ARTIGOS ORIGINAIS

Cuidando de quem cuida: um estudo qualitativo baseado na metodologia participativa


Barbara Martins Corrêa da Silva1, Claudia Feio da Maia Lima2, Mirian da Costa Lindolpho3, Thiara Joanna Peçanha da Cruz4, Célia Pereira Caldas5

1Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
2Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
3Universidade Federal Fluminense
4Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
5Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Objetivo: apresentar os resultados de atividades conduzidas por enfermeiros para aprimorar o suporte aos cuidadores familiares de idosos. Método: Trata-se de um estudo qualitativo baseado na metodologia participativa. Foram realizados encontros com doze cuidadores familiares e reuniões de equipe com 8 enfermeiros no período de julho a março de 2016. Os registros das falas foram submetidos à análise de conteúdo. Resultados: os cuidadores expuseram as suas dificuldades, seus dilemas e a contradição entre as políticas públicas e a realidade. Em resposta aos cuidadores, os enfermeiros construíram um plano de ação. Discussão: a problematização da relação entre serviços, profissionais de saúde e população potencializou a rede de suporte aos cuidadores acompanhados no Sistema Único de Saúde. Conclusão: as atividades em grupo são mais que um momento de catarse, elas produzem a interação, o fortalecimento do serviço e contribuem para a promoção da saúde.

Descritores: Cuidadores; Idoso; Cuidados de Enfermagem.


INTRODUÇÃO

Ao tornar-se cuidador de um idoso, há um impacto na vida familiar, social e econômico-laboral(1) do indivíduo. Estatisticamente, 50% dos cuidadores apresentam sobrecarga(2). Este estudo aborda a realidade destas pessoas, a partir da valorização de seu conhecimento e de suas necessidades.

Neste contexto, o enfermeiro está em contato direto com os cuidadores dos idosos, logo, precisa integrar a família no planejamento de seu cuidado. O papel de cuidador é complexo e incorpora diferentes necessidades ao longo do processo(3).

Sabe-se que a facticidade é o aspecto da existência humana que é definido pelas situações em que nos encontramos, as quais somos forçados a  confrontar. Como enfermeiros e profissionais de saúde, precisamos perceber que “cuidar” é assumir a responsabilidade das escolhas feitas. Os enfermeiros devem assumir essa responsabilidade e também entender o quanto esta questão é difícil para o cuidador informal(4).

Destarte, observa-se que as peculiaridades do ser envelhecido traduzem-se em desafios para o profissional enfermeiro, que deve estar apto a atender as singularidades das condições de saúde da pessoa idosa(5) e incluir no seu trabalho a promoção de saúde dos cuidadores familiares de idosos.

Apoiando-se nesta ideia, este estudo parte de uma tese de doutorado desenvolvida no cenário de um serviço público em meio a greves e paralisações. Apesar disso, foi possível desenvolver os encontros com os enfermeiros e cuidadores familiares. Isso mostra que o Sistema único de Saúde, a despeito do sucateamento, ainda é capaz de produzir pesquisas e promover a saúde da população. Portanto, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados de atividades conduzidas por enfermeiros para aprimorar o suporte aos cuidadores familiares de idosos.

MÉTODO

O presente estudo foi realizado em um serviço ambulatorial do Hospital Universitário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sendo aprovado com o número do protocolo CAAE 4449901520005282, em 23 de julho de 2015, atendendo à Resolução 510 de 7 de abril de 2016(6).

Trata-se de um estudo baseado na metodologia participativa. Esse método propõe uma interação com determinados grupos de atores sociais para identificar soluções de consenso e desenvolver ações(7).

O formato atual da metodologia obedece à seguinte estruturação: três momentos que se desdobram em fases e passos(8). O termo ‘momento’ é porque enfatiza o caráter incompleto do conjunto das atividades, as fases são objetivos específicos e os passos, os objetivos operacionais.

A coleta de dados foi realizada no período de julho a março de 2016. Numa etapa prévia do momento investigativo, foi realizada a formação do grupo pesquisador, com a apresentação da proposta do estudo aos enfermeiros e a solicitação do espaço para ser o campo de coleta de dados à coordenação do serviço. Após discussão acerca do desenho do estudo junto à equipe de enfermagem, optou-se pela estratégia de workshop intitulado: “Cuidando de quem cuida”.

