Vivência das mães no seguimento do recém-nascido: Um estudo fenomenológico
Carlos Henrique Beltrame1, Francieli Ferreira de Andrade Batista1, Sebastião Caldeira2, Adriana Valongo Zani1, Alexandrina Aparecida Maciel Cardelli1, Rosângela Aparecida Pimenta Ferrari1
1 Universidade Estadual de Londrina
2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná
RESUMO
Objetivo: Apreender a vivência das mães quanto ao seguimento do seu filho pelo serviço de atenção primária após alta da maternidade. Métodos: Pesquisa qualitativa com utilização do referencial da Fenomenologia Social de Alfred Schütz. Participaram 23 mães mediante entrevista no domicílio em Regional de Saúde, Paraná, Brasil, em 2018. Resultados: Emergiu quatro categorias da análise dos depoimentos das participantes. Os “motivos porque” apontaram três: Compreensão sobre a Rede e o processo de cuidado na alta da maternidade; Primeira semana pós-parto: Rede de cuidado do recém-nascido no domicílio; Período neonatal: acompanhamento da criança na atenção primária. Quanto aos “motivos para” emergiu uma: Expectativas para o cuidado da criança na Rede. Conclusão: A Rede nos municípios em estudo não oferece um acompanhamento sistemático da saúde da criança no período neonatal remetendo para exposição ao maior risco de agravos devido às restritas ações de promoção e prevenção.
Descritores: Recém-nascido; Cuidado da Criança; Atenção Primária à Saúde; Avaliação de Programas e Projetos de Saúde.
INTRODUÇÃO
Para as políticas públicas mundiais de saúde infantil, o período neonatal é apontado como um dos mais vulneráveis e, embora as metas de redução da mortalidade entre os menores de cinco anos tenham sido alcançadas, nos últimos anos no Brasil, a mortalidade por afecções perinatais e neonatais se mantém com os maiores índices(¹).
Segundo Relatório da Word Health Organization (WHO), anualmente no mundo morrem 2,6 milhões de recém-nascidos, sendo que aproximadamente 80% poderiam ser evitadas com cuidados básicos ainda durante a gestação. Entre os 184 países, o Brasil, classificado no grupo de renda média alta, foi considerado o 28º pior, como o México, com 7,8 mortes neonatais a cada mil nascidos vivos. Em relação às taxas de mortalidade infantil, o Brasil está ranqueado na 108º pior colocação(¹).
A mortalidade perinatal é um indicador relacionado à inadequação da assistência obstétrica e neonatal. Após o parto e alta da maternidade, a sobrevida neonatal está diretamente relacionada com a qualidade dos serviços ofertados na rede de assistência à saúde, desde a atenção básica até a de maior complexidade(2). Para tanto, envolve fluxos eficientes, protocolos com base em evidências científicas e profissionais com adequada formação para resolutividade dos atendimentos, bem como pais orientados para identificarem sinais de perigo e buscarem a unidade de saúde urgentemente(3).
Vale ressaltar que a maior sobrevida da criança também está relacionada às melhores condições de vida e saúde, portanto, ações de promoção de ambientes saudáveis com enfoque na família, comunidade e sociedade devem ser garantidas nas agendas das políticas públicas, bem como reorganização do sistema de saúde e maior investimento no serviço de Atenção Primária à Saúde para a qualificação da assistência(2). Nesse sentido, o sistema de saúde passou a ser organizado em Rede para ofertar uma assistência contínua, integral, eficiente, segura e equânime, incluindo responsabilidades sanitária e econômica, para, assim, cumprir as metas e o que é proposto nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável até 2030, entre elas, acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos de idade(4,5).
A organização da assistência materno-infantil no país ocorreu em 2011, por meio da Rede Cegonha e, no estado do Paraná, em 2012, a Rede Mãe Paranaense, atendendo às diretrizes estabelecidas nacionalmente que também pactuaram a vinculação e a garantia de acesso ao atendimento ambulatorial especializado e a atenção hospitalar(6,7). A Rede Mãe Paranaense, objeto desta pesquisa, é constituída por diferentes níveis de atenção, da menor para a maior complexidade, e, de acordo com cada uma, é referenciada, respectivamente, para o risco habitual e alto risco.
