A liderança exemplar na perspectiva de enfermeiros do atendimento pré-hospitalar: estudo descritivo
Daniele Ellen Grivol¹, Andrea Bernardes¹, André Almeida de Moura¹, Ariane Cristina Barboza Zanetti¹, Carmen Silvia Gabriel¹
1 Universidade de São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
Objetivo: Identificar e analisar os aspectos relacionados às práticas da liderança exemplar na perspectiva de enfermeiros do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), distinguindo a autopercepção desses profissionais enquanto líderes e caracterizando a percepção da liderança exercida por enfermeiros integrantes de suas equipes. Método: Estudo descritivo, realizado com enfermeiros do SAMU Regional dos 26 municípios de um Departamento Regional de Saúde do interior de São Paulo. A coleta de dados ocorreu mediante aplicação das versões EU e OBSERVADOR do Leadership Practices Inventory (LPI). Resultados: Considerando as versões do LPI, as avaliações dos participantes atinentes ao comportamento do líder apresentaram diferenças mínimas em comparação com suas autoavaliações. Contudo, os respondentes se autoavaliaram positivamente na maior parte das práticas que delineiam a liderança exemplar. Conclusão: As práticas da liderança exemplar mostraram-se presentes no comportamento dos enfermeiros que atuavam no SAMU, despontando como competências imprescindíveis aos enfermeiros do atendimento pré-hospitalar.
Descritores: Enfermagem; Emergências; Liderança.
INTRODUÇÃO
A liderança é uma competência que tem sido bastante exigida dos profissionais de saúde, no mercado de trabalho, em especial dos enfermeiros(1). O exercício da liderança, embora complexo, é essencial à organização do trabalho, exige preparo, criatividade e determinação(2).
Dentre os diversos cenários de atuação da enfermagem, enaltecem-se as unidades de urgência e emergência. Nesse contexto, a liderança torna-se fundamental no trabalho do enfermeiro, seja no exercício da arte de cuidar ou no gerenciamento da equipe e suas condições de trabalho(3).
Entre os serviços responsáveis pelo atendimento de urgência e emergência destaca-se o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), cujo princípio consiste em atender os quadros agudos no primeiro nível de atenção, fora do ambiente hospitalar. Trata-se de um serviço gratuito, acionado publicamente de qualquer lugar do território nacional pelo telefone 192, estando integrado à Política Nacional de Atenção às Urgências por meio da Portaria GM/MS nº 1.864/2006(4).
Nesse serviço, denominado Atendimento Pré-hospitalar (APH), enfermeiros, técnicos de enfermagem e coordenadores ou responsáveis técnicos compõem o quadro de profissionais da enfermagem(5).
Ressalta-se que as unidades de emergência são locais que necessitam de uma rápida assistência perante as queixas dos pacientes e, para que o cuidado ocorra com qualidade, faz-se imprescindível a presença de uma equipe qualificada, com aptidão na esfera da comunicação e capacidade para a tomada de decisões assertivas, uma vez que possui a incumbência de prestar cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica em pacientes graves e com iminência de morte(4).
Dessa maneira, no serviço de urgência e emergência, a liderança é um item essencial para a eficiência do trabalho da enfermagem, podendo interferir diretamente na efetividade do serviço entre os membros da equipe, refletindo na resolutividade da assistência e na possibilidade de recuperação do paciente, bem como em outras competências, como comunicação e supervisão(6).
Verifica-se, por conseguinte, que o sucesso de um atendimento nessa conjuntura é decorrente da influência que os profissionais líderes exercem sobre a equipe(7). Assim, faz-se necessário repensar a prática gerencial do enfermeiro líder, buscando averiguar se há relação entre o estilo de liderança adotado e os serviços oferecidos aos pacientes.
Uma revisão integrativa desenvolvida no Brasil apresentou, dentre os principais resultados, a categoria “estilos de liderança exercidos por enfermeiros de unidade de emergência”. Nesta foram elencados três artigos, sendo que um deles apresentou a liderança transformacional como a teoria de liderança adotada nos serviços de urgência, que resultou em maior redução das taxas de rotatividade da equipe de enfermagem quando em comparação com as taxas de hospitais nos quais outros estilos foram utilizados. Outro aspecto relevante dessa revisão diz respeito a escassez de publicações acerca da liderança do enfermeiro em emergência, o que demonstra a necessidade de novas pesquisas que abordem a temática(3).