Foram realizados 4 encontros na modalidade de workshop, com os seguintes temas: 1) “Como está sua saúde?”; 2) “Reconstruindo projetos de vida”; 3) “Olha a sua coluna!”; e 4) “Superando os desafios”. Os temas foram escolhidos em conjunto com o grupo de enfermeiros, os quais trouxeram a demanda de assuntos que mais suscitam das discussões em grupo. Participaram 12 cuidadores familiares de idosos e 3 profissionais enfermeiros, que estavam no papel de facilitadores da atividade. Não houve perda de dados. Após a realização dos workshops, as falas dos cuidadores foram analisadas e apresentadas ao grupo de enfermeiros na reunião de equipe. Neste encontro, participaram 8 enfermeiros do ambulatório. Tanto os cuidadores quanto os enfermeiros formaram o grupo de co-pesquisadores do estudo, conforme o método da pesquisa-ação.

O critério de inclusão para o grupo de enfermeiros foi o tempo de vinculação no cenário de estudo ≥ 6 meses. Os critérios de inclusão para os cuidadores foram acordados com o grupo de enfermeiros: ser cuidador familiar do idoso no mínimo há seis meses; ter idade ≥ 18 anos; e aceitação voluntária para participar do estudo.

Os depoimentos e produção coletiva dos co-pesquisadores foram registrados por meio de gravador digital, cartazes, fotografias, diário de campo e fichas de descoberta. A identificação se deu por letras e números. As letras PC correspondem ao pesquisador-cuidador (PC1 a PC12) e PE, ao pesquisador enfermeiro PE1 e PE2.

Para análise das falas e produção escrita dos co-pesquisadores durante os workshops, utilizou-se a análise de conteúdo(9). Ao final da análise, foram encontradas duas categorias, cada uma com três subcategorias.

RESULTADOS

As idades no grupo de cuidadores variaram de 59 a 84 anos, sendo 83,33% acima de 70 anos. O sexo feminino predominou, com 66,67% e encontrou-se uma renda familiar de ≤3000,00 reais em 50% da amostra. Quanto à ocupação, 83,33% trabalha fora. Quanto ao vínculo com o idoso, 66% são filhos e 75% compartilham o cuidado com outra pessoa.

No grupo de enfermeiros, havia seis mulheres (duas divorciadas, duas casadas e duas solteiras) e dois homens (um casado e um solteiro). A faixa etária variou de 22 a 60 anos. Em relação ao tempo de vinculação ao serviço, variou de 12 anos a 1 ano e 6 meses. Quanto à formação, havia duas doutoras, um mestre, quatro eram residentes e uma tinha apenas a graduação. Uma doutora tinha pós-graduação na área de saúde mental e os demais enfermeiros tinham pós-graduação em gerontologia.

A análise de conteúdo das falas originou unidades de registros (UR), as quais originaram as subcategorias e estas, as categorias. Das 103 unidades de registros encontradas, 59 originaram a categoria “as dificuldades” e 45 originaram a categoria “perspectivas futuras”. A categoria “as dificuldades” foi subdividida em três subcategorias: “os conflitos” (28 UR); “o cuidado de si e o cuidado ao outro” (23 UR); e “o passado vem à tona” (8UR). Da mesma forma, a categoria “perspectivas futuras” foi subdividida em três subcategorias: “o futuro” (20UR); “adaptações” (17UR); e “superação” (5 UR). Já a análise das falas dos enfermeiros rendeu 107 UR; 36 originaram a categoria “as contradições” e 71 originaram a categoria “propostas de trabalho”.

A categoria “as contradições” foi subdividida em duas subcategorias: “as contradições vivenciadas pelos cuidadores familiares” (22UR) e “as contradições do sistema de saúde pública” (14UR), ao passo que a categoria “propostas de trabalho” foi subdividida em quatro subcategorias: “escuta” (21UR), “resolutividade” (20UR), “novas estratégias” (20UR) e “experiências positivas”(10UR).

