Objetivo: verificar a relação entre fatores de risco e dados clínicos com o diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco e ressecamento ocular em pacientes adultos internados na unidade de terapia intensiva (UTI). Método: trata-se de um estudo piloto transversal realizado na UTI de um hospital público, entre outubro e dezembro de 2015. Resultados: observaram-se relações estatisticamente significantes com o diagnóstico de enfermagem em estudo e os seguintes fatores de risco e dados clínicos: terapia com ventilação mecânica, lesões neurológicas com perda sensorial reflexo motora, teste de Schirmer e tempo de internação. A quemose, uso de drogas vasoativas, teste de Schirmer e dias de internação também apresentaram relação significativa com o ressecamento ocular. Conclusão: os resultados sugerem que alguns fatores de risco e determinados dados clínicos podem apresentar maior relação no ambiente da UTI. Implicações práticas: o conhecimento proporcionado pode subsidiar o planejamento de intervenções com vistas a evitar agravos visuais.
Descritores: Processo de Enfermagem; Diagnóstico de Enfermagem; Síndromes do Olho Seco; Unidades de Terapia Intensiva.
Verificar a relação entre fatores de risco e dados clínicos com o diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco e ressecamento ocular em pacientes adultos internados na unidade de terapia intensiva (UTI).
Trata-se de um estudo piloto transversal proveniente de um projeto maior, realizado na UTI de adultos de um hospital público de referência em média e alta complexidade, localizado no nordeste brasileiro, entre outubro e dezembro de 2015.
Com a utilização da coleta piloto foi possível testar o instrumento de coleta de dados e fazer os ajustes necessários para o início da pesquisa, o tempo médio para coleta por paciente (30 minutos), estruturar o banco de dados e, sobretudo, calcular a amostra final (206 pacientes) do projeto maior com o dado da prevalência do diagnóstico de enfermagem em estudo, coletada entre janeiro e julho de 2016. Foram selecionados 30 pacientes (60 olhos) por conveniência e de forma consecutiva. Os pacientes elegíveis atenderam aos seguintes critérios de inclusão: estarem internados na UTI do referido hospital com tempo de internação superior a 24 horas, terem idade igual ou superior a 18 anos e não possuírem danos ou tratamentos oculares no momento da coleta de dados. Foram excluídos pacientes com agitação ou em situações de emergência com risco de morte durante a coleta de dados.
Foi utilizado um instrumento que continha variáveis relacionadas aos dados sociodemográficos, clínicos e fatores de risco do diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco descritos na taxonomia II da NANDA-Internacional(1). A inferência quanto à presença do diagnóstico nos pacientes avaliados foi realizada por um par de enfermeiros diagnosticadores com experiência em julgamento diagnóstico e em UTI. No caso de divergência entre a presença ou ausência do diagnóstico, foi solucionada mediante consenso. Identificou-se um coeficiente Kappa de 0,81 entre os enfermeiros diagnosticadores, ou seja, concordância quase perfeita.
A inferência do ressecamento ocular em pacientes internados em UTI foi realizada da seguinte forma: presença de um teste de volumetria insuficiente (Schirmer I <10 milímetros) associado em conjunto com um sinal clínico positivo (hiperemia ocular e/ou secreção mucosa). Para análise dos dados foi utilizado o Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 para teste, que incluiu a estatística descritiva mediante frequências, medidas do centro da distribuição e suas variabilidades. A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste Shapiro-Wilk confirmado mediante análises individualizadas da assimetria, curtose, histograma, gráfico Quantil-Quantil (Q-Q Plot) e Boxplot. Para medidas associativas dos dados categóricos nominais foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson e quando as frequências esperadas foram menores que cinco aplicou-se o exato de Fisher. Para comparar médias, o teste t de Student foi aplicado para amostras independentes. Em caso de assimetria, foi empregado o teste de Mann-Whitney. Em todos os testes foi adotado um nível de significância de 5% (α=0,05).
Destaca-se que foi obtido consentimento por escrito de cada participante ou familiar responsável. Obteve-se parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa por meio do conselho institucional sob número 918.510 e CAAE 36079814.6.0000.5537. Este estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (processo n° 444290/2014-1).
Em relação ao perfil sociodemográfico e clínico, 63,3% eram do sexo feminino com uma média de 61,6 (±14,4) anos de idade; 73,3% foram internados na UTI em virtude da recuperação pós-operatória. Em relação às comorbidades, destacou-se a hipertensão arterial sistêmica e a diabetes mellitus, identificadas em 66,7% e 43,3% dos pacientes, respectivamente. Dos 60 olhos avaliados, 13 (21,7%) apresentaram risco de olho seco, conforme demonstrado na tabela 1.
Tabela 1. Prevalência do diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco e do ressecamento ocular no estudo piloto. Natal, 2016. (n=60).
Legenda: OD: olho direito; OE: olho esquerdo.