Reforça-se que a teoria da liderança transformacional conduz os liderados a um alto nível de motivação mediante uma relação estruturada na confiança, valorizando a criatividade e a inovação, de modo que o líder deve atentar-se às preocupações e necessidades de seus liderados(8). Ademais, caracteriza-se como um estilo de liderança que inspira e capacita os seguidores a alcançar resultados extraordinários, visto que transcende os interesses individuais, alinhando objetivos e metas de seguidores, líderes, grupos e organizações(9).
Baseando-se nessas premissas, é importante ressaltar o modelo descrito por Kouzes e Posner(10), fundamentado na teoria de liderança transformacional, o qual estabelece que líderes exemplares promovem uma cultura cujas relações entre os aspirantes a líderes e os seguidores voluntários podem prosperar. Tal modelo engloba cinco princípios denominados de "práticas de liderança exemplar", sendo eles: modelar o estilo, inspirar uma visão compartilhada, desafiar o processo, permitir que os outros ajam e, por fim, animar o coração. Tendo em vista a atual proeminência desses conceitos, esse modelo foi empregado como referencial teórico da presente pesquisa.
Em suma, nota-se que a liderança transformacional tem sido um referencial aplicado no contexto de enfermagem. Todavia, faz-se vital a execução de estudos que explorem e interpretem todos os aspectos desse modelo de liderança no cenário da categoria profissional em pauta(11).
Diante do exposto, esta pesquisa objetivou identificar e analisar os aspectos relacionados à prática da liderança exemplar, baseada na teoria de liderança transformacional, na perspectiva dos enfermeiros do SAMU de uma região do interior paulista, distinguindo a autopercepção desses profissionais enquanto líderes e, do mesmo modo, caracterizando a percepção da liderança exercida por enfermeiros integrantes de suas equipes.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo de abordagem quantitativa, realizado com enfermeiros do SAMU Regional dos 26 municípios que compõem um Departamento Regional de Saúde (DRS) do interior do estado de São Paulo.
A coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2015, abrangendo toda a população de enfermeiros do SAMU da DRS em questão, correspondente a um total de 45 sujeitos. Foram excluídos do estudo aqueles profissionais que estavam em período de férias ou em gozo de algum tipo de licença na ocasião da coleta. Reitera-se que se utilizou, para a coleta de dados, a reunião que ocorre mensalmente com os enfermeiros das unidades do SAMU dos municípios envolvidos.
A princípio, solicitou-se que os profissionais enfermeiros respondessem a um questionário sociodemográfico e às versões EU e OBSERVADOR do instrumento The Leadership Practices Inventory (LPI), desenvolvido pelos autores Kouzes e Posner(10), embasado na teoria de liderança transformacional. Vale enaltecer que os direitos de uso do instrumento foram obtidos seguindo criteriosamente as normas legais e de uso dos direitos autorais adotadas pela empresa. A versão adquirida foi traduzida, adaptada e validada para o português do Brasil, pela Pfeiffer®, que detêm o uso do LPI(10).
As duas versões do LPI são igualmente compostas por 30 afirmações, agrupadas em cinco grandes domínios correspondentes às práticas de liderança exemplar, sendo elas: modele o estilo – o líder esclarece seus valores, ao mesmo passo que os compartilha; questione o processo – o líder procura analisar oportunidades para promover inovações e melhorias, por intermédio de experiências; inspire uma visão comum – alinha a visão do grupo em uma visão comum, apelando para aspirações compartilhadas; capacite os outros para a ação – o líder fomenta a colaboração, a confiança e relacionamentos, além de fortalecer os liderados a partir do aumento da autodeterminação e do desenvolvendo de competências e; anime os corações – o líder reconhece as contribuições individuais, da mesma forma que celebra os valores e as vitórias coletivas.
Para cada afirmação do instrumento em questão, as respostas possíveis estão dispostas em uma escala que varia de 1 (“quase nunca”) a 10 pontos (“quase sempre”)(10). Destarte, as médias de cada um dos cinco domínios possuem variabilidade de 1 a 10 pontos, enquanto a média do instrumento irá variar entre 6 a 60 pontos. Nessa lógica, quanto maior o valor atribuído, maior é a percepção da prática de liderança. Ou seja, conforme essa escala, os sujeitos indagados indicam a frequência com que praticam as ações relatadas em cada uma das afirmações. É imprescindível realçar que, na versão EU, o enfermeiro realiza uma autoavaliação de sua prática, julgando suas atitudes como um enfermeiro líder, enquanto na versão OBSERVADOR, o respondente avalia algum membro de sua equipe considerado um líder exemplar(10).
