Vivência de responsáveis por adolescentes na vacinação contra o papilomavírus: estudo fenomenológico

 

Valéria Conceição de Oliveira1, Mariana Rodrigues da Silva1, Selma Maria da Fonseca Viegas1, Eliete Albano de Azevedo Guimarães1, Deborah Franscielle da Fonseca1, Patrícia Peres de Oliveira1

 

1 Universidade Federal de São João del-Rei

 

RESUMO

Objetivo: compreender a vivência de responsáveis por adolescentes em relação a vacinação contra o papilomavírus humano. Método: estudo de natureza qualitativa fundamentado na Fenomenologia Social de Alfred Schütz. Os dados foram coletados, no período de outubro a dezembro de 2014, por meio de entrevistas com 14 responsáveis por adolescentes que aceitaram ou não a vacinação. Resultados: os significados expressos indicam os motivos para vacinar as adolescentes: para prevenção; para assegurar um futuro melhor à filha; para a filha ser mais saudável. Os motivos porquê de não permitir vacinar as adolescentes foram: faltou informação sobre a eficácia da vacina e a vacina pode incentivar a iniciação sexual precoce. Conclusão: as experiências e os sentimentos vivenciados pelos responsáveis das adolescentes a respeito da vacina contra o papilomavírus humano, associados ao contexto cultural, possibilitaram ou não a ação de vacinar as adolescentes.

DESCRITORES: Vacinas contra Papillomavirus; Saúde do Adolescente; Saúde Coletiva; Enfermagem.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O câncer do colo de útero (CCU) ainda é um importante problema de saúde pública, é o segundo tipo de neoplasia maligna mais comum em todo o mundo, principalmente em regiões menos desenvolvidas. Se ações preventivas não forem implementadas nessas regiões espera-se um aumento de 63% no número de mortes dessa doença em 2025(1,2).

No Brasil, a incidência estimada para 2016 foi de 16.340 novos casos, com um risco estimado de 15,9 casos/100 mil mulheres(3). Dados revelam que todos os anos mais de 270 mil mulheres morrem de CCU, sendo que mais de 85% dessas mortes ocorrem nos países de baixa e média renda, advindas do acesso precário a serviços de saúde para detecção precoce e tratamento(1).

O câncer cervical é o estágio final de infecção não resolvida pelo Papilomavírus humano (HPV), atualmente definido como uma presença persistente do DNA (dexoyribonucleic acid) do HPV em testes repetidos de esfregaços cervicais. A maior parte das infecções pelo HPV se resolve espontaneamente e são assintomáticas. Porém, quando ocorre a infecção persistente por tipos específicos de HPV, sendo mais comuns os tipos 16 e 18, pode acarretar como consequência as lesões pré-cancerosas. Os tipos de HPV 6 e 11 (baixo risco) estão associados ao condiloma acuminado, não a câncer cervical(2).

Desde 2006, a vacina quadrivalente que protege contra os tipos virais 6, 11, 16 e 18, e a vacina bivalente, que oferece proteção contra os tipos 6 e 11, foram licenciadas em mais de 100 países, e à partir de 2012 vêm sendo introduzidas nos programas nacionais de imunização em pelo menos 40 países. Ambas as vacinas apresentam eficácia elevada, tanto na prevenção de infecção persistente com HPV 16 ou 18, quanto na prevenção de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) 2 e 3(2,4).

A vacinação deve acontecer na pré-adolescência e adolescência, visto que nas idades mais avançadas esta intervenção está associada a uma menor relação custo efetividade, devido a maior propensão destas mulheres a exposição prévia pelo HPV(2).  Mulheres sexualmente ativas podem até se beneficiar, mas apenas para a proteção contra subtipos de vírus que ainda não tenham sido adquiridos(4).

No Brasil, a vacina quadrivalente contra o papilomavírus humano foi introduzida no Programa Nacional de Imunização em 2014, na rede pública de serviços de saúde, para adolescentes do sexo feminino de 9 a 13 anos e a partir de 2017 para os do sexo masculino. O imunobiológico está disponível em todas as Unidades de Atenção Primária à Saúde (APS) do Sistema Único de Saúde(5).

