidade e à capacidade funcional, onde o sujeito não necessita de orientação ou auxílio na execução de suas atividades. Ou seja, pressupõe condições cognitivas e motoras eficazes e adequadas para a execução dessas atividades(8).
A IC é uma doença associada à idade com uma alta taxa de prevalência nos idosos. A presença do comprometimento cognitivo em pacientes com IC é muito latente e tem sido associado com uma alta taxa de mortalidade, em comparação com pacientes que não apresentaram este tipo de comprometimento(9).
Um estudo transversal examinou a interferência do desempenho cognitivo na memória, atenção e função executiva na disfunção diastólica de 82 pacientes com IC. Os pacientes sistólicos com IC com disfunção diastólica grave concomitante tiveram pior desempenho cognitivo na fluência verbal do que aqueles sem disfunção diastólica grave. A disfunção diastólica sistólica e severa concomitante, moderada a grave, reduziu ainda mais a fluência verbal(10).
Outra pesquisa com delineamento observacional transversal realizada com 116 pacientes adultos em acompanhamento ambulatorial por IC no estado de São Paulo constatou um baixo índice de autocuidado nesses pacientes. Outro fato relevante deste estudo é que 44,8% desses pacientes tinham déficit cognitivo(11).
Desde sua difusão inicial, o MEEM tornou-se um instrumento de muita relevância no rastreio de comprometimento cognitivo. Por se tratar de um instrumento clínico, é utilizado na detecção de perdas cognitivas, no seguimento evolutivo de doenças e no acompanhamento de resposta ao tratamento ministrado. Como ferramenta de pesquisa, tem sido usado constantemente em estudos epidemiológicos populacionais, compondo o quadro de instrumentos usados em várias baterias neuropsicológicas(12).
Um estudo realizado nos Estados Unidos América (EUA) com 270 pacientes, idade média de 72,5 anos, utilizou o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) com o objetivo de avaliar o funcionamento cognitivo e sua relação com o autocuidado. Os dados deste estudo demonstraram que os idosos com IC podem ter comportamentos de autocuidado reduzidos por causa de seus déficits cognitivos, sendo a idade o mais forte preditor dos piores escores no MEEM. Baixas habilidades no autocuidado podem significar um problema para pacientes idosos com IC, pois afetam comportamentos importantes, como tomar medicação, monitorar e interpretar sintomas, manter consultas e entrar em contato com a equipe médica em caso de sinais de descompensação(13).
Dificuldades com a memória, atenção, velocidade psicomotora, aprendizagem verbal e funções executivas são os tipos mais comuns de déficits cognitivos relatados em pacientes com IC(14,15). Apesar disso, ainda não existem estudos no Brasil que tenham avaliado a função cognitiva destes pacientes e suas associações com características clínicas e sócio-demográficas. Este estudo tem como objetivo avaliar a função cognitiva de pacientes com IC de uma clínica especializada e verificar a associação desta função com variáveis clínicas e sócio-demográficas destes pacientes.
MÉTODO
Desenho do estudo
Estudo observacional transversal que avaliou a função cognitiva de pacientes com IC de uma clínica especializada.
Contexto (setting)
O estudo foi realizado com pacientes com Insuficiência Cardíaca Crônica em acompanhamento ambulatorial de uma clínica multiprofissional especializada, localizada no município de Niterói, RJ, entre março de 2017 a outubro de 2018.
Participantes
A amostra incluiu pacientes a partir de 18 anos com diagnóstico de IC crônica e ativos na clínica especializada, ou seja, que tenham comparecido a pelo menos uma consulta multiprofissional no período de seis meses e que apresentem capacidade de comunicação preservada. Foram excluídos pacientes com instabilidade hemodinâmica no momento da consulta multiprofissional.
Os pacientes foram convidados a participar do estudo e, posteriormente, à leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A estratégia de amostragem de conveniência foi usada para selecionar pacientes que preenchessem os critérios de inclusão e concordassem em participar do estudo.
