ARTIGOS DE REVISÃO

Percepções e fatores associados à hipertensão arterial em populações indígenas: revisão integrativa


Márcia Cristine Pires Travassos1, Mitsi Silva Moisé1, Noeli Neves Toledo1

1Universidade Federal do Amazonas

RESUMO

Objetivo: Identificar nas produções científicas da literatura nacional e internacional as percepções e fatores associados à hipertensão em populações indígenas. Métodos: Revisão integrativa da literatura, realizada nas bases de dados LILACS, PUBMED e Web of Science, nos meses de novembro e dezembro de 2017, com um recorte temporal de dez anos. Resultados: Foram identificados dez artigos em conformidade com os critérios estabelecidos. Desses, seis foram publicados em português; e sete são estudos transversais. A prevalência da hipertensão entre os diferentes grupos étnicos variou de 2,8% a 46,2% e os principais fatores de risco associados à hipertensão entre indígenas foram o comportamental e o socioeconômico. Observou-se que a percepção e crença sobre o surgimento da hipertensão relaciona-se à mudança na alimentação, ao acesso a alimentos industrializados e à dificuldade de enfretamento da doença. Conclusão: As tendências atuais relacionadas aos níveis pressóricos apontam a necessidade de uma atenção integral ao indígena no processo saúde-doença.

Descritores: População Indígena; Saúde da População Indígena; Hipertensão; Fatores de Risco; Percepções.


INTRODUÇÃO

As mudanças no processo saúde-doença das populações indígenas é um reflexo de profundas transformações nos contextos demográfico, político, social e econômico no Brasil(1,2). Semelhante ao quadro epidemiológico mundial, o País evidencia uma queda nas prevalências de doenças infectocontagiosas e um incremento das taxas de morbimortalidade por doenças crônicas não transmissíveis na população geral(3).

Nessa conjuntura, nota-se que doenças consideradas até pouco tempo ausentes nas populações indígenas, como a hipertensão arterial sistêmica (HAS), mostram-se com uma tendência de crescimento na prevalência(4,5), porém sem mostrar redução nas taxas de doenças infectocontagiosas e parasitárias(6). Mesmo que de forma sutil, o aumento nos índices de HAS em indígenas configura-se como um grave problema de saúde pública(7).

Estudos realizados na década de 1950 e 1960 mostraram que a pressão arterial entre os indígenas no Brasil estava entre os níveis médios e baixos, não havendo neste período registro de hipertensão, mesmo com o avançar da idade(7,8). No entanto, a partir da década de 1990 os primeiros casos da doença começaram a ser identificados e estudos mais recentes têm revelado que algumas etnias mostram prevalências cada vez mais altas, chegando a superar as das populações não indígenas(7).

Fatores como a expansão das fronteiras nacionais, diminuição dos territórios indígenas e degradação ambiental parecem estar contribuindo de alguma forma para essas alterações(4). Ao afetar os meios de subsistência, a população indígena tem ficado em uma condição de vulnerabilidade, pois, práticas tradicionais como caça, pesca e agricultura vêm sendo abandonadas por não haver terras suficientes, enquanto que a economia monetária e o trabalho assalariado vêm ganhando novos espaços(7,9). Da mesma forma, as influências do contato interétnico têm promovido consideráveis mudanças nos eixos econômico, social, cultural e ambiental, contribuindo para que novos hábitos de vida sejam incorporados pelas comunidades indígenas, e, por consequência, para o surgimento de novos problemas de saúde, como as doenças crônicas não transmissíveis, em especial a HAS(1,7,9).

Conforme a Sociedade Brasileira de Cardiologia, a HAS é uma doença multifatorial, responsável pelos altos índices de morbimortalidade e internação, configurando-se como o principal fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e renais(10,11). Dentre os fatores associados à doença encontram-se os de ordem genética, socioeconômica, ambiental e comportamental, com destaque para o excesso de peso, inatividade física, padrão alimentar inadequado, etilismo e tabagismo(10,11).

