Efetividade de jogo educativo sobre contracepção com adolescentes escolares: estudo quase-experimental
Marcela Lima Silveira Praxedes1, Maria Veraci Oliveira Queiroz2, Roberta Peixoto Vieira3
1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
2 Universidade Estadual do Ceará
3 Centro Universitário Vale do Salgado
RESUMO
Objetivo: analisar a efetividade de tecnologia educativa sobre contracepção com adolescentes escolares. Método: estudo quase-experimental com 85 adolescentes do Instituto Federal do Ceará, Campus Aracati. Analisou-se a efetividade do jogo educativo por meio de testes estatísticos, comparando a diferença de conhecimento antes e depois da intervenção. Resultados: os métodos contraceptivos mais conhecidos foram o contraceptivo oral (33,1%) e o preservativo (44,1%). Os adolescentes apresentaram conhecimento prévio deficiente e após a intervenção, houve aumento no percentual de acertos em todos os itens, com diferença estatisticamente significante em cinco deles (p<0,001). A efetividade do jogo foi comprovada pela análise comparativa da média de acertos antes e depois da intervenção (p<0,001). Discussão: as ações educativas sobre a temática devem utilizar tecnologias criativas e inovadoras, possibilitando melhoria de conhecimentos que favoreçam a promoção da saúde sexual e reprodutiva deste público. Conclusão: o jogo educativo foi efetivo na melhoria do conhecimento dos adolescentes sobre contracepção.
Descritores: Contracepção; Adolescente; Tecnologia Educacional; Educação em Saúde; Enfermagem.
INTRODUÇÃO
A adolescência é caracterizada como o período de amadurecimento físico, psicológico e social que marca a mudança da infância para a vida adulta e, segundo a Organização Mundial da Saúde, compreende a faixa etária entre 10 e 19 anos(1). Nessa fase, os adolescentes despertam para a sexualidade e, aliado às características próprias de seu desenvolvimento psicoemocional e ao desejo de vivenciar novas experiências, adotam comportamentos de risco, tornando-se mais vulneráveis(2).
Estudos evidenciam que, geralmente, os adolescentes apresentam conhecimento sobre os métodos contraceptivos, porém grande parte restrito ao preservativo masculino e ao contraceptivo oral, com informações superficiais adquiridas por meio de amigos e familiares e que parecem não influenciar em suas atitudes. São limites no modo de aprender, que podem justificar a adoção de comportamentos de risco no que tange à contracepção e a exposição às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e à ocorrência de gravidez(3,4).
Salienta-se que, ao contrário do que acontece com a população geral, a taxa de fecundidade das adolescentes evolui em sentido crescente, o que foi constatado na última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, mostrando que mais da metade das mulheres brasileiras engravidaram na adolescência, com maior prevalência nas regiões Norte e Nordeste do país(5). Diante desses indicadores, associados à iniciação sexual cada vez mais precoce, a gravidez na adolescência configura-se como um problema social e de saúde pública, considerando-se os riscos à saúde e ao desenvolvimento biopsicossocial da mãe adolescente(6).
A escola é reconhecida como um espaço social que proporciona aos adolescentes a experimentação da formação de sua identidade para além da família. Portanto, deve ser encarada como um espaço de informação, que motive a reflexão e promova a sensibilização dos jovens para os temas da saúde, dentre eles a sexualidade, contribuindo para a formação de seres humanos capazes de tomar decisões conscientes e responsáveis(2). Neste âmbito de atuação, os profissionais de saúde, essencialmente os enfermeiros, fundamentados em conhecimento científico, habilidades e competências profissionais, utilizam a educação em saúde como estratégia para a promoção da saúde dos escolares, propiciando formação da consciência crítica e estimulando o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos na adoção de atitudes salutares(2).
Assim, diversos estudos na área da enfermagem visam produzir tecnologias educativas que auxiliem o processo de ensino-aprendizagem em saúde, tais como álbuns seriados, cartilhas, vídeos, jogos e aplicativos, possibilitando uma construção compartilhada de conhecimentos. Todavia, é necessária a validação dessas ferramentas, a fim de que os profissionais possam utilizá-las com segurança, mediante sua eficácia comprovada em pesquisas científicas(7).