Quantos aos fatores de risco entre os pacientes com risco de olho seco, 100% estavam expostos a fatores ambientais (uso de ar condicionado) e ao regime de tratamento (uso de anti-hipertensivos e/ou anti-histamínicos e/ou diuréticos e/ou esteroides e/ou antidepressivos e/ou analgésicos e/ou sedativos), 69,2% ao sexo feminino e ao estilo de vida (tabagismo e/ou uso de cafeína), 38,5% ao envelhecimento, 7,7% à terapia com ventilação mecânica (p=0,021) e às lesões neurológicas com perda sensorial reflexo motora (p=0,021). O teste de Schirmer obteve uma mediana de 18 milímetros (p=<0,001). A mediana do tempo de internação foi de dois dias (p=0,020), e a média do número de piscadas por minuto foi de 9,62 (± 6,35), conforme demonstrado na Tabela 2.
Tabela 2. Caracterização dos fatores de risco e dados clínicos identificados nos pacientes com o diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco no estudo piloto. Natal, 2016. (n=13).
Legenda: 1Teste Qui-Quadrado de Pearson; 2Teste exato de Fisher; *Teste Shapiro-Wilk; 3Teste t de Student; 4Teste U de Mann-Whitney.
Dentre os 78,3% dos olhos que apresentaram o diagnóstico clínico de ressecamento ocular, 40,4% tiveram hiperemia, 27,7% tiveram quemose (p= 0,052) e 25,5%, 19,1% e 17,0% apresentaram secreção mucosa, lagoftalmia e edema palpebral, nesta ordem. Dentre os acometidos, 44,7% estavam expostos ao uso de ventilação mecânica invasiva e faziam uso de drogas vasoativas endovenosas (p=0,041). O uso de sedativos esteve presente em 27,7% dos pacientes com ressecamento. O teste de Schirmer apresentou uma mediana de 4 milímetros (p=<0,001). O número mediano de dias de internação foi de 6 dias (p=0,020). A mediana do número de piscadas por minuto foi 5, de acordo com a Tabela 3.
Tabela 3. Caracterização da avaliação ocular e dados clínicos identificados nos pacientes com ressecamento ocular no estudo piloto. Natal, 2016. (n=60).
Legenda: 1Teste Qui-Quadrado de Pearson; 2Teste exato de Fisher; *Teste Shapiro-Wilk; 3Teste U de Mann-Whitney.
Em outros estudos realizados na UTI, a prevalência do ressecamento ocular variou entre 19,2% e 32,2%(2,3). Quanto à presença dos fatores de risco para o diagnóstico de enfermagem em estudo, sabe-se que os fatores ambientais, como umidade do ar e uso de ar condicionado, e o regime de tratamento, como o uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina, anti-histamínicos, diuréticos, esteroides, antidepressivos, analgésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares, influenciam no ressecamento da superfície ocular)(1)).
Ademais, o uso de ventilação mecânica pode causar como efeito adverso o edema conjuntival e como consequência o fechamento incompleto das pálpebras. Ainda, o uso de pressão expiratória final positiva (PEEP) pode comprometer o olho por causar alteração da perfusão ocular)(4,5)).
As lesões neurológicas com perda sensorial reflexa motora, com consequente lagoftalmia e/ou falta do reflexo espontâneo do piscar, também se configuram como fatores de risco que influenciam no ressecamento ocular. A redução ou falta do reflexo espontâneo limita de forma significativa na limpeza e remoção dos microorganismos da superfície ocular)(6)). A lagoftalmia constitui-se como principal fator predisponente para doenças da superfície ocular, das quais se inclui o ressecamento ocular)(4)). Outra pesquisa realizada na UTI relatou que as alterações na córnea foram mais presentes quando associadas à lagoftalmia)(7)).
Salienta-se que a deficiência na produção lacrimal pode resultar em hiperemia, a qual apresentou-se como um preditor para o desenvolvimento do olho seco. Além disso, conforme já mencionado, a quemose (edema conjuntival) pode ocasionar o fechamento palpebral incompleto e consequente instabilidade do filme lacrimal)(8)). Ainda, estudo relata que pacientes que utilizam sedativos e drogas vasoativas têm alterações importantes no filme lacrimal)(9)).
Conforme observado, a redução da volumetria lacrimal nos pacientes com ressecamento ocular verificado pelo teste de schirmer demonstrou uma relação estatística significativa. Além do mais, o tempo de internação é fator de risco para alterações oculares, uma vez que os pacientes críticos admitidos nas UTI estão predispostos a perderem seus mecanismos naturais de proteção ocular)(6)). No entanto, vale salientar as limitações do presente estudo em relação ao tamanho amostral e pelo próprio delineamento utilizado, por não permitir inferências de causa e efeito.
Os resultados apontam para a presença de relação significativa entre os fatores de risco terapia com ventilação mecânica e lesões neurológicas com perda sensorial reflexo motora e o diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco. Outros dados clínicos significativos na UTI incluíram quemose, uso de drogas vasoativas, teste de Schirmer e dias de internação.
Os fatores de risco e preditores clínicos identificados nos pacientes internados em UTI, sobretudo os que apresentaram significância estatística podem subsidiar o planejamento de intervenções com vistas a evitar agravos visuais ao levar em consideração o plano de ação mundial sobre saúde ocular para 2014-2019 da Organização Mundial de Saúde)(10)).
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recebido: 24/01/2017 Revisado: 17/02/2019 Aprovado: 17/02/2019