Influência do tempo de atuação do Enfermeiro no conhecimento sobre cateter epicutâneo: estudo transversal
Allana dos Reis Corrêa1, Bruna Figueiredo Manzo1, Fernanda Penido Matozinhos1, Fernanda Cristina Fioreti Carvalho2, Luiza Britto dos Santos1, Manuela Lacerda Gomes1
1 Universidade Federal de Minas Gerais
2 Hospital Metropolitano Odilon Behrens
RESUMO
OBJETIVO: Analisar a influência do tempo de atuação de enfermeiros em unidade de terapia intensiva neonatal ou pediátrica no conhecimento sobre inserção e manuseio do cateter central de inserção periférica. MÉTODO: Estudo transversal, com 22 enfermeiros de terapia intensiva neonatal e pediátrica. Utilizou-se instrumento estruturado, produzido com base nas Diretrizes Práticas para Terapia Infusional. RESULTADOS: A mediana do tempo de formação foi de 9 anos e a do tempo de atuação em neonatologia ou pediatria foi de 8 anos. O tempo de atuação mostrou diferença significativa quanto ao conhecimento sobre “posicionamento do paciente para mensuração do comprimento do cateter” (p=0,010) e “Equipamentos de Proteção Individual preconizados para a troca de curativos” (p=0,004), sendo a maior proporção de acertos pelos enfermeiros com menor tempo de atuação. CONCLUSÃO: O tempo de atuação mostrou pouca influência no conhecimento dos profissionais. É relevante investir na educação continuada visando uma assistência mais segura.
DESCRITORES: Enfermagem; Cateteres; Unidades de Terapia Intensiva; Conhecimento; Tempo.
INTRODUÇÃO
O cateter central de inserção periférica - ou cateter epicutâneo ou Peripherally Inserted Central Catheter (PICC) - é indicado para atender as demandas terapêuticas de pacientes graves, tornando-se substanciais para sua recuperação(1-3). O PICC, como é mais comumente conhecido na prática assistencial, é cada vez mais utilizado nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica, por sua facilidade de inserção, tempo de permanência prolongado, inserção menos traumática e risco reduzido de complicações.(4)
Apesar de ser uma alternativa de acesso venoso estável e eficaz para neonatos e crianças gravemente enfermos, o PICC não está isento de complicações, sendo as mais frequentes: mau posicionamento, oclusão, trombose, flebite e sepse(5-6).
No Brasil, utiliza-se esse cateter em pediátrica e neonatologia há, aproximadamente, duas décadas. A Resolução 258/2001(7), do Conselho Federal de Enfermagem, considera lícito ao enfermeiro a inserção do PICC, mas enfatiza que todos devem submeter-se a um curso de qualificação devidamente regulamentado.
É sabido que inúmeros fatores podem influenciar no conhecimento e comportamento dos profissionais, como a sobrecarga de trabalho e o pouco reconhecimento do enfermeiro(2-6). Estes fatores também influenciam na qualidade da assistência e favorecem a ocorrência de erros(1,2,5,6). Ademais, o tempo de atuação desses profissionais em neonatologia ou pediatria também pode influenciar nas práticas diárias(1-2, 8-10).
Avaliar a relação do tempo de atuação com o conhecimento sobre os cuidados com o cateter central de inserção periférica pode contribuir para nortear a capacitação dos enfermeiros, visando uma assistência segura aos neonatos e às crianças que utilizam esse dispositivo.
Diante dos desafios apresentados, esse estudo teve por objetivo analisar a influência do tempo de atuação de enfermeiros em unidade de terapia intensiva neonatal ou pediátrica no conhecimento sobre inserção e manuseio do cateter central de inserção periférica.
MÉTODO
Trata-se de estudo transversal conduzido em duas unidades de um hospital geral, de alta complexidade da rede pública de Minas Gerais: Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. As unidades totalizam 30 leitos, sendo 10 da pediatria e 20 da neonatologia. Os procedimentos assistenciais relacionados ao manejo do PICC estão pautados nos protocolos estabelecidos e aprovados pelo hospital.