Partindo-se deste propósito, a pesquisa teve como questão: qual a efetividade de um jogo educativo como tecnologia em saúde para o aumento do conhecimento de adolescentes sobre contracepção? Com o objetivo de analisar a efetividade de uma tecnologia educativa sobre contracepção com adolescentes escolares.
MÉTODO
Estudo quase-experimental, de série temporal do tipo antes e depois com um único grupo, desenvolvido no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Campus Aracati, no período de maio a setembro de 2018, cuja população foi constituída de adolescentes escolares e a amostra calculada em 80 participantes, seguindo a fórmula: , na qual δ e σ são iguais à média e ao desvio padrão, respectivamente, da diferença entre o escore total verificado pelo questionário antes e após a aplicação do jogo e zα e z1-β correspondem ao valor da variável normal padronizada (z) associada, respectivamente, ao nível de significância (5%; z=1,96) e ao poder do estudo (90%; z=1,28) adotados. Adicionando um percentual de segurança de 5% para eventuais perdas, estabeleceu-se um total de 84 participantes.
O critério de inclusão dos participantes foi: adolescentes de 14 a 19 anos regularmente matriculados em curso técnico integrado da instituição em estudo. Observou-se como critério de exclusão os adolescentes que apresentassem dificuldade na comunicação, inviabilizando as respostas ao instrumento. Além disso, por se tratar de pesquisa de acompanhamento, foram adotados ainda como critérios de descontinuidade: adolescentes que decidiram não participar mais do estudo após o início da coleta de dados ou não estavam presentes no dia da reaplicação do questionário e os que desistiram do curso no IFCE no intervalo da pesquisa.
A amostragem se deu por conveniência, sendo inicialmente composta por 85 adolescentes, que estavam presentes em sala de aula no início da coleta de dados. No decorrer do estudo, ocorreram seis perdas, conforme os critérios de descontinuidade mencionados anteriormente. Após a coleta, a amostra final ficou em 79 participantes, como mostra a figura 1.
Figura 1 – Fluxograma com a amostra do estudo. Aracati-CE, 2018.
Fonte: Elaborado pelos autores.
O quase-experimento envolveu três etapas distintas. Na primeira etapa, fez-se o convite aos adolescentes após a apresentação dos objetivos e forma de participação dos mesmos na pesquisa. Em seguida, receberam os termos de anuência para confirmar a participação (termo de assentimento livre e esclarecido para o adolescente e termo de consentimento livre e esclarecido para os responsáveis), constando riscos, benefícios e autonomia dos participantes.
A segunda etapa constou do recebimento dos referidos termos assinados, aplicação do questionário pré-teste, seguido da intervenção com o jogo educativo. O jogo foi aplicado em seis grupos que variaram entre 12 a 16 adolescentes. Cada grupo foi dividido em duas equipes, seguindo as regras do jogo, que foram lidas antes do início de cada partida. O tabuleiro foi disposto no chão da sala e cada equipe ficou à frente da outra. A pesquisadora atuou como mediadora, reforçando as regras e retirando as dúvidas. As partidas terminaram com a vitória de uma das equipes.
Por fim, na terceira etapa, trinta dias após a intervenção, foi aplicado com os mesmos participantes o pós-teste. Todas as fases da coleta de dados foram realizadas nas salas de aulas, durante os horários regulares de aula, após acordo prévio com o coordenador do curso e os professores.
Utilizou-se o jogo educativo “Anticoncepção na Adolescência”, o qual foi construído e validado com expertes por Vieira(8) em dissertação de mestrado, obtendo Índice de Validade de Conteúdo (IVC) > 0,78. Trata-se de um jogo de tabuleiro que objetiva proporcionar interação entre os adolescentes, aquisição de conhecimentos e o despertar para atitudes sobre o uso de contraceptivos de modo seguro. O jogo é composto por um tabuleiro com 60 casas, materiais acessórios (dado e peões), 42 cartões com perguntas e 15 cartões com informações sobre anticoncepção (figura 2). A escolha do jogo se deu por ser considerado instrutivo, informativo e fácil de aplicar, favorecendo, portanto, a educação e a promoção da saúde sexual do adolescente.
