Demandas de mulheres no climatério na Estratégia Saúde da Família: estudo descritivo
Mayara Ribeiro Maciel¹, Giovanna Thayla Caetano de Lima², Mariana Costa Conde², Thais Cordeiro Parauta², Bruna Lopes Saldanha², Adriana Lemos²
1 Universidade Federal do Rio de Janeiro
2 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Objetivo: conhecer as principais demandas de mulheres no climatério, atendidas na Atenção Primária à Saúde, a partir dos relatos dos profissionais de saúde. Método: pesquisa de caráter descritivo com abordagem qualitativa desenvolvida em uma unidade de Estratégia Saúde da Família do município do Rio de Janeiro. Através de um roteiro de entrevista semiestruturado foram entrevistados 17 profissionais de saúde, entre médicos e enfermeiros, finalizando a coleta com a utilização da técnica de amostragem por saturação teórica. As entrevistas foram tratadas por meio da análise de conteúdo temático-categorial. Resultados: as demandas foram: problemas conjugais, perda de libido, dispareunia, ressecamento e atrofia vaginal. Conclusão: recomenda-se atualização dos profissionais quanto aos conceitos e aos aspectos relacionados ao climatério, visando que suas ações atendam essas mulheres integralmente. Implicações práticas: a atenção à saúde deve considerar questões do âmbito da sexualidade para poder contribuir para a saúde sexual das mulheres na fase do climatério.
Descritores: Climatério; Sexualidade; Saúde Sexual; Atenção à Saúde
O que se sabe? |
Climatério é definido como “uma fase de transição na vida reprodutiva da mulher” |
Contribuição ao que se sabe? |
As demandas sobre sexualidade vão além de aspectos fisiológicos da fase reprodutiva |
OBJETIVO
Conhecer as principais demandas de mulheres no climatério, atendidas na Atenção Primária à Saúde, a partir de relatos dos profissionais de saúde.
MÉTODO
Pesquisa de caráter descritivo com abordagem qualitativa, definida como o método de pesquisa que aborda questões que não podem ser quantificadas, como os significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes de um indivíduo(1), similarmente, questões do âmbito da sexualidade estão repleta de valores, significados e experiências diversas, igualmente não quantificáveis.
A pesquisa foi realizada em uma unidade de Estratégia Saúde da Família localizada na zona sul do município do Rio de Janeiro, com 17 profissionais de saúde, sendo estes enfermeiros e médicos. Os critérios de inclusão adotados foram: estar em exercício de atividades assistenciais por pelo menos seis meses no cenário do estudo.
A coleta de dados se deu por meio de um roteiro de entrevistas semiestruturado no período de dezembro de 2016 a janeiro de 2017. As entrevistas foram registradas por um gravador, mediante autorização prévia dos informantes, e posteriormente transcritas na íntegra. O roteiro foi composto por três partes: caracterização dos profissionais; questões de conhecimentos gerais sobre saúde sexual, documentos do Ministério da Saúde e atividades realizadas na Unidade; e questões específicas ao objeto de estudo.
Para justificar a finalização da coleta de dados, utilizou-se a técnica de amostragem por saturação teórica(2), sendo realizada saturação de dados a partir da entrevista de número 11, corroborando com a literatura presente sobre a técnica. A partir da saturação, inferiu-se que a amostra da pesquisa estava adequada, encerrando, assim, o trabalho de campo.
A análise das entrevistas foi realizada através da análise de conteúdo, descrita como: “conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (qualitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens”(3), com suporte da análise de conteúdo temático-categorial, sistematizada pelo modelo de Oliveira(4).
Após leitura flutuante, foram levantadas hipóteses provisórias do conteúdo analisado e, então, iniciada a análise temática com a escolha das Unidades de Registro (UR) por meio de frases. Assim, seguindo as etapas propostas pelo método, após a escolha das UR foi realizado o levantamento do tema ou Unidade de Significação (US). A análise categorial iniciou-se a partir da determinação e quantificação dos temas encontrados, sendo agrupados e originando as categorias apresentadas e consideradas pertinentes, segundo a sua frequência de ocorrência(4). Quanto às demandas femininas, segundo os profissionais entrevistados, encontraram-se 95 UR que, organizadas em 16 US, originaram três categorias: Demandas psicológicas relacionadas ao climatério; Demandas fisiológicas relacionadas ao climatério; e Solicitação de exames e tratamento.
A presente pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa-UNIRIO e da SMS/RJ com Pareceres nº 541.462 e nº 608.201, respectivamente, observando-se a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde(5). Participantes foram esclarecidos quanto à justificativa, objetivos e metodologia do estudo, bem como o respeito ao anonimato dos envolvidos. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foram identificados através das letras maiúsculas E (para enfermeiros) e M (para médicos) seguidos de números arábicos, de acordo com a ordem de realização das entrevistas.