Adotou-se o software estatístico IBM® SPSS® Statistics (Statistical Package for the Social Sciences), versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL), para a compilação e análise dos dados coletados. Após o processamento das informações, procedeu-se à execução da análise descritiva. As análises foram realizadas considerando um nível de significância de 5% (α=0,05) e intervalo de confiança de 95%.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, em 04 de março de 2015, sob número de aprovação 973220 e CAAE 40470615.1.0000.5393, atendendo as exigências do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Dentre os 45 profissionais enfermeiros que compunham a população deste estudo, apenas 24 (53%) responderam ao instrumento de pesquisa, tendo em vista que cinco enfermeiros se recusaram a respondê-lo, 12 não compareceram à reunião requisitada e quatro atendiam ao critério de exclusão, pois estavam em período de férias ou usufruindo de algum tipo de licença.
Em relação aos dados sociodemográficos, cabe descrever que o número de participantes do gênero feminino se sobressaiu, perfazendo 62,5% dos respondentes. A Tabela 1 destaca os resultados referentes à faixa etária, tempo de formação e tempo de trabalho no SAMU dos indivíduos inquiridos.
Tabela 1 – Distribuição do número de participantes do estudo segundo as características sociodemográficas. São Paulo, SP, Brasil, 2015 (n=24)
Variável (anos) |
n |
% |
Faixa etária |
|
|
< 31 |
1 |
4,2 |
31 – 35 |
8 |
33,4 |
36 – 40 |
7 |
29,2 |
41 – 45 |
3 |
12,6 |
46 – 50 |
4 |
16,7 |
> 50 |
1 |
4,2 |
Tempo de formação profissional |
|
|
< 5 |
1 |
4,2 |
5 – 10 |
13 |
54,2 |
11 – 15 |
6 |
25,0 |
16 – 20 |
3 |
12,6 |
> 21 |
1 |
4,2 |
Tempo de atuação no SAMU |
|
|
< 3 |
9 |
37,5 |
3 – 5 |
9 |
37,5 |
6 – 10 |
5 |
20,9 |
11 – 15 |
1 |
4,2 |
SAMU: Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.
A média de idade dos participantes foi de 38,6 anos, que representa uma faixa etária jovem. Quanto ao tempo de formação dos enfermeiros, verificou-se uma média de 10,8 anos. Além disso, o tempo médio de dedicação dos enfermeiros aos serviços de urgência e emergência foi de 4,3 anos, sendo notório o contraste entre os distintos intervalos de tempo de atuação no SAMU revelados pelos profissionais, visto que determinados participantes apresentaram somente dois anos de trabalho na instituição e outros referiram 15 anos a ela dedicados.
Considerando as versões EU e OBSERVADOR do instrumento LPI, percebeu-se que as avaliações dos participantes atinentes ao comportamento do líder apresentaram diferenças mínimas em comparação com suas autoavaliações.
Apesar das pontuações alcançadas a partir da aplicação do questionário LPI versão EU atingirem valores máximos e mínimos extremos, variando entre dois e dez pontos, o escore médio de cada item variou entre 7,21 e 9,46. Sendo assim, no que concerne à autoavaliação do enfermeiro como líder (LPI versão EU), é possível observar que, de modo geral, estes se ajuizaram como líderes mais flexíveis.
De maneira similar, esses sujeitos efetuaram, na qualidade de observadores, uma avaliação dos outros enfermeiros, considerados líderes em suas equipes, quanto à liderança praticada. Essa avaliação apresentou 10 como maior pontuação e 01 como menor escore atribuído. A média de pontos de cada item do LPI versão OBSERVADOR variou entre 7,38 (menor valor médio) a 8,79 (maior valor médio). Distingue-se que escores inferiores a cinco foram mais frequentes na versão OBSERVADOR do que na versão EU do instrumento.