Figura 2 – Tabuleiro do jogo “Anticoncepção na Adolescência”. Aracati-CE, 2018.
Fonte: Vieira (2016).
O instrumento de coleta de dados utilizado como pré e pós-teste foi desenvolvido e validado por Costa(9) e traz variáveis referentes à caracterização sociodemográfica, informações de práticas sexuais e uso de contraceptivos, além de questões que abordam os conhecimentos dos adolescentes sobre os métodos contraceptivos.
O conhecimento dos adolescentes sobre contracepção foi analisado com base no somatório das 10 questões que compõem o bloco de conhecimento, em que cada questão respondida corretamente vale 1 ponto, podendo o nível de conhecimento de cada participante variar de “nenhum conhecimento” a “muito bom conhecimento”, conforme a escala de classificação de níveis de conhecimento, adaptada de Zernike e Henderson(10), descrita no quadro 1.
Quadro 1 - Escala de classificação de níveis de conhecimento. Aracati-CE, 2018.
Nível de conhecimento |
Nota |
Critério |
Nenhum conhecimento |
1 |
Nenhuma resposta correta |
Muito pouco conhecimento |
2 |
1-2 respostas corretas |
Pouco conhecimento |
3 |
3-4 respostas corretas |
Bom conhecimento |
4 |
5-6 respostas corretas |
Mais que bom conhecimento |
5 |
7-8 respostas corretas |
Muito bom conhecimento |
6 |
9-10 respostas corretas |
Fonte: Adaptado de Zernike e Henderson (1998).
Os dados foram tabulados no programa Excel 2013 e exportados para o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 23.0. Na análise, utilizou-se a estatística descritiva (frequências absolutas e relativas, médias e desvio-padrão) e a estatística inferencial (testes estatísticos paramétricos e não paramétricos). A normalidade dos dados foi verificada utilizando o teste Kolmogorov-Smirnov. A efetividade do jogo educativo foi observada pela análise comparativa dos pré e pós-testes, como amostras pareadas, por meio do teste de Wilcoxon e de McNemar, de forma a avaliar a diferença na média de acertos dos participantes no bloco de conhecimentos antes e depois da intervenção. Utilizou-se, ainda, os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para verificar a associação entre a diferença de pontuação no bloco de conhecimentos (pontuação depois da intervenção – pontuação antes da intervenção) e as variáveis “sexo”, “idade”, “iniciação sexual” e “informação sobre contracepção”. Foi considerado um intervalo de confiança de 95% e um valor de p < 0,05 como estatisticamente significativo.
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Ceará e recebeu parecer favorável à sua realização em 06 de março de 2018 com nº 2.528.626. Em todas as fases da pesquisa observaram-se os aspectos éticos e os termos de assentimento e consentimento foram assinados pelos adolescentes e seus responsáveis, respectivamente, confirmando a anuência de participação.
RESULTADOS
A amostra inicial do estudo foi composta por 85 adolescentes, com predomínio do sexo feminino (54,1%), idade variando de 14 a 19 anos e média de 16,34 anos (DP + 1,175), grau de escolaridade materna (55,3%) e paterna (57,7%) predominantemente até o ensino básico e religião católica (58,8%).
No que diz respeito às práticas sexuais e contraceptivas, quase a totalidade dos adolescentes (97,6%) citou pelo menos um método contraceptivo conhecido, porém apenas 21,2% já iniciaram a vida sexual. Desses, a maioria (77,8%) já fez uso da contracepção em alguma relação sexual e nenhum relatou ocorrência de gravidez. Em relação à informação sobre contracepção, 80% dos adolescentes referiu já ter conversado com alguém sobre o assunto, enquanto pouco mais da metade (51,8%) já aconselhou alguém a usar algum tipo de método contraceptivo (tabela 1).
Tabela 1 – Distribuição dos adolescentes segundo as informações de práticas sexuais e contraceptivas. Aracati-CE, 2018.