Na categoria “as dificuldades”, destacou-se a subcategoria “os conflitos”. Os conflitos estão presentes tanto na relação com o idoso quanto nas relações intrafamiliares, pois a dinâmica da família precisa se ajustar para atender as necessidades de todos os seus membros. As seguintes falas ilustram esta situação:

É a situação deles de aceitar. Se você fala que está dia, ele fala que está noite, parece que eles estão sempre no contrário. Aí depois, fala: pensa que está falando com quem? (PC8 em 2015)

Minha filha falou: “você solta a minha vó.” Eu achei agressivo, desprende-se da minha vó, eu fiquei sem entender, a minha outra filha, falou, “ela disse para você não ficar tão preocupada com o futuro, deixa as coisas seguir o seu fluxo.” Eu achei meio grotesco. (PC4- em 2015)

Ainda nesta categoria, apresenta-se a subcategoria “o cuidado de si e o cuidado ao outro”, que trata da contradição entre precisar de cuidados e ter que cuidar. Esta contradição pode ser observada nas seguintes falas:

Eu tenho muita dor no joelho, às vezes o idoso anda, mas precisa de um apoio, a pessoa que é o apoio fica com dor no local que ele apoia (PC3 em 2015).

Foi muito boa a nossa reunião, me senti fortificada, feliz porque encontrei o caminho e agora daqui para frente irei viver a minha vida. Primeiro eu e depois os outros. Como vocês disseram, temos que estar bem para ajudar os outros (PC8 em 2015).

Por fim, há a subcategoria “o passado vem à tona”. Muito do que se foi é frequentemente trazido para o presente, como se pode verificar nas seguintes falas:

A [...], está com 93 anos, mas sempre foi uma pessoa muito sagaz. A partir do momento que você vê como a pessoa é e vai caindo [...]. Eu tenho 48 anos, sou filha adotiva. Percebi a um ano que ela está com um esquecimento muito grande, as coisas de hoje ela esquece. Aí eu percebi também: como eu ando muito estressada, ando mais esquecida, tenho feito picos hipertensivos, agora sou hipertensa. Eu estou muito esquecida (PC2 em 2015).

A minha mulher era muito ativa, eu tive que aprender a fazer tudo sozinho, ela é nova, tem 60 poucos anos, tenho que ser o porta-voz (PC7 em 2015).

Já na segunda categoria, “perspectivas futuras”, há a subcategoria “o futuro”, que representa a preocupação com o que ainda virá, considerando-se as atuais dificuldades. Esta preocupação com o futuro é representada pelas seguintes falas:

O meu problema maior é no caso da minha falta, tendo em vista que não sou uma pessoa saudável. Sou cardiopata e já me submeti a duas intervenções para colocar stent. Minha esposa está muito dependente. É claro que temos um filho que me ajuda muito, mas ela vê o filho como filho. Então, só penso em quando eu faltar, tendo em vista que eu faço tudo e ela não se preocupa com coisa alguma. (PC7 em 2015)

Se você quiser que a sua mãe seja bem tratada. Clínica .... Eu vou para lá, já está decidido, eu tenho uma casa grande e boa, eu alugo a minha casa e fico por lá. (PC8 em 2015)

Ainda nesta categoria, há a subcategoria “adaptações”, que trata dos ajustes que os cuidadores precisam fazer para dar conta da responsabilidade do cuidado:

A gente não quer sobrecarregar, porque os nossos filhos trabalham e tem filhos. Hoje, por exemplo, para estarmos aqui, ela ficou na casa da minha filha com a empregada. (PC9 em 2015)

Para sair, temos que nos antecipar, por exemplo – ah, eu tenho que sair agora, aí ela vai senta no sofá, você vai ver televisão com ela porque se ela voltar para o quarto ela troca de roupa de novo. (PC10 em 2015)

Finalmente, a subcategoria “superação”, que é a capacidade que o cuidador vai desenvolvendo de reconhecer que há ganhos ao longo do processo de cuidar, embora haja dificuldades e perdas. Este reconhecimento pode ser representado pelas seguintes falas:

Deus tudo vê e tudo sabe. Aceite a Doença de Alzheimer, neste mundo tudo passa. Agradeça a Deus a saúde, a disposição e a chance de cuidar de seu ente querido. É tempo para reflexão e pedir perdão pelos seus erros. Eu amo minha mãe. Não importa como ela esteja. Precisamos dos encontros de cuidadores de idosos. (PC4 em 2015)

