Relação entre sobrecarga e qualidade de vida de cuidadores informais de idosos: um estudo transversal em atendimento ambulatorial

 

Aline Maia Silva1, Daniella Pires Nunes2, Eliane da Silva Grazziano1, Isabela Thaís Machado de Jesus1, Tábatta Renata Pereira de Brito3, Ariene Angelini dos Santos-Orlandi1

 

1 Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil

2 Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil

3 Universidade Federal de Alfenas, MG, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Analisar a relação entre sobrecarga e qualidade de vida de cuidadores informais de idosos atendidos em um ambulatório de média complexidade. Método: Estudo descritivo, transversal, correlacional, realizado com 20 cuidadores de idosos cadastrados em uma Unidade de Saúde de média complexidade do município de São Carlos-SP. Foram aplicados os seguintes instrumentos: questionário para caracterização sóciodemográfica, Inventário de Sobrecarga de Zarit e Escala de Qualidade de Vida de Ferrans e Powers. As entrevistas foram realizadas na própria Unidade de Saúde, durante o atendimento dos idosos. Todos os cuidados éticos foram respeitados. Na análise dos dados foram utilizados Teste t, ANOVA, Coeficiente de Correlação de Pearson e Spearman, com nível de significância de 5%. Resultados: Houve correlação negativa entre sobrecarga e qualidade de vida (ρ=-0,63; p=0,003). Conclusão: Cuidadores com elevados escores de sobrecarga podem apresentar piores escores de qualidade de vida.

 

Descritores: Cuidador Familiar; Qualidade de Vida; Atenção Secundária à Saúde; Enfermagem Geriátrica.

 

INTRODUÇÃO

Com o envelhecimento, a pessoa idosa pode apresentar comprometimento nas suas atividades de vida diária demandando assim a necessidade de um cuidador que o auxilie nas atividades cotidianas zelando pelo bem-estar, pela saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e pelo lazer da pessoa assistida(1).

Cuidador é a pessoa responsável por auxiliar um indivíduo, facilitando o exercício de suas atividades de vida diária, tais como alimentação, higiene, acompanhamento junto aos serviços de saúde, oferecimento de medicações, dentre outras que o indivíduo apresentar limitações e necessitar de auxílio(1).

No contexto brasileiro, na maioria das vezes, a família é quem assume esse papel de cuidar, o qual ocorre no âmbito domiciliar. Geralmente, esse cuidador é informal, representado por um membro familiar, amigo ou vizinho, que desenvolve a tarefa de cuidar voluntariamente e não recebe remuneração(2).

Tanto a literatura gerontológica nacional quanto a internacional mostram que o perfil de cuidadores informais é marcado por pessoas do sexo feminino, sendo na maioria cônjuge ou filhas, de meia idade ou idosas, casadas, que residem com o idoso, com baixa escolaridade e renda(3-5).

No processo de cuidar, autores afirmam que há aspectos positivos e negativos. Como aspectos positivos, destaca-se o amor em cuidar do próximo, juntamente com a satisfação com a vida e o bem-estar em satisfazer as necessidades do dependente. Porém, nem sempre os familiares estão preparados para assumir tal responsabilidade, surgindo assim os aspectos negativos, tais como ansiedade, estresse, depressão e sobrecarga, os quais podem impactar negativamente a qualidade de vida dos envolvidos(2-3,6).

Pesquisas recentes que analisaram a relação entre sobrecarga e qualidade de vida de cuidadores de idosos foram encontradas na literatura, no contexto da atenção básica(7) e em ambientes hospitalares de alta complexidade, as quais têm demonstrado que cuidadores sobrecarregados apresentaram pior percepção sobre qualidade de vida(8). Entretanto, pesquisas dessa natureza realizadas com cuidadores de idosos atendidos em ambulatórios de média complexidade são escassas no cenário nacional. Além disso, outros estudiosos apontam que não há relação entre sobrecarga e qualidade de vida de cuidadores de idosos(9).

