COMUNICAÇÕES BREVES

Risco de olho seco e ressecamento ocular em terapia intensiva: estudo transversal


Jéssica Naiara de Medeiros Araújo1, Ana Paula Nunes de Lima Fernandes1, Hanna Priscilla da Silva1, Viviane Euzébia Pereira Santos1, Marcos Antonio Ferreira Júnior2, Allyne Fortes Vitor1

1Universidade Federal do Rio Grande do Norte
2Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

RESUMO

Objetivo: verificar a relação entre fatores de risco e dados clínicos com o diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco e ressecamento ocular em pacientes adultos internados na unidade de terapia intensiva (UTI). Método: trata-se de um estudo piloto transversal realizado na UTI de um hospital público, entre outubro e dezembro de 2015. Resultados: observaram-se relações estatisticamente significantes com o diagnóstico de enfermagem em estudo e os seguintes fatores de risco e dados clínicos: terapia com ventilação mecânica, lesões neurológicas com perda sensorial reflexo motora, teste de Schirmer e tempo de internação. A quemose, uso de drogas vasoativas, teste de Schirmer e dias de internação também apresentaram relação significativa com o ressecamento ocular. Conclusão: os resultados sugerem que alguns fatores de risco e determinados dados clínicos podem apresentar maior relação no ambiente da UTI. Implicações práticas: o conhecimento proporcionado pode subsidiar o planejamento de intervenções com vistas a evitar agravos visuais.

Descritores: Processo de Enfermagem; Diagnóstico de Enfermagem; Síndromes do Olho Seco; Unidades de Terapia Intensiva.


DIFERENCIAL DA PESQUISA

Figura 1

OBJETIVO

Verificar a relação entre fatores de risco e dados clínicos com o diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco e ressecamento ocular em pacientes adultos internados na unidade de terapia intensiva (UTI).

MÉTODO

Trata-se de um estudo piloto transversal proveniente de um projeto maior, realizado na UTI de adultos de um hospital público de referência em média e alta complexidade, localizado no nordeste brasileiro, entre outubro e dezembro de 2015.

Com a utilização da coleta piloto foi possível testar o instrumento de coleta de dados e fazer os ajustes necessários para o início da pesquisa, o tempo médio para coleta por paciente (30 minutos), estruturar o banco de dados e, sobretudo, calcular a amostra final (206 pacientes) do projeto maior com o dado da prevalência do diagnóstico de enfermagem em estudo, coletada entre janeiro e julho de 2016. Foram selecionados 30 pacientes (60 olhos) por conveniência e de forma consecutiva. Os pacientes elegíveis atenderam aos seguintes critérios de inclusão: estarem internados na UTI do referido hospital com tempo de internação superior a 24 horas, terem idade igual ou superior a 18 anos e não possuírem danos ou tratamentos oculares no momento da coleta de dados. Foram excluídos pacientes com agitação ou em situações de emergência com risco de morte durante a coleta de dados.

Foi utilizado um instrumento que continha variáveis relacionadas aos dados sociodemográficos, clínicos e fatores de risco do diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco descritos na taxonomia II da NANDA-Internacional(1). A inferência quanto à presença do diagnóstico nos pacientes avaliados foi realizada por um par de enfermeiros diagnosticadores com experiência em julgamento diagnóstico e em UTI. No caso de divergência entre a presença ou ausência do diagnóstico, foi solucionada mediante consenso. Identificou-se um coeficiente Kappa de 0,81 entre os enfermeiros diagnosticadores, ou seja, concordância quase perfeita.

A inferência do ressecamento ocular em pacientes internados em UTI foi realizada da seguinte forma: presença de um teste de volumetria insuficiente (Schirmer I <10 milímetros) associado em conjunto com um sinal clínico positivo (hiperemia ocular e/ou secreção mucosa). Para análise dos dados foi utilizado o Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 para teste, que incluiu a estatística descritiva mediante frequências, medidas do centro da distribuição e suas variabilidades. A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste Shapiro-Wilk confirmado mediante análises individualizadas da assimetria, curtose, histograma, gráfico Quantil-Quantil (Q-Q Plot) e Boxplot. Para medidas associativas dos dados categóricos nominais foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson e quando as frequências esperadas foram menores que cinco aplicou-se o exato de Fisher. Para comparar médias, o teste t de Student foi aplicado para amostras independentes. Em caso de assimetria, foi empregado o teste de Mann-Whitney. Em todos os testes foi adotado um nível de significância de 5% (α=0,05).

Destaca-se que foi obtido consentimento por escrito de cada participante ou familiar responsável. Obteve-se parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa por meio do conselho institucional sob número 918.510 e CAAE 36079814.6.0000.5537. Este estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (processo n° 444290/2014-1).