Diante disto, observa-se que as tendências atuais apontam para a necessidade de uma atenção integral à população indígena. Estando o enfermeiro inserido nos mais variados âmbitos da sociedade no processo de cuidar do outro e da coletividade, ressalta-se que um olhar diferenciado desse profissional precisa ser direcionado para atender às demandas e especificidades desta população, seja na educação, prevenção, promoção e reabilitação da saúde(9,10).

Considerando-se que a prevalência da HAS tem aumentado entre os indígenas originando demandas para os serviços de saúde, justifica-se conhecer a percepção e fatores associados à doença nesses grupos étnicos, o que poderá contribuir para o desenvolvimento de estratégias de prevenção para doenças cardiovasculares presentes nesta população. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi identificar nas produções científicas publicadas na literatura nacional e internacional as percepções dos indígenas acerca da hipertensão e os fatores associados à hipertensão na população indígena do Brasil.

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura de estudos que ancoram a temática sobre as percepções e fatores associados à hipertensão em populações indígenas. Optou-se por este método por considerar que a revisão integrativa permite a síntese de estudos sobre um determinado tema, possibilita integrar resultados de diversas metodologias, favorecendo o entendimento do fenômeno analisado, proporcionando a possibilidade da aplicabilidade dos resultados encontrados os quais são significativos à prática de cuidado à saúde(12).

Para a realização do estudo foram percorridas as seguintes etapas: formulação da questão e dos objetivos da revisão; estabelecimento de critérios para seleção dos artigos; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão/síntese do conhecimento(12). Nesse sentido, para direcionar a revisão integrativa teve-se a construção da questão norteadora de pesquisa a partir da estratégia PICO para estudos não experimentais, onde abordou-se apenas PIO, uma vez que a pesquisa não pretende a comparação. Assim, definiu-se como P (paciente/contexto) = população indígena, indígena, Brasil; I (intervenção ou exposição) = hipertensão; e O (resultado e/ou desfecho) = percepções e fatores associados(13). Estas definições resultaram na seguinte questão de pesquisa: Quais as percepções dos indígenas e os fatores associados à hipertensão arterial em povos indígenas do Brasil?

Para a seleção dos estudos, realizou-se uma busca nos meses de novembro e dezembro de 2017 nas revistas publicadas e armazenadas nas bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed) e Web of Science. Os dados foram levantados a partir do cruzamento de descritores controlados e não controlados, os quais estão apresentados no Quadro 1.

Quadro 1- Cruzamento dos descritores a partir da estratégia PICO. Manaus (AM), 2017

Quadro 1

Fonte: Autores (2017).

Para a inclusão dos estudos na amostra foram considerados os seguintes critérios: artigos que abordassem a hipertensão em povos indígenas brasileiros, disponibilizados na íntegra, publicados no período 2007-2017, com resumos disponíveis, nos idiomas português, espanhol ou inglês e estivessem de acordo com a questão de pesquisa. Foram excluídas publicações duplicadas, editoriais, artigos de reflexão e aqueles com impossibilidade de acesso gratuita.

Para favorecer a validação da seleção das publicações para análise, foi realizada a leitura criteriosa em par (peer review) dos títulos e resumos, resultando em 15 artigos elegíveis. Posteriormente, os estudos selecionados foram lidos na íntegra e avaliados quanto ao atendimento à questão de pesquisa e se estavam de acordo com os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos. Os artigos que se repetiram em mais de uma base de dados foram incorporados à base em que primeiro apareceu na pesquisa. Assim, após a aplicação dos critérios de inclusão, leitura na íntegra, identificação, análise e categorização, considerando-se as ideias centrais de cada estudo, foram selecionados dez artigos, os quais compuseram a amostra.

Para a extração e análise crítica dos dados foi utilizado um roteiro conformado pelas seguintes variáveis: título, autores, ano de publicação, periódico, método, nível de evidência, bases de dados, local do estudo e resultados relacionados a percepções e aos fatores associados à hipertensão em indígenas.