A população foi composta por 30 enfermeiros. Como critérios de inclusão, consideraram-se: realizar inserção e manutenção do dispositivo PICC em neonatos ou crianças e trabalhar há mais de seis meses nas unidades. Foram excluídos os profissionais que estavam de férias, licença ou que negaram a assinatura do termo de consentimento. Seguindo esses critérios, a amostra totalizou 22 enfermeiros, pois cinco negaram a participar do estudo e três estavam de licença no momento da coleta dos dados.
O formulário foi aplicado no período de setembro a outubro de 2015, nos turnos e horários concordantes com a escala de trabalho de cada participante (todos os turnos de trabalho foram contemplados), mediante a presença de um dos pesquisadores. Para a coleta de dados foi utilizado instrumento estruturado, com questões fechadas, produzido com base nas Diretrizes Práticas para Terapia Infusional(9). O mesmo foi avaliado por três especialistas das áreas que o consideraram a forma e o conteúdo, pertinente para a proposta do estudo. Ressalta-se que não há até o momento instrumentos validados sobre essa temática.
Para a avaliação do conhecimento dos enfermeiros, foram abordadas 20 questões, com cinco alternativas de resposta cada (sempre, poucas vezes, raramente, nunca, não sei), que contemplavam aspectos relativos à técnica de inserção e manutenção do PICC, sendo: orientação e esclarecimento aos familiares sobre o procedimento; preparo do paciente, do enfermeiro e de materiais para a técnica; preparo do PICC para a inserção; antissepsia realizada na pele; modo de inserção do cateter; cuidados diários com o PICC; orientações de prevenção de infecção; e retirada do cateter.
Os dados foram processados e analisados com auxílio do programa Statistical Software, versão 14.0 (Stata Corp, Texas, USA). A amostra foi descrita por meio das frequências absolutas, relativas, mediana e intervalo interquartílico. Foram apresentadas tabelas de distribuição de frequências das variáveis, segundo o tempo de atuação dos enfermeiros nas unidades que foi categorizado em menor que oito anos e maior ou igual que oito anos, considerando-se a mediana da variável.
Para comparar as proporções e verificar as associações foi utilizado o teste exato de Fisher. Para a comparação das medianas das duas amostras independentes foi utilizado o Mann-Whitney. Foi adotado nível de significância de 0,05 para os procedimentos analíticos.
Para a apresentação dos dados sobre o conhecimento dos enfermeiros, além de tabelas por temática (inserção e manutenção do PICC) segundo o tempo de atuação em neonatologia ou pediatria, foi estabelecida uma classificação conceitual das variáveis estabelecidas por estudo anterior(11). Assim, se o profissional obteve 100% de acerto, seu conhecimento foi classificado como excelente; de 90 a 99%, muito bom; de 80 a 89%, bom; de 70 a 79%, regular; de 60 a 69%, ruim; e de 50 a 59%, péssimo(11). Para cada questão, foi avaliado o número de acertos no total de formulários, obtendo a porcentagem de acerto em cada uma.
O estudo apresentou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
RESULTADOS
Dos 22 enfermeiros, a maioria (80,9%) era da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal sendo todos do sexo feminino. Destas, 21 (95,45%) realizaram o curso de PICC.
A mediana da idade foi de 36 anos (IQ=33-39), do tempo de formação profissional foi de nove anos (IQ=8-12), e do tempo de atuação em neonatologia ou pediatria foi de oito anos (IQ=4-9).
A caracterização da amostra, segundo o tempo de atuação nas unidades, está apresentada na Tabela 1. Ressalta-se que os totais dos números de profissionais podem variar, devido à ausência de informações, para algumas das variáveis estudadas.
Tabela 1 - Caracterização da amostra, segundo tempo de atuação em neonatologia ou pediatria. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2015.