Variáveis
Foram investigadas as variáveis sócio-demográficas, clínicas e escores de função cognitiva, autocuidado, qualidade de vida e sintomas depressivos. As variáveis sociodemográficas foram: idade, gênero, estrutura familiar (vivendo com a família, sozinho ou em clínicas geriátricas), escolaridade (anos de estudo), situação conjugal e renda mensal do paciente (renda familiar, se for o caso). As variáveis clínicas foram: tabagismo, tempo de progressão da doença, tempo de acompanhamento no ambulatório, classe funcional da New York Heart Association (NYHA) e comorbidades, como diabetes mellitus, insuficiência renal crônica, doença arterial coronariana, depressão, câncer e hipertensão. Também coletamos o número de consultas anteriores com a equipe multiprofissional na clínica especializada.
Fontes de dados/ Mensuração
Os dados foram coletados durante a triagem realizada por enfermeiros e acadêmicos de enfermagem para aplicação de um questionário com dados clínicos e sociodemográficos. As variáveis função cognitiva, autocuidado, qualidade de vida e sintomas depressivos foram coletadas através de questionários validados no Brasil.
A função cognitiva foi avaliada pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Trata-se de um instrumento composto por várias questões que foram agrupadas em sete categorias objetivando avaliar “funções” cognitivas específicas como: orientação para tempo (cinco pontos), orientação para local (cinco pontos), registro de três palavras (três pontos), atenção e cálculo (cinco pontos), lembrança das três palavras (três pontos), linguagem (oito pontos), e capacidade construtiva visual (um ponto). O escore do MEEM varia de no mínimo zero até um total máximo de 30 pontos(16).
O desfecho autocuidado foi verificado utilizando a versão brasileira do Self-Careof Heart Failure Index (SCHFI)(17). Este instrumento é composto por 22 itens divididos em três escalas: manutenção do autocuidado (10 itens), manejo do autocuidado (6 itens) e confiança no autocuidado (6 itens). A pontuação para cada domínio varia de 0-100 pontos, calculados a partir da transformação dos escores puros (cada item da escala varia de 1-4). Pontuações mais altas refletem autocuidado superior e escores ≥70 pontos para cada subescala indicam autocuidado adequado.
A qualidade de vida foi avaliada pelo questionário Minnesota Living With Heart Failure Questionnaire (MLWHFQ), composto por 21 questões relativas a limitações apresentadas por pacientes com IC, sendo que as perguntas devem ser respondidas considerando o último mês. O escore total varia de 0 a 105, sendo os escores mais altos o reflexo da pior qualidade de vida(18).
Os sintomas depressivos foram avaliados pelo Inventário de Depressão de Beck (BDI), através de 21 questões, com respostas cuja pontuação varia de 0 a 3. Os escores são subdivididos: pontuação abaixo de 10 (sem depressão ou depressão leve); entre 10 e 18 (depressão leve a moderada); entre 19 e 29 (depressão moderada a grave); entre 30 e 63 (depressão grave)(19).
Viés
Para reduzir o risco de viés, foi realizado um treinamento da equipe de pesquisa com carga horária de 20 horas pela orientadora do estudo com aplicação dos questionários validados.
Tamanho do estudo
Todos os pacientes ativos na clínica foram incluídos no estudo, totalizando 79 sujeitos.
Variáveis quantitativas
As variáveis quantitativas foram: idade, escolaridade (anos de estudo), renda mensal, tempo de progressão da doença, tempo de acompanhamento na clínica especializada, número de consultas anteriores com a equipe multiprofissional e escores de função cognitiva, autocuidado, qualidade de vida e sintomas depressivos. Estas foram descritas por medidas de média e desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil). As demais variáveis foram expressas por frequências simples e percentual.
Métodos estatísticos
Os dados foram inseridos em um banco de dados no Microsoft Excel e analisados por meio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 As variáveis contínuas serão expressas como média e desvio padrão para aquelas com distribuição simétrica e mediana e amplitude interquartil para aquelas com distribuição assimétrica. As variáveis categóricas serão expressas como números absolutos e percentuais. A associação entre os escores do Mini Exame do Estado Mental e as variáveis clínicas ou sociodemográficas foi analisada usando o teste Qui-Quadrado de Pearson. A comparação estatística entre os grupos divididos de acordo com o ponto de corte para função cognitiva foi realizada pelo teste de Mann-Whitney para as variáveis clínicas quantitativas e o teste Qui-Quadrado de Pearson para as variáveis categóricas. Valor de p bicaudal 0,05.