Para tanto, depois de cinco anos da implementação dessa Rede nas Regionais de Saúde no Paraná, o presente estudo buscou apreender a vivência das mães quanto ao seguimento dos seus filhos pelo serviço de atenção primária, após alta da maternidade, no intuito de compreender, na perspectiva das usuárias, se as diretrizes estão sendo atendidas quanto ao acompanhamento da criança no período neonatal.
Compreender a assistência na perspectiva dos usuários permite identificar potencialidades e possíveis fragilidades da Rede, as quais poderão servir de subsídios como instrumento de gestão e tomada de decisão, tanto pelos profissionais como pelos gestores que a compõem, e, assim, atender às reais necessidades materno-infantis(8,9,10).
MÉTODO
Para o presente estudo, a abordagem foi a qualitativa tendo como eixo norteador o referencial teórico-metodológico da Fenomenologia Social de Alfred Schütz(11). A metodologia de Schütz permite extrair os significados do mundo da vida, bem como os “motivos porque”, as experiências vividas, e os “motivos para”, as expectativas refletidas na ação social das mães que fazem uso da Rede de serviços de saúde desde o ciclo gravídico até o período puerperal, este último, contemplado pela díade mãe-bebê.
As participantes foram mulheres residentes em quatro municípios (M) da 17ª Regional de Saúde (RS), sendo M1, M2 e M3 (médio porte) com uma maternidade cada para parto de Risco Habitual (RH), referência para outros 11 municípios, e M4 (grande porte) com duas maternidades, uma para RH referência, localizada em um município e uma maternidade para Alto Risco (AR) que atende as 21 cidades da RS e estados vizinhos, bem como usuárias do serviço de atenção primária.
Para obter o núcleo de elementos do fenômeno foram entrevistadas 23 mães com gravação em mídia de áudio no domicílio mediante agendamento prévio via telefone(11). O período de coleta compreendeu os meses de março a setembro de 2018.
Utilizou-se um roteiro com perguntas semiestruturadas extraídas da matriz proposta pela Rede para responder às seguintes inquietações: os motivos porque: “Você já ouviu falar sobre o Programa Rede Mãe Paranaense? Conte-me o que você sabe (O que é para você?)”; “Na alta hospitalar, após o nascimento do(a) seu(ua) filho(a), você recebeu alguma orientação sobre qual serviço de saúde procurar para a continuidade do cuidado da criança? Comente”; “Você recebeu visita da equipe de saúde na primeira semana de vida do(a) seu(sua) filho (a). Conte-me sobre essa visita”; “Após receber alta da maternidade, conte-me como foi o seu acompanhamento e do bebê no serviço de saúde no 1º mês após o parto”. Os motivos para: “O que espera dos serviços, das políticas públicas e dos programas voltados aos cuidados com seu bebê?”; “O que você espera do seu município/regional/estado (políticos) quanto ao cuidado com seu bebê?”; “Gostaria de falar sobre algo que não foi contemplado nesta segunda etapa da entrevista?”.
A média de tempo da entrevista foi de 50 minutos, considerando a interação do pesquisador com a participante. Os depoimentos foram encerrados mediante a convergência dos “motivos porque” e dos “motivos para”, possibilitando a constituição do tipo vivido no cuidado da criança após a implementação da Rede(11).
Para a análise, o material foi transcrito na íntegra e, em seguida, conferido e organizado por dois pesquisadores, cumprindo-se os seis passos elaborados por teóricos da Fenomenologia Social de Alfred Schütz: leitura atentiva e criteriosa de cada depoimento para identificar e apreender o sentido global da ação social; releitura individual dos depoimentos para identificar aspectos comuns que expressam os conteúdos relacionados aos “motivos porque” e “motivos para”; agrupamento das convergências dos depoimentos para extrair as categorias concretas; análise das categorias concretas para compreensão da ação social; a partir do conjunto de “motivos porque” e de “motivos para” foi constituído o tipo vivido expresso nas categorias concretas e discutido à luz da Fenomenologia Social e de outros referenciais pertinentes ao objeto de estudo(12).