Diante da inconsistência identificada na literatura e da escassez de estudos no contexto ambulatorial, parece importante e pertinente estudar a relação existente entre sobrecarga e qualidade de vida de cuidadores de idosos, especialmente no contexto de países em desenvolvimento como o Brasil, onde o acesso a recursos pode estar limitado. Vale ressaltar que o cuidado nessas condições pode estar prejudicado diante de elevados níveis de sobrecarga(3) e baixa percepção sobre a qualidade de vida.

Diante desse cenário, o estudo teve como objetivo analisar a relação entre sobrecarga e qualidade de vida de cuidadores informais de idosos atendidos em um ambulatório de média complexidade.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, transversal e correlacional, baseado nos pressupostos quantitativos de investigação. Sua estrutura seguiu as diretrizes presentes na Declaração STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology).

Foi realizado no município de São Carlos (SP), no contexto de uma Unidade Saúde Escola (USE), ou seja, um ambulatório acadêmico multidisciplinar de média complexidade inserido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Para os idosos, esse ambulatório oferece atendimento nas áreas de cuidado cardiorrespiratório, neurológico, musculoesquelético, saúde mental ou em práticas integrativas e complementares.

A população foi composta por cuidadores de idosos frequentadores da USE campus UFSCar. Foram entrevistados cuidadores que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser familiar do idoso cuidado; não receber remuneração por exercer esse cuidado; ter idade igual ou superior a 18 anos; ser alfabetizado; possuir uma hora disponível durante o atendimento do idoso na referida Unidade. Foram excluídos os cuidadores com problemas cognitivos; com déficits de audição e/ou de visão, que possam dificultar a comunicação; e aqueles com menos de 12 meses como cuidador.

Inicialmente, a pesquisadora realizou um levantamento cadastral para identificar os idosos que eram atendidos no referido ambulatório. Em seguida, realizou um levantamento de quais idosos compareciam ao atendimento ambulatorial acompanhados por seus cuidadores. No dia em que esse idoso comparecia ao ambulatório para atendimento, a pesquisadora abordava esses cuidadores para explanação do projeto e convite à participação da pesquisa durante o período em que estivessem à espera do idoso em atendimento. No período de agosto a dezembro de 2018 foram realizadas 20 entrevistas com cuidadores que aceitaram participar da pesquisa no ato da abordagem. Havendo anuência, a coleta de dados se iniciava após a leitura e assinatura do TCLE e ocorria em sessão única. Os cuidadores foram submetidos à caracterização sociodemográfica e de saúde e a medidas de sobrecarga e qualidade de vida. As entrevistas foram realizadas por uma estudante do Curso de Graduação em Enfermagem e teve duração média de aproximadamente 60 minutos.

Os dados sociodemográficos e de saúde foram coletados por meio de um questionário construído previamente pelas pesquisadoras, com informações sobre: sexo, idade, raça/etnia, estado civil, crença religiosa, anos de estudo, aposentadoria, renda familiar, tabagismo, etilismo, número de doenças, grau de parentesco com o idoso cuidado, há quanto tempo realiza a tarefa de cuidar, cuida desse idoso quantas horas por dia, recebe algum tipo de ajuda, fez curso de cuidador, possui tempo para relaxar, realiza atividades de lazer, ansiedade, bem-estar psicológico e autopercepção de saúde.

Para avaliar a sobrecarga, foi usado o Inventário de Sobrecarga de Zarit. Trata-se de uma escala constituída de 22 questões que avaliam os domínios saúde, bem-estar psicológico e socioeconômico do cuidador familiar, bem como sua relação com a pessoa cuidada. Ao final, realiza-se a somatória de todas as questões respondidas, cujo resultado varia de 0 a 88 pontos. Sendo assim, a sobrecarga pode ser classificada como “Ausência de sobrecarga” (de 0 - 20); “Sobrecarga Leve a Moderada” (21 - 40); “Sobrecarga Moderada a Severa” (41 - 60) e “Sobrecarga Intensa” (61 - 88)(10).

