Escola como ambiente de fazer saúde: estudo participativo com educadores

 

Tatiane Marinz de Souza Luquez¹, Vera Maria Saboia¹, Talita Marchióro de Lima Silva¹, Gabriela Oliveira Mayworm Teixeira¹, Crystiane Ribas Batista Ribeiro¹, Donizete Vago Daher¹

 

1 Universidade Federal Fluminense

 

 

RESUMO

Objetivo: analisar temáticas e vertentes pedagógicas orientadoras de práticas educativas em saúde realizadas por professores com estudantes do sexto ano de uma Escola Municipal. Método: pesquisa de abordagem qualitativa, descritiva, baseada na metodologia participativa, do tipo estudo de caso. A produção de dados ocorreu em uma escola municipal por meio da estratégia Mapa Falante, em que participaram 12 professores. Os dados foram analisados pela técnica da Análise de Conteúdo Temática. Resultados: originaram-se duas categorias: A coexistência das tendências tradicional e progressista; e Meio ambiente, higiene e interface saúde-doença como temas centrais na prática docente. Discussão: a prática educativa em saúde ainda é desenvolvida isolada e incipientemente. Existem equívocos sobre a concepção de saúde, bem como o real significado do processo educativo e da literacia em saúde. Evidenciou-se que há predominância do modelo tradicional de ensino nessa prática educativa.

Descritores: Educação em Saúde; Promoção da Saúde; Escola; Enfermagem.

 

 

INTRODUÇÃO

A escola representa um ambiente favorável para o encontro entre saúde e educação, bem como abriga diversas iniciativas, tais como ações de diagnóstico clínico e social, estratégias de triagem e encaminhamento aos serviços de saúde especializados ou de atenção básica, assim como atividades de educação e promoção da saúde(1).

Questões relacionadas à saúde são alvos de discussão há tempos e tornaram-se obrigatórias pelo artigo 7º da lei 5.692 de 1971. Anteriormente, as ações de saúde eram estabelecidas por meio dos programas de primeiro e segundo graus das escolas e o objetivo era estimular o conhecimento e a prática da saúde básica e de higiene do corpo(2).

Em meados dos anos 90, essa lei foi revogada pela promulgação da lei 9.394 de 1996, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB. Simultaneamente, tiveram início no Ministério da Educação (MEC) a discussão e formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para a Educação Básica(3).

Destarte, o ensino de temas relacionados à saúde é um desafio para a educação no que se refere à possibilidade de contribuir para uma aprendizagem contextualizada, reflexiva e transformadora. Transmitir informações sobre o funcionamento do corpo e descrever características relacionadas ao processo de adoecimento, bem como elencar hábitos de higiene saudáveis, não é suficiente para que estudantes desenvolvam atitudes de vida saudáveis ao levar em conta aspectos do cotidiano dos educandos(4).

 A educação em saúde é compreendida como uma ação dialógica entre profissionais e estudantes, que permite construir saberes e aumentar a autonomia das pessoas no seu cuidado(5). Além disso, deve favorecer o acesso às informações, ou seja, a literacia em saúde para que possa valorizar e reorientar hábitos saudáveis, valoriza-se não só o indivíduo e suas habilidades, mas também o coletivo. É preciso incentivá-los a resolver problemas pessoais e coletivos.

Todavia, questionam-se os objetivos alcançados por meio das práticas educativas em saúde, realizadas por professores nas escolas. Dificuldades são encontradas na manutenção de ações que envolvem as atividades acerca da formação e reorientação de hábitos saudáveis. Na maioria das vezes, os educandos pertencem a famílias de baixa renda e escolaridade, que não possuem recursos financeiros e sociais capazes de proporcionar uma melhor escolha, além de pouca informação relativa a essa questão. Entretanto, muitos professores do ensino fundamental desenvolvem algum tipo de atividade educativa em saúde, mesmo sem considerar o contexto em que esse educando vive(6).