A identificação das participantes foi estabelecida pela letra M (Mãe) seguida por número (nº) arábico na ordem dos depoimentos, classificação do risco (RH e AR) e porte do município (M1, M2 e M3 – Médio Porte; e M4 – Grande porte), sendo indicado, por exemplo: Mnº RH- M1 ou M2 ou M3 ou M4 ou Mnº AR – M4.
A pesquisa foi autorizada pela Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, Diretoria da Regional de Saúde e Diretorias das Maternidades de cada município, bem como aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, CAAE: 67574517.1.1001.5231.
RESULTADOS
As mães entrevistadas que utilizam a rede de assistência à saúde desde o acompanhamento pré-natal, o parto e o seguimento da criança no pós-parto foram: 23 mulheres, das quais 14 são classificadas como Alto Risco e 9 Risco Habitual.
A faixa de idade variou entre 15 e 37 anos, sendo que mais da metade cursara o ensino médio, a maioria vivia com companheiro, treze eram primíparas e dez multíparas. Quanto ao tipo de parto, 12 realizaram parto normal e 11 cesáreas.
A tipificação das mães entrevistadas permitiu organizar e analisar os significados dos discursos extraindo-se quatro categorias que expressam a experiência vivida na alta da maternidade e seguimento do recém-nascido pelo serviço de Atenção Primária à Saúde. Dos “motivos porque” emergiram três categorias: Compreensão sobre a Rede e o processo de cuidado na alta da maternidade; Primeira semana pós-parto: Rede de cuidado do recém-nascido no domicílio; Período neonatal: acompanhamento da criança na atenção primária. Quanto aos “motivos para que”, emergiu uma categoria: Expectativas para o cuidado da criança na Rede.
I. Compreensão sobre a Rede e o processo de cuidado na alta da maternidade
Essa categoria aponta a compreensão das mães sobre a Rede Mãe Paranaense, bem como a contrareferência realizada pelos profissionais das maternidades, tanto de Risco Habitual como Alto Risco, para o acompanhamento do recém-nascido no serviço de atenção primária à saúde. Versa também sobre quais as orientações fornecidas por esses profissionais para as mães em relação à continuidade de cuidados do seu filho.
Aprendeu-se a partir dos discursos que pouco tem-se orientado nos serviços de saúde sobre a Rede. Percebe-se duas vertentes: uma, das mães que nunca ouviram falar sobre o programa e, outra, das que já ouviram falar, porém pouco sabem sobre o assunto, pois, associam apenas com gestação de Alto Risco e acompanhamento da criança.
[...] Então para mim, o que falaram era que seria para as mães que teria somente o alto risco de gestação, elas seriam encaminhadas. Se não fosse o alto risco de gestação, não seria enquadrado no perfil da mãe paranaense [...] Então é assim, o ginecologista ele avalia você [...] daí por exemplo, se tiver algo de alto risco, como diabetes, pressão alta, alguma doença na gestação, aí sim eles encaminham para a mãe paranaense, fora isso não [...] (M1 AR-M3).
[...] eu já tinha visto cartaz alguma coisa em posto de saúde, até nas carteirinhas [...] É a respeito de acompanhar as mães [...] desde pré-natal [...] até uma certa idade da criança [...] (M7 RH-M3).
[...] Eu ouvi falar lá no hospital [...] eles falaram que é para gente saber mais sobre as crianças [...] como que cuida [...]. É só isso que eu sei [...] (M10 AR-M4).
[...] Não, nunca ouvi falar [...] (M18 RH-M4).
Nos discursos das mulheres apreendeu-se que todos os profissionais de ambos os tipos de maternidades (RH e AR) fazem a contrareferência para o serviço de atenção primária. Entretanto, há diferenças na forma de transmissão das orientações para a alta quanto à continuidade do cuidado da criança na unidade de saúde.
As formas de orientação dos profissionais das maternidades de AR foram por meio de comunicação oral e escrita. No caso das maternidades de RH, a orientação foi realizada somente através de comunicação escrita para que a mãe realizasse a leitura do documento fornecido na alta.
