CONVITE EDITORIAL

Formação audaciosa do enfermeiro-cientista*


Margareth Santos Zanchetta1, Walterlânia Silva Santos2, Ingryd Cunha Ventura Felipe1, Stephanie Lucchese1

1Universidade Ryerson
2Universidade de Brasília

RESUMO

A ciência da Enfermagem inclui o manejo do pensamento crítico contemporâneo para a apropriação de inovações da tecnologia. Este aspecto é intrínseco à formação do enfermeiro e nos remete aos binômios ensino-aprendizagem, criatividade-intuição e teoria-prática. A Enfermagem, desde sua origem, tem seus marcos conceituais com as complexidades da realidade. A perspectiva ampliada de tal complexidade e do caos sistêmico clama por uma nova identidade do enfermeiro como produtor de conhecimentos, revolucionando e concretizando seu papel na sociedade. Para tanto, democratizar o conhecimento sobre metodologia de pesquisa, desmistificando-a como uma prática exclusiva de poucos, resultaria em despertar a paixão pela pesquisa. Com quem? A nova geração de graduandos deve se conscientizar que no mundo atual da internacionalização da educação universitária, oportunidades existem, mas somente aqueles que estejam prontos para delas se apoderarem podem alcançar conquistas profissionais.

Descritores: Enfermagem; Ciência; Pesquisa.


A ciência da Enfermagem inclui o manejo do pensamento crítico contemporâneo para a apropriação de inovações da tecnologia. Este aspecto é intrínseco à formação do enfermeiro e nos remete aos binômios ensino-aprendizagem, criatividade-intuição e teoria-prática. E falar apenas que não adotamos o modelo bancário de educação, não é suficiente; já que precisamos avançar no modus operandi do diálogo educador/educando. Tal avanço se transfere no contexto de tutoria para a formação científica do enfermeiro perito no pensar, fazer e relatar feitos científicos(1,2).

O que mais nos importa em tais avanços na configuração do novo pensamento crítico, clínico e científico? Poderia ser o pensamento sistematizado, guiado pela lógica biológica em harmonia com a curiosidade científica? As respostas precisam ser: tudo e também. Se parecem ser respostas sucintas, vale lembrar que a Enfermagem, desde sua origem, tem seus marcos conceituais com as complexidades da realidade. O compromisso social para lidar com os contextos de vida e saúde, não se resume a promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Assim, a perspectiva ampliada de tal complexidade e do caos sistêmico clama por uma nova identidade do enfermeiro como produtor de conhecimentos, abandonando a identidade de simples usuário de conhecimento para se concentrar na formação do enfermeiro-cientista, qualquer que seja a conjuntura de sua prática, revolucionando e concretizando seu papel na sociedade.

Para tanto, democratizar o conhecimento sobre metodologia de pesquisa, desmistificando-a como uma prática exclusiva de poucos, resultaria em despertar a paixão pela pesquisa. Com quem? A nova geração de graduandos deve se conscientizar que, no mundo atual da internacionalização da educação universitária, oportunidades existem, mas somente aqueles que estejam prontos para delas se apoderarem podem alcançar conquistas profissionais. Contudo, proporcionar condições que incentivem a curiosidade científica significa não privilegiar a busca por “fast-food solutions” na internet. Acreditamos que tais condições sejam flexíveis, como leitura de fontes primárias, discussão com pares, reflexão após leituras com parceiros intelectuais, frequentar outros espaços acadêmicos, políticos e de vida comunitária e, ainda, estabelecer contatos com pesquisadores de outras disciplinas.

Navegar em espaços físicos e virtuais, hoje e nos anos vindouros, requer, no mínimo, o conhecimento de um segundo idioma. Fazer com que a Enfermagem científica brasileira seja parte do movimento da Enfermagem Global significa falar, ler, publicar e contestar em outro universo linguístico e cultural. Esse aprendizado favorece também as parcerias internacionais, buscadas não apenas pelo Brasil, para responder às exigências do mundo científico atual.