Variáveis |
n |
% |
Conhece os Métodos Contraceptivos (n=85) |
|
|
Sim |
83 |
97,6 |
Não |
2 |
2,4 |
Iniciação sexual (n=85) |
|
|
Sim |
18 |
21,2 |
Não |
67 |
78,8 |
Uso de contracepção (n=18) |
|
|
Sim |
14 |
77,8 |
Não |
4 |
22,2 |
Ocorrência de gravidez (n=18) |
|
|
Sim |
- |
- |
Não |
18 |
100,0 |
Informação sobre contracepção (n=85) |
|
|
Sim |
68 |
80,0 |
Não |
17 |
20,0 |
Aconselhamento sobre contracepção (n=85) |
|
|
Sim |
44 |
51,8 |
Não |
41 |
48,2 |
Fonte: elaborada pelos autores.
Dentre os métodos contraceptivos mais conhecidos pelos adolescentes, destacam-se os métodos de barreira e hormonais, com ênfase no preservativo (44,1%) e no contraceptivo oral (33,1%). Já com relação aos métodos contraceptivos usados pelos adolescentes com vida sexual ativa, destaca-se novamente o preservativo (77,7%), sendo citado também o contraceptivo de emergência (27,8%) e o hormonal injetável (5,5%). Consequentemente, os métodos contraceptivos mais aconselhados por eles também foram o preservativo (88,6%), o contraceptivo oral (34%) e o de emergência (4,5%). No tocante às fontes de informação sobre contracepção, os adolescentes referiram principalmente os pais ou parentes (32,5%) e os amigos ou namorado(a)s (25,7%).
Os dados referentes ao conhecimento dos adolescentes sobre os métodos contraceptivos nos dois momentos avaliados estão descritos na tabela 2.
Tabela 2 – Distribuição dos acertos no bloco de conhecimentos sobre contracepção antes e depois da intervenção. Aracati-CE, 2018.
Questões |
ANTES (n=85) |
DEPOIS (n=79) |
p* |
||
n |
% |
n |
% |
|
|
|
27 |
31,8 |
49 |
62 |
<0,001 |
|
14 |
16,5 |
21 |
26,6 |
0,022 |
|
59 |
69,4 |
57 |
72,2 |
0,710 |
|
71 |
83,5 |
68 |
86,1 |
0,581 |
|
46 |
54,1 |
50 |
63,3 |
0,286 |
|
33 |
38,8 |
39 |
49,4 |
0,134 |
|
27 |
31,8 |
35 |
44,3 |
0,031 |
|
41 |
48,2 |
53 |
67,1 |
<0,001 |
|
34 |
40,0 |
33 |
41,8 |
0,678 |
|
37 |
43,5 |
48 |
60,8 |
0,015 |
IST: Infecções Sexualmente Transmissíveis
DIU: Dispositivo Intrauterino
*Teste de McNemar
Fonte: elaborada pelos autores.
Observa-se que apenas três itens do questionário apresentaram percentual de acertos acima de 50% antes da intervenção, sendo eles os itens 3 (69,4%), 4 (83,5) e 5 (54,1%). Esses resultados mostram que o maior conhecimento dos participantes se referia ao preservativo e ao contraceptivo oral, que foram os métodos mais citados como conhecidos pelos participantes inicialmente. Ademais, o item que obteve o menor percentual de acertos no pré-teste foi o item 2 (16,5%), que diz respeito ao método comportamental do muco cervical.
Após a intervenção com o jogo educativo, houve um aumento no percentual de acertos em todos os itens avaliados, sendo que este aumento foi estatisticamente significativo nos itens 1 (p<0,001), 2 (p=0,022), 7 (p=0,031), 8 (p<0,001) e 10 (p=0,015), conforme observado na tabela 2. Além disso, ressalta-se que o item 1 obteve a maior diferença antes e depois da intervenção (30,2%).
A seguir, classificou-se o conhecimento dos adolescentes em seis níveis, conforme a Escala de níveis de conhecimento de Zernike e Henderson (1998), comparando-os nos dois momentos estudados (tabela 3).
Tabela 3 – Distribuição do nível de conhecimento dos adolescentes sobre contracepção antes e depois da intervenção. Aracati-CE, 2018.