Características |
< 8 anos |
≥ 8 anos |
Total |
p-valor |
(n=10) |
(n=12) |
(n=22) |
|
|
n (%) ou Mediana (IQ†) |
n (%) ou Mediana (IQ†) |
n (%) ou Mediana (IQ†) |
|
|
Idade |
33 (32-38) |
37 (34-39) |
36 (33-39) |
0,20 § |
Tempo de formação § |
6 (6-8) |
10 (9,5-13) |
9 (8-12) |
<0,001 |
Setor |
|
|
|
0,25§ |
Unidade de Terapia Intensiva Neonatal |
7 (41,2) |
10 (58,8) |
17 (100,0) |
|
Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica |
3 (75,0) |
1 (25,0) |
4 (100,0) |
|
Tempo de atuação na instituição |
3 (1-4) |
8 (7-8,5) |
7 (1-8) |
|
Tempo de atuação na unidade |
2 (1-4) |
8 (4-8,5) |
6 (1-8) |
<0,001§ |
Sim |
9 (42,9) |
12 (57,1) |
21 (100,0) |
<0,001 § |
Não |
1 (100,0) |
- |
1 (100,0) |
|
Vínculo empregatício |
|
|
|
0,33 † |
Um |
4 (36,4) |
7 (63,6) |
11 (100,0) |
|
Mais de um |
6 (54,5) |
5 (45,5) |
11 (100,0) |
|
Treinamento sobre PICC* |
|
|
|
0,61 †† |
Sim |
7 (46,6) |
8 (53,3) |
15 (100,0) |
|
Não |
3 (42,9) |
4 (57,1) |
7 (100,0) |
|
Notas: †IQ: Intervalo interquartílico; ‡Teste exato de Fisher; §Mann-Whitney; *PICC: Peripherally Inserted Central Catheter
Nas variáveis em que se constataram diferenças estatisticamente significativas observou-se maior mediana dentre os profissionais que atuavam há mais tempo (≥ 8 anos) nas unidades.
A Tabela 2 apresenta o conhecimento dos enfermeiros, por temática inserção do PICC, segundo o tempo de atuação em neonatologia ou pediatria.
Tabela 2 - Conhecimento dos enfermeiros, por temática inserção do PICC, segundo tempo de atuação em neonatologia ou pediatria. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2015.
Tema |
< 8 anos |
≥ 8 anos |
Total |
p-valor |
(n=10) |
(n=12) |
(n=22) |
|
|
n (%) |
n (%) |
n (%) |
|
|
Indicação para inserção do PICC§ |
|
|
|
0,45† |
Acerto |
9 (42,9) |
12 (57,1) |
21 (100,0) |
|
Erro |
1 (100,0) |
- |
1 (100,0) |
|
Contraindicação para inserção do PICC§ |
|
|
|
|
|
|
|
|
0,33† |
Acerto |
6 (54,6) |
5 (45,4) |
11 (100,0) |
|
Erro |
4 (36,4) |
7 (63,6) |
11 (100,0) |
|
Veia de primeira escolha para inserção do PICC§ |
|
|
|
0,48 † |
Acerto |
4 (40,0) |
6 (60,0) |
10 (100,0) |
|
Erro |
6 (50,0) |
6 (50,0) |
12 (100,0) |
|
Posicionamento para mensuração do comprimento do cateter |
|
|
|
0,01† |
Acerto |
8 (72,7) |
3 (27,3) |
11 (100,0) |
|
Erro |
2 (18,2) |
9 (81,8) |
11 (100,0) |
|
Medida do comprimento do PICC§ para inserção em membros superiores |
|
|
|
0,21† |
Acerto |
9 (52,9) |
8 (47,1) |
17 (100,0) |
|
Erro |
1 (20,0) |
4 (80,0) |
5 (100,0) |
|
Extremidade distal do PICC§ com posicionamento adequado |
|
|
|
0,58† |
Acerto |
7 (43,8) |
9 (56,2) |
16 (100,0) |
|
Erro |
3 (50,0) |
3 (50,0) |
6 (100,0) |
|
Prevenção de infecção relacionada à inserção do PICC§ |
|
|
|
0,11† |
Acerto |
9 (56,2) |
7 (43,8) |
16 (100,0) |
|
Erro |
1 (16,7) |
5 (83,3) |
6 (100,0) |
|
Medida correta para inserir o PICC§ em membros inferiores |
|
|
|
0,59† |
Acerto |
2 (40,0) |
3 (60,0) |
5 (100,0) |
|
Erro |
8 (47,1) |
9 (52,9) |
17 (100,0) |
|
Vantagens da inserção do PICC§ nas veias dos membros superiores |
|
|
|
0,45† |
Acerto |
7 (50,0) |
7 (50,0) |
14 (100,0) |
|
Erro |
3 (37,5) |
5 (62,5) |
8 (100,00) |
0,38† |
Vantagens do PICC§ |
|
|
|
|
Acerto |
4 (57,1) |
3 (42,9) |
7 (100,0) |
|
Erro |
6 (40,0) |
9 (60,0) |
15 (100,0) |
|
Notas: †Teste exato de Fisher; §PICC: Peripherally Inserted Central Catheter.