Apesar da importância da vacinação contra o HPV observa-se, na mídia e redes sociais, uma resistência por parte de algumas pessoas, contra a vacinação, com algumas polêmicas e discussões das mais variadas, como eventos adversos, sexualidade, entre outros. Para que um programa de imunização seja sucedido é importante que as vacinas sejam seguras e aceitas pela população(6). Fatores logísticos, falta de insumos, profissionais com baixo preparo para trabalhar com a população, dentre outros, comprometem as metas estabelecidas para prevenção de doenças imunopreveníveis, e podem ter impacto negativo na credibilidade desta ação.

Nos Estados Unidos da América, controvérsias sobre a vacinação compulsória contra o HPV, começaram antes de a vacina ser licenciada, quando alguns conservadores religiosos expressaram preocupação de que a disponibilidade de uma vacina contra uma infecção sexualmente transmissível poderia prejudicar as mensagens de prevenção baseados na abstinência. Grupos de defesa da família acreditavam que a obrigatoriedade da vacina constituía em uma tentativa por parte do Estado para forçar uma criança a passar por uma intervenção que poderia ser incompatível com os valores e as crenças religiosas de sua família(7).

Como a vacinação contra o HPV no serviço público do Brasil é recente, existe uma escassez de estudos brasileiros sobre a percepção social da vacina contra o HPV. A relevância deste estudo sustenta-se no fato de possibilitar compreender a vivência dessas mães/responsáveis na circunstância da vacina contra o HPV de seus filhos/netos adolescentes, com base em sua ação no mundo vivido, nas relações sociais estabelecidas e que articulam a decisão ou não de permitir a vacinação, expressando seus sentimentos e sua necessidade de conhecimento sobre o tema.

Tendo em vista a complexidade da temática que envolve a contra o HPV, as seguintes inquietações nortearam este estudo: como os responsáveis vivenciaram a vacinação contra o HPV para adolescentes? Como percebem a abordagem dos serviços de saúde em relação a vacinação contra o HPV? Quais suas expectativas ao aceitar ou recusar a vacinação para o adolescente?

Em face de tais questionamentos, esta pesquisa objetivou compreender a vivência de responsáveis por adolescentes em relação a vacinação contra o papilomavírus humano.

 

MÉTODO

Estudo de abordagem qualitativa, fundamentado na Fenomenologia Social de Alfred Schütz. Este referencial teórico-filosófico permite desvelar o sentido de ser no mundo, de ser-com-o-outro, contextualizado nas relações sociais, na conformação da experiência e da ação, compreendidas como um espaço intersubjetivo, no processo social. Assim, oferece um método sistemático para uma melhor compreensão das dimensões sociais, espaciais e temporais do mundo da vida(8). No presente estudo, as experiências narradas pelos responsáveis de adolescentes culminaram no desvelamento de suas vivências em relação a vacinação contra o HPV de suas filhas/netas. Estas, apesar de inscritas no universo subjetivo das mães/pais/avós de adolescentes, refletem também um sentido social configurado a partir das relações intersubjetivas que estabelecem com os outros no mundo cotidiano.

Entende-se que nesse referencial a realidade é construída pelas pessoas para si próprios, a partir de suas experiências intersubjetivas. A relação social é fundamental na interpretação dos significados da ação humana no mundo cotidiano, cenário onde o indivíduo vive  e sobre o qual tem a envergadura de intervir, transformando-se ininterruptamente e modificando as estruturas sociais(9), o que poderá ser desvelado na vivência dos pais/avós de adolescentes em relação a vacinação contra o HPV. A compreensão do fenômeno estudado, envolveu a análise do comportamento social em relação a uma ação e à experiência vivida e permitiu desvelar suas expectativas em relação ao futuro, além de seu cotidiano no tempo em que elementos que atuam, interagem e se compreendem dentro do chamado mundo social fazem sentido, e são meios para justificar seus fins e como proceder ou viver.