Níveis de conhecimento |
ANTES (n=85) n (%) |
DEPOIS (n=79) n (%) |
Nenhum conhecimento |
1 (1,2) |
1 (1,3) |
Muito pouco conhecimento |
11 (12,9) |
5 (6,3) |
Pouco conhecimento |
35 (41,2) |
19 (24,1) |
Bom conhecimento |
19 (22,4) |
27 (34,2) |
Mais que bom conhecimento |
14 (16,5) |
15 (19,0) |
Muito bom conhecimento |
5 (5,9) |
12 (15,2) |
Fonte: Adaptada de Zernike e Henderson (1998).
Percebe-se que os níveis inferiores, referentes ao conhecimento deficiente, apresentaram uma queda em seus percentuais, com predomínio no nível “pouco conhecimento” (redução de 22,9%), enquanto os níveis superiores cresceram consideravelmente, com aumento importante no nível “bom conhecimento” (11,8%).
Outrossim, ao proceder a análise comparativa dos pré e pós-testes com base na média de acertos no bloco de conhecimentos antes e depois da intervenção, evidenciou-se uma diferença estatisticamente significante (p<0,001), caracterizando a efetividade da intervenção educativa realizada por meio do jogo “Anticoncepção na Adolescência”.
Por fim, analisou-se a associação estatística entre a diferença de pontuação no bloco de conhecimentos nos dois momentos estudados (pontuação depois da intervenção – pontuação antes da intervenção) e as variáveis “sexo” (p=0,421), “idade” (p=0,173), “iniciação sexual” (p=0,894) e “informação sobre contracepção” (p=0,904), verificando que não houve associação estatisticamente significante com nenhuma das variáveis testadas, conforme mostra os respectivos valores de p.
Pode-se inferir, portanto, que as variáveis destacadas não contribuem de maneira importante para uma maior aquisição de conhecimento sobre contracepção com a intervenção empregada. Logo, o jogo educativo mostrou-se efetivo na melhoria do conhecimento de adolescentes sobre a temática, independente de sexo, idade, iniciação sexual e o recebimento de informações prévias sobre o assunto.
DISCUSSÃO
O estudo mostrou que os métodos de barreira e hormonais são os contraceptivos mais conhecidos, utilizados e recomendados entre os participantes. Este achado corrobora resultados de outras pesquisas realizadas em diversos cenários, nacionais e internacionais, que observaram ser o preservativo masculino e o contraceptivo oral os métodos mais conhecidos pelos adolescentes, sendo o primeiro mais utilizado(3-4,11-13). Acredita-se que isso ocorra em virtude das campanhas educativas promovidas anualmente pelo Ministério da Saúde, além de serem os principais métodos oferecidos gratuitamente nas Unidades Básicas de Saúde.
Contudo, apreendeu-se que as informações recebidas pelos adolescentes sobre o tema contracepção são variadas; enquanto alguns estudos destacam a família como a principal fonte de informação(3), outros enfatizam as instituições de saúde e ensino(13) e a mídia, internet e amigos(12). Assim, é consenso que todos têm papel importante na orientação deste público no que concerne à educação sexual. Ressalta-se, ainda, a relevância da atuação dos profissionais da saúde que, apesar de pouco citados nos estudos, estão entre os mais capacitados para abordar as diversas questões que envolvem a sexualidade humana e, portanto, devem atuar em parceria com a escola e a comunidade na promoção de comportamentos saudáveis.
Na população estudada, foi verificado um elevado percentual de adolescentes que ainda não iniciaram a vida sexual, o que reitera a relevância de discutir tal temática na escola, em parceria com os demais setores envolvidos, e promover orientação adequada, que favoreça o exercício da sexualidade com segurança e responsabilidade desde o início entre os adolescentes e prosseguindo na vida adulta.
Apesar do preservativo ser o método mais conhecido pelos adolescentes e destes reconhecerem o seu uso como a principal forma de prevenir gravidez indesejada e IST em todas as relações sexuais, é comum encontrar adolescentes que assumem o risco de práticas sexuais desprotegidas em situações de parceria fixa, pessoa conhecida ou caso não tenham o preservativo disponível no momento da relação(13). Tal fato reforça que o conhecimento vai além de apenas saber citar os métodos contraceptivos existentes, mas a necessidade de se obter informações acerca do seu mecanismo de ação, modo correto de usar, indicações, vantagens e desvantagens, bem como as consequências do seu não uso.