Os dados referentes às práticas de liderança exemplar estão dispostos na Tabela 2. No que diz respeito à pontuação obtida em meio aos cinco domínios do LPI, constata-se que dentre as práticas de liderança abarcadas pelo instrumento, o domínio intitulado “anime os corações”, concernente à versão EU, apresentou um escore médio superior em relação aos demais, com 8,29 pontos. Em contrapartida, o maior escore médio obtido na versão OBSERVADOR foi verificado nas práticas “questione o processo” e “capacite os outros para a ação”, ambas com pontuação média de 7,71.
Tabela 2 – Comparação entre os escores médios das versões LPI EU e LPI OBSERVADOR considerando as cinco dimensões referentes às práticas de liderança exemplar (n=24). São Paulo, SP, Brasil, 2015
Prática |
LPI EU (n = 24) |
LPI OBS (n = 24) |
Valor p* |
Modele o Estilo |
|
|
0,032** |
Média |
8,08 |
7,38 |
|
Mediana |
8,00 |
8,00 |
|
Desvio Padrão |
0,83 |
1,61 |
|
Mínimo |
6,00 |
2,00 |
|
Máximo |
9,00 |
9,00 |
|
Inspire uma Visão Comum |
|
|
0,173 |
Média |
7,88 |
7,50 |
|
Mediana |
8,00 |
8,00 |
|
Desvio Padrão |
0,95 |
1,22 |
|
Mínimo |
6,00 |
4,00 |
|
Máximo |
9,00 |
9,00 |
|
Questione o Processo |
|
|
0,405 |
Média |
7,88 |
7,71 |
|
Mediana |
8,00 |
8,00 |
|
Desvio Padrão |
1,08 |
1,08 |
|
Mínimo |
5,00 |
4,00 |
|
Máximo |
9,00 |
9,00 |
|
Capacite os outros para ação |
|
|
0,317 |
Média |
8,08 |
7,71 |
|
Mediana |
8,00 |
8,00 |
|
Desvio Padrão |
0,88 |
1,83 |
|
Mínimo |
7,00 |
2,00 |
|
Máximo |
9,00 |
9,00 |
|
Anime os corações |
|
|
0,005** |
Média |
8,29 |
7,42 |
|
Mediana |
8,00 |
8,00 |
|
Desvio Padrão |
0,69 |
1,56 |
|
Mínimo |
7,00 |
2,00 |
|
Máximo |
9,00 |
9,00 |
LPI: Leadership Practices Inventory; *Utilizado teste de Wilcoxon para amostras relacionadas; **Significativo (p < 0,05).
Fonte: Elaborada pelos autores, 2015.
De acordo com as informações contidas na Tabela 2, as cinco práticas pertinentes à liderança exemplar estiveram presentes nas ações dos profissionais perquiridos. Entretanto, somente as práticas “modele o estilo” e “anime os corações” apresentaram pontuações médias com diferenças consideradas estatisticamente significantes entre as duas versões do instrumento (p<0,05).
A despeito de grande parte dos participantes terem se autoavaliado de maneira superior, cabe ressaltar que o número de respondentes que avaliaram mais positivamente outro membro da equipe também foi expressivo, de modo que 11 participantes (45,8%) efetuaram um melhor julgamento acerca de seus líderes do que de si mesmos, conforme exposto na Tabela 3.
Tabela 3 – Distribuição do número de participantes nos grupos “Escore total LPI EU > Escore total LPI OBSERVADOR” e “Escore total LPI EU < Escore total LPI OBSERVADOR”, de acordo com as pontuações absolutas verificadas nas duas versões do LPI (n = 24). São Paulo, SP, Brasil, 2015
Variável |
n |
% |
Escore total LPI EU > Escore total LPI OBSERVADOR |
13 |
54,2 |
Escore total LPI EU < Escore total LPI OBSERVADOR |
11 |
45,8 |
LPI: Leadership Practices Inventory.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2015.
No que tange ao conjunto de informações retratadas nas Tabelas 2 e 3, notou-se que, quando concomitantemente confrontados os resultados das versões EU e OBSERVADOR, as divergências encontradas entre as pontuações foram mínimas.