De acordo com essa abordagem fenomenológica, a ação social é baseada em um projeto que o homem propõe-se a realizar e é motivada por objetivos existenciais que apontam para o futuro - "motivo para" - e por razões pautadas em experiências vividas - "motivo porque"(8). Foram identificadas as categorias de análises, de acordo com a Figura 1.

Picture 4

 

Estudo realizado em um município de Minas Gerais, com 100% de cobertura pela Estratégia Saúde da Família (ESF), tendo como cenários da pesquisa seis equipes, com diversidade de território por se tratar de equipes urbanas e duas rurais, com diferenças na produção social da saúde.

Como critério de inclusão, consideraram-se responsáveis por adolescentes no cenário da pesquisa que experienciaram o fenômeno de interesse, neste caso, a vacinação contra o HPV. Os critérios de exclusão foram os pais/avós com transtorno mental ou qualquer outra condição que pudesse interferir na entrevista. Destarte, participaram 14 responsáveis por adolescentes entre eles, nove mães, três pais e duas avós, com idade entre 33 e 60 anos, sendo que, 11 aceitaram a vacinação para a adolescente e três responsáveis não aderiram à vacinação.

Para identificar os responsáveis que não aceitaram a vacinação foi realizado contato com a Secretaria Municipal de Saúde do município que disponibilizou os nomes e endereços. Foram identificados quatro adolescentes que não receberam a vacinação e após contatar e explicar o objetivo da pesquisa três responsáveis concordaram em participar formalmente do estudo. Ressalta-se que houve participação de mães/responsáveis de todas as unidades de ESF.

A obtenção dos depoimentos ocorreu entre outubro e dezembro de 2014. As entrevistas foram realizadas no domicílio dos participantes, em local privativo, após a explicitação dos objetivos da pesquisa. Obteve-se a permissão para o uso do gravador com vistas ao registro, na íntegra, dos depoimentos e sua posterior análise.

As entrevistas tiveram duração média de 40 minutos, norteada pelas seguintes questões: como você vivenciou a vacinação contra o HPV para sua filha/neta? Como você gostaria que essa vacinação contra o HPV tivesse sido abordada? O que você espera do futuro, a partir da sua decisão de vacinar ou não vacinar a adolescente? Para garantir o anonimato e sigilo das informações, os participantes foram identificados pela letra E (entrevistado) seguida pelo número sequencial da entrevista.

O número de participantes não foi preestabelecido, mas definido no momento em que o objetivo do estudo foi alcançado.

A análise dos dados consistiu de um procedimento sistemático para a organização e categorização do material. Seguiram, inicialmente, as etapas de leitura global do depoimento e da extração das unidades de significado, de acordo com a compreensão advinda do senso comum para a descrição do fenômeno.  Estabeleceu-se as etapas de unidades de significado transformadas, convergência e divergência de sentido, concretizando a redução essencial para a existência do fenômeno, baseado na experiência vivida pelos participantes da pesquisa. E por fim, foi efetuada a interpretação e compreensão, que se configuram na discussão dos resultados à luz de Alfred Schütz(8) e de estudos relacionados ao tema.

A pesquisa foi desenvolvida segundo as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, a Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012. Dessa forma, a coleta de dados iniciou-se após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São João del-Rei, Brasil sob o número do parecer 703.819 e CAAE: 31442714.0.0000.5545.

 

RESULTADOS

 

O significado da ação das responsáveis por adolescentes, no contexto de sua vivência sobre vacinação contra o HPV, foi organizado e apresentado nas categorias: “vacina contra o HPV: ação preventiva e segura associada à educação em saúde e ao autocuidado”, “medo de mãe: insegurança frente a doença, à vacina, e aos eventos adversos”.

Vacina contra o HPV: ação preventiva e segura associada à educação em saúde e ao autocuidado

As mães/responsáveis das adolescentes concebem a vacina como uma medida preventiva importante e a preocupação com um futuro mais saudável para as filhas teve influência na adesão das mães à vacina.