Verificou-se diferença estatisticamente significativa entre tempo de atuação e o conhecimento sobre “posicionamento do paciente para mensuração do comprimento do cateter a ser inserido”. A maior proporção de acertos (72,7%) foi pelos profissionais que atuavam nas unidades há menos de 8 anos.
Na Tabela 3 é apresentado o conhecimento dos enfermeiros, por temática manutenção do PICC, segundo o tempo de atuação em neonatologia ou pediatria.
Tabela 3 - Conhecimento dos enfermeiros por temática manutenção do PICC, segundo tempo de atuação em neonatologia ou pediatria. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2015.
Tema |
< 8 anos |
≥ 8 anos |
Total |
|
(n=10) |
(n=12) |
(n=22) |
p-valor |
|
n (%) |
n (%) |
n (%) |
|
|
Complicação mais frequente após a inserção do PICC§ |
|
|
|
0,22† |
Acerto |
7 (38,9) |
11 (61,1) |
18 (100,0) |
|
Erro |
3 (75,0) |
1 (25,0) |
4 (100,0) |
|
Frequência para a troca do curativo com filme transparente |
|
|
|
|
Acerto |
10 (45,4) |
12 (54,6) |
22 (100,0) |
|
Erro |
- |
- |
- |
|
Solução recomenda para a antissepsia da pele na troca de curativos |
|
|
|
0,40† |
Acerto |
7 (41,2) |
10 (58,8) |
17 (100,0) |
|
Erro |
3 (60,0) |
2 (40,0) |
5 (100,0) |
|
EPIs††† preconizados para a troca de curativos |
|
|
|
0,04† |
Acerto |
10 (55,6) |
8 (44,4) |
18 (100,0) |
|
Erro |
- |
4 (100,0) |
4 (100,0) |
|
Ações que favorecem a permeabilidade do PICC§
|
|
|
|
0,45† |
Acerto |
9 (42,9) |
12 (57,14) |
21 (100,0) |
|
Erro |
1 (100,0) |
- |
1 (100,0) |
0,45† |
Indicações para a remoção do PICC§ |
|
|
|
|
Acerto |
9 (42,9) |
12 (57,1) |
21 (100,0) |
|
Erro |
1 (100,0) |
- |
1 (100,0) |
0,54† |
Complicações do PICC§ |
|
|
|
|
Acerto |
6 (42,9) |
8 (57,1) |
14 (100,0) |
|
Erro |
4 (50,0) |
4 (50,0) |
8 (100,0) |
|
Cuidados para redução do risco de flebite |
|
|
|
0,61† |
Acerto |
7 (46,7) |
8 (53,3) |
15 (100,0) |
|
Erro |
3 (42,9) |
4 (57,1) |
7 (100,0) |
|
Notas: †Teste exato de Fisher; p-valor em negrito ≤0,05; §PICC: Peripherally Inserted Central Catheter; †††Equipamentos de proteção individual.
Verificou-se diferença estatisticamente significativa entre tempo de atuação e conhecimento relacionado à questão sobre “Equipamentos de Proteção Individual preconizados para a troca de curativos”. Observou-se maior proporção de acertos (55,6%) dentre os profissionais que atuavam há menos tempo na neonatologia ou pediatria.
Ainda, sobre o conhecimento dos enfermeiros, observou-se que nenhum profissional teve 100% de acertos (excelente). Apenas 1 (4,55%) acertou entre 90 e 99% (conhecimento muito bom). Quatro (18,2%) apresentaram 80 a 89% de acertos (conhecimento bom) e oito (36,4%) obtiveram 70 a 79% de acertos (conhecimento regular). O maior percentual foi de 12 a 13 questões (60 a 69%), denotando conhecimento ruim, por 9 participantes (40,9%). Esse escore também foi avaliado segundo o tempo de atuação em neonatologia ou pediatria e não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas.