Quanto às variáveis idade e tempo de formação profissional, quando comparadas entre os grupos “Escore total LPI EU > Escore total LPI OBSERVADOR” e “Escore total LPI EU < Escore total LPI OBSERVADOR”, averiguou-se que não houve relação entre as pontuações obtidas nas versões do instrumento e as variáveis em questão, ou seja, a idade e o tempo de formação profissional dos respondentes não exerceram influência na avaliação da prática da liderança exemplar, conforme explanado na Tabela 4.
Tabela 4 – Caracterização das variáveis idade e tempo de formação profissional de acordo com os grupos “Escore total LPI EU > Escore total LPI OBSERVADOR” (n = 13) e “Escore total LPI EU < Escore total LPI OBSERVADOR” (n = 11). São Paulo, SP, Brasil, 2015
Variável (anos) |
LPI EU > LPI OBSERVADOR (n = 13) |
LPI EU < LPI OBSERVADOR (n = 11) |
Valor p* |
Idade |
|
|
0,145 |
Média |
36,85 |
40,64 |
|
Mediana |
35,00 |
39,00 |
|
Mínimo |
30,00 |
35,00 |
|
Máximo |
49,00 |
51,00 |
|
Desvio padrão |
6,90 |
5,03 |
|
Tempo de formação profissional |
|
|
0,865 |
Média |
11,00 |
10,64 |
|
Mediana |
10,00 |
10,00 |
|
Mínimo |
5,00 |
4,00 |
|
Máximo |
24,00 |
18,00 |
|
Desvio padrão |
5,77 |
4,34 |
*Utilizado teste t ao nível de 5% de significância (p < 0,05). LPI: LPI: Leadership Practices Inventory.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2015.
DISCUSSÃO
Com relação ao perfil sociodemográfico dos enfermeiros do SAMU e, especificamente, a respeito do gênero, os achados deste trabalho corroboram com outras quatro pesquisas. A primeira corresponde a um estudo de caracterização de enfermeiros líderes nos Estados Unidos da América(12), segundo o qual 91,4% dos sujeitos eram do gênero feminino. O segundo trabalho, que aplicou o LPI em enfermeiros de unidades de terapia intensiva, referiu que 77% dos entrevistados eram mulheres(13). O terceiro, que utilizou o mesmo instrumento em enfermeiros de quatro hospitais do interior paulista, encontrou uma porcentagem de indivíduos do gênero feminino equivalente a 90,5%(14). Por fim, o quarto estudo, cuja população foi composta por profissionais de enfermagem, expôs uma alíquota de 84,3% participantes do gênero feminino(9). Cabe destacar que, ao longo de sua história, a enfermagem é distinguida por ser uma profissão constituída, majoritariamente, pelo público feminino, legitimando tais achados.
Quanto ao tempo de formação profissional dos participantes da presente pesquisa, os dados encontrados estão em conformidade com aqueles divulgados em um trabalho desenvolvido no sul do Brasil: 79,5% dos profissionais que trabalhavam em uma unidade do SAMU formaram-se há mais de cinco anos(15).
No que se refere à faixa etária, a maior parte dos respondentes possuíam idades entre 31 e 35 anos. Deste modo, é possível inferir que grande parcela dos participantes era composta por enfermeiros jovens, fato que coincide com os resultados de um trabalho de caracterização dos profissionais atuantes no serviço do SAMU do interior gaúcho(15), que evidenciou frequência superior de indivíduos nessa faixa etária, bem como as informações de outros dois estudos que utilizaram o LPI como instrumento de coleta, sendo um deles desenvolvido em unidades de terapia intensiva nos Estados Unidos(13) e outro em um hospital da China(16).
No que tange o tempo de dedicação aos serviços de urgência, conforme a Tabela 1, a média apurada por esta pesquisa foi de 4,3 anos, com intervalo variando entre dois e 15 anos de atuação na área. Complementar a esses achados, acentua-se que não foram detectadas associações estatisticamente significantes entre as variáveis idade e tempo de formação profissional com as práticas da liderança exemplar descritas nas versões EU e OBSERVADOR do LPI (Tabela 4). A respeito desses resultados, frisa-se que os enfermeiros dos serviços de urgência necessitam de discernimento e maturidade para desenvolver suas habilidades, pois além de atribuições e responsabilidades específicas da assistência, esses profissionais contribuem com ações de planejamento, organização e coordenação gerencial(7).