 Uma prevenção para o futuro. No futuro ela não vai ter certos “problemas” que tem hoje. O futuro dela vai ser bem mais seguro que o meu. Certos “problemas” que eu tive, ela não vai ter, porque ela vai estar prevenida. É uma prevenção. Ela vai ser uma mãe muito mais saudável do que eu. (E9).

 

É uma prevenção, uma prevenção para a vida futura dela, uma oportunidade que, por exemplo, a minha tia não teve, minha tia morreu com CCU. Então, para ela isso é um ganho porque ela faz parte, ela está no grupo de risco, né [...]? (E11).

 

A mãe expressa o ato de vacinar como um cuidado maternal de oferecer o melhor para a filha.

Eu vejo como prevenção. Nós que somos pais, eu sou mãe de adolescente, o que eu puder fazer para prevenir alguma doença, algum mal que possa vir a chegar até minha filha, eu acho que vou fazer meu papel de mãe [...]. (E13).

 

Entre os motivos que demarcaram a decisão de vacinar, descritos pelos participantes da pesquisa, está o da vivência de câncer na família e a indicação de vacinar pelo pediatra.

Pelo fato de ter casos de câncer na família, CCU, câncer de intestino, minha irmã faleceu, e a outra foi CCU, com 27 anos, acho (foi o motivo para decidir vacinar) [...]. (E10).

[...] inclusive minha filha é acompanhada pelo pediatra e ele já tinha sugerido que ela tomasse, mas na época ainda era pago, não tinha saído de graça na rede pública, e eu já estava pensando em dar ela essas doses da vacina. Aí depois veio de graça na rede pública, eu já estava pensando em aplicar ela particular mesmo, e veio de graça, então foi isso que me levou a consentir [...]. (E13).

 

O interesse da adolescente para ser vacinada, também, teve influência na aceitação dos pais:

[...] ela tomou por livre e espontânea vontade e ficou assim bem entusiasmada com a vacina, ia ter vacina para ela tomar, ela mesmo teve a iniciativa de querer tomar, então nem obriguei, não fui eu que obriguei ela ir “lá” e tomar a vacina [...]. (E1).

 

Foi identificada a confiança da mãe na proteção oferecida pela vacina, por ser preparada, analisada e testada antes de ser indicada para uso humano.

[...] nunca que solta uma vacina que ela “num” é protetora, porque primeiro faz ali as pesquisa, olha tudo primeiro né [...]? (E2)

 

Responsáveis reafirmaram a importância da vacina no controle de doenças e citaram a experiência exitosa da vacina contra a paralisia infantil, como no dizer abaixo:

[...] vai salvar, eu acho que salva muito. Uma vacina, a doença pode até vim igual muita doença vem né? Mais ela cai maneira, ela não cai como é para ela vim. Num é isso? Igual você vê, aquela vacina da paralisia, hoje você num vê mais menino “parado” aí [...]. (E2).

 

Foi denotado que somente medicamento não é suficiente. O contexto do diálogo pais e filhos, da orientação, do cuidado, se fazem relevantes:

[...] mas, não é só através de remédio e de medicamento que nós vamos ter saúde. E nossos cuidados também pessoal [...]. (E5).

 

[...] se orientasse melhor, e principalmente a sociedade, se orientasse os pais também, porque não é fácil, a gente sabe que não é, um pai sentar com um filho e conversar isso claramente, abertamente com ele, mas acho que ainda é a melhor opção de se conversar, de orientar, para ter uma orientação boa e saber o que ela vai assumir através da vida sexual dela [...]. (E14).

 

 

 

Medo da mãe/pai/avó: insegurança frente à doença, à vacina e aos eventos adversos

A opção de não vacinar as adolescentes foi argumentada pelos responsáveis pelo medo de vacinar e dos eventos adversos. O fácil acesso a internet e à informação desperta a autonomia, mas, também, o medo que influencia na decisão de não vacinar.

 [...] eu também já ouvi falar muito que esses médicos conceituados, eu vi pela internet que outros países que deram a vacina, muitas meninas tiveram “problemas”. Inclusive uma teve até paralisia no corpo inteiro por causa dessa vacina. Então, eu não entendo porque que o Brasil está trazendo essa vacina se outros tiveram “problemas” com ela [...]. (E7).