RESULTADOS

Em relação ao perfil sociodemográfico e clínico, 63,3% eram do sexo feminino com uma média de 61,6 (±14,4) anos de idade; 73,3% foram internados na UTI em virtude da recuperação pós-operatória. Em relação às comorbidades, destacou-se a hipertensão arterial sistêmica e a diabetes mellitus, identificadas em 66,7% e 43,3% dos pacientes, respectivamente. Dos 60 olhos avaliados, 13 (21,7%) apresentaram risco de olho seco, conforme demonstrado na tabela 1.

Tabela 1. Prevalência do diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco e do ressecamento ocular no estudo piloto. Natal, 2016. (n=60).

Tabela 1

Legenda: OD: olho direito; OE: olho esquerdo.

Quantos aos fatores de risco entre os pacientes com risco de olho seco, 100% estavam expostos a fatores ambientais (uso de ar condicionado) e ao regime de tratamento (uso de anti-hipertensivos e/ou anti-histamínicos e/ou diuréticos e/ou esteroides e/ou antidepressivos e/ou analgésicos e/ou sedativos), 69,2% ao sexo feminino e ao estilo de vida (tabagismo e/ou uso de cafeína), 38,5% ao envelhecimento, 7,7% à terapia com ventilação mecânica (p=0,021) e às lesões neurológicas com perda sensorial reflexo motora (p=0,021). O teste de Schirmer obteve uma mediana de 18 milímetros (p=<0,001). A mediana do tempo de internação foi de dois dias (p=0,020), e a média do número de piscadas por minuto foi de 9,62 (± 6,35), conforme demonstrado na Tabela 2.

Tabela 2. Caracterização dos fatores de risco e dados clínicos identificados nos pacientes com o diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco no estudo piloto. Natal, 2016. (n=13).

Tabela 2

Legenda: 1Teste Qui-Quadrado de Pearson; 2Teste exato de Fisher; *Teste Shapiro-Wilk; 3Teste t de Student; 4Teste U de Mann-Whitney.

Dentre os 78,3% dos olhos que apresentaram o diagnóstico clínico de ressecamento ocular, 40,4% tiveram hiperemia, 27,7% tiveram quemose (p= 0,052) e 25,5%, 19,1% e 17,0% apresentaram secreção mucosa, lagoftalmia e edema palpebral, nesta ordem. Dentre os acometidos, 44,7% estavam expostos ao uso de ventilação mecânica invasiva e faziam uso de drogas vasoativas endovenosas (p=0,041). O uso de sedativos esteve presente em 27,7% dos pacientes com ressecamento. O teste de Schirmer apresentou uma mediana de 4 milímetros (p=<0,001). O número mediano de dias de internação foi de 6 dias (p=0,020). A mediana do número de piscadas por minuto foi 5, de acordo com a Tabela 3.

Tabela 3. Caracterização da avaliação ocular e dados clínicos identificados nos pacientes com ressecamento ocular no estudo piloto. Natal, 2016. (n=60).

Tabela 3

Legenda: 1Teste Qui-Quadrado de Pearson; 2Teste exato de Fisher; *Teste Shapiro-Wilk; 3Teste U de Mann-Whitney.

DISCUSSÃO

Em outros estudos realizados na UTI, a prevalência do ressecamento ocular variou entre 19,2% e 32,2%(2,3). Quanto à presença dos fatores de risco para o diagnóstico de enfermagem em estudo, sabe-se que os fatores ambientais, como umidade do ar e uso de ar condicionado, e o regime de tratamento, como o uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina, anti-histamínicos, diuréticos, esteroides, antidepressivos, analgésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares, influenciam no ressecamento da superfície ocular)(1)).

Ademais, o uso de ventilação mecânica pode causar como efeito adverso o edema conjuntival e como consequência o fechamento incompleto das pálpebras. Ainda, o uso de pressão expiratória final positiva (PEEP) pode comprometer o olho por causar alteração da perfusão ocular)(4,5)).

As lesões neurológicas com perda sensorial reflexa motora, com consequente lagoftalmia e/ou falta do reflexo espontâneo do piscar, também se configuram como fatores de risco que influenciam no ressecamento ocular. A redução ou falta do reflexo espontâneo limita de forma significativa na limpeza e remoção dos microorganismos da superfície ocular)(6)). A lagoftalmia constitui-se como principal fator predisponente para doenças da superfície ocular, das quais se inclui o ressecamento ocular)(4)). Outra pesquisa realizada na UTI relatou que as alterações na córnea foram mais presentes quando associadas à lagoftalmia)(7)).