DISCUSSÃO
Começar com o principal dado a hipótese inicial foi confirmado? Qual a hipótese do estudo?
Em relação ao conhecimento dos enfermeiros sobre a inserção e manutenção do PICC, o maior percentual de acertos foi de 60 a 69%, denotando conhecimento ruim, segundo a classificação adotada no estudo(11). Importante ressaltar que em se tratando de um procedimento invasivo que é a inserção do PICC, um conhecimento ruim pode influenciar na quebra de segurança do procedimento e, consequentemente, pode gerar eventos adverso na criança. Estudo realizado com 32 enfermeiros de terapia intensiva neonatal e pediátrica de 26 hospitais do município de São Paulo(8) evidenciou resultado semelhante e concluiu que existem muitos desencontros entre o conhecimento acumulado pelos enfermeiros e o fazer dessa prática(8). Esse achado pode ser justificado pelas lacunas de evidências científicas na área de enfermagem, o que leva ao enfermeiro utilizar das práticas empíricas oriundas da experiência adquirida.
Outro ponto destacado nos resultados foi que entre os profissionais que tinham maior conhecimento estavam aqueles que atuavam há menos tempo na neonatologia ou pediatria. Estudo sugere que os iniciantes avançados sentem-se muito responsáveis pelos cuidados aos pacientes, seguem as regras e se orientam pelas tarefas que devem realizar, diferente dos profissionais experts.
A utilização do PICC em pediatria e neonatologia consiste em uma prática especializada e de alta complexidade. Para que o enfermeiro esteja apto a desenvolver tal procedimento, necessita de capacitação específica. Contudo, esse estudo demonstrou que apenas esses cursos podem não ser suficientes para manter o enfermeiro atualizado em relação às novas evidências científicas e aos protocolos institucionais(1). Dessa maneira, sugere-se que a necessidade de uma certificação do curso de habilitação para a inserção de PICC, pela sociedade cientifica da área da pediatria e neonatologia, o que atualmente, não acontece. Ademais, ressalta-se que os cursos de pós-graduação relacionados à enfermagem neonatológica devem contemplar no seu curriculum curso de habilitação dos enfermeiros nesse campo de prática, a fim de melhorar a habilidade dos profissionais nesse procedimento tão usual na neonatologia e pediatria(8).
As variáveis “indicação e contraindicações para a inserção do epicutâneo” mostraram índices de acerto de, respectivamente, 95,5 e 50%. Estudos realizados em Unidades de Terapia Intensiva Neonatais de Recife e Minas Gerais mostraram que a maioria dos participantes indicou corretamente o uso do PICC, considerando a necessidade de manter acesso venoso por mais de seis dias, administração de nutrição parenteral e aminas e infusão de soluções vesicantes ou irritantes(11-12).
Em relação aos itens “veia de primeira escolha” e “ângulo de posicionamento do membro superior para a punção” evidenciou-se um conhecimento insuficiente dos profissionais, segundo a terminologia adotada na escala de avaliação, A literatura aponta que a escolha da veia a ser puncionada é de extrema relevância no sucesso da inserção do cateter, sendo as mais indicadas a basílica e a cefálica(1,11,13-15).
No presente trabalho quase a totalidade dos enfermeiros afirmaram realizar a “mensuração do comprimento do cateter” antes de iniciar o procedimento. Entretanto, para as variáveis “mensuração em membros superiores” e “mensuração em membros inferiores”, o conhecimento foi avaliado, respectivamente, em regular e péssimo. Em estudo semelhante, realizado no município de São Paulo(8), a média do índice de acerto para essas duas variáveis foi de 53,7%, denotando também conhecimento insuficiente.
O desconhecimento do enfermeiro sobre a correta mensuração do cateter é considerado como fator de risco, pois medidas errôneas podem levar ao surgimento de complicações graves, como edemas, arritmias, tamponamento e outras, além de impossibilitar, muitas vezes, a utilização do cateter como acesso central(8).