Aspectos Éticos
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina/Hospital Universitário Antônio Pedro, Parecer 3.089.60 e atende as exigências da resolução brasileira 466/12 do Conselho Nacional de Saúde(20). Este estudo garante a manutenção do sigilo, da confidencialidade e da privacidade dos dados do sujeito da pesquisa.
RESULTADOS
No decorrer do estudo, foram selecionados 79 pacientes considerados elegíveis para a amostra da pesquisa, dos quais 40 (50,6%) são do sexo feminino, com idade 63,30±11,93 anos (p=0,417), sendo 51 idosos (64,6%), justificando assim o percentual de aposentados, 53,2%. Com relação à escolaridade, 45(57,0%) possuem mais de 9 (nove) anos de estudo e a aposentadoria foi apresentada como principal fonte de renda para 53,2%. Observa-se que no caso dos pacientes atendidos na clínica especializada em IC, o tempo médio de doença foi de 114(24-168) meses (p<0,0001). Sobre a Classe Funcional da New York Heart Association, 19(24,1%) encontravam-se em NYHA I, 40(50,6%) em NYHA II, 18(22,8%) NYHA III e 2(2,5%) em NYHA IV.
Para 62,0%, a não-isquêmica é evidenciada como a provável etiologia da doença. Observou-se que do total da amostra, 16,5% são fumantes, 84,8% têm Hipertensão Arterial Sistêmica e 36,7 possuem Diabetes Mellitus. Com os questionários de Qualidade de vida de Minnesota e o Inventário de Depressão de Beck, 44,3% responderam terem uma qualidade de vida ruim e 36,7% não apresentam sintomas depressivos. No Mini Exame do Estado Mental, 60,8% têm uma cognição normal e 39,2% apresentam perda cognitiva, conforme apresenta a tabela 1.
Tabela 1 - Características clínicas da amostra (n=79). Niterói, Rio de Janeiro, 2019.
Variáveis |
n=79 |
p-valor |
Número de Medicamentos* |
6,19±2,83 |
0,159ƚ |
Provável Etiologia† Isquêmica Não-isquêmica |
30(38,0) 49(62,0) |
|
Fração de Ejeção* |
54,27±16,44 |
0,168ƚ |
Fumante† |
13(16,5) |
|
Consome Bebida Alcóolica† |
19(24,1) |
|
Influenza Vacina† |
53(67,1) |
|
Pneumococo Vacina† |
15(19,0) |
|
Comorbidades† Hipertensão arterial sistêmica Infarto agudo do miocárdio Dislipidemia Diabetes Mellitus |
67(84,8) 22(27,8) 17(21,5) 29(36,7) |
|
Questionário de Qualidade de vida de Minnesota‡ Boa qualidade de vida† Moderada qualidade de vida† Qualidade de vida ruim† |
39(20-61) 28(35,4) 16(20,3) 35(44,3) |
|
Manutenção do Autocuidado* Autocuidado adequado (≥70) † Autocuidado inadequado (<70) † |
45,30±16,24 7(8,9) 72(91,1) |
0,165ƚ |
Manejo do Autocuidado* Autocuidado adequado (≥70)† Autocuidado inadequado (<70)† |
57,41±20,67 11(29,7) 26(70,3) |
0,774ƚ |
Inventário de Beck - Depressão‡ Mínimo† Leve à mínimo† Moderado à grave† Severa† |
12(7-20) 29(36,7) 27(34,2) 18(22,8) 5(6,3) |
|
Mini Exame do Estado Mental‡ Cognição normal Perda cognitiva |
27(24-29) 48(60,8) 31(39,2) |
|
* Média±desvio padrão; † n (%); ‡ Mediana (amplitude interquartil 25-75);
ƚ Shapiro-Wilk
Na tabela 2, observamos as variáveis categóricas quanto à perda cognitiva e normal cognição, observando-se que 45,1% dos idosos da amostra têm perda cognitiva (dos 51 idosos, 23 estão nessa categoria). O mesmo acontece com 28,6% dos adultos até 59 anos de idade (dos 28 adultos, 8 estão nessa categoria) e 52,5% da população feminina que também apresentam perda cognitiva.