[...] falaram para eu levar no posto mais perto da minha casa [...] aí eles falaram assim: qualquer dúvida você lê o papel, está tudo dizendo aí, é só você ler [...] era bastante papel [...] (M6 AR-M3).
[...] a mulher me deu um caderninho e falou que era para os próximos exames e consultas [...] ir no posto que estava tudo anotado [...] (M3 RH-M3).
[...] Recebi orientações, não lembro quais, eram muitas, só lembro que eu tinha que [...] levar ela na unidade básica de saúde. (M22-AR-M2).
Quanto às orientações fornecidas pelos profissionais das maternidades para as mães, os discursos revelam que foram aquelas relacionadas ao agendamento da consulta com médico ou enfermeiro e a vacinação, em especial a BCG.
[...] Falou que ela vai ter um acompanhamento até o sexto mês que seria a puericultura, e que geralmente quem faz é o médico [...] ou a enfermeira [...] eles pediram para manter a vacina em dia [...] (M1 AR-M3).
Disseram para procurar o posto onde eu tinha feito o pré-natal [...] teria que ir lá para fazer a puericultura e a primeira vacina a BCG [...] (M8 AR-M3).
[...] Orientou que as vacinas e as consultas eram na unidade básica de saúde (M13 RH-M4).
Nos discursos das mães que realizaram o parto em maternidade de AR, as orientações sobre os testes neonatais ocorreram tanto na alta quanto no retorno do bebê na própria maternidade após a alta, entretanto, em maternidades de RH, elas saíram com agendamento para alguns testes de triagem neonatal e consulta com pediatra. Quanto ao “teste da orelhinha” com alteração, foram referenciadas para o próprio serviço para o retorno e, depois, indicadas para acompanhamento na atenção primária.
Sim, orientaram o teste do coraçãozinho e consulta com 1 mês após o nascimento (M23 AR-M1).
[...] Ela fez todos os exames, aí o exame da orelhinha que deu alterado, eu tive que depois de três dias voltar para fazer novamente, aí eles falaram que tinha que levar os papéis tudo no posto, para fazer o cartão dela [...] (M17 RH-M4).
O aleitamento materno, no momento da alta, é orientado pelos profissionais de maternidades de RH e AR, tanto no aspecto geral como na impossibilidade de amamentar o bebê.
[...] como ela não tinha sintoma de nada, nem da icterícia [...] o que eles falaram bastante foi sobre a amamentação, eles explicaram certinho pra gente [...] Ligaram perguntando como foi a adaptação (M16 RH-M4).
[...] Ensinaram manobra de desengasgo, tentaram de novo a forçar a amamentação mas não deu, aí passaram fórmula [...] orientaram leva o bebê direto para o posto[...] (M20 AR-M2).
II. Primeira semana pós-parto: Rede de cuidado do recém-nascido no domicílio
Nesta categoria, pôde-se apreender como se deu o atendimento do recém-nascido pela equipe das Unidades Básicas de Saúde dos municípios na primeira semana de vida, bem como a visita domiciliar no 5º dia de vida e a abordagem dos profissionais.
A visita domiciliar foi realizada nos municípios de médio e grande porte pela equipe de saúde na primeira semana de vida do recém-nascido e, de acordo com os discursos maternos, os profissionais fizeram uma consulta completa identificando o ambiente, examinaram o bebê, orientaram cuidados de higiene e amamentação e sinais de perigo, verificaram o Cartão da Criança, bem como agendaram as próximas consultas na unidade.
Veio as Agente Comunitária de Saúde e a enfermeira. Então, eles vieram aqui, olharam o quarto do bebê, olharam as condições de higiene da casa. A enfermeira falou: [...] mantenha a casa limpa [...] elas me ensinaram a dar banho, e depois me pediram pra eu dar um banho na frente delas [...] me pediram também para ver como é que eu estava dando o peito, aí eu mostrei para elas [...] eles olharam a carteirinha da bebê. [...] Na verdade eu nem saí de casa para agendar médico, elas mesmo já trouxeram agendado [...] com o pediatra, a primeira consulta [...] (M1 AR-M3).