A equipe aqui está ajudando muito a enfrentar a situação. (PC1 em 2015)

As falas dos cuidadores familiares foram apresentadas aos enfermeiros na reunião de equipe. A seguir, serão apresentadas as falas dos enfermeiros. A primeira categoria é: “as contradições”:

Acho que mexe com o conceito de virtude. Virtude não é ficar em casa cuidando de alguém, virtude é ter mestrado, doutorado, os conceitos mudaram. (PE1 em 2016)

Enfim é isso, é difícil porque estamos no hospital escola, mas, como é desnorteador um monte de profissionais no mundo que desabou que é a doença, a falta de dinheiro, a dependência, falta de estrutura familiar (PE4 em 2016, em comentário à fala dos cuidadores sobre a rotatividade de profissionais)

Sobre a categoria “propostas de trabalho”, evidencia-se a necessidade de acolhimento, resolutividade às demandas dos cuidadores e a importância da integração família-profissional-serviço, como pode ser observado nas seguintes unidades de registro:

A gente não pode ter medo de verbalizar com o outro, eu percebo muita necessidade de valorização, a gente precisa então ouvir e se colocar diante do outro sem medo de ser piegas. (PE7 em 2016)

Eu potencializei o que cada um tem de melhor, todo cuidador tem algo que pode potencializar, o que é capaz de ser melhor. (PE5 em 2016)

Nós deveríamos ter um centro dia aqui dentro. O cuidador poderia deixar o idoso aqui, ele seria cuidado fazendo estimulação cognitiva enquanto o cuidador saísse e fosse fazer as suas coisas, isso ia deixar ele mais renovado e iria atender às duas demandas: a do idoso e a do cuidador. (PE1 em 2016)

Eu sempre gostei muito da interconsulta, sempre achei que com aquilo ele sai mais seguro. Sabe aquele dia que ele sai e: hoje eu consegui ouvir as pessoas falando a mesma coisa?! Então, eu acho a interconsulta muito valiosa. Em toda a desestrutura que passamos, falta de tempo, greve, falta de dinheiro, enfim, a gente fica tão centrado naquilo e a gente perde o que está ao redor. (PE4 em 2016)

DISCUSSÃO

As subcategorias que emergiram no estudo referem-se a aspectos da saúde mental relacionados à autoestima, autossuperação, memória afetiva, capacidade de adaptação, gerenciamento de conflitos e projeção de futuro. Sabe-se que a prestação de cuidados pode afetar negativamente a saúde mental do cuidador, mas a associação dinâmica das variáveis ​​ainda não está clara(10).

Os resultados encontrados se aproximam dos resultados de outra pesquisa com familiares de idosos, a qual evidenciou que os familiares cuidadores de pessoas idosas com Demência de Alzheimer vivenciam dificuldades de ordem física, mental e social(11). Todavia, outros estudos são necessários para revelar se a sobrecarga do cuidador está mais relacionada aos determinantes sociais ou à personalidade do cuidador.

Sabe-se que a doença de um membro da família implica em aumento dos gastos e reorganização da dinâmica familiar. Mesmo quando há um cuidador contratado, o gerenciamento do cuidado permanece a cargo de um familiar. O impacto das despesas com o idoso para a família varia de uma classe social para outra. Independente disso, sempre haverá uma perda financeira em relação ao período antes da doença. Essa situação implica em uma reorganização do planejamento orçamentário da casa. Entre os gastos, destacam-se os custos médicos diretos envolvidos no processo do tratamento, como medicamentos e transporte para o serviço de saúde; e os custos indiretos, como, por exemplo, o tempo que os cuidadores dedicam-se ao paciente em vez de realizar uma atividade remunerada(12).

Em relação à subcategoria “o cuidado de si e ao outro”, observou-se que a dedicação ao outro se sobrepõe ao tempo designado a si, o que pode desencadear a sobrecarga e o adoecimento do cuidador. Nessas ocasiões, o acompanhamento de enfermagem contribui para o autocuidado de cuidadores, ajudando-os na superação de dificuldades e estímulo ao desenvolvimento de suas potencialidades(13).