Tabela 2 –Associação das variáveis sociodemográficas e nível de cognição. Niterói, Rio de Janeiro, 2019.
Variáveis Categóricas |
Cognição normal (27 ou +) (n=XX) |
Perda cognitiva (até 26) (n=XX) |
p-valor |
Idadex Idoso (+60) Adulto (até 59) |
28(54,9)* 20(71,4)* |
23(45,1)* 8(28,6)* |
0,027# |
Sexox Feminino Masculino |
19(47,5)* 29(74,4)* |
21(52,5)* 10(25,6)* |
0,231# |
Situação conjugalx Solteiro Casado ou com parceiro Divorciado, separado ou viúvo |
8(42,1)* 30(69,8)* 10(58,8)* |
11(57,9)* 13(30,2)* 7(41,2)* |
0,119ƚ |
ClasseFuncional da New York Heart Associationx I-Assintomático II-Grandes esforços III-Pequenos esforços IV-Repouso |
12(63,2)* 23(56,1)* 12(66,7)* 1(100)* |
7(36,8)* 18(43,9)* 6(33,3)* 0 |
0,722ƚ |
Escolaridadex Baixa escolaridade (até 9 anos) Alta escolaridade (9 anos ou mais) |
21(61,8)* 27(60,0)* |
13(38,2)* 18(40,0)* |
1,000# |
Rendax Com renda Sem renda |
42(62,7)* 6(50,0)* |
25(37,3)* 6(50,0)* |
0,612# |
Morar Sozinhox Morar sozinho Mora com alguém |
9(56,2)* 39(61,9)* |
7(43,8)* 24(38,1)* |
0,899# |
A tabela 3 apresenta a associação das variáveis clínicas e os escores de cognição pelo MEEM. Não houve resultados estatisticamente significantes.
Tabela 3 – Associação das variáveis clínicas e nível de cognição. Niterói, Rio de Janeiro, 2019.
Variável categórica |
Cognição normal (27 ou +) (n=48) |
Perda cognitiva (até 26) (n=31) |
p-valor |
Provável Etiologiax Isquêmica Não-isquêmica |
16(53,3)* 32(65,3)* |
14(46,7)* 17(34,7)* |
0,412# |
Fumantex Fumante Não fumante |
6(46,2)* 42(63,6)* |
7(53,8)* 24(36,4)* |
0,385# |
Consome Bebida Alcoólicax Bebe Não bebe |
8(42,1)* 40(66,7)* |
11(57,9)* 20(33,3)* |
0,101# |
Vacina Influenzax Vacinado Não vacinado |
32(60,4)* 16(61,5)* |
21(39,2)* 10(38,5)* |
1,000# |
Vacina Pneumococox Vacinado Não vacinado |
9(60,0)* 39(60,9)* |
6(40,0)* 25(39,1)* |
1,000# |
Hipertensão Arterial Sistêmicax Não Sim |
4(33,3)* 44(65,7)* |
8(66,7)* 23(34,3)* |
0,073# |
Infarto Agudo do Miocárdiox Não Sim |
35(61,4)* 13(59,1)* |
22(38,6)* 9(40,9)* |
1,000# |
Dislipidemiax Não Sim |
36(58,1)* 12(70,6)* |
26(41,9)* 5(29,5)* |
0,512# |
Diabetes Mellitusx Não Sim |
29(58,0)* 19(65,5)* |
21(42,0)* 10(34,5)* |
0,674# |
Questionário de Qualidade de vida de Minnesotax Boa qualidade de vida Moderada qualidade de vida Qualidade de vida ruim |
15(53,6)* 11(68,8)* 22(62,9)* |
13(46,4)* 5(31,2)* 13(37,1)* |
0,577 ƚ |
Manutenção do Autocuidadox Autocuidado adequado (≥70) Autocuidado inadequado (<70) |
5(71,4)* 43(59,7)* |
2(28,6)* 29(40,3)* |
0,698‡ |
Manejo do Autocuidadox Autocuidado adequado (≥70) Autocuidado inadequado (<70) |
7(63,6)* 17(65,4)* |
4(36,4)* 9(34,6)* |
1,000# |
Inventário de Beck – Depressãox Mínimo Leve à mínimo Moderado à grave Severa |
21(72,4)* 14(51,9)* 10(55,6)* 3(60,0)* |
8(27,6)* 13(48,1)* 8(44,4)* 2(40,0)* |