Para avaliar a qualidade de vida, utilizou-se a Escala de Qualidade de Vida de Ferrans e Powers. Composto por duas escalas com 33 questões, avalia a satisfação e a importância dada a vários aspectos da vida relacionados a quatro domínios: saúde/funcionamento; psicológico/espiritual; socioeconômico; e família. O cálculo dos escores é realizado por meio da recodificação de todos os itens respondidos da parte “satisfação” e ponderados pelos obtidos na parte “importância”. Ao final, esses escores de qualidade de vida variam de zero a cinco (muito ruim), seis a 11 (ruim), 12 a 17 (regular), 18 a 23 (boa), 24 a 30 (muito boa)(11).

Na análise descritiva dos dados, foram estimadas distribuições de frequências, médias e desvios padrão para as variáveis contínuas do estudo. Para as variáveis categóricas, foram estimadas as proporções. Utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para comprovar a normalidade das variáveis. Para comparação das médias, foram utilizados o teste t e ANOVA. Para as análises de correlação, foram utilizados os coeficientes de Pearson e Spearman. Adotou-se o nível de significância de 5%. Os dados obtidos foram codificados e digitados em planilha eletrônica e analisados com apoio do pacote estatístico Stata versão 13.

Todos os cuidados éticos que regem pesquisas com seres humanos foram observados e respeitados, segundo a Resolução 466/2012, regulamentada pelo Conselho Nacional de Saúde. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, sob parecer número 2.655.483, em 15/05/2018, CAAE 85914418.9.0000.5504.

 

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi constituída por 20 cuidadores informais de idosos. A Tabela 1 apresenta os escores médios de sobrecarga do cuidador e a qualidade de vida, segundo características sociodemográficas, de saúde e condição de cuidado.

 

Tabela 1 - Escores médios de sobrecarga do cuidador e qualidade de vida segundo características sociodemográficas, de saúde e condição de cuidado. São Carlos, SP, Brasil, 2018 (n=20)

Variáveis

Total

Escore Zarit

P

Escore QV

P

n (%)

Média(dp)

Média(dp)

Sexo

 

 

 

 

 

Feminino

13(65,0)

34,3(3,9)

0,4661

24,7(1,0)

0,8231

Masculino

7(35,0)

29,4(5,1)

 

24,4(0,9)

 

Idade – média (dp)

63,1(8,1)

-0,15*

0,521

0,36*

0,115

Raça/etnia

 

 

 

 

 

    Branca

11(55,0)

28,9(14,1)

0,3442

25,5(2,0)

0,0412

    Parda/mulata/cabocla

5(25,0)

34,2(15,0)

 

25,4(3,0)

 

    Negra

4(20,0)

40,8(10,5)

 

21,2(4,0)

 

Estado Civil

 

 

 

 

 

Solteiro

2(10,0)

30,0(8,4)

0,9162

23,3(0,2)

0,5852

Casado ou vive com companheiro

13(65,0)

33,9(14,5)

 

24,4(3,4)

 

Separado/divorciado

3(15,0)

32,7(15,0)

 

24,4(3,3)

 

Viúvo

2(10,0)

26,5(21,9)

 

27,4(0,3)

 

Crença religiosa

 

 

 

 

 

Católica

13(65,0)

30,1(12,9)

0,5042

24,8(2,5)

0,4622

Espírita

4(20,0)

33,0(19,4)

 

23,0(5,1)

 

Evangélica

2(10,0)

46,5(6,4)

 

27,2(0,0)

 

Umbanda

1(5,0)

36,0(0,0)

 

23,1(0,0)

 

Anos de estudo – média (dp)

8,5(5,8)

0,13**

0,572

-0,18**

0,436

Aposentadoria

 

 

 

 

 

    Sim

13(65,0)

31,6(14,3)

0,6761

25,4(2,7)

0,1401

    Não

7(35,0)

34,4(13,7)