Sobre a subcategoria “o passado vem à tona” é preciso destacar que a família é uma unidade em constante transformação e mudança. Por esta razão, o conflito familiar está associado ao desenvolvimento e persistência de inúmeros comportamentos desajustados. Ou seja, há ambientes familiares que se relacionam com a persistência de comportamentos negativos ao longo das gerações. Em contrapartida, aspectos positivos do cuidado podem ser um mecanismo que liga a satisfação com a vida e a sobrecarga do cuidador(13).

No cenário atual, os relacionamentos familiares têm se caracterizado por sua fragilidade, descontinuidade e fragmentação. Essas condições têm produzido uma dinâmica familiar na qual sintomas e sofrimentos psíquicos funcionam, muitas vezes, como mecanismos defensivos do grupo e dos sujeitos. Tais inquietações atravessam as reflexões desenvolvidas neste trabalho. Sendo assim, famílias que não conseguem constituir uma rede de suporte mútuo apresentam mais sofrimento psíquico entre os seus membros(14).

Estes sofrimentos se mostram, em muitas situações, associados a um empobrecimento simbólico que se dá, sobretudo, no interior da família. Por esta razão, questões como constituição do psiquismo, parentalidade, laços e sofrimento psíquico são articuladas e o seu conhecimento contribui não só para a clínica, como também para as intervenções realizadas pelos agentes de saúde pública(1).

A segunda categoria trata das perspectivas futuras. Os cuidadores revelam a preocupação: e se eu morrer antes, quem vai me substituir? Sabendo-se que 10% dos cuidadores são idosos frágeis(15), este questionamento é pertinente. Esta preocupação gera sofrimento, pois há uma incerteza da continuidade do cuidado se também ficar doente. Sobre o tema “adaptações”, observa-se que a presença de membros de diferentes gerações na mesma família pode ser um suporte, no entanto, com limitações relativas ao tempo disponível e preparo adequado para o cuidado ao idoso(14).

Nos workshops, os co-pesquisadores revelaram que contam com outros familiares para o cuidado apenas em determinados momentos, pois há problemas, sobretudo, em relação à disponibilidade de tempo e baixa afetividade na relação. Ao estudar a funcionalidade familiar do idoso com demência, percebe-se que o cuidar se torna mais difícil quando não há uma rede familiar efetiva, tornando as tensões familiares mais evidentes e influenciando a disfunção familiar(15).

Nessa categoria, também emergiram a culpa e a superação. A culpa se relaciona ao que não se consegue fazer e a superação ao que se consegue fazer, sentindo-se realizado. Os enfermeiros perceberam, nas falas, que havia uma polarização de sentimentos, e isso é uma das contradições vivenciadas pelos cuidadores familiares de idosos.

Nos workshops, quando os cuidadores familiares falavam de sua história conflituosa, de mágoas e perdão com o idoso, notou-se que a dependência de cuidados resgata situações do passado e que o cuidar do outro pode desencadear uma nova possibilidade de relação mútua. Para o planejamento e desenvolvimento do cuidado familiar em situação de adoecimento, é relevante o conhecimento acerca do contexto familiar(15).

Quando se trata de pessoas em faixas etárias distintas, cuja convivência se dá sob um mesmo teto, à luz das experiências, dos comportamentos, das personalidades e das diferentes formas individuais de enxergar a realidade, existe uma linha tênue entre suporte e conflito, como resultado da má acomodação de certos valores antagônicos(17). Não obstante, quando o enfermeiro traz a fala “eu potencializei o cuidado”, uma estratégia de transformar as adversidades em algo positivo, torna-se mais capaz de enfrentar os desafios inerentes ao processo de cuidar, respeitando “os talentos” de cada integrante da família. Tanto os cuidadores quanto os enfermeiros perceberam a necessidade do suporte do enfermeiro a fim de mobilizar recursos para um melhor cuidado.

Os enfermeiros reconhecem as dificuldades referentes à estrutura do serviço, mas conseguem vislumbrar um plano de ação para enfrentar as adversidades e produzir um cuidado integral à família.