O nível de evidência atribuído aos artigos baseou-se na categorização proposta por Fineout-Overholt et al.(14):

nível I - evidências resultantes de metanálises ou revisões sistemáticas de ensaios clínicos; nível II - evidências de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; nível III - ensaios clínicos bem delineados sem randomização; nível IV - estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; nível V - revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; nível VI - evidências baseadas em um único estudo descritivo ou qualitativo; nível VII - opinião de autoridades ou relatório de comitês de especialistas.

Por fim, as informações foram analisadas e comparadas pela aproximação dos temas abordados nos estudos contemplados, constituindo-se em duas categorias temáticas: Hipertensão arterial na população indígena: fatores associados” e “Percepções e crenças dos indígenas acerca da hipertensão arterial”.

RESULTADOS

O fluxograma da Figura 1 exemplifica de forma detalhada e esquemática a seleção da amostra final, composta por dez artigos, a partir das recomendações do PRISMA. No que se refere ao idioma, não foram encontrados estudos em espanhol que discorressem sobre as populações indígenas brasileiras, havendo um equilíbrio entre os artigos selecionados: 4 (40%) foram publicados em inglês e 6 (60%) em português. Quanto à distribuição geográfica das etnias estudadas, nota-se que as publicações foram realizadas predominantemente nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, mas destaque-se um estudo de base populacional de abrangência nacional realizado com mulheres indígenas (n=6.605) que vivem nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul/Sudeste.

Figura 1: Fluxograma de estratégia de busca e seleção dos artigos. Manaus (AM), 2017

Figura 1

Fonte: Autores (2017).

Em relação ao corte temporal, observou-se que 8 (80%) dos estudos foram publicados entre os períodos de 2013 e 2016, havendo um predomínio de pesquisas com delineamento do tipo transversal (nível de evidência VI), ainda que o melhor nível de evidência encontrado foi para um estudo de coorte (nível de evidência IV).

Em relação à faixa etária, a maioria das publicações considerou os indígenas adultos de ambos os sexos, com idade acima de 18 anos. No que se refere à classificação da pressão arterial, 7 (70%) dos estudos consideraram como critério diagnóstico para a hipertensão arterial valores da pressão arterial sistólica (PAS) ≥140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) ≥90 mmHg; um estudo considerou a hipertensão tendo em vista o ponto de corte ≥ 130/85 mmHg; e dois estudos não especificaram critérios de classificação para a HAS. No que se refere à mensuração da pressão arterial, 4 (40%) dos estudos utilizaram a técnica oscilométrica e outros 4 (40%) adotaram a técnica auscultatória. A prevalência global de HAS entre os diferentes grupos étnicos variou de 2,8% a 46,2%. Tais informações podem ser observadas no Quadro 2.

Quadro 2: Descrição das publicações selecionadas de acordo com autor, revista, ano, etnia, local, amostra dos participantes, prevalência da hipertensão, tipo de estudo e nível de evidência. Manaus (AM), 2017

Quadro 2

Fonte: Autores (2017).

*Ponto de corte para o diagnóstico da hipertensão arterial: PAS ≥ 130 mmHg e/ou PAD ≥ 85 mmHg **Ponto de corte para o diagnóstico da hipertensão arterial: PAS ≥ 140 mmHg e/ou PAD ≥ 90 mmHg

Observa-se, na Tabela 1, que os fatores comportamentais e socioeconômicos foram associados à hipertensão na maioria dos estudos analisados, sendo a obesidade/excesso de peso o fator de risco modificável mais mencionado, seguido do baixo nível escolar. Em se tratando de fatores não modificáveis, a idade elevada e o sexo masculino destacaram-se em 60% e 40% das publicações identificadas, respectivamente.

Tabela 1

Fonte: elaborado pelos autores

Em se tratando das percepções e crenças, verificou-se que a os povos indígenas relacionam a HAS, sobretudo, à dificuldade de enfrentamento da doença, à mudança nos hábitos alimentares e à facilidade de acesso a alimentos ricos em gordura e sal, conforme descrito na Tabela 2.