 

23,2(3,5)

 

Renda familiar mensal

 

 

 

 

 

De 1,0 a 2,9 SM

14(70,0)

31,2(12,6)

0,0252

24,6(3,0)

0,1652

De 3,0 a 4,9 SM

4(20,0)

45,7(6,8)

 

22,9(3,1)

 

De 5,0 a 10,0 SM

2(10,0)

16,0(12,7)

 

28,0(0,3)

 

Tabagismo

 

 

 

 

 

Sim

6(30,0)

34,2(12,8)

0,7491

24,8(3,1)

0,8841

Não

14(70,0)

31,9(14,6)

 

24,5(3,2)

 

Etilismo

 

 

 

 

 

Sim

8(40,0)

29,0(12,8)

0,3551

24,4(2,3)

0,8181

Não

12(60,0)

35,0(14,5)

 

24,7(3,6)

 

Número de doenças

 

 

 

 

 

Nenhuma

7(35,0)

38,1(10,7)

0,4002

22,5(3,6)

0,0662

Uma

4(20,0)

32,2(18,4)

 

25,1(2,9)

 

Duas ou mais

9(45,0)

28,4(14,0)

 

26,0(1,8)

 

Autopercepção de saúde

 

 

 

 

 

Muito boa

1(5,0)

7,0(0,0)

0,1042

28,2(0,0)

0,2142

Boa

12(60,0)

31,7(12,4)

 

25,1(2,3)

 

Regular

7(35,0)

37,7(13,5)

 

23,2(3,9)

 

Ansiedade

 

 

 

 

 

Sim

16(80,0)

35,5(12,1)

0,0581

23,7(2,8)

0,0071

Não

4(20,0)

21,0(16,1)

 

28,1(0,8)

 

Bem-estar psicológico

 

 

 

 

 

Sim

16(80,0)

28,6(12,3)

0,0061

25,3(2,3)

0,0451

Não

4(20,0)

48,5(5,8)

 

21,9(4,6)

 

Grau de parentesco com idoso

 

 

 

 

 

Cônjuge

10(50,0)

32,1(3,9)

0,8761

24,2(1,0)

0,6051

Filho(a)

10(50,0)

33,1(5,0)

 

25,0(0,9)

 

Tempo de cuidado

 

 

 

 

 

Menos de 1 ano

12(60,0)

35,1(14,0)

0,4332

24,3(3,5)

0,3982

1 a 3 anos

6(30,0)

26,3(12,3)

 

25,9(1,9)

 

4 a 7 anos

2(10,0)

36,5(19,1)

 

22,7(2,1)

 

Horas diárias de cuidado – média(dp)

19,7(7,8)

-0,01**

0,953

0,17**

0,455

Recebe ajuda financeira

 

 

 

 

 

Sim

8(40,0)

25,0(4,4)

0,0411

25,3(0,8)

0,4551

Não

12(60,0)

37,7(3,7)

 

24,2(1,0)

 

Recebe ajuda no cuidado

 

 

 

 

 

Sim

6(30,0)

37,0(3,8)

0,3651

24,6(0,9)

0,9641

Não

14(70,0)

30,7(4,1)

 

24,6(0,9)

 

Recebe outro tipo de ajuda

 

 

 

 

 

Sim

2(10,0)

41,5(9,5)

0,3511

25,6(1,6)

0,6401

Não

18(90,0)

31,6(3,2)

 

24,5(0,7)

 

Possui curso para cuidador

 

 

 

 

 

Sim

0(0,0)

-

-

-

-

Não

20(100,0)

32,6(13,8)

 

24,6(3,1)

 

Reserva tempo para relaxar

 

 

 

 

 

Sim

17(85,0)

30,3(3,2)

0,0831

25,0(0,6)

0,1941

Não

3(15,0)

45,3(6,7)

 

22,4(3,2)

 

Desenvolve atividades de lazer

 

 

 

 

 

Sim

9(45,0)

26,2(4,2)

0,0591

26,2(0,7)

0,0341

Não

11(55,0)

37,8(3,9)

 

23,3(0,9)

 

QV=qualidade de vida; dp=desvio padrão; SM=salário mínimo (o SM vigente na época da coleta de dados era de R$954,00); *Coeficiente de Correlação de Pearson; **Coeficiente de Correlação de Spearman; 1 Teste t; 2ANOVA.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2018.