O serviço de APH móvel de urgência e emergência se constitui em um importante componente da assistência à saúde, e tem exigido profissionais cada vez mais flexíveis, tanto para o gerenciamento quanto para a liderança de suas equipes, possibilitando um atendimento de qualidade para os usuários(3). Observa-se que, perante tal exigência aos profissionais dos serviços de urgência e emergência, os líderes nessa área estão propensos a realizar uma autoavaliação dinâmica, visto que liderar pessoas é uma tarefa complexa, demandando manejo ao lidar com valores humanos, sentimentos, direitos e deveres e, portanto, requerendo que os profissionais inseridos no setor sejam rigorosos consigo mesmos.
Por conseguinte, segundo a Tabela 3, a diferença observada entre os resultados oriundos das duas versões da avaliação possibilitou a constatação de que os respondentes da pesquisa apontaram algumas dificuldades enfrentadas pelos profissionais enfermeiros no que concerne às questões de relacionamento entre líder e membros de sua equipe. Ademais, com base no referencial teórico adotado(10), é indispensável ponderar que liderar não se resume a possuir habilidade de instigar um determinado grupo para o alcance de uma meta, englobando também a capacidade de aprimorar o potencial humano, ou seja, inspirar, motivar, capacitar e promover o desenvolvimento de seus seguidores(9,17,18).
Atualmente, os estudos associam a relação dialógica entre o líder e seus liderados em consonância com a cultura das organizações em que eles estão inseridos, tendo em vista que, em algumas situações, o líder delega a autoridade aos liderados, nivelando e apoiando as atividades desempenhadas por sua equipe e obtendo melhores resultados(19).
Nesse sentido, faz-se necessário destacar a complexidade da liderança no contexto de urgência e emergência, realçando as relações entre as equipes de enfermagem e outros profissionais, além da estrutura das organizações de saúde, as quais refletem a hierarquia das instituições sociais, articuladas por meio de vínculos de poder(3). Logo, tal hierarquia dificulta a flexibilidade demandada e almejada pelos líderes contemporâneos(10,17).
O líder também deve pautar-se em outras aptidões, como comunicação, diálogo, resolução de conflitos, motivação da equipe e harmonização de propostas de trabalho na equipe de enfermagem, alcançando os objetivos da instituição(19).
De acordo com as tabelas referentes à versão EU e versão OBSERVADOR, pode-se assumir que os participantes e os líderes por eles avaliados apresentaram as cinco práticas da liderança exemplar durante atuação como enfermeiros do SAMU Regional do interior paulista, em conformidade com a definição de Kouzes e Posner(10).
Em relação à Tabela 2 especificamente, os escores mínimos atribuídos a cada prática do instrumento versão EU variaram entre 5,0 e 7,0, uma vez que nenhum dos participantes apresentou média menor que 7,88 para as cinco práticas da liderança exemplar. Em referência às pontuações máximas, o maior escore atingido foi de 9,0, e a média geral dos participantes foi de 8,29, conjuntura que reforça a existência de uma regularidade entre as respostas dos sujeitos indagados e atesta que o caminho a ser seguido pelos profissionais até o recebimento do título de líder não é algo padronizado, mas sim adquirido.
Recorda-se que, neste estudo, dentre as cinco práticas da liderança exemplar, os domínios “anime os corações”, “capacite os outros para a ação” e “modele o estilo” apresentaram as maiores médias na versão EU do LPI, dados semelhantes àqueles descritos em um estudo estadunidense(9), em que os domínios “anime os corações” e “capacite os outros para a ação” exibiram as maiores médias.
Segundo o referencial de liderança transformacional empregado(10), “anime os corações” corresponde ao reconhecimento das contribuições individuais, demonstrando apreço pela excelência, celebrando vitórias e estabelecendo um espírito de equipe. Assim, em consonância com a literatura, verifica-se a importância da liderança para o sincronismo do trabalho em equipe no atendimento pré-hospitalar(3,5).
A prática denominada “capacite os outros para a ação” obteve a segunda maior média na versão EU e, paralelamente, na versão OBSERVADOR também se apresentou como um dos dois domínios com maior média. O conceito desse postulado envolve a capacidade de promover a colaboração, a confiança e a partilha do poder(10). Igualmente, um estudo desenvolvido no interior paulista, empregando o mesmo instrumento, exibiu a maior média no domínio citado(14), da mesma forma que estudo desenvolvido em hospitais “magnéticos”(20).