Hoje, pesquisas internacionais usam inovações da comunicação (Twitter, Whatsapp, Facebook, Instagram, dentre outros) para favorecer a conexão de pesquisadores e pesquisados, redesenhando o compromisso da profissão com a clientela, alcançando-a onde quer que esteja para investigarmos suas realidades. Essas novas exigências globais instigam o futuro enfermeiro-cientista para um olhar macro da realidade envolvida e também provocam nos docentes a consciência de se reinventarem para o uso de outros idiomas e de tecnologias na área da educação e saúde. Assim, o discurso de que a teoria é diferente da prática não tem coerência nem pertinência, pois a prática historicamente tem inspirado o pensamento teórico. Hoje, os movimentos são bidirecionais: a prática aprimora a teoria e a teoria desafia novas práticas. Tais movimentos não são antagônicos ao saber da Enfermagem. Ciência requer observação refinada. Sabemos sobre a observação acurada e do consequente registro minucioso. Portanto, estamos sendo educados para refinar nosso potencial e espírito de cientista captando a realidade. Em muitos países, o término da graduação não garante o domínio de conhecimentos para a formação do enfermeiro-cientista, pois, aprender a ciência em Enfermagem requer envolvimento em diversos ambientes acadêmicos e extramuros.

Portanto, a formação do enfermeiro-cientista precisa ser instituída como plano de carreira (individual), e não somente como seguimento do curso de graduação. Curiosidade pode levar ao investimento na autoaprendizagem e busca de alternativas que fortaleçam o estreitamento de cada indivíduo com o conhecimento científico almejado.

No contexto latino-americano, espera-se que o mesmo nível de interesse, atenção e rigor seja aplicado ao domínio e ao refinamento metodológico. Sabe-se que o foco aguçado pelo marco conceitual, por vezes, oblitera a visão crítica sobre o rigor metodológico que caracteriza o cientista socialmente reconhecido. Dessa forma, deve constituir um objetivo capital para a formação do enfermeiro-cientista, ultrapassar essa fragilidade para consolidar nossa imagem na comunidade internacional de enfermeiros pesquisadores. Abandonar o conforto do pensamento conceitual e se aventurar nos meandros das estratégias do rigor metodológico também reflete o ensino transformador que, dentre suas características, precisa ser ousado.

Apesar dos desafios reconhecidos, a Enfermagem brasileira encontra-se em uma posição particularmente favorável. Valorizamos e executamos o trabalho em rede, promovemos o diálogo acadêmico entre graduandos e pós-graduandos de Enfermagem, temos institucionalizada a tutoria em iniciação científica, advogamos uma forma de liderança cidadã(3), e somos peritos em transformar a vida de quem adota a Enfermagem pautados no ensino transformador(4). Ainda que não devidamente documentado, sabemos do movimento tímido e crescente dos contatos internacionais feitos por docentes e discentes brasileiros na Enfermagem, buscando parcerias em pesquisa, oportunidades de aperfeicoamento profissional e de estágios de pesquisa.

Por cumprir, nos resta fortalecer a prática da ciência da Enfermagem, iniciada por Florence Nightingale no século XIX, para investigar o mesmo objeto de pesquisa em diferentes contextos, ângulos e perspectivas. Por isso, por meio deste editorial, compartilhamos o resultado do diálogo entre os autores, antevendo como transferir para o Brasil práticas de tutoria em pesquisa com graduandos canadenses de Enfermagem. Pensamos em futuros pontos de interconexão para sensibilizarmos os graduandos e inovarmos em iniciação científica.


REFERÊNCIAS

  1. Bailey A, Zanchetta M, Pon G, Velasco D, Wilson-Mitchell K, Hassan A. The audacity of critical awakening. In: Gingras J, Robinson P, Waddell J, Cooper L., editors. Teaching as scholarship: Preparing students for professional practice in community services. Toronto: Centre for the Advancement of the Scholarship of Teaching and Learning. Wilfrid Laurier Press; 2016. p. 59-73.
  2. Bailey A, Zanchetta M, Velasco D, Pon G, Hassan A. Building a scholar in writing (BSW): A model for developing students’ critical writing skills. Nurse Educ Pract. (Online) [internet]. 2015 [Cited 2018 Jun 20] 15(6). Available from:http://dx.doi.org/10.1016/j.nepr.2015.07.008.
  3. Zanchetta M, Tocantins F, Holmes D. Pourquoi pas? Similarités et écarts du leadership social au sein de la profession infirmière à Montréal et à Rio. L’infirmière. 2003; (3): 18-21.
  4. Zanchetta M, Bailey A, Kolisnyk O, Baku L, Schwind J, Aksenchuk-Metersky K, Mehari N, et al. Mentors’ and mentees’ intellectual partnership through the lens of the Transformative Learning Theory. Nurse Educ Pract. 2017; 25: 110-20. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28609686 Doi: 10.1016/j.nepr.2017.05.009.

*Baseado em conferência proferida por Zanchetta, M. Science and innovation in nursing: Investing in the transformation of students and teachers. First International Symposium on Science and Innovation in Nursing. Federal Fluminense University, Niterói, Rio de Janeiro-Brazil. June 14th, 2018.