Em relação à espera da “secagem da solução para antissepsia da pele” antes de realizar a punção, mais de 90% dos enfermeiros afirmaram realizar sempre tal prática. Entretanto, quando questionados sobre a frequência de “antissepsia dos conectores” antes de manipular o cateter, menos da metade respondeu sempre realizar tal atividade. O enfermeiro, além de realizar a inserção do PICC, também é o responsável pela manutenção desse dispositivo. Assim, deve conhecer a importância da aderência às normas de prevenção de infecção hospitalar e aplicá-las na execução do procedimento, a fim de diminuir os riscos de eventos adversos(8,12).
O aumento de infecção da corrente sanguínea relacionada ao cateter está relacionado, dentre outros aspectos, à ausência de capacitação da equipe de enfermagem no cuidado diário ao cateter(16). Por isso, o Centers for Disease Control and Prevention recomenda que todos os profissionais que manuseiem os dispositivos tenham capacitação de alto nível, educação permanente sobre as diretrizes internacionais e nacionais para a prevenção de infecção relacionada ao cateter(1).
Em relação à variável “localização da ponta do cateter”, os respondentes apresentaram conhecimento regular, indicando dificuldade significativa na identificação do posicionamento adequado da ponta do cateter, principalmente quando a inserção ocorre pelos membros inferiores. Sobre a frequência que certificam o “posicionamento do cateter através de radiografia” antes de iniciar a infusão de soluções, menos da metade dos enfermeiros responderam realizar essa prática. A ponta do cateter, quando mal posicionada, pode trazer sérias complicações, podendo levar a um quadro letal de efusão pericárdica, tamponamento secundário à perfuração miocárdica e arritmia cardíaca(16).
As principais vantagens da utilização do PICC são a confiabilidade do acesso, menor risco de infecção em relação a outros dispositivos vasculares centrais, preservação dos demais acessos venosos, redução do estresse consequente a múltiplas punções, inserção menos traumática, menor risco de flebite química e extravasamento de fluidos, maior tempo de permanência e redução dos custos(11). Autores de um estudo realizado em um hospital universitário no Brasil apontaram que, quando questionados sobre as vantagens desse cateter, o nível de acerto médio dos enfermeiros foi de 87,5%, denotando um bom conhecimento(13). Esse achado não condiz com o do presente estudo, no qual as variáveis “vantagens gerais do uso do epicutâneo” denotaram um conhecimento péssimo. Porém, destaca-se que os questionários utilizados em ambos os estudos foram diferentes, o que pode comprometer a comparação dos mesmos.
A boa permeabilidade do PICC até o final da terapia é um dos pilares no cuidado do paciente e no processo de trabalho da enfermagem, evitando a retirada precoce do cateter(1). Nessa pesquisa, para a variável “permeabilidade”, o conhecimento foi denotado muito bom, com índice médio de certo superior a 90%.
A variável “necessidade de troca do curativo” obteve um índice médio de acerto superior a 80%, o que denota um bom conhecimento. No estudo todos os enfermeiros relataram realizar a troca do curativo sempre que necessário. Ressalta-se que a troca do curativo deve ser realizada com técnica asséptica, quando a película transparente perder sua aderência ou sua integridade não oferece segurança ao paciente ou com intervalo máximo de sete dias(14).
No presente estudo, a variável “complicações decorrentes do epicutâneo” denotou um conhecimento ruim. Estudo desenvolvido em Recife apontou que 79,8% dos enfermeiros demonstraram conhecer as principais complicações do PICC, o que corresponde a um conhecimento regular, compreendido entre 70 e 79% de acertos(11). As complicações potenciais que podem levar à remoção não eletiva desse cateter são infiltração, extravasamento, flebite, obstrução, infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter, infecção do sítio de inserção, embolia, migração da ponta, tração acidental, arritmias, tamponamento cardíaco, ruptura do cateter, trombose e edema de membros(15-16).