* n (%); # Continuity Correction; x Chi-square; ƚ Pearson Chi-square;
‡ Fisher´sExact Test
A tabela 4 associou os domínios do MEEM de acordo com os escores de cognição. A orientação (p<0,0001), a atenção e cálculo (p<0,0001), a evocação (p=0,003), a linguagem (p<0,0001) e o escore total apresentaram maiores medianas dos escores no grupo com cognição considerada normal.
Tabela 4 – Associação entre os domínios do questionário MEEM e os respectivos escores totais. Niterói, Rio de Janeiro, 2019.
Mini mental |
Cognição normal (27 ou +) n=48 |
Perda cognitiva (até 26) n=31 |
p-valor |
Orientação |
10(10-10)‡ |
9(7,50-10)‡ |
0,000# |
Memória Imediata |
3(3-3)‡ |
3(3-3)‡ |
0,149# |
Atenção e Cálculo |
5(5-5)‡ |
2(0-4,50)‡ |
0,000# |
Evocação |
3(2-3) ‡ |
2(1,50-3)‡ |
0,003# |
Linguagem |
9(8-9)‡ |
7(6,50-8)‡ |
0,000# |
Total |
29(28-30)‡ |
23(22-25)‡ |
0,000# |
‡Mediana (amplitude interquartil 25-75); #Mann-Whitney
A tabela 5 associou variáveis clínicas (idade, tempo de doença, número de medicamentos e fração de ejeção), bem como escores totais dos questionários de qualidade de vida, autocuidado e sintomas depressivos com os escores de cognição. Não houve diferença entre os grupos de cognição normal e com perda cognitiva.
Tabela 5 – Associação entre variáveis clínicas, escores dos questionários de qualidade de vida, autocuidado, sintomas depressivos e os escores totais do questionário MEEM. Niterói, Rio de Janeiro, 2019.
Variáveis |
Cognição normal (27 ou +) n=48 |
Perda cognitiva (até 26) n=31 |
p-valor |
Questionário de Qualidade de Vida de Minnesota |
42,02±24,208* |
39,52±25,313* |
0,660ƚ |
Manutenção do autocuidado |
47,06±16,417* |
42,58±15,850* |
0,234 ƚ |
Manejo do autocuidado |
55,67±19,320* |
60,62±23,434* |
0,495 ƚ |
Inventário de Beck - Depressão |
10(7-20)‡ |
15(9,50-19,50) ‡ |
0,142 # |
|
|
|
|
Idade |
62,38±11,625* |
64,74±12,434* |
0,393 ƚ |
Tempo de IC |
120(24-168) ‡ |
108(36-132) ‡ |
0,842 # |
Número de medicamentos |
6,31±2,830* |
6±2,864* |
0,635 ƚ |
Fração de ejeção |
52,50±16,006* |
57,23±17,038* |
0,240 ƚ |
*Média±desvio-padrão; ‡Mediana (amplitude interquartil 25-75);
#Mann-Whitney; ƚ T-test
DISCUSSÃO
Este estudo verificou que 39,2% dos pacientes com IC de uma clínica especializada têm cognição prejudicada. A orientação, a evocação, a linguagem e atenção e o cálculo apresentaram diferenças significativas estatisticamente quando comparadas com pacientes sem déficit cognitivo. Além disso, houve diferença entre o grupo de idosos e adultos quanto à perda cognitiva. Demais variáveis não apresentaram diferenças significativas. Uma revisão sistemática realizada no Reino Unido em 2017, objetivou descrever a associação da insuficiência cardíaca e do comprometimento cognitivo. Dentre os 4176 pacientes com IC, 43% (intervalo de confiança de 95% 30-55) apresentavam algum declínio cognitivo(21).