 

Em relação à sobrecarga, os cuidadores de idosos obtiveram um escore médio de 32,6 pontos (dp=13,8). Apresentaram sobrecarga leve a moderada (50,0%, n=10), seguida de sobrecarga moderada a severa (30,0%, n=6) e ausência de sobrecarga (20,0%, n=4).  Os resultados mostraram que houve correlação estatisticamente significativa entre sobrecarga e renda familiar (p=0,025), apoio financeiro (p=0,041) e bem-estar psicológico (p=0,006). Cuidadores com renda familiar mensal de 3 a 4,9 salários mínimos, que não recebem ajuda financeira e que não apresentam sensação de bem-estar psicológico apresentaram escores mais elevados de sobrecarga.

Em relação à qualidade de vida, os cuidadores de idosos obtiveram um escore de 24,6 pontos, em média (dp=3,1). A maioria apresentou qualidade de vida muito boa (70,0%, n=14), seguida de qualidade de vida boa (25,0%, n=5) e qualidade de vida regular (5,0%, n=1). Houve correlação estatisticamente significativa entre qualidade de vida e atividades de lazer (p=0,034), raça/etnia (p=0,041), ansiedade (p=0,007) e bem-estar psicológico (p=0,045). Cuidadores que não desenvolvem atividades de lazer, são da raça/etnia negra, relatam ansiedade e não apresentam sensação de bem-estar psicológico demonstraram escores mais baixos de qualidade de vida.

Houve correlação negativa entre sobrecarga e qualidade de vida (ρ=-0,63; p=0,003) (Figura 1). Cuidadores com elevados escores de sobrecarga podem apresentar piores escores de qualidade de vida.

 

Figura1

Figura 1 - Diagrama de dispersão, segundo sobrecarga do cuidador e qualidade de vida. São Carlos, SP, Brasil, 2018 (n=20)

Fonte: Elaborado pelos autores, 2018.

 

DISCUSSÃO

No presente estudo, houve predomínio de cuidadores do sexo feminino, de meia idade ou idosas, cônjuges ou filhos(as) do idoso, casadas, com baixa renda, que cuidavam há menos de um ano, que não fizeram curso e nem recebem ajuda para desempenhar a tarefa de cuidar, achados similares ao encontrado em estudo nacional(3) e internacional(5).

Em relação à sobrecarga, a maioria dos cuidadores apresentou sobrecarga leve a moderada, corroborando com a literatura(1,6,12). Na maioria das vezes, o cuidador informal assume a tarefa de cuidar do idoso de forma quase repentina, sem treinamento prévio, desprovido de informações e despreparado psicologicamente(3).

Nesse contexto, a sobrecarga pode surgir em decorrência da insuficiência ou ausência de suporte social, demanda excessiva por parte do idoso que recebe o cuidado, ausência de atividades de lazer, assim como mudanças intensas na sua rotina diária e nos papéis sociais que exerce. Tais circunstâncias podem fazer com que o cuidador ignore seu autocuidado e suas próprias necessidades, podendo resultar no seu adoecimento(3).

No quesito renda familiar, 70,0% dos cuidadores possuíam de 1,0 a 2,9 salários mínimos por mês. Entretanto, os que estavam mais sobrecarregados possuíam um rendimento familiar mensal de 3,0 a 4,9 salários mínimos. Esses dados divergem da literatura, a qual aponta que cuidadores com baixa renda familiar estão mais expostos a níveis mais elevados de sobrecarga(13).