O dia que eu tive alta eu cheguei em casa, e eles já vieram [...] eles viram a carteirinha, e já marcaram a consulta com o pediatra [...] e perguntaram sobre o trabalho de parto [...] orientaram se precisasse de ajuda para amamentar tinha um centro para isso e deram um papelzinho [...] (M4 RH-M3).
Nos discursos das mães de município de grande porte, transcritos a seguir, constata-se que a visita domiciliar foi realizada, entretanto, a consulta não foi realizada, apenas uma avaliação geral. Além disso, as mães foram orientadas para comparecer à unidade para realizar a puericultura.
[...] vieram três moças, a enfermeira “chefe” e mais duas enfermeiras [...] Ela veio ver se estava tudo bem com o bebê e falou para eu comparecer no posto para dar injeção nela [...] (M12 AR-M4).
Eu cheguei em um dia em casa, aí dois, três dias depois [...] o enfermeiro do posto veio [...] pediram a carteirinha [...] ele me orientou levar ele para fazer a puericultura porque como ele nasceu baixo peso, foi classificado como alto risco [...] disse para cada pelo menos 15 a 20 dias, tá indo no posto, por causa de ter nascido muito prematuro [...] eles falaram pra dar banho de sol [...] (M10 AR-M4).
Observa-se nos discursos maternos dos municípios de médio e grande porte também que aquelas as quais receberam visita domiciliar foram somente pelo ACS, para ser convocada a levar o filho para vacinação ou buscou atendimento na unidade de saúde. Mas, mesmo que algumas mulheres tenham sido classificadas como gestação de alto risco e, consequentemente, seus filhos devam ser avaliados como tal, em nenhum momento receberam visita domiciliar dos profissionais das unidades básicas.
[...] Não, ainda não. Eu apenas recebi uma ligação esses tempo atrás, eu acho que a minha filha deveria ter uns três meses [...] (M3 RH-M3).
Nenhuma [...] Minha filha tá com sete meses e nunca [...] ninguém do posto passou por aqui e nem telefonou [...] (M2 AR-M3).
Não, só vieram aqui uma vez [...] por causa da vacina dele, e porque eu não estava levando ele na puericultura [...] pediram para levar o bebê no posto [...] Ele já tinha uns três meses mais ou menos [...] (M6 AR-M3).
III. Período neonatal: acompanhamento da criança na atenção primária
Esta categoria refere-se ao atendimento do neonato pelos profissionais das unidades de saúde e apreendeu-se que não há uniformidade do acompanhamento da criança considerando a classificação de risco.
Os discursos das mães apontam ainda que a primeira consulta do bebê realizada pelo pediatra da unidade básica de saúde foi completa tanto no aspecto do exame físico quanto às orientações. Houve também o relato de atendimento do bebê no Hospital, sendo, neste caso, descrito pela mãe como melhor ao comparar com a UBS. Mesmo que a classificação tenha sido o alto risco, extraiu-se que a criança foi atendida apenas uma vez e não ocorreram consultas subsequentes para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, mas a mãe utilizou o serviço para manter o calendário vacinal em dia.
No posto [...] teve uma consulta com o pediatra, depois ele não teve mais [...] eu só levava ele lá para as vacinas e para pesar [...] na primeira consulta o pediatra olhou tudo [...] aí perguntou se eu estava amamentando e falou que o peso estava bom [...] (M9 AR-M4).
[...] No primeiro mês foi bom, eles mediram tudo certo, mas no hospital foi melhor, porque ele passou lá também; mas no posto o pediatra não é muito bom [...] ele não pesa, não mede, tem que ficar pedindo, é complicado, já estou até fazendo particular (M15 AR-M4).
Em outras unidades de saúde a consulta foi intercalada entre médico e enfermeiro, tanto para o alto risco como para o risco habitual, totalizando duas consultas no primeiro mês de vida do bebê. Também houve agendamento de consulta subsequente.