 

[...] nós percebemos também através das nossas leituras, das nossas pesquisas que, no Japão ela foi até abolida, o estado estava oferecendo a vacina e eles tiraram, pelos problemas que tiveram. Foram mais de dois mil casos lá de contraindicações da vacina que deu problema, teve até morte, então por este aspecto aí, percebemos que a vacina não seria uma coisa tão bacana para uma menina de doze, treze anos que é a idade da nossa filha, então nós preferimos não deixa-la tomar [...]. (E14).

 

Outro argumento consistiu na crítica à idade de início de administração da vacina, relacionando ao incentivo à vida sexual precoce e, sobretudo, as atitudes de falta de cuidado em relação ao sexo seguro pelos adolescentes, por julgar que a vacina por si só já garanta proteção:

[...] isso aí para mim é um incentivo paras meninas entrarem mais cedo no sexo. Porque com nove anos, eu acho que nenhuma adolescente. Hoje em dia pode até que ter alguma, mas, os pais que são responsáveis de verdade pelos filhos, nunca vão acontecer isso de nove anos ter sexo. Para mim com nove anos é uma criança. Então, eu não concordo com a vacinação [...]. (E7).

 

[...] acho que o adolescente de treze, de onze a treze anos se ela não tivesse essas orientações, ela vai se deixar influenciar sim, ela vai perceber que ela já está protegida e que não vai ter problema mais, e que pode usufruir do sexo da forma que bem entender e muitas vezes de forma muito errada [...]. (E14).

 

Depoentes expressam dúvida em relação à eficácia e efetividade da vacina, entretanto, preferem assumir o risco do que o sentimento de culpabilização por não realizar o cuidado da imunização, como na fala a seguir:

[...] então você esta tendo a oportunidade dela receber uma vacina, talvez você nem saiba se aquela vacina vai mesmo surtir o efeito necessário, mas tendo a oportunidade de receber, você vai correr o risco, ela não receber e depois você ficar com a consciência pesada de que não fez o que tinha de ser feito [...]? (E13)

 

Em contraponto, outras mães optaram por não vacinar as filhas por medo da vacina não ser eficaz.  Referem-se à informação veiculada via internet que influenciou na decisão de não vacinar:

[...] sobre a vacinação eu não concordo. Não concordo, porque eu vi na internet que alguns médicos até conceituados falando que não... Não tem garantia de eficácia. E outros já falaram que se tiver é só uma por cinco anos e olhe lá. Então aí eu já não concordo, porque também vacinar agora e no ano que vem vai ser com nove anos? Diz que vai passar para nove anos. Então eu acho totalmente erradíssimo [...]. (E7).

 

Acerca da aceitabilidade uma entrevistada relata a necessidade de resultados satisfatórios da segurança e eficácia da vacina na prevenção da doença por meio de pessoas que já foram imunizadas e foram protegidas da doença:

[...] mostrasse um exemplo que... uma pessoa que tomou e garante que com essa vacina teve resultado. Para que mostre a certeza para nós de que realmente essa vacina vai valer para muito e muito tempo [...]. (E5).

 

Um pai também acredita que haja interesse obscuro por trás da vacinação e isso o deixa inseguro na decisão de vacinar.

[...] a gente fica assim meio com o pé atrás sobre isso também, qual o interesse por trás disso, dessas vacinas? É muito questionamento que, às vezes, a gente fica assim, não dá segurança para a gente [...]. (E14).

 

 

DISCUSSÃO

 

Considerando a relevância de vacinar e o contexto da comunicação eficaz e da educação em saúde para intervenções efetivas na prevenção de riscos e agravos, os resultados deste estudo contextualizam essas tipificações nos constructos vividos e experienciados no cotidiano.

São considerados dois tipos de motivos para o comportamento social, de acordo com a sociologia fenomenológica: aqueles que envolvem a ação e a finalidade, que são os “motivos para”, e aqueles que assumem o cenário dos atores, o ambiente, a disposição psíquica são os "motivos porquê"(8).