Os resultados mostram ainda que os métodos comportamentais são pouco conhecidos pelos adolescentes. São métodos que utilizam apenas do conhecimento sobre a fisiologia do corpo feminino para controlar a concepção. Embora sejam pouco indicados para esse público, também devem ser incluídos na discussão sobre contracepção, a fim de orientá-los a respeito das inúmeras opções disponíveis, favorecendo a tomada de decisões orientadas sobre os meios de prevenção de IST e gravidez não planejada(3-4,14).
Assim, a educação em saúde é uma ação promissora de promoção da saúde sexual e reprodutiva, essencialmente quando se utiliza estratégia criativa e reflexiva, favorecendo a autonomia dos sujeitos na escolha de contraceptivos(4). Nesta pesquisa, observou-se que a intervenção com o jogo educativo, por abordar todos os métodos, favoreceu a aquisição de conhecimentos sobre a variedade de contraceptivos, como a tabelinha, o método do muco cervical, o hormonal injetável, o DIU e a vasectomia, não tão difundidos entre os adolescentes quanto o preservativo e o contraceptivo oral.
Vale salientar que, ao contrário dos métodos comportamentais e definitivos, o DIU é um método contraceptivo reversível de longa duração, que se apresenta como uma opção viável e recomendada para adolescentes, com critério de elegibilidade 2 (benefício superior ao risco) pela Organização Mundial da Saúde(15), por ser um método de fácil utilização, efetivo, que não interfere nas relações sexuais, não requer a participação do parceiro e cuja eficácia não depende da usuária(16). Nesse sentido, seu uso pode ser estimulado pelos profissionais de saúde, tendo em vista que as adolescentes necessitam de contracepção por longos períodos, de maneira segura e eficaz, contribuindo na redução das taxas de gravidez não planejada na adolescência(11,16).
Os resultados desse estudo mostram a efetividade do jogo educativo “Anticoncepção na Adolescência” na melhoria do conhecimento dos adolescentes sobre contracepção. Na literatura, pesquisas semelhantes testam variadas possibilidades de práticas e tecnologias educativas na promoção da saúde sexual e reprodutiva do público adolescente. Na África, avaliou-se a eficácia de um currículo abrangente sobre saúde reprodutiva com foco na prevenção de IST e gravidez na adolescência, por meio da inclusão de metodologias participativas, e observou melhora significativa no conhecimento, na atitude e na autoeficácia da população estudada(17). Já nos Estados Unidos, estudo constatou a eficácia de um aplicativo sobre saúde sexual na melhoria do conhecimento de adolescentes e sua capacidade de influenciá-las na decisão de utilizar métodos contraceptivos eficazes(11).
Ressalta-se que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) têm sido cada vez mais incorporadas na educação em saúde de adolescentes, por meio de aplicativos, mensagens de texto, ambientes virtuais de aprendizagem, jogos virtuais e websites, com resultados positivos pelo seu amplo poder de alcance e influência, sendo ideais para fornecer informações sobre comportamentos saudáveis(7,11).
O ambiente escolar mostra-se como um importante cenário de atuação nessa casuística. Revisão sistemática que objetivou investigar a eficácia de intervenções educativas sobre contracepção na adolescência verificou melhora significativa no conhecimento, na atitude e/ou no comportamento dos adolescentes em mais de 80% dos estudos analisados, sendo que mais da metade destes foram realizados no contexto escolar, constatando a relevância de atuação neste cenário(18). Em contrapartida, o estudo de Campos(19) evidenciou que, apesar dos adolescentes reconhecerem a realização de práticas educativas sobre sexualidade no ambiente escolar, avaliam as informações recebidas como insuficientes ou pouco esclarecedoras. Tal fato reforça a ideia de que para promover mudanças no conhecimento e atitude torna-se fundamental a criação de estratégias cada vez mais inovadoras e voltadas para públicos específicos, a fim de alcançar os resultados desejados.