Quanto aos temas abordados nas atividades educativas em saúde com adolescentes, uma pesquisa revelou que 43% dos estudantes informaram que os educadores não consultaram suas opiniões e necessidades antes do desenvolvimento das ações educativas em saúde; 25,1% afirmaram que os profissionais perguntaram diretamente aos discentes sobre o que desejavam que fosse abordado; 23,9% apontaram que os professores realizaram dinâmicas para levantamento dos temas; e 18,2% referiram a utilização de caixas para sugestões(7).

Para fortalecer a assistência em saúde no ambiente escolar, criaram-se políticas de saúde e de educação voltada para crianças, adolescentes, jovens e adultos da rede pública de educação do Brasil. Tais iniciativas governamentais tiveram o propósito de unir e articular ações de saúde e de educação. Nesse contexto, integra-se o Programa Saúde na Escola (PSE)(8).

Os principais objetivos desse Programa interministerial são promover a saúde e a cultura de paz, o que reforça a prevenção de agravos à saúde; articular as ações da rede pública de saúde com as ações da rede pública de Educação Básica para a constituição de condições para a formação integral de educandos; e promover a comunicação entre as áreas de educação e saúde, assegurando trocas(8).

As práticas educativas em saúde assumem um novo caráter ao buscar ultrapassar os conceitos de ações curativas visando à integralidade e à intersetorialidade Saúde e Educação. As ações devem ser contextualizadas ao instrumentalizar os escolares a fazer escolhas mais saudáveis de vida, no âmbito de promoção, prevenção e de atenção à saúde(9).

A prática educativa em saúde deve ser um processo de ensino-aprendizagem, participativo, que se dá por meio da compreensão e reflexão de conteúdos e produção compartilhada de conhecimentos, geradores de soluções para problemas de saúde(10).

O estudo apoia-se em conceitos do pedagogo Paulo Freire, tais como dialogicidade, emancipação, transformação, autonomia e contextualização, pensando-se em uma educação problematizadora na qual o educando assume o papel de sujeito no processo ensino-aprendizagem(11).

Do exposto, objetivou-se analisar temáticas e vertentes pedagógicas orientadoras de práticas educativas em saúde realizadas por professores com alunos do sexto ano de uma escola municipal.

 

MÉTODO

Pesquisa de abordagem qualitativa, descritiva, baseada na metodologia participativa, do tipo estudo de caso. O cenário foi uma escola municipal, localizada no bairro do Caramujo, na cidade de Nitei, Rio de Janeiro. Participaram da pesquisa 12 professores da turma do sexto ano do ensino fundamental.

Essa instituição foi escolhida por ser uma das escolas pactuadas que compõe o Programa Saúde na Escola desse município. Além disso, a direção da escola possui um perfil de liderança ao estimular a comunidade escolar a novos desafios, mantém boa relação com a equipe da Estratégia Saúde da Família próxima e demonstra um olhar cuidadoso para com as questões de saúde. A escolha pela turma de sexto ano se deu por ser o ano inicial nessa escola, onde os estudantes estão no início do ensino fundamental e, portanto, uma nova etapa na vida escolar.

Adotaram-se como critérios de inclusão dos participantes: ser professor do quadro permanente da instituição; atuar na turma do sexto ano; e estar presente no momento da apresentação da proposta de pesquisa. Os critérios de exclusão dos participantes foram professores que se encontravam de licença médica, de férias ou que não estivessem presentes na apresentação do projeto para o grupo.

O primeiro encontro aconteceu na sala dos professores, com a reunião de planejamento dos docentes, no qual se apresentou a proposta, os participantes deram sugestões e foram esclarecidas dúvidas. Ao final, todos os professores aprovaram o projeto de pesquisa, demonstraram interesse em participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A produção de dados foi realizada em outubro de 2016, no horário do planejamento das aulas, conforme sugestão dos participantes, quando os docentes das diferentes disciplinas se encontram. Foram necessários três (03) encontros para saturação dos dados. Entende-se como saturação de dados o momento no qual se consegue compreender a lógica ou coletividade em estudo, podendo-se assim enxergar a questão sob diversas perspectivas e pontos de vista(12).