Ela passou pela consulta com o pediatra. Examinou fez um exame completo e falou que estava tudo bem; aí ele já falou que iria ter que começar o acompanhamento na puericultura, orientou sobre vacina, perguntou se estava mamando no peito [...] O pediatra e as enfermeiras também falaram da questão do banho de sol. Perguntou se eu estava tendo dificuldade para amamentar e eu falei que não, que estava tranquilo [...] (M2 AR-M3).
Ela teve acho que duas consultas, uma puericultura e uma só com a enfermeira [...] elas pesaram, viram se estava crescendo direito [...] eu já saí do posto com a próxima consulta remarcada (M4 RH-M3).
A consulta realizada pelo enfermeiro foi apontada pelas mães como completa, tanto o exame físico quanto as orientações, bem como o atendimento da nutricionista.
Fui no posto de saúde uma vez e foi atendido pelo enfermeiro. Muito bom ele. [...] ele olhou se ele estava meio amarelo [...] ele pesou [...] falou que estava tudo bem [...] mas nunca passou pelo médico [...] (M6 AR-M3).
[...] viu se estava tudo certo [...] mediu ela, pesou sem roupa para saber se ela está no peso ideal, aí a nutricionista tirou dúvidas de alimentação para quem tem o bebê mais novo, como amamenta [...] é mais para tirar dúvida, a gente pergunta e ela responde (M19 RH-M4).
IV. Expectativas maternas para o cuidado da criança na Rede
A categoria se refere aos “motivos para” e revela o que as mulheres esperam nos atendimentos ao bebê. Nos discursos percebemos que a expectativa delas é o aumento do número de pediatras nas unidades de saúde para o acompanhamento do recém-nascido.
[...] mais pediatras, que muita das vezes a gente vai em lugares e não tem pediatra (M17 RH-M4).
[...] espero que [...] tenha mais acompanhamento pelo pediatra, que é muito pouco [...] é mais pela enfermeira [...] quem tem que acompanhar mais é o pediatra do que o enfermeiro [...] (M10 AR-M4).
[...] tem que ter mais pediatra, porque tem uma só, aí não tem como marcar direto (M14 AR-M4).
[...] Aqui no posto mesmo tinha que ter mais pediatra, porque tem uma só, aí não tem como marcar direto e só[...] (M20 AR-M4).
Outro ponto considerado importante pelas mães é que os profissionais das unidades de saúde realizem visita domiciliar, façam busca ativa, realizem orientações sobre cuidados com o bebê, em especial, para as mulheres que vivenciam a primeira maternidade.
[...] precisa de mais atenção, mais conversa [...] principalmente com as mães de primeira viagem [...] (M5 RH-M3).
[…] mais atenção, comunicação e conversa [...] que os profissionais vão nas casas perguntar o que está acontecendo [...] (M6 AR-M3).
[...] sempre orientar o máximo possível, principalmente, se é mãe de primeira viagem que não sabe muita coisa e, provavelmente, tem tia, avó, vizinha que vai dar um monte de informação e, às vezes, não é a certa (M8 AR-M3).
[...] Ah, como mãe de primeira viagem, deveriam vir mais aqui em casa fazer visita[...] Espero que tenha mais profissionais [...] e que seja melhor conversado com as mães[...] (M21 AR-M2).
A expectativa das participantes é que os serviços também tenham nutricionista e atividades em grupo para abordagem sobre aleitamento materno.
[...] que tenha mais acompanhamento nutricional [...] acompanhamento para ver se os pais estão vacinando os filhos [...] que elas vão atrás mesmo [...] porque tem algumas mães que não se preocupam (M19 RH-M4).
[...] que tenha grupos para explicar sobre amamentação (M2 AR-M3)
DISCUSSÃO
As mulheres não conheciam o Programa Rede Mãe Paranaense, isso leva a acreditar que os profissionais da atenção primária dos municípios de médio e grande porte não vêm trabalhando a temática com as gestantes durante seu pré-natal. Tal dado relaciona-se com outra pesquisa que constatou que as gestantes não tinham conhecimento sobre a Rede(13). Este fato demonstra que as mães não têm acesso às informações sobre seus direitos conforme preconizado pelas diretrizes da Rede.