Tabela 2

Fonte: elaborado pelos autores

DISCUSSÃO

Após a análise e interpretação dos dados dos estudos primários, este estudo sintetizou o conhecimento produzido, pautado em duas categorias discutidas a seguir:

Categoria 1 - Hipertensão arterial na população indígena: fatores associados

Esta categoria retrata principalmente os fatores que estão associados ao incremento da prevalência da HAS em povos indígenas no Brasil. Conforme demonstrado na Tabela 1, nove estudos associam a hipertensão a fatores comportamentais, dentre os quais encontram-se o excesso de peso/obesidade, a ingestão de bebida alcoólica, o tabagismo, a alimentação inadequada e o sedentarismo.

Para Massimo et al., as mudanças nos fatores condicionantes socioeconômico, cultural e ambiental acarretam transformações nas formas de organização da sociedade, potencializando as mudanças de comportamento(3). Nesse sentido, fatores como restrições territoriais, esgotamento de recurso materiais, incremento da atividade remunerada, facilidade de acesso a alimentos industrializados e o contato com os não indígenas são fatores contribuintes para um estilo de vida que tem propiciado o aumento das doenças crônicas não transmissíveis, como a HAS, nas populações indígenas brasileiras(16,17,19). Esses dados são consistentes com os resultados de um estudo de revisão sistemática que relacionou a vulnerabilidade das populações tribais na Índia a fatores que contribuem para a mudança no estilo de vida e consequentemente para o aumento nos índices de prevalência da hipertensão ao longo de três décadas, motivada pelas relações interétinicas(20).

No Brasil, um estudo cujo objetivo foi avaliar a prevalência da HAS na população indígena brasileira salienta, em seus resultados, que o processo de ocidentalização é fator preponderante para o aumento dos casos da doença, tendo em vista as mudanças nos hábitos culturais, estilo de vida e econômicos, com destaque para a transição nutricional, pela inserção de sódio, gorduras e produtos industrializados na dieta, os quais potencializam o surgimento de doenças cardiovasculares, indicando, dessa forma, a real necessidade de vigilância e controle desses fatores de risco(5).

Influenciados pela ocidentalização, os estudos revelam que a obesidade, o excesso de peso e o sedentarismo vêm crescendo de forma significativa entre a população estudada, deixando-os suscetíveis a doenças cardiovasculares e outros agravos<sup(1,4,5,16,17)</sup. Tavares et al. afirmam que o aumento de peso é um fator fortemente associado a alterações que ocorrem na pressão arterial<sup(4)</sup. Vale salientar que o sobrepeso e a obesidade foram os principais fatores risco encontrados nos estudos, apresentando maiores resultados em indivíduos do sexo masculino(7,16,17). Este fato pode ser atribuído à redução de atividades físicas diárias, bem como à adesão a uma dieta rica em carboidratos, gorduras e sal(1,5,8,18).

Embora a maior parte dos estudos não tenha demonstrado significância estatística quanto à prevalência de HAS entre os sexos, os resultados mostraram que as maiores alterações nos níveis pressóricos ocorreram principalmente em homens com sobrepeso ou obesidade(1,2,4,7,8,17,18). Entre as mulheres, as maiores médias de pressão arterial foram correlacionadas de maneira positiva com o avançar da idade e a obesidade central, assemelhando-se aos resultados encontrados em mulheres não indígenas(4,7,8,15,16). Um estudo de revisão sistemática realizado com a população não indígena também evidenciou maiores prevalências de hipertensão arterial em pessoas do sexo masculino, achado que pode ser justificado, ao menos em parte, pela atuação do estrogênio no sistema cardiovascular das mulheres(21).

No que diz respeito a prevalência da hipertensão arterial global(7,16,17,19), os estudos apresentam uma variação entre os grupos étnicos, refletindo, deste modo, os diferentes estágios do processo de assimilação da cultura ocidental e as mudanças no quadro epidemiológico. Nesse contexto, destaca-se pesquisa realizada com indígenas Kaingang em Santa Catarina, o qual mostrou uma prevalência global de 46,2% de níveis tensionais sugestivos de HAS, que superou a encontrada em populações não indígenas (25,7%) no ano de 2016(7,22).