Para a produção de dados, utilizou-se técnica do Mapa Falante, construído, coletivamente, com os participantes do estudo, de forma reflexiva, com ideias, crenças e entendimentos acerca do fenômeno em estudo e do seu contexto, reunindo um conjunto de imagens, desenhos, palavras e outras ferramentas ilustrativas que refletiram a realidade vivida, descrevendo os recursos da comunidade, assim como o meio cultural, social e aspectos emocionais dos participantes(13).

Disponibilizaram-se folhas de papel pardo, post it, hidrocores e canetas. Inicialmente, os participantes foram instruídos sobre a técnica; em seguida, as perguntas norteadoras foram lançadas: “Em sua opinião, como se dá a relação entre professor e estudante durante as atividades de Educação em Saúde?”; “Você aborda conteúdos relativos a questões de saúde durante suas aulas? Se sim, quais? Se não, por quê?”; “Como são desenvolvidas as atividades de educação em saúde com a turma?”. Logo após, os Mapas Falantes foram elaborados, sendo um para cada questão, com disponibilidade de tempo para sua apresentação e discussão, com duração de aproximadamente 1 hora.  

Gravou-se todo o processo de apresentação e discussão do mapa falante em um dispositivo de áudio para posterior transcrição. Os professores participantes do estudo foram identificados pela letra P, seguida da sequência de 1 a 12. Os dados foram analisados por meio da Análise de Conteúdo, do tipo temática, a qual inclui pré-análise e organização do material; leitura exploratória; mapeamento de grandes temas e categorias que se destacaram; e interpretação dos resultados obtidos(12).

O estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, em respeito à resolução do Conselho Nacional de Saúde n.466, de 12/12/12, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, sob nº CAAE:37709414.8.0000.5243/2016.

 

RESULTADOS

Após a análise dos dados, emergiram duas categorias: A coexistência das tendências tradicional e progressista; e Meio ambiente, higiene e interface saúde-doença como temas centrais na prática docente. O detalhamento dos passos seguidos na análise dos dados está demonstrado nos Quadros 1 e 2.

 

 

 

Quadro 01: Categoria 1 - A coexistência das tendências tradicional e progressista, 2019, Niterói

Categoria 1 - A coexistência das tendências tradicional e progressista

Unidade de significado

Unidade de contexto

"A integração entre professor e aluno é um dos passos mais importantes pra gente fazer essa construção trazendo eles pra o assunto e temas que a gente traz..."

"Às vezes só a gente passar o conteúdo e não trazer eles pra essa construção não faz tanto sentido pra eles..."

"A relação às vezes é de maneira dialógica e em outros momentos de modo imperativo mesmo, a gente tem que se impor, tem que mandar não é?"

"A construção do conhecimento acontece como um diálogo, portanto dependendo da atenção, disposição, interesse e envolvimento daqueles que estão dialogando."

"Eu continuo apostando na afetividade e o lúdico"

"Que o professor quando é legal, quando ele respeita, quando existe relações dos professores com os alunos, eles quando gostam do professor, da matéria e então os alunos não querem ofender, abusar...eles saem falando do conteúdo..."

"É preciso trabalhar de acordo com o que eles vivem, porque se a gente chegar com algo que não tenha nada a ver com a vivência deles, não faz sentido nenhum..."

No caminho da tendência educacional progressista

"Não é que a gente queira um robô na sala de aula, mas às vezes é uma situação tão complicada... os alunos não entendem que uma coisa diferente é aula. E falam: "Você não vai dar aula hoje não?”

"Vivemos uma situação bastante tradicional nas escolas, por conta de toda uma estrutura que não favorece. Mas quando sinto que há essa construção do conhecimento, vejo que ela ocorre por meio do diálogo..."

"O grande desafio é que você vem com uma proposta de ser um aluno reflexivo, crítico e aí quando ele "se mostra assim", você volta e quer puni-lo porque você quer ter um regime ainda de uma escola bancária que não existe mais"

"Aula pro aluno às vezes é conteúdo no quadro, copiou e aquele movimento de quadro-caderno, quadro-caderno..."