Segundo a linha Guia do Programa Rede Mãe Paranaense, compete aos hospitais orientar e encaminhar a puérpera e o neonato para a atenção primária à saúde, após a alta, ou seja, para a “Primeira Semana de Saúde Integral”, garantindo a continuidade da assistência. Esse processo é de extrema importância visto que auxilia no seguimento da criança(14) e, por conseguinte, detectar e reduzir agravos no período neonatal. Pesquisadores constataram que as orientações não foram realizadas para a totalidade nos hospitais públicos(15). O contrário ocorreu nesta pesquisa, por meio da qual pode-se constatar que praticamente todos os hospitais direcionaram as mulheres para APS, porém, o que se destacou foram as diferentes formas de orientação dos profissionais entre os hospitais de Alto Risco e Risco Habitual.
Mesmo que haja a contrarreferência, percebe-se que ainda existe uma lacuna a ser enfrentada nesse processo, pois, além de superficiais, não existe uma uniformidade nas orientações transmitidas. Essa lacuna expressa as experiências vividas pelas mulheres desde a primeira semana de vida do bebê, ação social refletida na intersubjetividade que só pode ser compreendida mediante ações exteriorizadas, as quais constituem a base da comunicação e da relação social(11,16,17).
A linha guia do PRMP estabelece a consulta ou a visita domiciliar até o quinto dia pós-nascimento, no intuito de reduzir agravos neonatais e puerperais(7). Porém, estudo identificou que nos municípios tanto de médio quanto de grande porte esta ação tem sido pouco realizada, o que relaciona-se com outra pesquisa que mostrou que nem todos os profissionais fazem a visita no tempo preconizado(18).
Ressalta-se que a visita proporciona maior contato da equipe com a díade mãe-bebê para orientações direcionadas às necessidades individuais e familiares, a fim de estimular e manejar o aleitamento materno, atualizar o calendário vacinal, agendar consultas e orientar cuidados de higiene.
A primeira consulta do recém-nascido deve ocorrer preferencialmente na sua primeira semana de vida, pois constitui um momento apropriado para estimular e auxiliar a família nas dificuldades do aleitamento materno exclusivo, orientar e realizar imunizações, verificar a realização da triagem neonatal para estabelecer ou reforçar a rede de apoio à família(6).
No presente estudo, o que se pôde apreender é que o acompanhamento da criança no primeiro mês de vida está ocorrendo, porém nem sempre no período estipulado pelas normativas ministeriais e da Rede. Fica claro também que o foco principal deste acompanhamento é o exame físico dos bebês, enquanto que as orientações sobre o aleitamento materno, manobra do desengasgo, cuidados de higiene e com o coto umbilical são insuficientes.
Uma das ações fundamentais na consulta da criança é o estímulo ao aleitamento materno exclusivo, mas os depoimentos mostraram poucas orientações, diferentemente do que foi evidenciado em outra pesquisa(19).
As expectativas das mães giram em torno de ter mais médicos para o acompanhamento do seu filho no serviço de atenção primária, mas também esperam dos profissionais da Rede qualidade assistencial. Essas mães possuem interesses que lhes são próprios e que as motivam e as direcionam para a busca de cuidado nos setores da saúde(11,17). Para tanto, esperam que durante o ciclo neonatal e puerperal os profissionais de saúde prestem uma assistência integral e equânime nos diferentes aspectos, inclusive em relação ao concepto, cumprindo-se os objetivos e diretrizes ministeriais das redes/programas.
CONCLUSÃO
Apreendeu-se o modo como as mães interagem com a Rede de cuidado para seus filhos e expressam vivências que não condizem com o que se preconiza nas diretrizes programáticas. Mesmo que o atendimento ao bebê tenha melhorado, ainda assim, as suas necessidades não são atendidas na totalidade e, como seus filhos não recebem uma assistência adequada de acordo com a Rede, as expectativas das mães giram em torno de ampliar o número de médicos, como uma possibilidade de melhor atendimento.
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Recebido: 30/08/2019
Revisado: 15/05/2020
Aprovado: 15/05/2020