Pesquisadores afirmam que a escassez de renda pode interferir no cuidado dispensado ao idoso, e assim gerar estresse financeiro e sobrecarga aos cuidadores. Diante da inexistência de outros familiares para o desempenho da tarefa de cuidar, muitos cuidadores se afastam de suas atribuições laborais para exercer o cuidado integral. Nesse sentido, a sobrevivência da família pode ser proveniente apenas da aposentadoria desse idoso. Em muitos casos, tais recursos não são suficientes para atender as necessidades dessa família, o que pode acarretar maiores níveis de sobrecarga aos cuidadores(6).

Os resultados mostraram que cuidadores que não recebiam auxílio financeiro apresentaram escores mais elevados de sobrecarga quando comparados àqueles que possuíam esse tipo de apoio. Quando a aposentadoria do idoso não consegue suprir todas as necessidades, muitos cuidadores disponibilizam suas economias, o que pode comprometer os gastos com itens pessoais ou da família e interferir na dinâmica familiar, culminando em maiores níveis de sobrecarga(12).

Cuidadores que não apresentam sensação de bem-estar psicológico obtiveram maiores escores de sobrecarga, fenômeno corroborado por um estudo europeu(14). Fatores como a sobreposição de papéis, o isolamento social, a falta de apoio familiar, o aumento na intensidade de cuidados pelo idoso podem gerar sobrecarga entre os cuidadores informais de idosos e comprometer a percepção de bem-estar psicológico(15).

Em relação à qualidade de vida, 70% dos cuidadores do presente estudo apresentaram qualidade de vida muito boa. Resultados divergentes foram identificados na maioria das pesquisas encontradas na literatura(16-17). Uma possível explicação para isso talvez seja que os cuidadores do presente estudo não cuidavam de idosos com alto grau de dependência física e declínio cognitivo acentuado.

Pesquisa realizada na Suíça, com 277 cuidadores informais de idosos, buscou identificar variações na qualidade de vida entre integrantes de dois grupos distintos: cuidadores de idosos com intensas demandas e cuidadores de idosos que necessitavam de cuidados de baixa intensidade. Como resultados, obtiveram que a qualidade de vida diferiu consideravelmente entre os dois grupos de cuidadores familiares. Os cuidadores de alta intensidade apresentaram níveis mais baixos de qualidade de vida (p<0,001) quando comparados aos cuidadores de baixa intensidade. Os autores concluíram que a intensidade de cuidados dispensados pelo cuidador pode afetar negativamente a qualidade de vida(17).

Estudos mostram que a percepção negativa sobre a qualidade de vida decorre de um cuidado intenso, dispensado a idosos altamente dependentes fisicamente, acamados ou com um prejuízo cognitivo importante. O esgotamento físico, o estresse, a baixa autoestima e o isolamento social são fatores que contribuem para que o cuidador avalie de maneira negativa sua qualidade de vida(16).

No quesito raça/etnia, esse estudo mostrou que cuidadores negros apresentaram escores mais baixos de qualidade de vida, o que pode ser explicado sob a ótica do racismo, discriminação racial e desigualdades sociais a que estão expostos. Entretanto, estudiosos apontam que cuidadores da raça negra apresentam maior resiliência para lidar com estressores associados à tarefa de cuidar. Proximidade familiar com o doente, etnia negra, boa qualidade de vida, hábitos de vida saudáveis, otimismo e satisfação com a vida parecem ter influência no aumento da resiliência dos cuidadores(18).

Houve correlação significativa entre qualidade de vida e ansiedade, ou seja, quanto maior a percepção do cuidador sobre sua ansiedade, menor era sua qualidade de vida. A literatura corrobora esses achados e afirma que o despreparo frente às situações inesperadas e a falta de suporte familiar elevam a ansiedade e, consequentemente, diminuem a qualidade de vida(19).