Os déficits cognitivos estão diretamente associados à fragilidade dos idosos. Geralmente, estes indivíduos relatam queixas de esquecimento e outras modificações nos domínios cognitivos. Estudos mostram que o envelhecimento interfere diretamente na memória, também pode sugerir declínios nas funções executivas e na linguagem(22). Neste estudo, podemos observar que a amostra estudada apresentou déficits importantes no domínio linguagem (p<0,0001).
Um estudo realizado com 63 pacientes idosos na cidade de Vassouras no Rio de Janeiro teve como objetivo avaliar a cognição desses indivíduos. Os domínios cognitivos (orientação, memória, atenção e cálculo, praxia e linguagem) se apresentaram significativamente reduzidos na amostra estudada. Os dados sugerem que as condições estruturais e o nível educacional não são fatores que influenciam de forma geral o estado cognitivo desses pacientes(23). O que vai de encontro com os dados desse estudo que apresentou os domínios orientação (p<0,0001), atenção e cálculo (p<0,0001), evocação (p=0,003) e linguagem (p<0,0001) prejudicados com pouca interferência da escolaridade e outros fatores sociodemográficos na cognição.
Declínios das funções cognitivas influenciam em comprometimentos no funcionamento físico, risco de dependência, redução da autonomia, prejuízo emocional e social desses pacientes. O comprometimento cognitivo pode impactar questões importantes na vida dos pacientes com IC, sendo uma delas o autocuidado(24).
Recentes recomendações internacionais trazem a relevância da identificação dos doentes com pior prognóstico e da sua integração em programas de gestão multidisciplinar, como as Clínicas de IC. A atividade desses espaços é estruturada com educação dos doentes, otimização da terapêutica, suporte psicológico e acesso facilitado aos cuidados de saúde(25).
Um outro dado comparativo é em relação à idade. A configuração da sociedade atual vem mudando ao longo dos anos. Uma forte característica da população mundial é a idade avançada, que é um grande desafio para as equipes multidisciplinares de saúde, pois o idoso está mais suscetível a comorbidades diversas, doenças degenerativas, cardiovasculares e cerebrovasculares(13). Esta realidade pode ser observada neste estudo, que apresentou média de idade de 63,30±11,93 anos.
O envelhecimento da população e a maior sobrevida a enfermidades, pelas técnicas avançados de diagnóstico e tratamento, têm sido destacados como algumas das causas para o aumento da prevalência da IC nos últimos anos(26) o que corrobora com este estudo que apresentou população idosa predominante, com IC e comorbidades prevalentes como hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus. O comprometimento cognitivo leve é uma é comorbidade comum em pacientes com IC e está associado a mudanças estruturais e funcionais no cérebro(27). Um outro estudo publicado no PubMed em 2016, Cognitive decline in heartfailure, relata que em pacientes idosos que têm insuficiência cardíaca, o comprometimento cognitivo é mais comum.
Este estudo evidenciou também um perfil de pacientes com distribuição por sexo com predominância masculina, casados ou com união estável, baixo nível de escolaridade e renda, e comorbidades como hipertensão arterial, diabetes mellitus e infarto agudo do miocárdio associadas à IC. Com relação à escolaridade, os resultados encontrados neste estudo vão de encontro aos de pesquisas nacionais com pacientes com IC(28). Cabe ressaltar o alto índice de aposentados deste estudo que pode estar vinculado às condições de saúde deficitárias relacionadas à IC e às comorbidades apresentadas, pois as limitações trazidas pela doença podem sugestionar aposentadorias antecipadas.