Em síntese, observou-se que a pesquisa participativa implica em um engajamento político dos atores sociais envolvidos, haja vista que a problematização da relação entre serviços, profissionais de saúde e população potencializou a rede de suporte aos cuidadores acompanhados no Sistema Único de Saúde. Dessa maneira, a relevância social e científica do estudo está em contribuir para a promoção da saúde do idoso e do cuidador, entendendo atenção à saúde na sua integralidade, pois preparar o familiar do paciente para os cuidados no domicílio é uma estratégia de educação e saúde que visa à manutenção ou à melhora do estado de saúde do doente e do cuidador.

Logo, esse trabalho pretende contribuir para a saúde das pessoas, pois ao compreender o processo de envelhecimento como inerente à vida humana, justifica-se o empenho por condições favoráveis ao cuidado familiar.

Por fim, após a análise das falas, elaborou-se um plano de ação em conjunto com os enfermeiros, que incluiu desde a valorização da escuta, a consulta de enfermagem como espaço de troca, pactuação das orientações, até a realização de atividades de promoção da saúde para os cuidadores, com temas abertos em forma de pergunta, dando a possibilidade para a escuta de suas demandas.

Destaca-se como limitação do estudo o cenário ser um serviço especializado ao idoso, retratando uma realidade privilegiada em relação aos cuidadores familiares, que sequer conseguem ter acesso a um serviço de saúde. As greves e paralisações no serviço forçaram uma reorganização do cronograma das atividades. Além disso, os resultados podem variar se o contexto social da família do idoso for diferente.

Observou-se que as adversidades vivenciadas pelos cuidadores familiares de idosos não deixarão de existir, mas há ações que os enfermeiros podem realizar para ajudá-los a superá-las. De uma perspectiva mais ampla para a enfermagem, este tipo de pesquisa pode ser vista como favorável ao enfrentamento de problemas, por meio da melhoria da condução dos processos de trabalho(17).

Nesse sentido, a teoria da Produção Social foi uma base para a compreensão do contexto, pois mesmo sabendo que a situação político-econômica do país afeta a todos, os menos abastados são as pessoas mais dependentes dos serviços prestados pelas instituições públicas(18). Assim, as pesquisas sociais podem contribuir para estimular o sentido de comunidade e a participação, contrapondo-se ao fatalismo em situações de crises socioeconômicas. O sentido de comunidade seria uma estratégia para fortalecimento dos grupos para resolver problemas comuns. Nesse caso, os cuidadores familiares e os enfermeiros estão inseridos em um grupo social maior, que abrange os idosos, os profissionais de saúde e os gestores dos serviços. Essa participação implica certo nível de ativismo e compromisso(19).

Essa teoria permitiu compreender, por exemplo, que a não aderência do cuidador às orientações dos profissionais é uma questão além da conduta individual, pois existe um motivo por trás de sua atitude. Logo, o enfermeiro precisa ampliar o seu olhar para o contexto social que a pessoa vive, a sua história de vida e como ela responde a situações de estresse: se ela enfrenta o problema ou se fica paralisada. Destarte, o gerenciamento do cuidado à pessoa idosa traz a busca por melhores práticas relacionadas ao tratamento, segurança, garantia de direitos e suporte à família(20).

CONCLUSÃO

Com este estudo, foi possível compreender que as atividades em grupo de cuidadores são mais que um momento de catarse, elas produzem um fortalecimento do grupo, do serviço e contribuem para construção de uma rede de suporte. Foi por meio dos problemas apresentados nos workshops que os enfermeiros puderam traçar um plano de ação para responder às necessidades dos cuidadores familiares de idosos.

Desta maneira, afirma-se que a promoção da saúde dos cuidadores familiares e dos idosos, abordando-os de forma integral, dá subsídios para o cuidado domiciliar e enfrentamento dos desafios inerentes ao processo de cuidar. Sendo assim, este estudo é relevante para a enfermagem gerontológica, pois aproxima o ideal que está disposto nas políticas públicas com a realidade dos serviços de saúde, em especial, com a realidade dos cuidadores familiares do Sistema Único de Saúde.


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Recebido: 26/05/2017 Revisado: 22/10/2018 Aprovado: 22/10/2018