Cuidadores desprovidos de bem-estar psicológico apresentaram escores mais baixos de qualidade de vida. Dados semelhantes foram identificados na literatura(14). Diante da dedicação exclusiva para com os cuidados ao idoso, da redução de tempo para si próprio, da escassez de recursos financeiros e de apoio de outras pessoas e da constrição da vida social, tais cuidadores informais podem apresentar sobrecarga psicológica, a qual tende a refletir negativamente sobre a qualidade de vida. Além disso, pesquisadores apontam que quando cuidadores informais descuidam da própria saúde, podem surgir sintomas físicos, os quais irão impactar o bem-estar psicológico(15).

Em relação às atividades de lazer, o presente estudo mostrou que cuidadores que as desenvolvem apresentam escores mais elevados de qualidade de vida. Estudiosos afirmam que cuidadores que reservam um tempo para se distrair, relaxar e participar de atividades em grupos demonstram um aumento na satisfação com a vida e redução dos níveis de estresse, o que repercute positivamente na qualidade de vida(20).

Houve correlação negativa entre sobrecarga e qualidade de vida, ou seja, os cuidadores com elevada sobrecarga apresentaram pior percepção sobre a qualidade de vida. Dados semelhantes foram identificados na literatura(8,15). Pesquisas apontam que essa relação pode estar associada às modificações intensas e repentinas na sua rotina diária e nos papéis sociais que exerce.

A responsabilidade conferida ao cuidador familiar pode ter implicações negativas na sua qualidade de vida, haja vista que muitas vezes assume essa tarefa sem orientações adequadas, sem o apoio de outros membros familiares, da sociedade e de instituições de saúde. Ademais, a ausência de atividades de lazer e o descuido com sua própria saúde, podem resultar em adoecimento, com consequente impacto negativo sobre a qualidade de vida(2-3).

Os resultados do presente estudo poderão fornecer subsídios aos profissionais de saúde, particularmente aos enfermeiros, sobre a necessidade de identificação precoce da sobrecarga e da sua relação com a qualidade de vida. Em posse dessa informação, estratégias adequadas voltadas aos cuidadores de idosos devem ser levadas em consideração, especialmente quando se trata de cuidadores que também são idosos.

 

CONCLUSÃO

Os resultados mostraram que houve correlação negativa entre sobrecarga e qualidade de vida de cuidadores informais de idosos atendidos em um ambulatório de média complexidade. Cuidadores com elevados escores de sobrecarga podem apresentar piores escores de qualidade de vida.

A identificação precoce da sobrecarga entre os cuidadores de idosos e o desenvolvimento de ações estratégicas para reverter esse quadro são fundamentais para a manutenção ou melhora da qualidade de vida desses cuidadores. Cabe aos profissionais de saúde e em especial ao enfermeiro geriátrico orientação, apoio e suporte social aos cuidadores a fim de realizar intervenções assertivas, como grupos de apoio, para o acompanhamento desses indivíduos e acolhimento de suas demandas em busca de melhorar da qualidade de vida.

Os achados desse estudo revelam contribuições para a gestão de serviços de média complexidade. Voltar a atenção ao cuidador enquanto ele esteja em sala de espera permite entender as potencialidades e os desafios no ato do cuidar. Torna-se imprecindível que serviços de média complexidade elaborem estratégias assertivas de apoio ao cuidador pautadas na compreensão da sobrecarga física, social ou emocional envolvidas no manejo do cuidado. Encoraja-se a realização de pesquisas futuras em investigar qual a necessidade do cuidador para atingir a satisfação do cuidado com vistas ao alívio da sobrecarga e melhora da qualidade de vida.

Em relação às limitações desse estudo, citam-se o delineamento transversal e a amostra por conveniência, que não permitem o estabelecimento de relação causa-efeito e a generalização das informações, respectivamente. Entretanto, tais limitações não invalidam a importância dos resultados encontrados e estimula a elaboração de novas pesquisas com metodologias mais robustas para o aprofundamento do assunto.

 

REFERÊNCIAS

 

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Recebido: 30/08/2019

Revisado: 27/04/2020

Aprovado: 27/04/2020

 

Figura2