Dados similares foram encontrados em um estudo transversal realizado com a população indígena Mura da Amazônia, mostrando alta prevalência de hipertensão arterial (26,6%), bem como a presença de seus fatores associados: o excesso de peso, a inatividade física, o consumo de bebidas alcoólicas, o colesterol alto e o tabagismo estavam presentes em mais de 20% da amostra estuda. Menciona, ainda, que essa prevalência também pode ter relação com a expansão agrícola, perda territorial e migração para áreas urbanas(23).

Neste mesmo cenário, pesquisas realizadas com as etnias Surui e khisêdjê, em momentos distintos, evidenciaram um pequeno aumento nas médias da PAS e PAD, com significância estatística apenas para a PAS com o sexo feminino e com o avançar da idade. Embora baixos, os resultados mostram um incremento nas médias da pressão arterial(4,16).

Apesar de apenas dois estudos abordarem o sedentarismo(2,8) como fator associado à hipertensão entre os indígenas, nota-se que todos as publicações foram unânimes em mencioná-lo como fator de risco contribuinte para a predisposição da HAS. O consumo de bebida alcóolica e o tabagismo foram citados por dois e um artigo, respectivamente, mas sem mostrar correlação com a hipertensão arterial(2,17). Sobre isso, Oliveira et al. recomendam uma avaliação mais apurada, já que esses hábitos constituem-se fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares(17).

Tendo em vista a problemática envolvendo o consumo de bebida alcóolica, um estudo realizado com 455 indígenas da região Norte, concordando com os achados desta revisão, não mostrou associação aparente com a prevalência da hipertensão. No entanto, este fator merece atenção não apenas por ser fator de risco associado à hipertensão, mas também por ser considerado um problema crônico que afeta as populações indígenas brasileiras(24).

Com relação às variáveis socioeconômicas, estudos mostraram que os indígenas com tempo de estudo até a quarta série e com melhores condições econômicas foram os que apresentaram valores pressóricos elevados(7,17). Por outro lado, dados de outras pesquisas indicaram maior prevalência de hipertensão entre os indígenas da etnia Suruí que tinham baixo nível de escolaridade e renda(4,15). Tal divergência indica a necessidade de maiores investigações sobre estas variáveis.

Dentre os fatores não modificáveis, as publicações evidenciaram que o histórico familiar de hipertensão e a presença de comorbidades como a diabetes, a dislipidemia e a síndrome metabólica se correlacionam positivamente com a elevação da pressão arterial. Esses achados indicam que há maiores chances de desenvolvimento de HAS e de outras doenças cardiovasculares entre os indígenas que apresentam esses fatores(8,16-18).

A tendência crescente da prevalência de hipertensão na população indígena brasileira mostra a necessidade de se iniciar ações preventivas imediatas que possibilitem controlar esse grave problema de saúde e promovam a aceitação e a adoção de hábitos e estilo de vida saudáveis pelos diferentes grupos étnicos(20,23).

Os dados apresentados são consistentes com os resultados encontrados com populações não indígenas, refletindo, desse modo, que a hipertensão é fruto do rápido processo de transição epidemiológica entre os indígenas, condicionado a fatores que estão intimamente relacionados às dificuldades de sobrevivência e às influências que lhes são impostas(10).

As limitações apresentadas pelos estudos incluem o número dos participantes, sendo mais fácil recrutar mulheres, a natureza transversal da maioria dos estudos, os diferentes estágios do processo de ocidentalização e o ponto de corte para a classificação da pressão arterial.