"Muitos profissionais da educação também acham que aula é só quadro e aluno sentado na cadeira e dever."

"A gente espera um modelo de aluno que a gente não tem, mas que é um modelo que a gente já naturalizou como ideal..."

"Às vezes até quando você pensa em levar... coisa mais dinâmica pra eles, não surte efeito nenhum... o interesse dele não é o meu interesse e a gente se frustra."

“É essa questão da frustração, porque por fim você acaba caindo na mesmice... a gente fica sempre preso àquilo que a gente acha certo ou aquele modelo de aluno que a gente quer.”

"A gente quer fazer uma aula diferente, mas eles acham que aquilo não é aula... então tem sido bem difícil construir conhecimento com eles, eles querem coisa pronta."

"Se você for passar música “não é aula”, filme “não é aula”... eles ainda não entenderam, não entendem o propósito de outras maneiras de construir conhecimento..."

"Na verdade o professor também tá em construção, a gente vê aí a maioria dos professores vem de uma educação tradicional..."

Reflexos da tendência educacional tradicional

     Fonte: Elaboração da Autora, 2019.

 

Quadro 02: Categoria 2 - Meio ambiente, higiene e interface saúde-doença como temas centrais na prática docente 2019, Niterói

Categoria 2 - Meio ambiente, higiene e interface saúde-doença como temas centrais na prática docente

Unidade de significado

Unidade de contexto

"Pra mim tudo é saúde, todos os meus temas eu consigo relacionar com saúde, tanto meio ambiente quanto orientação sexual, quanto drogas, quanto qualidade de vida, que foi até  tema do primeiro bimestre do sexto ano. Mas a gente tá sempre tralhando higiene pessoal"

"Me incomodam as questões de higiene pessoal, escovação dos dentes após a refeição..."

"Na maioria das vezes eu não trabalho questões de saúde até porque a gente acaba restringindo a questão da saúde à questão ambiental ou às questão de doenças. "

"Agora que eu vi essa questão e eu parei pra pensar que eu geralmente não abordo mesmo..."

"Eu falo de exposição ao lixo, doenças relacionadas à falta de saneamento, a exposição ao ar poluído, a gente  acaba trazendo o que tá mais surgindo ali no momento, por exemplo, a questão da dengue, da Zika..."

"Sobre praticar alguma atividade física...”

"Só com a questão do lixo, pois me incomoda porque tá muito próxima da realidade deles... Aí normalmente eu vou falar dessa questão de educação ambiental mesmo"

Temas prioritários

“Vai variando o uso dos recursos: seminário, pesquisa, debate..."

"Utilizo os textos escritos, os textos orais, as conversas, troca de experiências, textos coletivos..."

"Até o momento não usei nenhuma estratégia"

 “Realização de palestras”

" Normalmente eu gosto de trabalhar com músicas, filmes.”

Estratégias utilizadas

      Fonte: Elaboração da Autora, 2019.

 

A coexistência das tendências tradicional e progressista

Quando questionados sobre como se dá a relação professor-aluno e a construção do conhecimento sobre saúde, alguns docentes afirmaram que a relação determina a construção do conhecimento, não sendo exclusivo do professor definir os conteúdos que serão abordados. Os depoimentos abaixo revelam essa visão:

 

Só passar o conteúdo e não trazer eles para essa construção, não faz tanto sentido pra eles e não compreendem tão bem. Você pode trazer o seu tema, mas construir com eles sempre faz mais efeito para o aprendizado. (P1)

Essa relação acontece como um diálogo, portanto depende da atenção, disposição, interesse e envolvimento daqueles que estão dialogando. (P6)

 

Ao fazer uma crítica à tendência tradicional de ensino, o professor ressalta a importância de dialogar e estimular a criticidade dos estudantes:

 