As mudanças relacionadas às questões sociodemográficas da sociedade, resultaram em uma maior predisposição ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, em especial, doenças cardiovasculares(29).
A análise das condições clínicas e sociodemográficas e sua relação com o déficit cognitivo é muito importante, tendo em vista que a função cognitiva é composta de vários domínios, como memória, atenção, funções executivas, velocidade psicomotora, linguagem e capacidade visuoespacial(30), itens que exercem influência na vida do ser humano. Sabe-se que pacientes com IC sofrem de deficiência em vários outros importantes aspectos da função cognitiva entre eles a memória de trabalho, atenção, capacidade de resolver problemas e resposta psicomotora(31). Ainda assim, a amostra deste estudo revelou cognição preservada na maioria da população estudada.
O déficit cognitivo está associado a desfechos prejudiciais à saúde, qualidade de vida deficitária e distúrbios psicológicos(32). Ainda assim, o déficit cognitivo não se apresentou de forma latente nesse estudo, como a literatura tem evidenciado(33).
Cabe destacar duas condições que podem ter interferido nos achados desse estudo. A primeira se relaciona com o instrumento utilizado para avaliar a cognição. O MEEM é um dos testes de rastreio mais utilizados para triagem do desempenho cognitivo em diversos estudos, porém alguns autores tem apontado que a utilização do MEEM com o objetivo de avaliar a performance cognitiva em pacientes com IC não é eficaz, não se mostrando sensível para indicar os prejuízos cognitivos nos pacientes com IC.
Outra questão importante a ser analisada está no tratamento oferecido aos pacientes dessa amostra através da clínica especializada em IC. As atividades dessas organizações, utilizando como modelo a Clínica de Insuficiência Cardíaca Coração Valente, são pautadas em ações educativas, aperfeiçoamento terapêutico e suportes diversos através da equipe multidisciplinar composta por enfermagem, medicina, fisioterapia, nutricionista, psicologia, educador físico, equipe de suporte de tecnologia da informação e pedagogia. As modalidades habituais de atendimento são através de consultas presenciais, visitas domiciliares, consulta telefônica, telemonitoramento e grupo de orientação e convívio (34).
O agrupamento de ações e intervenções presentes nas clínicas de IC apresenta resultados positivos no prognóstico dos doentes, provavelmente maior que os de indivíduos que não recebem esse tipo de tratamento, sendo difícil quantificar a dimensão deste atendimento. Provavelmente, esses fatores interferiram na avaliação cognitiva proposta por esse estudo(35).
CONCLUSÃO
Através dos dados deste estudo foi possível identificar a associação entre as condições sociodemográficas e clínicas com a cognição de pacientes com IC mostrando que a idade é uma variável associada à cognição. Sendo assim, para a prática da equipe multidisciplinar este estudo exibe concepções para o aprimoramento das intervenções com o objetivo de promover melhorias na promoção de estratégias no enfrentamento desta doença.
Complementarmente, propomos o aprofundamento através de estudos de coortes sobre o perfil sociodemográfico e clínico de pacientes com IC e suas correlações com a cognição em diferentes regiões do país e também a implementação de programas de acompanhamento multidisciplinar promovendo o cuidado e controle clínico da IC.
A limitação desta pesquisa se encontra no delineamento transversal, através de dados de prontuário, o que impossibilita uma avaliação das variáveis de forma longitudinal e as relações de casualidade entre elas. Ademais, o tamanho desta amostra releva que estes dados não podem ser generalizados, sendo necessária a condução de novas pesquisas com análises ao longo do tempo com uma amostragem maior com o objetivo de comprovar ou refutar as hipóteses levantadas por esse estudo.
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Porcentagem de contribuição de cada autor no manuscrito
Glaucio Martins da Silva Bandeira – 35%
Paula Vanessa Peclat Flores – 15%
Paula Camatta Alencar – 5%
Paola Pugian Jardim – 15%
Juliana de Melo Vellozo Pereira 15%
Ana Carla Dantas Cavalcanti – 15%
Revisado: 26/05/2020
Aprovado: 04/06/2020