Salienta-se que a deficiência na produção lacrimal pode resultar em hiperemia, a qual apresentou-se como um preditor para o desenvolvimento do olho seco. Além disso, conforme já mencionado, a quemose (edema conjuntival) pode ocasionar o fechamento palpebral incompleto e consequente instabilidade do filme lacrimal)(8)). Ainda, estudo relata que pacientes que utilizam sedativos e drogas vasoativas têm alterações importantes no filme lacrimal)(9)).

Conforme observado, a redução da volumetria lacrimal nos pacientes com ressecamento ocular verificado pelo teste de schirmer demonstrou uma relação estatística significativa. Além do mais, o tempo de internação é fator de risco para alterações oculares, uma vez que os pacientes críticos admitidos nas UTI estão predispostos a perderem seus mecanismos naturais de proteção ocular)(6)). No entanto, vale salientar as limitações do presente estudo em relação ao tamanho amostral e pelo próprio delineamento utilizado, por não permitir inferências de causa e efeito.

CONCLUSÃO

Os resultados apontam para a presença de relação significativa entre os fatores de risco terapia com ventilação mecânica e lesões neurológicas com perda sensorial reflexo motora e o diagnóstico de enfermagem de risco de olho seco. Outros dados clínicos significativos na UTI incluíram quemose, uso de drogas vasoativas, teste de Schirmer e dias de internação.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Os fatores de risco e preditores clínicos identificados nos pacientes internados em UTI, sobretudo os que apresentaram significância estatística podem subsidiar o planejamento de intervenções com vistas a evitar agravos visuais ao levar em consideração o plano de ação mundial sobre saúde ocular para 2014-2019 da Organização Mundial de Saúde)(10)).


REFERÊNCIAS

  1. Herdman TH, Kamitsuru S. Diagnósticos de Enfermagem da NANDA: definições e classificação 2015-2017. Porto Alegre: Artmed, 2015.
  2. Onwubiko SN, Eze BI, Udeh NN, Arinze OC, Onwasigwe EN, Umeh RE. Dry eye disease: Prevalence, distribution and determinants in a hospital-based population. Cont Lens Anterior Eye. [Internet] 2014 [cited 2016 jun 16]; 37(2014):157–61. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.clae.2013.09.009.
  3. Alavi NM, Sharifitabar Z, Shaeri M, Hajbaghery MA. An audit of eye dryness and corneal abrasion in ICU patients in Iran. Nurs Crit Care. [Internet] 2014 [cited 2016 jun 16]; 19(2):73-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/nicc.12052.
  4. Alansari MA, Hijazi MH, Maghrabi KA. Making a Difference in Eye Care of the Critically Ill Patients. J Intensive Care Med. [Internet] 2015 [cited 2016 jun 16]; 30(6):311-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0885066613510674.
  5. Kousha O, Kousha Z, Paddle J. Exposure keratopathy: Incidence, risk factors and impact of protocolised care on exposure keratopathy in critically ill adults. J Crit Care. [Internet] 2018 [cited 2019 feb 06]; 44:413-8. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jcrc.2017.11.031.
  6. Güler EK, Eşer İ, Fashafsheh IHD. Intensive Care Nurses’ Views and Practices for Eye Care: An International Comparison. Clin Nurs Res. [Internet] 2017 [cited 2019 feb 06]; 26(4):504–24. DOI: https://doi.org/10.1177/1054773816631471.
  7. Kuruvilla S, Peter J, David S, Premkumar PS, Ramakrishna K, Thomas L et al. Incidence and risk factor evaluation of exposure keratopathy in critically ill patients: A cohort study. J Crit Care. [Internet] 2015 [cited 2019 feb 06]; 30(2):400-4. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jcrc.2014.10.009.
  8. Araújo DD, Almeida NG, Silva PMA, Ribeiro NS, Werli-Alvarenga A, Chianca TCM. Prediction of risk and incidence of dry eye in critical patients. Rev Latino-Am Enfermagem. [Internet] 2016 [cited 2016 dec 16]; 24:e2689. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0897.2689.
  9. Oliveira RS, Fernandes APNL, Botarelli FR, Araújo JNM, Barreto VP, Vitor AF. Risk factors for injury in the cornea in critical patients in intensive care: an integrative review. J res fundam care online. [Internet] 2016 [cited 2016 dec 16]; 8(2):4423-34. DOI: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i2.4423-4434
  10. World Health Organization – WHO. Universal eye health: a global action plan 2014-2019. [Internet]. 2014. [cited 2016 jun 16]. Available from: http://www.who.int/blindness/actionplan/en/.

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Recebido: 24/01/2017 Revisado: 17/02/2019 Aprovado: 17/02/2019