Nesse sentido, reafirma-se a necessidade de que os enfermeiros das unidades de emergências estejam preparados para exercer as atividades que lhes são atribuídas de forma correta e eficaz(6), possibilitando, consequentemente, o estabelecimento de uma rede de colaboração e confiança que permita a partilha do poder entre os profissionais visando à ação.
A prática intitulada “modele o estilo” compreende o exercício de esclarecer valores pessoais, definir exemplos e alinhar ações com os valores compartilhados da equipe, ou seja, trata-se de uma forma de elucidar os valores dos liderados, incentivando-os a encontrar suas próprias qualidades(10). Estudo desenvolvido em unidade de terapia intensiva nos Estados Unidos apresentou associação positiva entre o domínio “modele o estilo” com a variável satisfação no trabalho, robustecendo a significância dessa prática do líder exemplar(13). A liderança transformacional de gestores de enfermagem tem um grande efeito sobre o nível de satisfação no trabalho, sendo essencial o desenvolvimento de programas de treinamento para aprimorar o conhecimento sobre a competência e desenvolver habilidades nos gestores de enfermagem(16).
Os resultados alcançados neste estudo demonstraram que as práticas estabelecidas pelos líderes estão em sintonia com as práticas por eles percebidas, pois ainda que exista discrepância entre as notas, a diferença não foi significativa na totalidade das práticas, com exceção de “modele o estilo” e “anime os corações” que apresentaram, respectivamente, médias de 8,08 e 7,38 na versão EU, enquanto que a versão OBSERVADOR exibiu valores médios de 8,29 e 7,42.
A julgar pelas informações fornecidas, foi possível perceber que, para os entrevistados, a capacidade de promover a colaboração, a confiança e a partilha do poder revelava um número superior de barreiras relativas ao exercício da liderança na profissão do que quando comparada às atuações decorrentes da prática “anime os corações”. Tal cenário é conflitante, já que, no ambiente de urgência e emergência, tornam-se fundamentais as ações de colaboração, confiança e partilha do poder entre membros da equipe, viabilizando a eficiência na condução da equipe(7).
Observou-se, enfim, a necessidade de novos estudos utilizando o mesmo instrumento no contexto do SAMU, tendo em vista que o líder desenvolve visões hodiernas para a organização e mobiliza os membros da equipe para a concordância e cumprimento das tarefas, transformando tais visões em ações concretas. Além disso, verifica-se que o estilo transformacional de liderança, ao contrário da liderança tradicional, aperfeiçoa verdadeiramente a performance de uma equipe de atendimento pré-hospitalar.
CONCLUSÃO
A execução desta pesquisa possibilitou atestar que, dentre as cinco práticas que delineiam a liderança exemplar, os respondentes se autoavaliaram positivamente em todas elas. Ademais, foi factível perceber que não há possibilidade de que qualquer estilo de liderança seja incorporado pelos enfermeiros das unidades do SAMU sem que estes profissionais conheçam a filosofia gerencial da instituição, as características pessoais de seus liderados e as prováveis dificuldades a serem enfrentadas.
Há necessidade de desenvolver pesquisas que investiguem a melhoria da qualidade da assistência por meio da utilização de práticas de liderança inovadoras, como a liderança transformacional, estimulando e satisfazendo os profissionais em suas funções, bem como tornando-os corresponsáveis pelos resultados do cuidado prestado aos pacientes.
Esta pesquisa consentiu certificar que as cinco práticas da liderança exemplar mostraram-se presentes no comportamento dos enfermeiros que atuavam nos serviços de urgência e emergência. Além disso, no que diz respeito aos dados obtidos mediante aplicação do LPI, verificou-se que a liderança é essencial na garantia da efetividade do trabalho de enfermagem no APH, interferindo diretamente nas articulações entre os membros da equipe e, assim, refletindo na assistência, na satisfação dos profissionais envolvidos e no cuidado prestado ao paciente.
Por fim, a liderança desponta como uma competência imprescindível aos enfermeiros dos serviços de emergência, tornando-se uma condição primordial no âmbito da gerência da equipe de enfermagem, carecendo de investimentos por parte dos gestores para o aprimoramento de tal competência entre os profissionais da categoria.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 06/04/2017
Revisado: 22/11/2019
Aprovado: 22/11/2019