RESULTADOS
As entrevistas foram realizadas com 17 profissionais, sendo 13 (76%) do sexo feminino e 4 (24%) do masculino. Dentre os participantes, 12 (71%) tinham idades entre 24 e 34 anos e cinco (29%) entre 37 e 54 anos. Quanto ao tempo de formação, 10 (59%) profissionais possuíam entre um e cinco anos de formação, seis (35%) deles entre seis e 12 anos e um (6%) referiu cerca de 20 anos de formação. Em relação ao tempo de atividade profissional na ESF, 11 (65%) possuíam entre nove meses e quatro anos trabalhando na ESF e 6 (35%) entre seis e doze anos.
Quanto às demandas, observou-se que apenas cinco eram diretamente relacionadas ao campo da saúde sexual (problemas conjugais, perda de libido, dispareunia, ressecamento vaginal, atrofia vaginal), enquanto a maioria era referente ao próprio período do climatério. Os informantes descreveram que as mulheres, ao procurarem a Unidade de Saúde, geralmente não mencionavam de imediato uma demanda relacionada à saúde sexual, mas que essa demanda surgia ao final da consulta ou após o questionamento do profissional.
Primeiro, assim, que elas geralmente não chegam falando em relação à saúde sexual. Elas chegam com outras queixas que dão indício que elas estão entrando no climatério e quando a gente faz essas perguntas específicas, sobre se está tendo dificuldade pra ter relação, se está sentindo mais sequinha, se diminuiu a vontade de ter relação, aí elas acabam soltando. (M1) – [05/12/2016]
Tem muitas que começam, geralmente vem falando que é a queixa da menstruação, aí acaba que no finalzinho aparece “Ah, também não tô conseguindo mais ter relação, não sei o que”, muitas acontecem na coleta de preventivo, porque às vezes a enfermeira tem até mais acesso do que a gente, que ela colhe mais que a gente. E aí ela chega pra colher preventivo e fala “Ah, tá muito ressecado, não tô conseguindo ter relação, agora tá doendo, não tá, e tal” (M2) – [14/12/2016]
Na categoria das demandas psicológicas relacionadas ao climatério, as queixas quanto à alteração do humor (9 UR) e aos problemas conjugais (6 UR) foram os temas que os profissionais de saúde relataram como sendo os mais frequentes entre as mulheres. Segundo eles, as alterações fisiológicas próprias do climatério, como o ressecamento vaginal e a dispareunia, dificultam a relação sexual e, somado à labilidade emocional, colaboram para que a mulher e o parceiro se desentendam.
A maior queixa delas assim, é basicamente a coisa do ressecamento, do calor, do desconforto, entendeu? E assim, ao mesmo tempo que elas perdem um pouco do interesse sexual, os maridos não e nem sempre elas têm essa compreensão por parte deles, entendeu? (E6) – [10/01/2017]
(...) e aí uma ou outra vêm a questão reclamando de ressecamento vaginal, e às vezes muito a questão também do problema familiar, que elas apresentam muito também, né? Que aí é quando começa a se indispor muito com o marido, né? Alguns problemas conjugais e a gente tem que lembrar dessa questão da sexualidade também. (M4) - [17/01/2017]
A respeito das demandas fisiológicas relacionadas ao climatério, as mais citadas foram a dispareunia (18 UR), os fogachos (14 UR), a perda de libido (12 UR) e o ressecamento vaginal (9 UR).
Na categoria relativa à solicitação de exames e tratamento, foi abordada a demanda das mulheres na realização de exames como preventivo, dosagem hormonal, mamografia e tratamento com terapia hormonal.
Elas ficam, é um momento de preocupação, de descoberta na verdade, elas estranham muito tudo aquilo, na verdade a mulher quer saber se é normal, entendeu? Se ela tá doente, se não tá, entendeu? Ela quer saber quando esse processo todo vai passar, se não vai passar, entendeu? Gera um pouco de ansiedade. Então, assim, a demanda em geral é muito no que consiste nesse ponto que eu estou trazendo pra você, é basicamente isso que a gente recebe. Querem fazer checkup, fazer exame, saber se tá tudo bem, se tá tudo dentro do normal, é isso. (E6) – [10/01/2017]
Elas às vezes vem com uma demanda de querer... ouviam muito sobre a história da reposição hormonal e que tinha que fazer e tal, e às vezes você explica que hoje em dia não é mais assim, não faz mais a reposição hormonal da maneira que era feita antigamente e que pode não ser benéfica pra ela, mas tem algumas que acham que tem que fazer, que vai ser melhor e tal e querem que você dê um jeito nos sintomas, coisa que nem sempre tem como você fazer. (E3) – [07/12/2016]
DISCUSSÃO
Os resultados mostraram que a estrutura familiar, bem como o apoio do cônjuge, poderia fazer com que a vivência desse período transcorresse de melhor maneira, pois as mudanças ocorridas em seu corpo podem influenciar a maneira como vê sua vida sexual, principalmente considerando que a vivência da sexualidade não se refere apenas a uma vida sexual ativa, mas também a uma vida sexual segura e prazerosa. Quando não há afeto e compreensão nas relações sociais, principalmente com o parceiro, ocorrem lacunas na realização pessoal da mulher(6).