Categoria 2: Percepções e crenças dos indígenas acerca da hipertensão arterial

Conforme o estudo realizado no Mato Grosso do Sul(9), as percepções e crenças dos índios Térena sobre o adoecer de HAS relacionam-se à condição de vida, a contaminações do meio ambiente, à introdução de uma alimentação não tradicional, a feitiços e à inobservância das orientações dos mais velhos. Outros fatores, conforme as crenças das populações em estudo, são o calor, as influências do contato interétnico, a aproximação dos centros urbanos às aldeias, a falta de disponibilidade de terra para agricultura, a quebra de regras relacionadas à alimentação e o acesso a produtos industrializados(9).

Para os indígenas Xerentes, o surgimento da HAS, uma doença considerada nova, está relacionado principalmente às mudanças nos hábitos alimentares e ao modo de preparo dos alimentos. Entre esses indivíduos o alimento possui grande representação: ele é que confere-lhes força vital. Assim, frente aos sinais e sintomas da HAS que impõem dificuldades para a realização das atividades diárias, os indígenas Xerentes atribuem a fraqueza que sentem ao consumo dos alimentos da cidade(2).

Em termos gerais, as percepções sobre o processo saúde-doença do indígena são construídas e interpretadas a partir de suas vivências, considerando o ambiente no qual estão inseridos(2,9). Dessa forma, o indígena busca lidar e compreender a HAS através do seu entendimento de mundo, remetendo diferentes representações sobre a origem da doença, algumas das quais associam-se a questões entendidas como alheias às suas vontades(9).

Segundo os estudos analisados, apesar se haver um entendimento entre os indígenas de que as mudanças que ocorreram nos hábitos alimentares possam estar contribuindo para o surgimento da hipertensão, o alimento possui grande significado tanto para o Terenas como para o Xerentes, pois, além de significar saúde e força vital para realizar as atividades diárias, significa também estar inserido no contexto social(2,9).

No caso dos Terenas, ter em casa um alimento preparado com gordura e sal é sinal de prestígio e força para o trabalho; assim, os fatores culturais influenciam no processo de cuidar e de lidar com a doença, pois, muitas vezes, existe a dificuldade de atender certas restrições recomendadas pelo profissional de saúde, já que a alimentação é comum a todos e simboliza a partilha familiar(9).

Em seu estudo, Gimeno et al. mencionam que a saúde do ser humano está atrelada ao ambiente e às condições de vida da sociedade na qual o indivíduo está inserido(16). Deste modo, é preciso respeitar os elementos simbólicos atribuídos a determinadas culturas, fazendo-se necessário considerar e conhecer os significados construídos sobre o processo saúde-doença e suas formas de enfrentamento, pois, muitas vezes, o modelo biomédico é visto apenas como algo complementar(8). No que concerne aos processos de cura ou prevenção de determinadas doenças, os indígenas consideram primeiramente os saberes locais(9).

CONCLUSÃO

Com base nos estudos encontrados nesta revisão, como fatores associados à hipertensão entre os indígenas brasileiros destacam-se o sobrepeso/obesidade, o baixo nível de escolaridade, o sexo masculino e a idade avançada. A obesidade/sobrepeso, atrelada à alimentação inadequada e ao sedentarismo, foi o fator considerado mais relevante por ter sido associado à hipertensão e pelo ônus à saúde das populações indígenas. Embora não tenha sido encontrada significância estatística entre os sexos, os homens apresentaram pressão arterial mais elevada quando em comparação com os valores pressóricos das mulheres. No que tange às percepções, estas estão intimamente ligadas ao contexto no qual o indígena está inserido, sendo percebida muitas vezes como uma doença alheia às suas vontades e associada principalmente à mudança no hábito alimentar e às condições de vida.

As evidências encontradas mostram a relevância de uma atenção integral e diferenciada para os povos indígenas, considerando sua cultura e conhecimento, bem como a medicina tradicional, o que muito pode contribuir para re-significação de hábitos e estilo de vida, impactando positivamente na prevenção e controle dos fatores de risco cardiovascular, principalmente os modificáveis, como a obesidade, a hipertensão e o diabetes.


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Recebido: 13/03/2018 Revisado: 22/12/2018 Aprovado: 09/01/2019