Os motivos para, dados pelos participantes deste estudo, no sentido de vacinar as adolescentes contra o HPV foram: para prevenção; para assegurar um futuro melhor à filha; para a filha ser mais saudável; para fazer o seu papel de mãe. Os "motivos porquê" que fundamentam a decisão de vacinar as adolescentes foram: o câncer na família; a indicação do pediatra para vacinar; a vacina ser de graça na rede pública; o interesse da adolescente para vacinar; a confiança na proteção e fabricação da vacina; a vacina salva da doença; a vacina acabou com a doença paralisia infantil; os riscos de vacinar para não assumir a culpabilização de não vacinar. E os "motivos porquê" de não permitir vacinar as adolescentes foram: faltou informação sobre a eficácia da vacina; a vacina pode incentivar a iniciação sexual precoce; o que está por trás dessa vacinação? Está muito obscuro. Estes motivos de não vacinar as adolescentes são compreensíveis às pesquisadoras por meio da ponderação do sujeito(9).

Dessa forma, os constructos primários exprimem o sentido da atitude natural do mundo da vida desses participantes da pesquisa, que detêm conhecimentos do senso comum, das informações buscadas, transmitidas e interpretadas à luz das experiências vividas e contextualizadas em ambiente social, uma vez que um exprime anseios e percepções que outros reafirmam ou indagam.

Os fatores envolvidos na aceitabilidade da vacina pelos pais estão relacionados a capacidade crítica frente aos conhecimentos sobre a vacina, a idade da vacinação, a forma de como abordam a educação sexual, medo dos eventos adversos e a falta de confiabilidade em uma nova vacina(10).

Pesquisa realizada com mães que recusaram a vacinação, demonstrou que elas apresentavam conhecimento mais desprovido sobre o CCU, principalmente a relação com o HPV e a atividade sexual. Houve um consenso geral de que a vacina tinha "saído do nada” e, portanto, os efeitos colaterais a longo prazo não poderiam ser previstos(11). Além da desconfiança de que uma vacina muito cara estava sendo oferecida gratuitamente e, portanto, poderia ser de baixa qualidade ou sendo testada nas meninas como parte de um ensaio clínico de vacina(12).

A preocupação com a faixa etária, efeitos negativos da vacinação como a promiscuidade e a preocupação com a segurança da vacina como, por exemplo, efeitos colaterais, também foram fatores influentes na recusa da vacinação(11,13).  

Em um estudo realizado nos Estados Unidos da América, a percepção dos autores foi que, para a maioria das mães que recusaram a vacina, o motivo resultou em uma combinação de baixo risco devido ao estilo de vida imposto pelo judaísmo relacionado a crenças sobre sexo antes do casamento e a preocupação por ser uma vacina nova e seus efeitos poderem vir a ser apresentado a longo prazo(14). Isso ilustra que os pais erroneamente percebem a vacina contra o HPV relacionada e necessária somente se houver atividade sexual(13). Alguns pais consideraram que a vacina contra o HPV seria uma forma de dar “carta branca” às relações sexuais e enfraquecer as práticas de autocuidado(10).

Destarte, podemos notar que o modo como se aborda um assunto polêmico como a vacinação contra uma doença sexualmente transmissível pode interferir ou não no processo decisório de vacinar. Muitas das mães, ambas que aceitaram ou recusaram, pensaram que a vacina estava sendo oferecida em uma idade muito jovem, expressando a opinião de que suas filhas não eram sexualmente ativas e algumas mães estavam preocupadas em discutir questões sexuais com suas filhas nessa idade(10,13). Os responsáveis não se sentem preparados para abordar sexualidade com os adolescentes e, acreditam que o melhor seria que os profissionais o fizessem no ato da vacinação(12).