Vale salientar que a discussão acerca da educação sexual na escola é um dos temas transversais regulamentados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), devendo ser incluída nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)(2). Aproximadamente vinte anos após a implementação dessas diretrizes, uma revisão sistemática sobre a educação sexual em escolas brasileiras constatou que há um esforço por parte de profissionais, especialmente os da área da saúde, no desenvolvimento de intervenções abordando essa temática no contexto escolar, mas ainda existem muitas barreiras que impedem a consolidação das práticas previstas nos PCN, especialmente no que diz respeito à transversalização, as quais precisam ser reconhecidas e superadas(20).
Para que esse trabalho alcance verdadeiramente os seus objetivos, é necessário que haja uma parceria entre Saúde e Educação no fomento de ações impactantes e contínuas que culminem na capacitação dos profissionais da saúde e educadores e, consequentemente, na educação sexual dos estudantes(2).
Ante aos resultados, ressalta-se que um nível de conhecimento satisfatório não implica, necessariamente, em atitudes favoráveis. Porém, é o primeiro passo para se alcançar mudanças concretas no comportamento dos adolescentes, especialmente quando envolve questões de saúde sexual e reprodutiva. Portanto, a tecnologia aqui testada, e comprovadamente efetiva, pode auxiliar os diversos atores envolvidos na construção desse processo contínuo de educação sexual nas escolas.
Fica evidente que a educação em saúde sobre contracepção na adolescência deve utilizar tecnologias criativas e inovadoras, de maneira a provocar o interesse desse grupo, com possibilidades de melhoria de conhecimentos, mas também atitudes e práticas de proteção à saúde sexual e reprodutiva. Recomenda-se aos profissionais da saúde e educadores apropriarem-se dessas tecnologias e implementarem em suas atividades de educação em saúde.
Acrescenta-se como limitação deste estudo o tempo reduzido da intervenção, em horários das aulas, devido às restrições do calendário acadêmico da instituição, e a dificuldade de controlar as variáveis, como por exemplo a aquisição de informações sobre a temática no intervalo de tempo entre a aplicação do jogo e do pós-teste, não podendo garantir que todo o conhecimento adquirido pelos participantes foi proveniente da intervenção educativa.
CONCLUSÃO
O estudo objetivou testar uma tecnologia criativa e de baixo custo junto aos adolescentes, utilizando o jogo educativo “Anticoncepção na Adolescência”, que se mostrou efetivo na melhoria do conhecimento da população estudada. A referida tecnologia proporcionou interesse entre os adolescentes, provocando discussão e melhorando o conhecimento sobre a variedade de contraceptivos, incluindo aqueles pouco difundidos entre esta população, pois os mais conhecidos e usados entre eles ainda são os métodos de barreira e hormonais.
Após a comprovação de sua efetividade, esta ferramenta pode ser utilizada como tecnologia educacional para auxiliar educadores e profissionais da saúde no ensino da educação sexual, tendo em vista que essa temática, de caráter transversal, deve ser desenvolvida entre os assuntos de saúde do adolescente nas escolas. Contudo, sugere-se a realização de novos estudos que testem a sua efetividade em outros contextos socioculturais, observando-se mudanças para além dos conhecimentos, incluindo atitude e prática. Conclui-se, portanto, que o jogo educativo foi efetivo na melhoria do conhecimento dos adolescentes sobre contracepção, somando-se às outras estratégias de educação em saúde que estimulam o desenvolvimento de uma sexualidade segura e responsável na adolescência.
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Participação dos autores na pesquisa:
1 Marcela Lima Silveira Praxedes
Participação na revisão de literatura, submissão de projeto de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa, desenvolvimento da pesquisa (coleta, análise e discussão dos dados) e escrita do artigo.
2 Maria Veraci Oliveira Queiroz
Participação na revisão de literatura, submissão de projeto de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa, desenvolvimento da pesquisa (análise e discussão dos dados) e escrita do artigo.
3 Roberta Peixoto Vieira
Participação na revisão de literatura, cessão do jogo educativo “Anticoncepção na Adolescência” para o desenvolvimento da pesquisa e escrita do artigo.
Recebido: 30/01/2019
Revisado: 04/04/2020
Aprovado: 04/04/2020