Neste trabalho, mais de 70% dos enfermeiros relataram realizar o analgesia com glicose hipertônica antes da inserção do PICC. Entretanto, trata-se de um evento doloroso, conforme observado em estudo desenvolvido na Unidade de terapia Intensiva neonatal de um hospital de ensino de grande porte de São Paulo que avaliou 28 neonatos submetidos à inserção do PICC e mostrou que 71,4% dos neonatos apresentaram escores na escala de avaliação de dor Premature Infant Pain Profile indicativos de dor moderada a intensa como resposta à punção venosa e com menor intensidade durante a progressão da ponta do cateter. Porém, os resultados evidenciaram que as práticas assistenciais de analgesia e sedação durante o procedimento de inserção do PICC ocorreram em menos da metade das inserções em neonatos(11).
Nos cursos de capacitação, orienta-se para a elaboração de termo de consentimento formal e escrito, com linguagem simples, que deve ser aplicado acompanhado de explicação verbal do enfermeiro e, ao final, deve ser assinado. Entretanto, neste trabalho, apenas 9,1% dos enfermeiros relataram solicitar o consentimento dos pais antes da inserção do PICC e 40,9% relataram nunca solicitar tal consentimento. Estudo semelhante, realizado em unidades de terapia intensiva neonatal e pediátrica do município de São Paulo, mostrou que o conhecimento do sobre a importância da obtenção do termo antes do início da técnica obteve índice de acerto de 77,5%, denotando conhecimento regular(8).
Autores verificaram que, de 156 enfermeiros, 5,8% faziam uso do consentimento informado por escrito - resultado similar ao encontrado no presente estudo. Os enfermeiros participantes atuam em UTI e, frequentemente, nesse cenário de trabalho, muitas intervenções são realizadas sem conhecimento dos familiares, que são comunicados apenas posteriormente. O PICC não deve ser inserido em situações emergenciais devido aos inúmeros riscos apresentados e, dessa forma, o enfermeiro tem a possibilidade de realizar as orientações antes da inserção(8).
Por fim, ressalta-se que essa pesquisa apresentou como fator limitador o número amostral relativamente reduzido. Ou seja, não há uma amostra com comprovada representatividade da população de enfermeiros das unidades de terapia intensiva pediátrica e neonatal. Ressalta-se, entretanto, que todos os turnos de trabalho foram contemplados, a fim de se evitar potencial viés.
É de suma importância que os profissionais de enfermagem tenham conhecimentos sobre os aspectos que envolvem o uso do PICC, além dos riscos aos quais os neonatos submetidos a tal procedimento estão expostos, a fim de utilizarem medidas de prevenção, controle e detecção das possíveis complicações. A existência e a utilização de protocolos que direcionam a prática de enfermagem no emprego desse cateter visa padronizar condutas e melhorar a qualidade na assistência, o que se torna fundamental para o êxito da prática com o PICC(11,13).
Em unidades de terapia intensiva, é fundamental que haja incentivo constante dos profissionais para manter o entusiasmo dentro de um setor de alta complexidade, a fim de que a prática do tecnicismo não se sobreponha ao humano. A educação permanente é uma alternativa para o preenchimento de lacunas do conhecimento técnico científico e prático, uma vez que oportuniza a discussão sobre o cuidado de enfermagem ao paciente com PICC, proporcionando reflexão e atualização da prática(1,13).
CONCLUSÃO
O presente estudo aponta as fragilidades do conhecimento dos enfermeiros acerca da inserção e manuseio do PICC. Os resultados mostraram que o tempo de atuação dos enfermeiros em unidades neonatais e pediátricas mostrou diferença estatisticamente significativa no conhecimento sobre “posicionamento do paciente para mensuração do comprimento do cateter” e “Equipamentos de Proteção Individual preconizados para a troca de curativos”, sendo a maior proporção de acertos pelos enfermeiros com menor tempo de atuação.
O uso do PICC requer conhecimento, destreza e habilidade no seu manuseio pela equipe de enfermagem. Para um melhor desempenho e segurança na inserção e manutenção do cateter é requerida a capacitação e a educação permanente dos profissionais, estratégias que visam qualificar a assistência. Espera-se que esse estudo possa contribuir para nortear a capacitação dos enfermeiros, visando uma assistência segura às crianças e neonatos que utilizam esse dispositivo.
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Recebido: 30/08/2018
Revisado: 18/02/2020
Aprovado:18/02/2020