Ao identificar as razões nas quais os adolescentes não eram vacinadas contra o HPV, a falta de segurança dos pais em relação à vacina foi um dos principais motivos(10). As doenças imunopreveníveis estão se tornando menos comuns e com isso as preocupações dos pais são direcionadas para a segurança e a necessidade das vacinas(11,14). Entretanto, os riscos da vacinação são conhecidos desde os primórdios de seu uso, porém, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, o foco ainda se concentra em manter altas coberturas vacinais e a questão da segurança das vacinas não teve a mesma atenção dispensada pelos países desenvolvidos(4). O aconselhamento pré-vacinação deve ir além dos benefícios da vacina e dos riscos relacionados à doença, precisa considerar as dúvidas, os medos e os riscos de eventos adversos graves(14).  

As decisões dos pais também são feitas em um contexto mais amplo de crenças sobre a saúde dos filhos, as experiências pessoais, as normas percebidas, e a confiança nos sistemas de saúde e nos profissionais. A posição dos pais é o ponto de partida para os profissionais de saúde escolherem a estratégia de comunicação mais adequada. Naturalmente estas irão variar de acordo com as necessidades, circunstâncias individuais e crenças(10).

Pesquisa aponta que há mais aceitabilidade à vacina quando se tem mais informação, aconselhamento de profissionais de saúde ou familiares(13), por isso, faz-se importante a comunicação e educação em saúde, para que os pais se sintam mais seguros diante de uma nova vacina e dispostos a questionar e retirar dúvidas que podem surgir com novas medidas preventivas.

Salienta-se que, apesar de abranger a vivência de responsáveis sobre a vacinação contra o HPV, no cotidiano considerando a socialidade, essa não é uma realidade absoluta para todos que estão convivendo com a vacinação de adolescentes contra o HPV, indicando a necessidade de outras abordagens em realidades distintas, o que pode ser apontado como uma limitação do estudo. Não obstante, os resultados obtidos proporcionam importantes elementos para o planejamento de ações que visem a atender às necessidades específicas desses responsáveis.

A informação, que ainda é incipiente sobre a vacina contra o HPV, a importância de se vacinar, o que é HPV e o modo de transmissão, são noções que devem ser compartilhadas no dia-a-dia com a população pelos profissionais de saúde e, especificamente, os da enfermagem que são protagonistas na sala de vacina.

O “medo da mãe” fica claro na sua posição de mulher cuidadora e protetora, ao manifestar dúvidas sobre a segurança e a eficácia da vacina. Esta investigação alerta para os aspectos que transcendem a organização dos serviços e das ações de prevenção das doenças imunopreveníveis, como uma das prioridades no âmbito do SUS.

Espera-se que o sistema de saúde, constituído por instituições, profissionais e a sociedade civil, esteja preparado para responder sobre as deficiências e os conflitos que impactam nas atividades do cotidiano do cuidado em saúde, principalmente no enfoque preventivo de riscos e agravos e promocional da saúde, que é direito de todos.

 

CONCLUSÃO

 

Os resultados do presente estudo possibilitaram compreender a experiência das mães/pais/avós na conjuntura da vacina contra o HPV de seus filhos/netos adolescentes. Foi possível apreender o modo como estes responsáveis lidam com a vacinação, em seu cotidiano, diante da insegurança frente à doença, à vacina e aos eventos adversos. Este enfoque amplia a discussão sobre a falta de informação e de conhecimento dos leigos sobre a vacinação contra HPV.

Ao mesmo tempo, foi possível caracterizar atitudes e comportamentos típicos desses responsáveis. Suas experiências configuram um sentido social, pois tais responsáveis pertencem a um grupo social, com suas individualidades, sentidos, sentimentos e noções.

A vacina contra o HPV, proteção para infecções pelo HPV, foi garantida para as adolescentes na faixa preconizada, como uma resposta do Estado como direito à saúde, diante de uma necessidade vivida ou manifestada pela população feminina, o CCU. Essa medida relevante é compreendida pelos responsáveis por adolescentes, por um lado, como uma ação preventiva necessária para o controle da doença, e por outro, como algo (des) necessário que fere crenças, culturas, estilo de vida na ponderação de alguns participantes da pesquisa que não aceitaram a vacinação.

 

REFERÊNCIAS

 

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Recebido: 18/05/2017

Revisado: 15/01/2020

Aprovado:15/01/2020