Práticas integrativas e complementares em saúde (PICS)

 

 

Fátima Helena do Espírito Santo¹

 

1 Universidade Federal Fluminense

 

As Práticas Integrativas e Complementares (PICS) emergem no contexto atual do sistema de saúde como uma alternativa para promover um cuidado integral centrado nas demandas da pessoa, por meio de abordagens menos invasivas e onerosas que favorecem o desenvolvimento das suas potencialidades para o enfrentamento de situações relacionadas ao processo de viver e ser saudável o que envolve, além do ambiente, uma contínua interação entre mente e corpo.

Tendo como base uma abordagem integral e dinâmica do processo saúde-doença, as PICs impulsionam mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde a partir de um projeto terapêutico que valoriza o vínculo, o acolhimento, o toque e a escuta ativa como elementos essenciais para proporcionar conforto e segurança na perspectiva do equilíbrio visando a prevenção, promoção e manutenção da saúde das pessoas em diferentes ambientes.

Destaca-se que as PICs podem ser utilizadas tanto de forma individual quanto em grupos, porém a escolha da prática a ser adotada deve ser precedida por uma avaliação prévia dos benefícios esperados tendo como referência as preferências, características, valores culturais e necessidades individuais e/ou dos grupos, bem como a experiência e o conhecimento do profissional  nessa área.

No Brasil, o termo Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICs),  corresponde à denominação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de "medicina tradicional e complementar", em que "medicina tradicional" refere-se à soma de conhecimentos, habilidades e práticas baseados em teorias, crenças e experiências culturais usadas para a manutenção da saúde, prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças físicas e mentais. E "medicina complementar" é um conjunto amplo de práticas de cuidados de saúde, diferentes das convencionais, que não estão totalmente integradas no sistema de saúde dominante (1)

As PICs foram institucionalizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), aprovada pela Portaria GM/MS nº 971, de 3 de maio de 2006. Essa política abrange as responsabilidades e diretrizes institucionais para oferta de: homeopatia, medicina tradicional chinesa/acupuntura, plantas medicinais e fitoterapia. Cria ainda o observatório de medicina antroposófica e termalismo social/crenoterapia. Tem como   objetivo principal incorporar e implementar essas práticas no âmbito do SUS, para a prevenção de agravos, promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde.(2)

A construção dessa política seguiu as diretrizes e recomendações de várias conferências nacionais de saúde e da OMS que incentiva e fortalece a inserção, reconhecimento e regulamentação destas práticas, produtos e de seus praticantes nos sistemas nacionais de saúde. Recentemente essas diretrizes foram atualizadas com o documento "Estratégia da OMS sobre Medicinas Tradicionais para 2014- 2023".(1)

Em março de 2017, a PNPIC foi ampliada com 14 outras práticas a saber: arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga, totalizando 19 práticas.(3) Em 2018 foram incluídas as seguintes práticas: aromaterapia, apiterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, medicina antroposófica/antroposofia aplicada à saúde, ozonioterapia, terapia de florais e termalismo social/crenoterapia.(4)

Constata-se assim um avanço crescente na legitimação dessas práticas no Brasil com oferta de outras possibilidades terapêuticas para as pessoas e perspectivas de maior integralidade e resolutividade na atenção à saúde no contexto do SUS, cuja principal porta de entrada é a Atenção Básica.

Nesse sentido cabe ressaltar que a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares é transversal nas suas ações no SUS e converge com outras políticas públicas nacionais tais como: Humanização, Atenção Básica, Promoção da Saúde, Educação Permanente, Assistência Farmacêutica, Plantas Medicinais e Fitoterápicos, Povos e Comunidades Tradicionais, entre outras, cujas ações decorrentes desta interação são fundamentais para a melhoria da atenção à saúde da população.(5)

No campo das profissões de saúde as PICs se articulam ao cuidado de enfermagem pela maneira de abordar e compreender o ser humano valorizando sua trajetória de vida, suas características individuais e formas de lidar com a saúde e doença, mediante escuta acolhedora e ativa que favorece a expressão de ideias, conhecimentos e experiências e a criação de um vinculo terapêutico.

Assim, na expectativa de novos rumos na atenção à saúde das pessoas, sugere-se que os enfermeiros e demais profissionais de saúde busquem ampliar o olhar para além da visão tecnicista focada na doença do indivíduo com práticas que favoreçam o equilíbrio e o bem-estar  visando contribuir de forma mais humanizada para a melhoria da qualidade de vida das pessoas sob seus cuidados. E, nesse sentido, a transição para um novo modelo precisa ocorrer de forma lenta e cuidadosa, em face do enorme poder simbólico da medicina convencional centrada no modelo biomédico em nossa cultura ocidental para poder viabilizar uma atenção mais integrada e integradora nos serviços por meio de ações de cuidado centradas no núcleo saudável da pessoa para estimular suas potencialidades de cura e equilíbrio

Mas, na trajetória de expansão das PICs já se observa um movimento crescente de diversos profissionais e pesquisadores que atuam nesse campo com formação de grupos de pesquisa, redes de profissionais nos diversos âmbitos do país e organização de eventos como o Congresso Nacional de Praticas Integrativas e Complementares (CONGREPICs), com o propósito de compartilhar experiências e conhecimentos frente as novas perspectivas no cuidado em saúde.

Dentre os avanços aliados  a esse movimento, em 2018 durante o 1º Congresso Internacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde Pública, no Rio de Janeiro, foi lançado o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIn). Trata-se de uma rede colaborativa de pesquisadores, universidades e instituições de pesquisas de todo o Brasil que integra medicina convencional e abordagens complementares com base em evidências científicas e colaboração do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME/OPAS/OMS).

A Biblioteca Virtual em Saúde em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas  (BVS MTCI) é uma BVS temática, especializada na área de MTCI que tem como objetivos promover a divulgação, troca de conhecimentos e experiências entre pesquisadores, gestores, profissionais e alunos da área da saúde, interessados nas MTCI.

 Nas últimas décadas vemos avanços significativos das PICs, contudo para sua consolidação em nosso País temos pela frente alguns desafios tais como: divulgar e ampliar na rede de saúde a oferta dessas práticas à população, formação e capacitação de recursos humanos nesta área especializada, investimentos em infraestrutura e recursos financeiros para manutenção dessas praticas nos serviços, bem como incentivo e fomento para pesquisas visando ampliação dos conhecimentos e levantamento de mais evidências científicas sobre a efetividade do uso das PICs no cuidado em saúde.

 

Referências

 

 

1. Organización Mundial de la Salud. Estrategia de la OMS sobre Medicina Tradicional 2014-2023 [Internet]. Organización Mundial de la Salud; 2013 [cited 2018 maio 28].Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/ripsa/resource/pt/who-95008  

 

2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 971, de 03 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 03 maio 2006  [cited 2020 maio 12].Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0971_03_05_2006.html  

 

3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 849, de 27 de março de 2017. Inclui a Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa e Yoga à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 27 mar 2011 [cited 2020 maio 12]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/prt_849_27_3_2017.pdf

 

4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 702, de 21 de março de 2018. Altera a Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir novas práticas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares - PNPIC. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 21 mar 2018 [cited 2020 maio 12]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/prt0702_22_03_2018.html

 

5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Práticas Integrativas e Complementares. Plantas medicinais e Fitoterapia na Atenção Básica. Normas e Manuais Técnicos Cadernos de Atenção Básica [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. 2012  [cited 2020 maio 12]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/praticas_integrativas_complementares_plantas_medicinais_cab31.pdf