Tem professor que chega ali, passa a matéria e não deixa o aluno se expressar. Quando ele vai se expressar: “não, não é o certo. O certo é aqui do livro”. Então isso acaba atrapalhando o raciocínio da criança. Como ele vai aprender a ser crítico, ter essa visão de querer opinar se o próprio professor está ali embarricando? (P8)

 

No depoimento a seguir, um dos participantes reforça que se deve investir em métodos dinâmicos e criativos:

 

Eu continuo apostando na afetividade e no lúdico. Quando venho com uma posposta nova, como recorte e colagem, sempre dá certo e eles saem falando do conteúdo. (P7)

 

Entretanto, alguns educadores revelaram que na prática educativa ainda predomina a tendência tradicional:

Muitos profissionais da educação acham que aula é só quadro e aluno sentado na cadeira com dever para fazer. (P3)

Vivemos uma situação bastante tradicional nas escolas, por conta de toda uma estrutura que não favorece. (P2)

O grande desafio é que você vem com uma proposta de tornar um aluno reflexivo, participativo, crítico e aí quando ele “se mostra assim”, você volta e quer puni-lo porque você ainda tem um regime de uma escola bancária. Então, na verdade o professor também está em construção... (P7)

 

Em outros depoimentos, há por parte de alguns docentes uma espécie de “culpabilização” dos estudantes, o que justifica o predomínio da tendência tradicional em suas ações de educação em saúde. O depoimento abaixo revela tal situação:

 

Eu vou levar uma música, vou passar um vídeo que pra gente vai ser uma coisa mais concreta, mais dinâmica, mas pra eles não surte efeito nenhum, porque depende do interesse deles, e o interesse deles não é o meu e a gente se frustra muito e, por fim você acaba caindo na mesmice. (P4)

Eles ficam esperando as respostas, eles já estão acostumados a entrar na sala, copiar e esperar o professor responder, então tem sido bem difícil construir conhecimento em saúde com eles, eles querem coisa pronta. (P5)

 

Na fala de outro professor, ficou notória a aproximação com a visão tradicional da educação ao privilegiar a transferência linear de conteúdos, em que o educando é um receptor passivo:

 

A gente tem que se impor, tem que mandar. Acho que o mais difícil para o professor é conseguir ter esse jogo de cintura, porque a gente espera um modelo de aluno que a gente não tem, mas que é um modelo que a gente já naturalizou como ideal em todos os sentidos. (P12)

 

 

Meio ambiente, higiene e interface saúde-doença como temas centrais na prática docente

 Na prática educativa em saúde desenvolvida pelos participantes do estudo, predominam temas relativos ao meio ambiente, o que reforça a visão de que o adoecer está conectado ao pouco cuidado com o meio ambiente, principalmente com aquele relacionado à comunidade. Os enunciados a seguir retratam esse fato:

 

A questão do lixo me incomoda porque tá muito próximo da realidade deles. A gente olha pela janela e vê o quê? Lixo né? Ali descendo a morro abaixo. (P9)

Eu falo do problema da exposição ao lixo (...) doenças relacionadas à falta de saneamento, à exposição ao ar poluído... e consumir um alimento ou água que não está tratada. (P6)

 

A higiene pessoal foi outro conteúdo citado pelos professores, que reconhecem ser fundamental para vida saudável. Na sua prática, incentivam a escovação dos dentes para reduzir os riscos de cáries e reforçam a necessidade da lavagem das mãos visando diminuir os riscos de infecções:

A questão de higiene pessoal que me incomoda é a parte da escovação dos dentes após a refeição. Desde o ano passado nessa escola, eu ensino e disponibilizo um espaço na minha aula pra que eles tragam o kit, as escovas, as pastas, e irem ao banheiro. (P3)

A gente trabalha muito a questão da higiene pessoal, escovação dos dentes e lavagem das mãos depois que foi ao banheiro. (P7)

 

Outros docentes entendem saúde como ausência de doenças, ou seja, se não há doença, o sujeito está saudável:

Na maioria das vezes a gente acaba restringindo a questão da saúde à questão ambiental ou à questão de doença. (P10)

A gente acaba trazendo as questões de saúde que tá mais surgindo ali no momento, como por exemplo, as doenças da dengue, da Zika e febre amarela. (P11)

 

Apenas um professor comentou o tema ao apresentar uma visão mais ampla, voltada tanto à prevenção de doenças quanto à promoção da saúde:

Todos os meus temas são fechados e relacionados à saúde... No caso, abordando tanto a promoção como a prevenção e o tratamento. (P1)

 

A forma como as práticas educativas em saúde acontecem é variada. De modo geral, consistem na realização de palestras, pesquisas, seminários, filmes e músicas:

Vai variando o uso dos recursos: seminário, pesquisa, debate. (P8)

Normalmente eu gosto de trabalhar com músicas, filmes. (P11)

Até o momento não usei nenhuma estratégia. (P3)

Realização de palestras. (P5)

 

 

 

DISCUSSÃO

Nas práticas educativas em saúde desenvolvidas pelos participantes do estudo, pode-se dizer que as tendências pedagógicas se articulam e são utilizadas de forma alternada. Vale ressaltar a coexistência das tendências tradicionais e progressistas, com predominância de modos de pensar e de fazer tradicionais, ou seja, ainda priorizam essa tendência pedagógica.

Na tendência tradicional, o professor é visto como a autoridade principal, que determina conteúdos oriundos de verdades inquestionáveis. O estudante é considerado um ser passivo, que possui pouca ou nenhuma liberdade em manifestar sua opinião, tornando-se um mero depositário do conhecimento, no qual as informações não são processadas, e sim inseridas em seu conhecimento já adquirido(14).

Nessa concepção, os conteúdos, os procedimentos didáticos e a relação professor-aluno não são contextualizados, visto que as temáticas propostas são vistas unilateralmente. Para que a aprendizagem seja significativa, necessita-se que o indivíduo perceba a relação entre o que se aprende e a sua vida real, o que envolve raciocínio, análise, imaginação, relacionamento entre ideias e acontecimentos.

O professor não deve ser mais reconhecido como o único detentor do conhecimento, em que só ele fala e os alunos escutam. O professor do século XXI deve ser um dinamizador, criador de oportunidades para que seus alunos pensem por si e discutam suas ideias ao proporcionar momentos para revê-las, desconstruindo opiniões apressadas, problematizando ou propondo alternativas para superar dificuldades(15).

A tendência progressista busca efetivar a criação de condições de análise crítica, em que o ser humano possa ser sujeito da própria história. Por isso, precisa-se que os educadores reflitam sobre o sentido da educação e reconheçam as opiniões dos estudantes(11).

A educação é eticamente favorável à atualização do potencial humano para agir sobre o meio em que vive, potencializando mudança de comportamento, a fim de que se possa atingir a promoção da saúde(16). Muitos docentes resistem em trabalhar sob a perspectiva progressista ou utilizar métodos diferenciados para discutir os conteúdos. Assim, a maioria das práticas educativas em saúde nas escolas se fundamenta na tendência tradicional de ensino, intimamente relacionada à educação bancária, contrapondo-se a uma ótica mais ampla que busca atender às concepções progressistas da saúde e educação.

Nesse contexto, verificou-se que alguns professores buscam justificar a utilização da vertente tradicional de ensino “culpabilizando” os estudantes. Isso ocorre pelo fato de que alguns discentes se portam de maneira pouco receptiva a outras estratégias de ensino que utilizam músicas, jogos e vídeos. Nesses casos, os professores acabam desanimando e desistindo de desenvolver um ensino inovador e participativo.

Por outro lado, alguns participantes do estudo demonstraram que buscam atualizar sua forma de ensinar ao utilizar músicas, vídeos e dinâmicas de grupo. Ressalta-se que se a escola, cenário da pesquisa, dispõe de recursos, tais como laboratórios de experimentação e mídia eletrônica. Recomenda-se também a utilização dos mesmos, pois diversificam a prática educativa em saúde ao promover maior interação dentro do contexto escolar, o que colabora para tornar a aprendizagem eficaz, motivadora e envolvente.