Existem ainda outros fatores importantes que podem ocorrer durante esse estágio, como filhos que podem se mudar, além das mudanças na vida sexual do casal que podem ser estressantes e demandarem um processo adaptativo da mulher, tornando-a mais sensível e necessitando de apoio familiar e profissional, visto que esses fatores estressores podem vir a resultar em risco de episódios depressivos(7).
Os profissionais mencionaram uma grande procura das mulheres por exames com o intuito de compreender as mudanças em seu corpo, porém, autores apontam que transformar os signos da menopausa em sintomas torna as mulheres mais vulneráveis à medicalização, habilitando-as a pensar a menopausa como um processo patológico(8).
Dentro deste contexto, há a utilização de terapia hormonal, uma modalidade de tratamento que, embora indicada com frequência há alguns anos, apresenta evidências científicas mostrando que deve ser utilizado de maneira criteriosa devido às contraindicações definidas. Os efeitos colaterais possíveis incluem dor nas mamas, cólicas, alterações de humor e retenção de líquido(9). Entretanto, os participantes relataram que a procura pela terapia hormonal ainda é frequente.
Logo, observa-se a necessidade de que a mulher compreenda melhor esse período da sua vida, para que não busque a medicalização de seu corpo como única solução para os sintomas do climatério. Nesse momento, é essencial a participação do profissional de saúde com orientações, inclusive antes do período do climatério, para que a mulher saiba que os sintomas são fisiológicos e que há outros meios de reduzir os seus impactos na sua vida. Dentre estes meios estão as atividades físicas e uma mudança nos hábitos alimentares, que trazem resultados positivos tanto para a melhora dos sintomas próprios ao climatério, como também para um bem-estar físico e psíquico da mulher. (10).
Além disso, inferiu-se que há uma tentativa dos profissionais de inserir um novo meio de acolhimento e manejo da mulher que busca o atendimento em período de climatério, orientando-a. Muitas vezes, no entanto, o desafio torna-se a própria mulher que busca o atendimento apenas para a medicalização ou exames que justifiquem seus sintomas.
Nesse sentido, o profissional de saúde é essencial para acolher e atender a mulher visando não somente o seu corpo, mas sim sua totalidade, quanto às inúmeras questões que permeiam sua vida. Essa percepção é essencial para olhar essa mulher para além dos sinais e sintomas apresentados por ela durante o climatério, promovendo a melhora da sua saúde como um todo, incluindo a saúde sexual.
CONCLUSÃO
As demandas das mulheres incluem aspectos psicológicos e sociais para além das questões fisiológicas comuns ao climatério. As principais relacionadas ao campo da saúde sexual são problemas conjugais, perda de libido, dispareunia, ressecamento e atrofia vaginal. É necessário que profissionais prestem atenção à pacientes mulheres em sua integralidade.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
A atenção à saúde de mulheres no climatério deve considerar não somente aspectos fisiológicos deste período, mas também os psicossociais. Incorporar questões do âmbito da sexualidade poderá contribuir para a saúde sexual das mulheres nesta fase de transição de suas vidas, contribuindo para uma melhora da qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
1. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13.ed. São Paulo - Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco; 2010.
2. Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro. 2011 fev.; 27(2):389-394.
3. Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70; 2008.
4. Oliveira DC. Análise de Conteúdo Temático Categorial: uma proposta de sistematização. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro. 2008, out/dez.; 16(4):569-76.
5. Ministério da Saúde (Br). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF); 2012.
6. Santos S, Golçalves R, Azevedo E, Pinheiro A, Barbosa C, Costa K. The experience of women’s sexuality in climacteric. Revista de Enfermagem da UFSM. 2014; 4(1):113-122.
7. Santoro N, Epperson CN, Mathews SB. Menopausal Symptoms and Their Management. Endocrinology and Metabolism Clinics of North America. 2015; 44(3): 497–515.
8. Giron MN, Fonseca TC, Berardinelli LMM, Penna LHG. Repercussions of the climateric among nurses – an exploratory study. Online braz j nurs [Internet]. 2012 November [Cited 2018 Apr 29]; 11 (3):736-50. Available from:
https://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3862.
9. Ministério da Saúde (Br). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008.
10. Alves E, Calazans J, Ferreira A, Leite G, Barboza K, Dias M. Association between record gynecological-obstetrics and climacteric symptoms. Revista de Enfermagem da UFSM. 2013; 3(3):490-499.
Financiamento
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ); e bolsa de iniciação científica (IC) pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
PARTICIPAÇÃO DOS AUTORES NA PESQUISA
Mayara Ribeiro Maciel – Concepção, coleta e análise de dados
Giovanna Thayla Caetano de Lima – Análise e discussão dos dados obtidos
Mariana Costa Conde – Coleta e análise de dados
Thais Cordeiro Parauta – Coleta e análise de dados
Bruna Lopes Saldanha – Coleta e análise de dados
Adriana Lemos – Concepção, Análise, Aprovação final
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recebido: 19/06/2018
Revisado: 19/02/2019
Aprovado: 21/03/2019