Estratégias inovadoras de ensino devem favorecer a participação dos estudantes nos processos de ensino-aprendizagem, nos quais o educando se compromete com seu aprendizado(17). Entretanto, os participantes relataram que, quando utilizam outras estratégias de ensino, os estudantes não demonstram interesse pela novidade, o que contribui para o não alcance dos resultados desejados.

Quando se fala de saúde na escola, pensa-se em questões mais amplas que vão além daquelas que estão contidas no currículo. Busca-se ultrapassar os limites das referências ao sono, à alimentação, à higiene, englobando a estrutura física da escola, as boas relações entre os participantes, a harmonia consigo próprio, do convívio saudável em sociedade, da gestão sustentável do meio ambiente, da tomada de consciência relativa às políticas de saúde no país, da possibilidade de ações simples a serem efetivadas por todos visando à saúde coletiva(6).

Observou-se nos depoimentos dos participantes do estudo que a concepção de saúde está diretamente relacionada às condições do meio ambiente, aspecto mais enfatizado por afetar diretamente a vida dos estudantes e da comunidade. Para que haja benefícios para saúde humana e para sua promoção, é necessário um ambiente propício, onde os sujeitos tenham consciência de que, ao degradar o meio ambiente, causarão impactos negativos na própria saúde e de toda a comunidade(18).

Entendem-se as ações de promoção da saúde como processuais e que objetivam fortalecer a autonomia e o protagonismo dos sujeitos e dos grupos sociais, fundamentadas em perspectivas progressistas, ressaltando a elaboração de políticas públicas intersetoriais, com consequente melhora na qualidade de vida(19).

Ressalta-se que o ambiente escolar não deve se limitar a um espaço instrumental de processamento de conhecimento, visto que, quando o objetivo é a Promoção da saúde, precisa-se desenvolver atividades de educação e visão crítica a partir de uma relação dialógica, de comunicação emancipatória, que contemple diferentes educadores e educandos a fim de que o conhecimento seja consolidado em uma aliança de saberes que devem refletir uma melhor saúde e transformação dos participantes(20).

Nessa perspectiva, as práticas educativas em saúde desenvolvidas nas escolas devem investir nos professores e estudantes como protagonistas do processo de produção do conhecimento em saúde, tanto individual como coletivamente, fortalecendo a criatividade, a reflexão e a crítica, como também buscando mudanças significativas em seus cotidianos.

 

CONCLUSÃO

O estudo permitiu analisar as vertentes pedagógicas e os temas orientadores das práticas educativas em saúde desenvolvidas por professores com estudantes do sexto ano de uma Escola Municipal em Niterói, Rio de Janeiro.

Observou-se que os educadores reconhecem sua importância nas atividades de educação em saúde no ambiente escolar. Porém, trata-se de um processo recente, vivenciado por meio de ações ainda isoladas e insipientes, que urgem serem aprimoradas, uma vez que ainda há equívocos sobre a concepção de saúde e seus determinantes, bem como com o real significado do processo educativo e da literacia em saúde.

Por meio da análise dos achados, evidenciou-se que há predominância do modelo tradicional de ensino no desenvolvimento das práticas educativas em saúde. Tal fato acontece devido a uma acomodação natural que a rotina docente impõe e a uma resistência na utilização de estratégias inovadoras, tanto por professores quanto por gestores e estudantes.

Evidencia-se que é indispensável à efetivação das práticas educativas em saúde conhecer a realidade vivenciada pelos estudantes e instituir diagnósticos sociais que direcionem para a abordagem de conteúdos condizentes ao meio em que vivem e assim possam desenvolver ações participativas, que contribuam para a informação, reflexão e a crítica, o que favorece a reorientação comportamental do coletivo.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados.

 

 

Recebido: 28/08/2019

Revisado: 17/04/2020

Aprovado:17/04/2020